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O papel social da pesquisa em enfermagem

EDITORIAL

O papel social da pesquisa em enfermagem

Jussara Gue Martini

Editor Científico da REBEn e Diretora de Publicações e Comunicação Social da ABEn (2007-2010)

Na construção de seus caminhos, buscando tornar-se socialmente significativa, a Enfermagem, procura afastar-se da dependência de outras áreas profissionais, mudando o seu referencial de leitura de mundo, reorganizando os processos de formação, reorientando seus saberes e práticas, elaborando teorias fundamentadas em outros paradigmas - experimentando o novo.

A pesar de todo o desenvolvimento e aperfeiçoamento das redes digitais, dos níveis crescentes de acesso da população às informações e avanços na geração de um sistema de informações como instrumento de consciência crítica e pensamento inovador, os benefícios alcançados na produção de novas formas de cuidar tem sido questionáveis.

Neste sentido, um dos objetivos da produção e disseminação de conhecimentos é o de refletir sobre a possibilidade de abandono do modelo de funcionalismo informático e avançar na direção de modos de fazer ciência em Enfermagem que contribuam para minimizar as desigualdades sociais. Tal decisão implica em nos fazermos visíveis nos diferentes espaços de poder que derrotam o conhecimento ao impedir a reinvenção de sistemas coletivos de empoderamento.

A alternativa, talvez, seja a de examinarmos o caminho percorrido, evidenciando os limites e potencialidades de cada ação. A produção e disseminação de conhecimentos, como aspectos fundamentais para a inovação precisam desenvolver-se com compromisso social e político, além do científico.

Apesar de mais de 80% da mão de obra do mundo trabalhar em mercados locais e apesar de grande parte dos recursos não circularem globalmente, nossas produções se direcionam para conexões em redes mundiais, de modo que nossos saberes dependem da dinâmica de funcionamento de determinados "núcleos científicos centrais". Neste processo, a informação ocupa uma posição central, oferecendo a tecnologia que garante a interconexão dos vários elementos, pessoas e processos que viabilizam a sociedade do conhecimento.

No entanto, a descentralização, a flexibilidade, e a velocidade que caracterizam nossa sociedade não nos leva à democratização; mas, ao contrário, nos leva a uma implosão da centralização; a uma inédita concentração de poder de decisão. A informação e a tecnologia por si mesmas não levam à concentração, mas sua lógica determinante é o produtivismo privado, vazio de conteúdo integrador.

Desse modo, o conhecimento produz, difunde e propicia a base material para o universo simbólico em saúde, sendo portador de sensibilidades e matriz de sociabilidades. Isto chama a atenção para os problemas de obscurecimento, legitimação e industrialização da memória. Pois na atualidade a memória literal dos livros e textos é substituída por memórias analógicas e digitais e já não é necessário o trabalho crítico, uma vez que se delega a codificação e decodificação às máquinas, o que provoca uma industrialização da memória, produzindo um conhecimento "pasteurizado", distante da comparação, reflexão e avaliação histórico-social do pesquisador.

Perde-se, assim, o controle sobre a aceleração dos ritmos de produção de informação e se empobrece o conhecimento integral, rompe-se com o pensamento crítico.

A informação é uma ferramenta política do discurso científico e suas contraposições expressam os interesses em jogo no cenário político. Os conceitos e termos operativos com posição hegemônica em um campo científico se constroem como respostas à pressões e se acoplam à necessidades e benefícios de quem tem o poder de sustentá-los. Os paradigmas e códigos utilizados nascem e se desenvolvem em ambientes socioculturais concretos, onde certas idéias são possíveis e valorizadas.

A ampliação da tradução/transferência de conhecimentos, em redes horizontais ligadas à sociedade civil, constitui-se numa espécie de bem que cresce na medida em que é usado/aplicado e decresce se o contrário acontece. De um modo geral, pode-se dizer, então, que o conhecimento deve estimular a cooperação; ser produzido em interação e interconexão com as necessidades sociais; buscando melhores fluxos de informação e de confiança entre os atores sociais. No caso da área da saúde, visa promover um viver saudável para todos.

Tais reflexões apontam para a urgência de nos apropriarmos do debate sobre qual informação, qual ciência queremos deixar para os próximos milênios? Priorizaremos o volume de produções, a divulgação como um fim em si mesmo? Ou, ao contrário, resistiremos no movimento de ensaiar linhas de investigação inscritas na responsabilidade de construir conteúdos e processos que expressem a necessidade de cuidado sustentável e multicultural de nosso tempo?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
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