Os contributos das pesquisas científicas são incontestáveis para o avanço da ciência e para a sociedade. Por isso, cada vez mais reflexões acerca dos impactos e da aplicabilidade dos estudos têm permeado o centro das discussões em nível global, sobretudo diante do aumento crescente da produção de conhecimentos. Nesse cenário, a translação da pesquisa (TP) assume um relevo notável na medida em que o compromisso social da pesquisa estabelece que o conhecimento advindo das investigações deve reverberar em resultados profícuos e benéficos para a sociedade, configurando-se uma premissa medular das pesquisas. Todavia, ainda são notórias as fragilidades no que tange à transferência e à aplicação do conhecimento oriundo das pesquisas na prática dos serviços de saúde(1).
A TP sintoniza-se e correlaciona-se com a translação do conhecimento, evocando, para sua compreensão, a variação imaginativa que expressa um movimento dinâmico, interativo, multidirecional e participativo que envolve diversas nuances atinentes às demandas de saúde e características dos desenhos das pesquisas, atores institucionais, pontos de partida e interseções. Nessa ótica, a TP visa utilizar as evidências e conhecimentos para dirimir hiatos e alavancar transformações de forma ética, responsável e efetiva na prática dos cuidados à saúde.
Para tanto, torna-se crucial o entendimento da distinção tênue entre a translação do conhecimento e a evidência(2), dado que, muitas vezes, o conhecimento desvelado não é transferido e implementado concretamente nas práticas de saúde e nas políticas de gestão e formação em saúde. Nesse sentido, a incipiência na compreensão e implicação da TP apresenta-se como um desafio complexo, especialmente diante da pluralidade de concepções e terminologias que tangenciam a TP, assim como das lacunas referentes às formas de implementação(3).
Portanto, a TP apresenta-se como uma área ainda em desenvolvimento e revestida de complexidade. Isso ocorre devido à necessidade pungente de superar entraves, como a inclusão da perspectiva translacional no planejamento da pesquisa, fragilidades no percurso formativo do pesquisador, resultando em despreparo e inexperiência para a TP, ausência de diálogo entre pesquisadores e os serviços, inacessibilidade das evidências para os serviços, gestores e potenciais usuários do conhecimento, restrição do conhecimento à academia, carência de recursos e investimentos, além da desvalorização histórica dos resultados das pesquisas qualitativas.
Por outro lado, a partir da identificação dos desafios, delineiam-se perspectivas e iniciativas para superá-los, destacando-se o resgate do compromisso social das pesquisas, o desenvolvimento de redes para disseminação e transferência dos resultados obtidos, a utilização de metodologias e desenhos de pesquisa rigorosos, reprodutíveis e transparentes que incluam a translação, a reflexão sobre a compreensibilidade dos achados, maiores investimentos e estratégias de comunicação. Tais ações favorecem a acessibilidade à pesquisa e fomentam a ruptura com modelos tradicionais e conservadores que tendem a perpetuar padrões unidirecionais e limitados, os quais não garantem a efetivação da utilidade pública do estudo e o fortalecimento dos sistemas de saúde e pesquisa(1).
Nessa tônica, frente às considerações expostas, bem como à pulverização de conhecimentos desassociados da incorporação efetiva das evidências nos locais de prestação de cuidados, o que repercutiria em avanços na assistência à saúde, emergiram as seguintes reflexões: existe compreensão, apoio e preparo para a TP no Brasil? Quais caminhos e pontes precisamos construir para garantir a implementação efetiva dos resultados das pesquisas? Qual o futuro da TP? Para onde vamos?
As discussões ora suscitadas convergem para a necessidade premente de (re)pensarmos as pesquisas, suas aplicações e finalidades, com o intuito de orquestrá-las sob a égide da translação do conhecimento e do compromisso social, tornando a TP uma questão prioritária e tencionando construir caminhos e perspectivas que valorizem a reflexividade, a disseminação do conhecimento e o trabalho colaborativo, promovendo transformações potentes, seguras e assertivas na prática dos cuidados à saúde da população.
Em síntese, espera-se que este editorial promova novas reflexões acerca da temática, contribuindo para ressignificação da TP por meio da redução do distanciamento entre a teoria e a prática, além de impulsionar o engajamento e a concentração de esforços dos pesquisadores, centros de pesquisas e serviços para aprimorar a transferência e a utilização do conhecimento obtido, com o intuito de remodelar práticas e fornecer subsídios para nortear o processo de tomada de decisão de forma segura e fundamentada, seja na prática clínica ou nas políticas de saúde.
Referências bibliográficas
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1 Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, Presado MH, Cardoso M, Sousa AD, et al. Conhecimento na clínica em saúde: da produção à utilização. New Trends Q Res. 2021;5:93-103. https://doi.org/10.36367/ntqr.5.2021.93-103
» https://doi.org/10.36367/ntqr.5.2021.93-103 - 2 Baixinho CL, Ferreira O, Marques FM, et al. Investigação Qualitativa e transferência do conhecimento para a clínica. In: Brandão C, Carvalho JL, Ribeiro J, et al. A prática na Investigação Qualitativa: exemplos de estudos. Oliveira de Azeméis: Ludomédia; 2018, p. 179-208.
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3 Martinez-Silveira MS, Silva CH, Laguardia J. Concept and models of 'knowledge translation' in the health area. Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2020;14(1):225-46. https://doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1677
» https://doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1677
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Out 2023 -
Data do Fascículo
2023