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ASSIMETRIAS SALARIAIS DE GÊNERO E A ABORDAGEM REGIONAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE SEGUNDO A ADMISSÃO NO EMPREGO E SETORES DE ATIVIDADE

GENDER PAY ASYMMETRIES AND THE REGIONAL APPROACH IN BRAZIL: AN ANALYSIS ACCORDING TO ADMISSION TO EMPLOYMENT AND SECTORS OF ACTIVITY

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar empiricamente as assimetrias salariais por gênero nas regiões Sul e Nordeste do Brasil, segundo a admissão no emprego formal e setores de atividade econômica. A partir da base de dados da RAIS 2016 (Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego), aplicou-se uma adaptação do procedimento de Oaxaca-Blinder, cujos principais resultados confirmaram, nas duas regiões, (i) a discriminação de rendimentos contra as mulheres, (ii) as menores diferenças e discriminação salariais de gênero para os trabalhadores admitidos no primeiro emprego e no comércio e (iii) a dupla discriminação das mulheres na agricultura e na indústria, tanto na inserção ocupacional quanto nos rendimentos, intensificada na indústria. As evidências regionais são as de que o Nordeste tem menor discriminação salarial de sexo comparativamente à região Sul, o que indica maior homogeneidade salarial em região menos desenvolvida economicamente no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
discriminação de gênero; decomposição salarial; economia regional

ABSTRACT

This article aims to analyze empirically the wage asymmetries by gender in the South and Northeast regions of Brazil, according to admission to formal employment in economic sectors. The database used was the RAIS/2016 and an adaptation of the Oaxaca-Blinder procedure was applied. Results confirmed, in both regions, (i) wage discrimination against women; (ii) the lowest gender pay gap and discrimination for workers admitted to the first job and in trade workers; and (iii) the dual discrimination of women in agriculture and industry, both in employment and wages, intensified industry. The regional evidence suggests that the Northeast region has lower sex wage discrimination compared to the South region, which indicates greater homogeneity of wages in a less economically developed region in Brazil.

KEYWORDS:
gender pay gap; decomposition of wages; regional economics

1. INTRODUÇÃO

As pesquisas sobre as desigualdades salariais de gênero têm emergido como agenda relevante para especialistas das ciências sociais, em muito devido às discussões ocorridas nas últimas décadas no plano internacional1 1 Ver Global Gender Gap Report, que compila dados pelo World Economic Forum (2015). Dos 145 países pesquisados, o Brasil encontra-se em 85º lugar. Em 2014 encontrava-se em 71º e, em 2012 e 2013, em 62º. e nacional. Por outro lado, no Brasil incluem-se outras preocupações dadas as dimensões continentais do País e sua heterogeneidade econômica e demográfica regional.

Os desequilíbrios econômicos entre as regiões Nordeste e Sul do Brasil são representativos, e podem ser expressos nos números da riqueza de bens e serviços produzidos2 2 O PIB per capita anual do Nordeste em 2013 foi de R$ 12.954,80 e o da região Sul, R$ 30.495,79 (IBGE, 2015). em cada região, no desenvolvimento humano e das famílias e nos indicadores do mercado de trabalho, muito embora as duas regiões sejam as mais semelhantes entre as regiões brasileiras em termos de participação relativa no PIB do Brasil (14% no Nordeste e 16% na região Sul) e na importância da remuneração do trabalho na sua composição (em ambas as regiões as remunerações do trabalho representam em torno de 15% do PIB) (IBGE, 2018). Por outro lado, em termos de produtividade do trabalho, mensurada pela relação entre o valor adicionado e a população ocupada, a região Nordeste é a que mais se distancia da média nacional, e a região Sul a que mais se aproxima, e as taxas de desemprego e informalidade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2016, são maiores no Nordeste do que no Sul (BACEN, 2018). Nesse contexto, esta pesquisa pretende abordar o mercado de trabalho nessas regiões como espaços geográficos comparativos não usuais na literatura e que supera e evolui para além dos tradicionais estudos regionais no País.

Do ponto de vista das diferenças salariais de sexo, alguns estudos empíricos para o País e regiões (CACCIAMALI e HIRATA, 2005CACCIAMALI, M. C.; HIRATA, G. I. A influência da raça e do gênero nas oportunidades de obtenção de renda - uma análise da discriminação em mercados de trabalho distintos: Bahia e São Paulo. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 767-795, out./dez., 2005.; SALVATO et al., 2008SALVATO, M. A. et al. Mercado de trabalho em Minas Gerais e Bahia: Considerações sobre uma análise da discriminação de raça e gênero. In: SEMINÁRIO SOBRE A ECONOMIA MINEIRA, 13., CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2008.; CUGINI et al., 2014; FIUZA-MOURA, 2015FIUZA-MOURA, F. K. Diferenciais de salário na indústria brasileira por sexo, cor e intensidade tecnológica. Dissertação (Mestrado em Economia Regional) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2015.; SOUZA e GOMES, 2015SOUZA, S. D. C. I.; GOMES, M. R. Diferenças salariais de gênero no primeiro emprego dos trabalhadores: análise no estado da Bahia em 2013. In: ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA, 9., 2015, FIEB, Salvador, Bahia, 2015.) confirmam a diferenciação e a discriminação de salários no mercado de trabalho entre homens e mulheres. Os estudos também sugerem a hipótese de que as desigualdades salariais e a discriminação de gênero são menores em regiões menos desenvolvidas economicamente no País. Além disso, há uma lacuna nas pesquisas acerca das diferenças salariais segundo a admissão no emprego - primeiro emprego, reemprego e remanescentes - e nos setores econômicos.

A teoria econômica disponibiliza as explicações para as desigualdades salariais que são resumidas na teoria do capital humano (SCHULTZ, 1961SCHULTZ, T. W. Investment in human capital. American Economic Review. v. 51, n. 1, p.1-17, mar. 1961; BECKER, 1966BECKER, G. S.; CHISWICK, B. R. Education and the distribution of earnings. American Economic Review,v. 56, n. 2, p. 358-369, 1966.; 1975; ARROW, 1971ARROW, K. The theory of discrimination. In: CONFERENCE ON DISCRIMINATION IN LABOR MARKETS, 30A., Industrial Relations Section Princeton, Princeton University, 1971.), na teoria da segmentação (DOERINGER e PIORE, 1970DOERINGER, P.; PIORE, M. Internal labor markets and manpower analysis. Lexington, Mass: Heat, 1970.; VIETORISZ e HARRISON, 1973VIETORISZ T.; HARRISON, B. Labor market segmentation: positive feedback and divergent development. American Economic Review, v. 63, n. 2, p. 366-376, May, 1973.; CACCIAMALI, 1978CACCIAMALI, M. C. S. Mercado de trabalho: abordagens duais. Revista de Administração de Empresas, v. 18, n. 1, p. 59-69, 1978.; LIMA, 1980LIMA, R. Mercado de trabalho: o capital humano e a teoria da segmentação.Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 10, n. 1, p. 217-272, 1980.); na teoria da discriminação estatística (PHELPS, 1972PHELPS, E. S. The statistical theory of racism and sexism. The American Economic Review, v.62, n. 4, p. 659-661, Sept. 1972.; DICKINSON e OAXACA, 2006DICKINSON, D.; OAXACA, R. Statistical discrimination in labor markets: an experimental analysis. IZA DP Working Paper, Appalachian State University, n. 2.305, Sept. 2006. Disponível em: <Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=933035 >. Acesso em: 04 jun. 2015.
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) e na teoria da discriminação (OAXACA, 1973; BLINDER, 1973BLINDER, A. S. Wage discrimination: reduced form and structural estimates. The Journal of Human Resources, v. 8, n. 4. Aut, 1973.).

Diante disso, este artigo tem por objetivo identificar e analisar as diferenças e discriminação salariais entre os gêneros nas regiões Sul e Nordeste do Brasil, desagregando as informações para os setores de atividade e para a admissão dos trabalhadores. Para isso usam-se os dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho (RAIS2016) e o procedimento de Oaxaca-Blinder adaptado para esta pesquisa.

Este artigo está estruturado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção revisa a literatura teórica e empírica sobre o tema, e a terceira expõe a metodologia empregada e a base de dados. Os resultados da pesquisa são analisados e interpretados na quarta seção e, por fim, as conclusões do trabalho e as recomendações são apresentadas na quinta seção.

2. A LITERATURA TEÓRICA E AS CONSTATAÇÕES EMPÍRICAS

Os estudos sobre a determinação e as diferenças de salários dos trabalhadores podem ser conduzidos a partir de argumentos teóricos sustentados pelas diferenças de atributos produtivos, pela segmentação dos postos de trabalho e pela discriminação econômica e estatística. No primeiro caso, as diferenças salariais individuais resultam das decisões de acumulação de capital humano, cujos principais expoentes são Jacob Mincer, Theodore W. Schultz e Gary S. Becker.

Jacob Mincer (1958MINCER, J. Investment in human capital and personal income distribution. Journal of Political Economy, v. 66, n. 4, p. 281-302, 1958.; 1974) defende a escolaridade e experiência como determinantes dos rendimentos do trabalhador, cujas diferenças salariais são atribuídas pelas diferenças desses fatores produtivos (capital humano). Para Becker (1962BECKER, G. S. Investment in human capital: a theoretical analysis. Journal of Political Economy, v. 70, n. 5 Part 2: Investment in Human Beings, p. 9-49. 1962.; 1966; 2008), os investimentos em capital humano são úteis para compreender as desigualdades de rendas entre as pessoas, pois a produtividade e os rendimentos de um trabalhador aumentam em função da elevação da escolaridade e de suas habilidades adquiridas com a experiência.

As desigualdades pessoais de salários são explicadas também pela teoria da segmentação ou mercado dual. Uma vertente da explicação é dada por Doeringer e Piore (1970DOERINGER, P.; PIORE, M. Internal labor markets and manpower analysis. Lexington, Mass: Heat, 1970.), que enfatizam as características pessoais e o comportamento dos trabalhadores como determinantes do tipo de mercado em que eles serão inseridos e sua remuneração. Em outra abordagem, Vietorisz e Harrison (1973VIETORISZ T.; HARRISON, B. Labor market segmentation: positive feedback and divergent development. American Economic Review, v. 63, n. 2, p. 366-376, May, 1973.) e Harrison e Sum (1979) defendem que a segmentação surge pelas diferenças tecnológicas entre as atividades econômicas. A terceira vertente é apresentada por Michael Reich, Stephen A. Marglin, H. Gintis, Richard C. Edwards, Thomas E. Weisskopf, D. Gordon e S. Bowles apud Lima (1980LIMA, R. Mercado de trabalho: o capital humano e a teoria da segmentação.Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 10, n. 1, p. 217-272, 1980.), para os quais o processo histórico e a existência de diferentes classes sociais acabam por ocasionar na segmentação do mercado de trabalho.

A teoria da discriminação se apresenta como uma terceira forma de explicar as diferenças dos rendimentos dos trabalhadores. Dadas as características produtivas dos indivíduos e na ausência de salários compensatórios, a persistência dos hiatos salariais é atribuída pela discriminação. Para Becker (1966BECKER, G. S.; CHISWICK, B. R. Education and the distribution of earnings. American Economic Review,v. 56, n. 2, p. 358-369, 1966.; 1971) e Arrow (1971ARROW, K. The theory of discrimination. In: CONFERENCE ON DISCRIMINATION IN LABOR MARKETS, 30A., Industrial Relations Section Princeton, Princeton University, 1971.), existe discriminação econômica contra membros de um grupo sempre que os salários pagos sejam menores, já descontadas as diferenças pelas habilidades individuais provocadas pelo empregador, pelo cliente e/ou pelo funcionário. Phelps (1972PHELPS, E. S. The statistical theory of racism and sexism. The American Economic Review, v.62, n. 4, p. 659-661, Sept. 1972.) esclarece ainda a discriminação estatística oriunda do problema das informações imperfeitas do mercado sobre a produtividade e o potencial do empregado e, nesse caso, o indivíduo é valorado tendo como base a média do grupo a que pertence.

Do ponto de vista empírico são muitas as constatações sobre as diferenças salariais tanto na literatura internacional quanto na nacional. Uma das explicações para o hiato salarial entre homens e mulheres é o poder de negociação dos salários que cada grupo dispõe. As mulheres são, em geral, menos propensas a iniciar uma negociação almejando um aumento salarial: “Nice girls don’t ask” (boas garotas não perguntam) é a hipótese de Babcock et al. (2003BABCOCK, L. et al. Nice girls don’t ask. Harvard Business Review, v. 81, n. 10, p. 14-16, 2003.). Os autores a formularam em uma pesquisa feita com os recém-formados e contratados pela Universidade Carnegie Mellon, na qual constataram que os homens receberam em média US$ 4.000,00 a mais do que as mulheres, e 7% das mulheres solicitaram um salário maior na hora da contratação, enquanto 57% dos homens, oito vezes a mais que as mulheres, negociaram maiores salários.

Em Portugal, Card, Cardoso e Kline (2013CARD, D.; CARDOSO, A. R.; KLINE, P. Bargaining and the gender wage gap: a direct assessment. IZA Discussion Paper, n. 7.592, Aug. 2013.) utilizaram um ferramental matemático e dados longitudinais dos salários para homens e mulheres de 2002 a 2009, combinados às informações dos empregadores, e concluíram que 10% a 15% da defasagem salarial entre os gêneros podem ser atribuídos à ação de negociação inferior do sexo feminino. As mulheres são menos propensas a iniciar a negociação e são (muitas vezes) negociadoras menos eficazes do que os homens.

Na literatura empírica sobre a discriminação de gênero, Blau e Kahn (2000BLAU, F. D.; KAHN, L. M. Gender differences in pay. American Economic Review, v. 14, n. 4, p. 75-99, Aut, 2000.) estudaram a evolução do hiato salarial e a discriminação nos Estados Unidos para 1978, 1988 e 1998, e mostraram que houve uma redução nas diferenças salariais entre os gêneros, apesar da persistência da discriminação feminina. Nessa mesma linha, Booth et al. (2002BOOTH, A. L.; FRANK, J.; BLACKABY, D. Outside offers and the gender pay gap: empirical evidence from the UK academic labour market. Centre for Economic Policy Research, May 2002.) comprovam o fato no Reino Unido, em 1999. Heinze e Wolf (2006HEINZE, A.; WOLF, E. Gender earnings gap in German firms: The impact of firm characteristics and institutions. Discussion Paper, ZEW-Centre for European Economic Research, n. 6-20, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=896062 >. Acesso em: 04 jun. 2015.
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) acrescentam que, nas diferenças de rendimentos entre os gêneros nas firmas alemãs (1975 a 2002), as empresas desempenham um papel importante na criação e manutenção dessa desigualdade pela forma como elas definem a contratação e recompensas.

Oaxaca (1973OAXACA, R. Male-Female wage differentials in urban labor markets. International Economic Review, v. 14, n. 3. Oct. 1973.) e Blinder (1973BLINDER, A. S. Wage discrimination: reduced form and structural estimates. The Journal of Human Resources, v. 8, n. 4. Aut, 1973.) desenvolveram um método de decomposição de diferenças salariais utilizando as equações de determinação de salários e confirmam as diferenças salariais e a discriminação entre homens e mulheres na região urbana dos Estados Unidos, em 1967, ou seja, mantidas as características produtivas, homens e brancos ganhavam mais do que as mulheres e os não brancos. O uso desse procedimento de pesquisa trouxe mais elementos sobre o assunto, tratados a seguir.

Albrecht, Van Vuuren e Vroman (2004ALBRECHT, J.; VAN VUUREN, A.; VROMAN, S. Decomposing the gender wage gap in the Netherlands with sample selection adjustments, IZA DPn. 1400, 2004. Disponível em:<Disponível em:http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=621064 >. Acesso em: 04 jun. 2015.
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) verificaram as diferenças salariais entre homens e mulheres que trabalham em tempo integral na Holanda em 1992. A diferença do logaritmo natural dos salários foi em média de 20% (contra as mulheres), e foi maior para quantis mais elevados. Desse hiato, aproximadamente um quarto é derivado das diferenças nas características (estado civil, experiência, escolaridade, região), e três quartos decorrentes da diferença de gênero.

Nordman, Robilliard e Roubaud (2009NORDMAN, C. J.; ROBILLIARD, A. S.; ROUBAUD, F. Decomposing gender and ethnic earnings gaps in seven West African cities. Document de travail DIAL, Oct. 2009.) analisaram os rendimentos entre os gêneros e grupos étnicos para sete cidades da África Ocidental entre 2001 e 2002. Utilizaram a decomposição de Oaxaca-Blinder ponderada pelas probabilidades de o indivíduo de pertencer a um determinado setor (público, privado formal ou privado informal) e observaram que as diferenças de rendimentos dos gêneros (a favor dos homens) são grandes para todas as cidades analisadas, e que a parte explicada pelas diferenças nas características (escolaridade, experiência, estado civil, grupo étnico) explicam menos da metade do hiato de gênero.

Khitarishvili (2009KHITARISHVILI, T. Explaining the gender wage gap in Georgia. Working Paper, Levy Economics Institute, n. 577, 2009.), em seu estudo das diferenças salariais dos gêneros na Geórgia, entre 2000 e 2004, utilizou a decomposição de Oaxaca-Blinder após corrigido o viés de seleção pelo procedimento de Heckman. Os resultados apontaram uma diferença substancial dos salários entre os gêneros na Geórgia, e a maior parte desse diferencial não pode ser explicada pela diferença das características dos indivíduos.

No Brasil, os diferentes níveis de escolaridade entre os trabalhadores representam o maior fator determinante das discrepâncias salariais, confirma Chahad (1986CHAHAD, J. P. Z. (Org.). O mercado de trabalho no Brasil: aspectos teóricos e evidências empíricas. Relatórios de pesquisa. São Paulo: IPEA/USP, 1986.). No entanto, fatores como idade, setor de atividade, região de residência e gênero contribuem para a determinação e as diferenças do rendimento salarial. Cacciamali (1978CACCIAMALI, M. C. S. Mercado de trabalho: abordagens duais. Revista de Administração de Empresas, v. 18, n. 1, p. 59-69, 1978.) e Kon (2004KON, A. Segmentação ocupacional dos trabalhadores brasileiros segundo raça. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu: UFMG, 2004.; 2011) mensuram essas características que influenciam a alocação do indivíduo em postos de trabalho. Cacciamali destaca que homens de maior escolaridade, experiência profissional e alto status socioeconômico obterão os melhores empregos, e os indivíduos homens e mulheres menos favorecidos da sociedade terão empregos secundários.

Soares (2000SOARES S. S. D. O perfil da discriminação no mercado de trabalho - homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Texto para Discussão, IPEA, n. 769, 2000.) estudou os principais determinantes dos diferenciais de salários por gênero e cor no Brasil para os anos de 1987 a 1998 e concluiu que mulheres brancas são mais qualificadas do que os homens brancos e, quando inseridas nos mesmos setores e regiões, recebem menos do que eles. Os homens negros sofrem discriminação de salários e as mulheres negras sofrem com uma dupla discriminação de cor e de gênero.

Maia e Lira (2002MAIA, K.; LIRA, S. A. A mulher no mercado de trabalho. In: SEMINÁRIO DE ECONOMIA APLICADA, 2., 2002, Brasília. Anais... Brasília: UnB/IPEA/MTE, 2002.) examinaram o grau de discriminação por gênero no mercado de trabalho brasileiro, com dados da PNAD de 1999, e concluíram que as mulheres brasileiras sofrem discriminação; contudo, as jovens menos instruídas e residentes em regiões mais pobres do País foram menos atingidas pela desigualdade salarial naquele ano. Constataram ainda que a desigualdade salarial por gênero no segmento informal do mercado de trabalho superou a do formal.

Souza (2011SOUZA, P. F. L. A importância da discriminação nas diferenças salariais: Uma análise para o Brasil e suas regiões para os anos de 2002, 2006 e 2009.2011 Dissertação (Mestrado Acadêmico em Economia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.) analisou a importância da discriminação nas diferenças salariais para os anos de 2002, 2006 e 2009 utilizando dados da PNAD. Destacou para o Brasil e todas as regiões que o grupo mais discriminado foi o das mulheres não brancas, seguido pelo das mulheres brancas e dos homens não brancos; a escolaridade aumentou a probabilidade do indivíduo de fazer parte do grupo com rendas superiores.

Segundo Casari (2012CASARI, P. Segmentação no mercado de trabalho brasileiro: diferenças entre o setor agropecuário e os setores não agropecuários, período de 2004 a 2009. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2012.), no estudo feito para os anos de 2004 a 2009, os setores de atividade, as ocupações, sindicatos e as condições de trabalho impactam sobre os rendimentos e alocação dos trabalhadores. Zuchie e Hoffmann (2004) apontam que os setores econômicos produtivos também desempenham influência na determinação dos salários. Os setores secundário e terciário remuneram com maiores salários tanto negros e brancos do que aqueles que, independentemente da cor, trabalham no setor primário. Trabalhar em regiões metropolitanas, segundo a pesquisa, é também garantia de maiores salários.

Cugini et al. (2014) mensuraram a discriminação salarial dos gêneros entre os anos de 2002 e 2011 no Brasil, com base nos dados da PNAD. Constataram que houve aumento da participação da mulher no mercado de trabalho e que, apesar de uma redução das diferenças de salários entre homem e mulher, houve também aumento da discriminação contra as mulheres.

Fiuza-Moura (2015), no estudo das diferenças salariais na indústria brasileira por sexo, cor e intensidade tecnológica, com base nos dados da PNAD/2012, mostrou elevado grau de discriminação salarial entre os gêneros, principalmente em relação às mulheres não brancas, sendo menor quando observados segmentos mais intensivos em tecnologia.

Nos estudos de abrangência regional, Cacciamali e Hirata (2005CACCIAMALI, M. C.; HIRATA, G. I. A influência da raça e do gênero nas oportunidades de obtenção de renda - uma análise da discriminação em mercados de trabalho distintos: Bahia e São Paulo. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 767-795, out./dez., 2005.), com base em dados para São Paulo e Bahia, em 2002, expõem que há a discriminação de gênero e cor: homens estão em melhor situação do que as mulheres, e homens não brancos estão em situação melhor do que a mulher branca. A discriminação contra a mulher é maior nos cargos com salários elevados e a situação se agrava para as mulheres negras.

Salvato et al. (2008SALVATO, M. A. et al. Mercado de trabalho em Minas Gerais e Bahia: Considerações sobre uma análise da discriminação de raça e gênero. In: SEMINÁRIO SOBRE A ECONOMIA MINEIRA, 13., CEDEPLAR/UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2008.) mediram a discriminação nos estados da Bahia e Minas Gerais no ano de 2005 e confirmaram que,nas faixas de renda mais altas, há maior discriminação, sendo mais significativa a discriminação de gênero, com maior peso para homens brancos contra mulheres negras; encontraram também um efeito discriminação menor para mulheres e negros no estado da Bahia na comparação com Minas Gerais quando observados os níveis de renda.

Margonato e Souza (2011SOUZA, P. F. L. A importância da discriminação nas diferenças salariais: Uma análise para o Brasil e suas regiões para os anos de 2002, 2006 e 2009.2011 Dissertação (Mestrado Acadêmico em Economia) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2011.) analisaram o perfil ocupacional por gênero e setores econômicos na região Sul do Brasil e concluíram que, embora as mulheres tivessem maior escolaridade do que os homens, estavam relacionadas às ocupações mais precárias. Ainda para as autoras, as características da oferta de trabalho, da segmentação dos mercados e dos diferenciais internos aos setores econômicos corroboram o hiato dos rendimentos entre os gêneros em favor dos homens, características do mercado de trabalho brasileiro, também presentes na região Sul.

Apesar dessas evidências, a literatura empírica dispensa menor atenção às diferenças salariais e à discriminação entre os trabalhadores relativamente as características de sua admissão, seja no primeiro emprego, no reemprego e na qualidade de remanescentes no mercado de trabalho. Entre as pesquisas existentes, Monte, Araújo e Lima (2007MONTE, P. A.; DE ARAÚJO, T. P.; DE LIMA, R. A. Primeiro emprego e reemprego: análise de inserção ocupacional e duração do desemprego no Brasil metropolitano. Revista Economia e Desenvolvimento, v. 7, n. 1, p. 139-177, 2007.) apontam que trabalhadores que já possuem experiência no mercado de trabalho brasileiro têm maiores chances de inserção, apesar de possuírem nível de qualificação escolar inferior na comparação com os indivíduos que buscam o primeiro emprego. Com base em dados da Pesquisa Mensal do Emprego de 2000 e 2001, os autores constataram que indivíduos que estão em busca de um reemprego tiveram mais chances de serem contratados (71%) na comparação com os indivíduos que buscaram o primeiro emprego, e o hiato salarial foi relativamente elevado a favor dos indivíduos reempregados (22%).

Especialmente em relação ao primeiro emprego, Rocha (2008ROCHA, S. A inserção dos jovens no mercado de trabalho. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p.533-550, set./dez. 2008.) argumenta que as maiores dificuldades de inserção estão relacionadas com as características intrínsecas dos indivíduos (jovens), tais como a falta de experiência, a tendência de experimentação e o fato de não serem o chefe no grupo familiar. Para os indivíduos que buscam o primeiro emprego que tenham uma baixa escolaridade as dificuldades se agravam.

Gonçalves e Monte (2008GONÇALVES, M. F.; MONTE, P. A. Admissão por primeiro emprego e reemprego no mercado formal do Nordeste: Um estudo mesorregional. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 2008, UFMG, Caxambu, MG, 2008.; 2011) compararam os trabalhadores admitidos no primeiro emprego e no reemprego no mercado de trabalho formal na região do Nordeste do Brasil, utilizando dados da RAIS/2005. Uma das conclusões foi o baixo percentual de inserção dos jovens, entre 16 a 24 anos, atribuído à pouca experiência, que reflete tanto na probabilidade de inserção quanto na sua remuneração.

No que se refere ao gênero, Gonçalves e Monte (2008GONÇALVES, M. F.; MONTE, P. A. Admissão por primeiro emprego e reemprego no mercado formal do Nordeste: Um estudo mesorregional. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 2008, UFMG, Caxambu, MG, 2008.; 2011) observaram que as preferências pró-homem são menores entre os indivíduos que buscam o primeiro emprego, e a inserção feminina também refletiu nas remunerações das mulheres contratadas em seu primeiro emprego, porque tinham uma remuneração média similar à dos homens que foram contratados pela primeira vez. Além disso, os diferenciais salariais foram favoráveis aos homens em situação de reemprego; o maior número de empregos gerados estava na classe de trabalhadores com ensino médio; a maior escolaridade aumenta a probabilidade de contratação no primeiro emprego; as pequenas empresas destacam-se por absorver a maior parte dos trabalhadores, pagarem menores salários e exigirem pouca qualificação; já as empresas de médio e grande porte exigem um profissional mais qualificado e suas remunerações são superiores às pagas pelas pequenas empresas

Gomes et al. (2015GOMES, M. R. et al. Probabilidade do primeiro emprego nos setores econômicos: uma análise no estado de Santa Catarina. In: ENCONTRO DE ECONOMIA CATARINENSE, 9., UNOCHAPECÓ, Chapecó, Santa Catarina, 2015.) fizeram um estudo sobre o primeiro emprego no estado de Santa Catarina com dados da RAIS/2012 e constataram que a probabilidade de ser empregado pela primeira vez no estado foi de 1,62% no setor Agrícola, 25,26% no Comércio, 34,36% nos Serviços, e 38,76% no setor da Indústria.Com relação ao emprego formal no estado da Bahia, Souza e Gomes (2015SOUZA, S. D. C. I.; GOMES, M. R. Diferenças salariais de gênero no primeiro emprego dos trabalhadores: análise no estado da Bahia em 2013. In: ENCONTRO DE ECONOMIA BAIANA, 9., 2015, FIEB, Salvador, Bahia, 2015.), com base em dados da RAIS/2013, detectaram as diferenças salariais e discriminação contra as mulheres entre os indivíduos do primeiro emprego, reemprego e remanescentes, sendo mais intensas para os remanescentes.

Reis (2015REIS, M. Uma análise da transição dos jovens para o primeiro emprego no Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 69, n. 1, p. 125-143, 2015.) identificou que a escolaridade é uma variável que aumenta a probabilidade de o indivíduo encontrar um primeiro emprego. Contudo a experiência é outro fator determinante na probabilidade em se engajar em um trabalho e, dessa forma, indivíduos com experiência têm maior probabilidade de ser reempregados mesmo tendo escolaridade inferior a indivíduos que buscam a sua primeira ocupação.

Diante do exposto, esta pesquisa avança para as especificidades regionais do mercado de trabalho (Nordeste e Sul), na busca da medida das fontes das desigualdades de rendimentos dos trabalhadores formais, desagregando as informações pela inserção no emprego e nos setores econômicos.

3. METODOLOGIA

3.1 Base dos dados

Para a realização deste estudo foram utilizados os dados da RAIS3 3 A RAIS é uma pesquisa por registro administrativo, de âmbito nacional, com periodicidade anual, e é de declaração obrigatória para todos os estabelecimentos para o processamento de informações sociais relativas aos vínculos empregatícios formais. de 2016 referentes às regiões Sul e Nordeste do Brasil. Dessa base de dados foram extraídos apenas os indivíduos com mais de 15 anos e que mantinham vínculo em 31 de dezembro de 2016, considerados os que ingressaram no primeiro emprego, os indivíduos que foram reempregados no ano de 2016 e os remanescentes de anos anteriores. Classificaram-se os trabalhadores conforme a escolaridade4 4 Baixa instrução (indivíduos com escolaridade igual ou inferior ensino fundamental incompleto), fundamental (indivíduos com escolaridade igual a fundamental completo ou ensino médio incompleto), ensino médio (indivíduos com ensino médio completo ou com graduação incompleta) e superior (indivíduos com escolaridade superior a graduação completa). em: baixa instrução, ensino fundamental, ensino médio e ensino superior. Separaram-se também os indivíduos segundo a corda pele: brancos e não brancos (pardos e pretos). A construção das variáveis referentes às ocupações baseou-se na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).5 5 A construção das variáveis referentes às ocupações baseou-se na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), criada em 2002 e atualizada em 23/08/2004. Essas sofreram adaptação metodológica nesta pesquisa, sendo organizadas em quatro grandes grupos: Dirigentes (diretores e gerentes), Profissionais das Ciências e das Artes (PCA), Profissionais de Nível Técnico e Operacionais (agrícolas e trabalhadores na produção). Para os setores econômicos utilizou-se a Classe de Atividade Econômica segundo a CNAE 1.0, revisada em 2002. No que se refere ao porte das empresas, seguiu-se o critério do Sebrae6 6 Para o setor da indústria classifica-se como: microempresa (até 19 ocupados); pequena empresa (de 20 a 99 ocupados); média empresa (de 100 a 499 ocupados); grande empresa (500 ou mais ocupados). Para o setor de serviços e comércio: microempresa (até nove ocupados); pequena empresa (de 10 a 49 ocupados); média empresa (de 50 a 99 ocupados); grande empresa (100 ou mais ocupados), e outras quando não se enquadram em nenhum dos requisitos acima. por número de empregados.

3.2 Decomposição do diferencial de salários

Para a medida das diferenças salariais entre os gêneros, utilizando a decomposição de Oaxaca-Blinder adaptada, identificaram-se as variáveis associadas às características produtivas (escolaridade e experiência) e inatas (sexo e raça), e aos postos de trabalho (ocupação, setores e porte das empresas), determinantes dos salários dos trabalhadores no mercado privado formal brasileiro em 2016.

Para o presente estudo, os grupos analisados são compostos por indivíduos que ingressaram no primeiro emprego, os indivíduos que foram reempregados no ano de 2016 e os remanescentes de anos anteriores, todos com vínculo em 31/12/2016, sendo subdivididos pelos setores econômicos nos quais foram contratados.

A decomposição partiu das equações funcionais que podem ser expressas formalmente por:

ln ( W h i ) = β 0 + C H i ' β + S e t i ' θ + O c u p i ' γ + U F i ' δ + P E i ' σ + C i n a t i ' ε + u i (1)

i N : i 1

Em (1), ln(Whi) é o logaritmo natural (logaritmo neperiano) do salário hora dos trabalhadores e CHi, o vetor das variáveis que compõe o capital humano, escolaridade e experiência. A variável escolaridade foi expressa por níveis educacionais: baixa instrução, fundamental, ensino médio e superior. Para a variável experiência foi utiliza a proxy (idade - anos de estudo - 5) apenas para os reempregados e remanescentes. Para os indivíduos do primeiro emprego considerou-se zero ano de experiência.

Ainda em (1), Setié o vetor das variáveis dummies para os setores de atividade indústria, comércio, serviços e agrícola; Ocupi representa as dummies para as ocupações de cada indivíduo, ou seja, dirigentes, profissionais das ciências e das artes (PCA), técnicos e operacionais. O vetor UFi constitui as dummies para as Unidades Federativas da região estudada, ePEi é formado pelas variáveis dummies referentes ao porte da empresa: micro, pequena, média e grande e outras, seguindo o critério do SEBRAE por número de empregados. Por fim, em Cinati estão contidas as variáveis inatas de cada indivíduo, dummies para gênero e cor. As equações mincerianas foram calculadas para homens e mulheres referentes a cada setor econômico.7 7 O procedimento de Heckman (correção do viés de seleção) não foi aplicado neste estudo. O procedimento considera haver viés de seleção amostral quando alguns indivíduos optam por não ingressar no mercado de trabalho devido ao salário médio ofertado se encontrar abaixo de seu salário reserva. No entanto, a base de dados (RAIS/2016) utilizada nesta pesquisa não disponibiliza os dados sobre os trabalhadores desocupados e a PEA.

O método da decomposição salarial de Oaxaca-Blinder consiste em desagregar as diferenças salariais provocadas pelas diferenças nas dotações, ou seja, pelos fatores relacionados à produtividade do indivíduo e ao posto de trabalho e pelas diferenças atribuídas às valorações diferentes para as mesmas dotações, consideradas como proxy da discriminação salarial. Apesar de conhecidas as limitações da metodologia, pois não é possível desagregar os prós e contras das características não observáveis dos trabalhadores, essa metodologia tem sido usada no Brasil e no mundo por muitos pesquisadores que confirmam a sua robustez.

O modelo para este estudo segue Oaxaca (1973OAXACA, R. Male-Female wage differentials in urban labor markets. International Economic Review, v. 14, n. 3. Oct. 1973.) e Blinder (1973BLINDER, A. S. Wage discrimination: reduced form and structural estimates. The Journal of Human Resources, v. 8, n. 4. Aut, 1973.), mas incorpora o salário mínimo, cuja ideia é justificada pela característica do mercado formal brasileiro: por lei, todas as empresas brasileiras devem pagar um salário mínimo independentemente do gênero e da cor do indivíduo. Regulamentado pela Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo e sua política de valorização de longo prazo, o Decreto nº 7.872, de dezembro de 2012, estabeleceu que a partir de 1º de janeiro de 2013, o salário mínimo seria de R$ 678,00, com um valor diário de R$ 22,60 e o valor hora de R$ 3,08.

Nesse caso, as equações de determinação de salário têm características de equações concorrentes. A diferença entre a decomposição de Oaxaca-Blinder e a decomposição aqui usada é a exclusão da constante das regressões: β0B=β0M, assim(β0Hβ0M)=0.

Portanto, partindo das equações de Mincer (1974MINCER, J. Schooling, experience and earnings. New York: National Bureau of Economic Research, 1974.), tem-se:

ln ( W h H ) = β 0 j + j = 1 n β j H X j i H + u i H (2)

ln ( W h M ) = β 0 M + j = 1 n β j M X j i M + u i M (3)

Em (3), ln(WhM) é o logaritmo natural do salário/hora das mulheres e, em (2), ln(WhH) é o logaritmo natural do salário/hora dos homens.

Como mencionado, para o mercado de trabalho formal brasileiro, as equações de determinação de salário têm características de regressões concorrentes (GUJARATI, 2006GUJARATI, D. N. Econometria básica. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2006.; GREENE, 2012GREENE, W. H. Econometric analysis. 7. ed. Upper Saddle River: Prentice Hall, 2012.):

Assim, β0H=β0M=β0j.

Reescrevendo as equações 2 e 3,

ln ( W h H ) = β 0 j + j = 1 n β j H X j i H + u i H (2.1)

ln ( W h M ) = β 0 j + j = 1 n β j M X j i M + u i M (3.1)

Subtraindo 3.1 de 2.1, e rearranjando matematicamente, tem-se:

ln ( W h H ) ln ( W h M ) = ( β 0 J β 0 J ) + j β j H ( X ¯ j H X ¯ j M ) + j X ¯ j L ( β j H β j M ) (4)

Como: (β0Jβ0J)=0

ln ( W h H ) ln ( W h M ) = j β j H ( X ¯ j H X ¯ j M ) + j X ¯ j L ( β j H β j M ) (4.1)

Em (4.1), jβjH(X¯jHX¯jL) representa a parcela do diferencial atribuído às diferenças de dotações; j X¯jL(βjHβjL) corresponde à parcela do diferencial de salários atribuído às diferenças de coeficientes (discriminação),8 8 A decomposição sugerida não incorre no problema de identificação: invariância dos resultados da decomposição diante de escolha arbitrária das variáveis a serem omitidas nos conjuntos de variáveis categóricas utilizadas nas regressões de determinação de salários. Para a correção desse problema, quando se faz uso da decomposição original, utiliza-se o processo de normalização proposto por Yun (2003; 2005). que indicam que há valoração diferente para os grupos de indivíduos com as mesmas dotações.

RESULTADOS E INTERPRETAÇÃO

Características dos trabalhadores formais das regiões Sul e Nordeste do Brasil

As características dos empregados formais das regiões em estudo estão dispostas na Tabela 1, a partir das quais se observa que a média de idade e a experiência dos homens são superiores às das mulheres e a média dos anos de estudos é superior para as mulheres nas regiões Sul e Nordeste do Brasil. Os homens apresentaram salários mensais, jornada de trabalho e salários hora superiores aos das mulheres.

Tabela 1
Perfil dos trabalhadores formais do setor privado das regiões Sul e Nordeste em 2016

Existem diferenças regionais em relação à idade, à experiência e aos anos de estudo sutilmente maiores na região Sul do que no Nordeste. Entretanto, as mulheres nordestinas são mais escolarizadas do que as residentes no Sul, e os homens da região Sul são um pouco mais escolarizados do que os do Nordeste. As características demográficas de cor da pele são divergentes entre as regiões, pois para o Sul o maior percentual de trabalhadores é de cor branca, e para a região Nordeste é de não brancos. Os trabalhadores nordestinos tiveram, em média, uma maior jornada de trabalho semanal, porém foram remunerados, tanto mensal quanto por hora trabalhada, com salários inferiores aos dos empregados na região Sul. O hiato salarial a favor dos indivíduos do sexo masculino é verificado, sendo maior na região Sul do que no Nordeste.

Na região Sul pouco mais de 2,8% dos mais de 6,4 milhões de trabalhadores formais eram de indivíduos que obtiveram o primeiro emprego em 2016; b27,09% corresponderam a trabalhadores contratados no ano que tinha alguma experiência no emprego formal (reemprego) e mais de 70% eram remanescentes de contratações de anos anteriores (Tabela 2). No Nordeste, aproximadamente 4% do total dos empregos formais, mais de 5,6 milhões, foram contratados pela primeira vez, e os reempregados e remanescentes corresponderam a 24,1% e 71,9%, respectivamente. De forma absoluta e relativa, a região Nordeste absorveu mais os indivíduos que buscavam um primeiro emprego do que a região Sul.

Tabela 2
Participação e salário/hora médios dos empregados formais no primeiro emprego, reemprego e remanescentes por setor de atividade na região Sul e Nordeste, Brasil, 2016

Os dados se assemelham aos encontrados no estudo de Monte, Araújo e Lima (2007MONTE, P. A.; DE ARAÚJO, T. P.; DE LIMA, R. A. Primeiro emprego e reemprego: análise de inserção ocupacional e duração do desemprego no Brasil metropolitano. Revista Economia e Desenvolvimento, v. 7, n. 1, p. 139-177, 2007.) para o Nordeste. As maiores dificuldades de inserção em um primeiro emprego estão correlacionadas à falta de experiência, à tendência de experimentação e ao fato de os indivíduos não serem o chefe no grupo familiar, segundo Rocha (2008ROCHA, S. A inserção dos jovens no mercado de trabalho. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p.533-550, set./dez. 2008.).

No que tange à distribuição por setor econômico, a maior parte dos trabalhadores no Nordeste e no Sul foi contratada no setor de Serviços. Para ambas as regiões os indivíduos do setor de serviços e os remanescentes têm os maiores rendimentos médios. No entanto, o Sul remunera melhor os seus trabalhadores, independentemente do setor em que estão inseridos. As maiores diferenças salariais setoriais são visualizadas no comércio, sendo que para os remanescentes essa diferença foi superior a 38% a favor do Sul. O setor que mostrou ser mais homogêneo em termos salariais foi o serviços e para os admitidos por reemprego.

A Tabela 3 evidencia a situação favorável para a participação dos homens, independentemente do recorte realizado (regiões e forma de admissão), destacando que a diferença percentual entre os gêneros é menor para o primeiro emprego, aproximadamente homens (55%) e mulheres (45%).

Tabela 3
Empregados formais no primeiro emprego, reemprego e remanescentes por gênero no setor de atividade na região Sul e Nordeste, Brasil 2016

Os setores agrícola e industrial no Sul são de características masculinas: do total de contratados na indústria, homens correspondem a 64,25% para o primeiro emprego e 69,75% para o reemprego; para as mulheres esse percentual foi de 35,75% e 30,25%, respectivamente. No setor agrícola essa diferença é ainda maior. As mulheres são maioria na contratação via primeiro emprego no setor de serviços, e quando observados o reemprego e os remanescentes, constata-se uma homogeneidade nas distribuições. Por fim, o setor de comércio tem uma homogeneidade da distribuição no primeiro emprego e no reemprego e uma superioridade masculina nos remanescentes.

No que tange à região Nordeste, algumas características se assemelham às da região Sul. No geral, homens também são maioria no emprego formal no Nordeste; entretanto a proporção de homens é maior no Nordeste do que no Sul. Dos contratados por reemprego, mais de 67% foram do sexo masculino e menos de 33% do sexo feminino.

No Nordeste, os setores agrícola e industrial têm predominância masculina, apresentando maiores diferenças nas proporções: as contratações via reemprego no setor da indústria foram de mais de 85% de homens e pouco mais de 15% de mulheres. Também, como no Sul, do montante de contratados via primeiro emprego, o setor de serviços priorizou o sexo feminino, enquanto a preferência foi do sexo masculino para o reemprego e remanescentes. No que se refere ao setor do comércio, nos três tipos de emprego homens foram maioria, como na região Sul, porém mais desigual, com predominância masculina. Os dados relativos apontam um padrão de distribuição dos trabalhadores entre os setores: em cada classe de emprego, os homens são absorvidos relativamente mais na agricultura e na indústria, e mulheres no comércio e serviços.

Na análise dos salários/horas médios para ambas as regiões estudadas, em geral, homens apresentam rendimentos superiores aos das mulheres (Tabela 4), e os salários pagos às mulheres e homens no primeiro emprego são mais homogêneos. Essa análise corrobora os dados encontrados por Gonçalves e Monte (2008GONÇALVES, M. F.; MONTE, P. A. Admissão por primeiro emprego e reemprego no mercado formal do Nordeste: Um estudo mesorregional. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 2008, UFMG, Caxambu, MG, 2008.; 2011), os quais constataram que mulheres empregadas no primeiro emprego tinham uma remuneração média similar à dos homens contratados pela primeira vez, e na classe do reemprego os diferenciais salariais foram maiores, a favor dos homens, do que os observados nas admissões via primeiro emprego.

Tabela 4
Rendimento médio hora no primeiro emprego, reemprego e remanescentes por gênero no setor de atividade na região Sul e Nordeste, Brasil, 2016

No Sul, homens no primeiro emprego receberam em média 4,36% a mais do que as mulheres; no Nordeste essa diferença foi menor, apenas 1,4%. No geral, no reemprego, a diferença salarial a favor dos indivíduos do sexo masculino foi de 13,24%; já para o Nordeste a diferença foi inferior aos empregados via primeiro emprego, com apenas 1,33% a favor dos homens.

As maiores diferenças salariais de gênero para ambas as regiões estão entre os trabalhadores remanescentes, ou seja, dos trabalhadores que não foram contratados no ano. Nesse caso, o Sul apresentou uma diferença superior a 24% a favor dos homens, e a região Nordeste uma diferença de salário/hora superior a 10%, o que pode indicar que a maior parte da diferença salarial contra as mulheres está dentro das empresas. Portanto, a região Nordeste diferencia menos as mulheres em termos de rendimentos do que a região Sul.

No que diz respeito aos setores de atividade econômica, na região Sul, agricultura e indústria tiveram os maiores hiatos salariais a favor dos homens. A maior diferença no setor da indústria está na classe de trabalhadores remanescentes, na qual o diferencial foi superior a 49% a favor dos homens. Para a região Nordeste, os setores de serviço e comércio apresentaram as menores diferenças salariais a favor dos homens. Na classe dos reempregados a diferença de salário/hora a favor dos homens, no setor de serviços, foi menor que 1%. Na classe dos empregados remanescentes de anos anteriores, o maior hiato salarial foi no setor da indústria, 36,54% a favor dos homens. Outro fato importante a ser notado é a pouca diferença salarial a favor dos homens (1,74%) no setor agrícola, na classe dos remanescentes.

Uma possível justificativa para essa diferença é o fato de que, relativamente, foi maior a proporção de mulheres ocupando melhores posições de trabalho do que os homens nesse setor. Do total das trabalhadoras, 90,15% estavam inseridas nos trabalhos operacionais, e 9,85% distribuídas em ocupações que apresentam uma melhor remuneração média, já quanto aos homens, pouco mais de 95% estavam inseridos nos operacionais, e apenas 5%, aproximadamente, distribuídos em ocupações de melhores rendimentos.

Evidenciadas as diferenças salariais de gênero a favor dos homens, uma parte desse hiato salarial pode ser decorrente do baixo poder de barganha do sexo feminino, além de outros fatores já elencados no referencial empírico, como a segmentação dos setores, o capital humano e a discriminação salarial e ocupacional.

Determinação dos salários para homens e mulheres e admissão no emprego: regiões Sul e Nordeste do Brasil

As equações de determinação de salários estimadas9 9 Os valores dos coeficientes representam o ganho percentual sobre o salário/hora que um empregado recebe ao acrescentar uma unidade do aspecto em análise - para variáveis contínuas, como a “experiência”, ou por pertencer a uma classe - para variáveis categóricas como “cor”, “ocupação”, “faixa escolaridade” etc. para os gêneros nas regiões Sul e Nordeste estão expostas na Tabela 5. Os resultados apontam que pertencer a uma faixa educacional mais elevada em relação à faixa de escolaridade omitida (baixa instrução) contribui para um maior salário, independentemente da região, da admissão no emprego e do gênero. Entre as classes de emprego, os que são remanescentes no mercado de trabalho têm um retorno de investimento em educação maior em comparação aos indivíduos que foram contratados no ano. O trabalhador homem, de nível superior e remanescente no posto de trabalho no Nordeste, tem um ganho salarial de 2,2 vezes a mais em comparação com os demais homens de baixa instrução.

Tabela 5
Diferenças salariais no primeiro emprego, reemprego e remanescentes nas regiões Sul e Nordeste, Brasil, 2016

Independentemente da região ou inserção no emprego, a educação e a experiência dos homens foram valoradas de forma superior às das mulheres com as mesmas características produtivas. Para os reempregados na região Sul, um ano a mais de experiência dos homens gerou retorno salarial de 2,36% e, para as mulheres, pouco mais de 1%. Na região Nordeste, o percentual foi de 1,89% para homens e menos de 1% para mulheres. Entre os trabalhadores remanescentes, os percentuais de retorno sobre o salário foram positivos para ambas as regiões e gênero.

Essas ocorrências comprovam o esperado pela teoria do Capital Humano apresentada em Becker (1962BECKER, G. S. Investment in human capital: a theoretical analysis. Journal of Political Economy, v. 70, n. 5 Part 2: Investment in Human Beings, p. 9-49. 1962.; 1966; 2008), Mincer (1958MINCER, J. Investment in human capital and personal income distribution. Journal of Political Economy, v. 66, n. 4, p. 281-302, 1958.; 1962; 1974), Shultz (1961), pois para um maior nível de escolaridade e experiência os rendimentos salariais aumentam.

Os trabalhadores de cor branca também obtiveram retornos salariais positivos (sobre os trabalhadores não brancos) independentemente dos recortes analisados, mas os maiores ganhos estão na classe dos remanescentes. No Sul e Nordeste, tanto para homens como para mulheres, ser da cor branca implica um retorno de 8%.

Os grupos ocupacionais deram respostas salariais positivas sobre a ocupação “operacional”, sendo que dirigentes e profissionais das ciências e das artes (PCA) obtiveram as maiores remunerações. Em destaque, entre os reempregados homens na região Sul, dirigentes e PCA auferem ganho de 70,94% e 67,62%, respectivamente, sobre o grupo dos trabalhadores operacionais. Além disso, quanto maior o empreendimento, maiores serão os rendimentos dos indivíduos em relação aos trabalhadores das microempresas, e superiores para os trabalhadores remanescentes.

O setor da indústria destaca-se para o sexo masculino que exibe maiores retornos positivos sobre o setor omitido (agrícola). Na classe dos remanescentes, o retorno masculino na região Sul foi de 46,7% sobre o agrícola. Nas regressões femininas, o setor de Serviços, na região Sul, na classe dos remanescentes, apresentou o maior percentual de retorno, 31,7%.

Ser trabalhador formal em Santa Catarina e Rio Grande do Sul apresenta ganho percentual sobre os salários dos trabalhadores do Paraná. Entre os contratados no ano, os retornos são mais homogêneos, e entre os remanescentes, as mulheres que moravam no RS apresentaram rendimentos de 9,56% a mais que as trabalhadoras do PR. Na análise dos estados do Nordeste, em geral, os trabalhadores residentes nas Unidades Federativas analisadas auferiram rendimentos superiores aos indivíduos do estado omitido Piauí (PI). O destaque ficou com o estado da Bahia (BA) que mostrou os maiores coeficientes tanto para homens quanto para as mulheres.

Em suma, os resultados apontam que as características masculinas são, em sua maioria, independentemente da região, contratadas com salários superiores às dotações femininas. A região Sul remunera melhor as dotações de seus trabalhadores do que o Nordeste e, na comparação entre as classes de emprego, a remuneração das características e as diferenças entre gêneros dos indivíduos remanescentes no mercado de trabalho, independentemente da região, foram maiores em comparação às classes do primeiro emprego e reemprego. Isso era esperado, pois, esses trabalhadores apresentam, em média, idade mais elevada, maior tempo no emprego (experiência) e maior escolaridade, consistente com a teoria econômica do capital humano.

Decomposição salarial de Oaxaca-Blinder para os gêneros nas regiões Sul e Nordeste

Nesta seção realiza-se a decomposição salarial de Oaxaca-Blinder por sexo, nas regiões Sul e Nordeste, segundo a admissão no emprego e os setores econômicos em 2016. As diferenças salariais foram desagregadas na parcela explicada pelas diferenças das características dos trabalhadores (aspectos produtivos, ocupação e região) e na parcela referente à discriminação de gênero. A base das interpretações foi o salário das mulheres, como em Jann (2008JANN, B. The Blinder-Oaxaca decomposition for linear regression models. The Stata Journal, v. 8, n. 4, p. 453-479. May, 2008.), Jones e Kelley (1984JONES, F. L.; KELLEY, J. Decomposing differences between groups a cautionary note on measuring discrimination. Sociological Methods and Research, v. 12, n. 3, p. 323-343, 1984.) e Blinder (1973).

A parte explicada corresponde ao aumento médio nos salários das mulheres se elas tivessem as mesmas características que os homens. A parte referente à discriminação de gênero corresponde às diferenças dos coeficientes das regressões mincerianas dos homens e mulheres, que quantificam a variação nos salários das mulheres ao aplicar os coeficientes dos homens nas características femininas. De acordo com a literatura, a inserção no emprego (primeiro emprego, reemprego e remanescentes) pode explicar diferenças e discriminação salariais. Segundo Blau e Kahn (2000BLAU, F. D.; KAHN, L. M. Gender differences in pay. American Economic Review, v. 14, n. 4, p. 75-99, Aut, 2000.), a discriminação também pode ser maior ou menor em determinadas firmas ou setores. Por essa razão, esta pesquisa incluiu a admissão no emprego e os setores Agrícola, Comércio, Serviços e a Indústria.

Os dados apresentados na Tabela 6 confirmam a existência da desigualdade salarial de gênero: o salário/hora médio das mulheres foi inferior ao salário/hora médio dos homens nas regiões estudadas em quase todas as classes de emprego e setores econômicos estudados, exceto para o reemprego no setor de comércio. Por exemplo, na região sul e no primeiro emprego, para que as mulheres tivessem seus salários iguais aos masculinos, seria necessário que os seus rendimentos tivessem um aumento de 8,57%, 5,55% e 10,13% nos setores agrícola, serviços e indústria, respectivamente.

Tabela 6
Impactos percentuais (%) da discriminação nos salários das mulheres nos setores e classes de emprego nas regiões Sul e Nordeste do Brasil, 2016

A inserção por meio do reemprego ou remanescentes, em ambas as regiões, leva a diferenças salariais de gênero maiores em relação à admissão por primeiro emprego, com exceção do setor agrícola. As maiores diferenças foram observadas no setor industrial, e particularmente para os ocupados remanescentes, o que significa que, para que as trabalhadoras desse setor tivessem seus salários equiparados aos trabalhadores homens, teriam que observar um aumento de 40,64% (Sul) e 28,44% (Nordeste) nos seus salários.

A parte explicada pelos fatores associados aos aspectos produtivos, à ocupação e região, evidencia o impacto no salário das mulheres se elas tivessem as características dos homens. Nos resultados para ambas as regiões, todos os setores e classe de emprego apresentaram sinais negativos, indicando que os salários das mulheres seriam reduzidos caso as mulheres tivessem as mesmas características dos homens. De forma geral, esse impacto é mais acentuado no Nordeste e entre os remanescentes. Como exemplo, se as trabalhadoras reempregadas no setor de serviços tivessem as mesmas características dos trabalhadores homens, os salários delas sofreriam uma redução de 4,36% (Sul) e 9,06% (Nordeste).

A maior parte da explicação do gap salarial entre os gêneros origina-se da discriminação, que é maior para os admitidos no reemprego e remanescentes e menos acentuada no Nordeste. Em um cenário de ausência de discriminação, o salário das mulheres na indústria do Sul do país sofreria um acréscimo de 12,07% (primeiro emprego), 25,01% (reemprego) e 42,47% (remanescentes); na região Nordeste os aumentos deveriam corresponder a 11,26% (primeiro emprego), 26,43% (reemprego) e 36,78% (remanescentes) para o mesmo setor em análise. Ainda, as trabalhadoras admitidas no primeiro emprego são menos discriminadas em todos os setores, especialmente no comércio e no setor agrícola do Nordeste.

Por fim, tanto as diferenças salariais quanto a discriminação de gênero são menores na região Nordeste comparativamente ao Sul, o que pode ser um indicador de que em regiões menos desenvolvidas economicamente a propensão à discriminação seja menor, ou pode ser um indicativo de que a pobreza tende a igualar os indivíduos no País.

Os resultados apresentados na Tabela 7 correspondem às decomposições salariais de gênero entre os brancos nas regiões estudadas. O salário/hora médio das mulheres foi inferior ao salário/hora médio dos homens, em todas as classes de emprego e setores, com exceção da agricultura. No setor de serviços no Sul, por exemplo, para que a mulheres tivessem seus salários equiparados aos masculinos, seria necessário que os seus rendimentos aumentassem em 5,52% (primeiro emprego), 12,35% (reemprego) e 20,00% (remanescentes). Para a região Nordeste, com exceção do setor agrícola, as mulheres também apresentaram desvantagem em relação aos salários médios. Vale lembrar que os impactos salariais desfavoráveis às mulheres são menos pronunciados no Nordeste, no primeiro emprego e setor de comércio, como escrito anteriormente.

Tabela 7
Impactos percentuais (%) da discriminação nos salários das mulheres brancas comparados aos homens brancos nas classes de emprego e setores econômicos nas regiões Sul e Nordeste do Brasil, 2016

Em relação às diferenças salariais explicadas pelas características individuais e do mercado de trabalho, para ilustrar pode-se dizer que, caso as mulheres no setor de serviços tivessem as mesmas características dos homens, observariam uma redução em seus salários de 4,35% (Sul), 5,82% (Nordeste), 4,54% (Sul), 10,35% (Nordeste) e 5,18% (Sul), 14,34% (Nordeste) no primeiro emprego, reemprego e remanescentes, respectivamente.

Na ausência de discriminação de sexo, naquele mesmo setor para a região Sul o salário das mulheres deveria ter um aumento de 10,32% (primeiro emprego), 17,70% (reemprego) e 26,56% (remanescentes), já para a região Nordeste, o aumento nos salários femininos seriam 9,80% e 14,64% no primeiro emprego e reemprego, respectivamente.

Por outro lado, o setor industrial chama a atenção pelas maiores diferenças salariais e discriminação de sexo, embora menos intensamente no Nordeste do Brasil. Esse padrão também pode ser visualizado entre os admitidos no primeiro emprego, reemprego e remanescentes.

Os resultados das diferenças salariais entre os não brancos nas regiões, expostos na Tabela 8, confirmam as análises para os outros grupos. Há a predominância do salário/hora médio masculino, independentemente da classe de emprego; as diferenças salariais e discriminação de sexo são menores para o primeiro emprego e elevam-se para as outras classes de emprego; e a indústria promove esses hiatos e discriminação superiores aos outros setores. Finalmente, na região Nordeste todos esses efeitos são menos acentuados do que na região Sul.

Tabela 8
Impactos percentuais (%) da discriminação nos salários das mulheres não brancas comparados aos homens não brancos nas classes de emprego e setores econômicos nas regiões Sul e Nordeste do Brasil, 2016

Em suma, a partir dos fundamentos teóricos estabelecidos, esta investigação reuniu dados que vão ao encontro das conclusões empíricas efetuadas internacional e nacionalmente referentes à existência dos hiatos de salários por gênero e a magnitude da discriminação salarial. Entre outras, mostrou maiores diferenças para classes de rendimentos mais elevados (remanescentes e indústria), semelhantes a Albrecht, Van Vuuren e Vroman (2004ALBRECHT, J.; VAN VUUREN, A.; VROMAN, S. Decomposing the gender wage gap in the Netherlands with sample selection adjustments, IZA DPn. 1400, 2004. Disponível em:<Disponível em:http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=621064 >. Acesso em: 04 jun. 2015.
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?a...
), Monte, Araújo e Lima (2007MONTE, P. A.; DE ARAÚJO, T. P.; DE LIMA, R. A. Primeiro emprego e reemprego: análise de inserção ocupacional e duração do desemprego no Brasil metropolitano. Revista Economia e Desenvolvimento, v. 7, n. 1, p. 139-177, 2007.) e Gonçalves e Monte (2008GONÇALVES, M. F.; MONTE, P. A. Admissão por primeiro emprego e reemprego no mercado formal do Nordeste: Um estudo mesorregional. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 2008, UFMG, Caxambu, MG, 2008.; 2011); e a importância do posto/setor de trabalho, como em Heinze e Wolf (2006HEINZE, A.; WOLF, E. Gender earnings gap in German firms: The impact of firm characteristics and institutions. Discussion Paper, ZEW-Centre for European Economic Research, n. 6-20, 2006. Disponível em: <Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=896062 >. Acesso em: 04 jun. 2015.
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?a...
), Casari (2012CASARI, P. Segmentação no mercado de trabalho brasileiro: diferenças entre o setor agropecuário e os setores não agropecuários, período de 2004 a 2009. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2012.), e Zucchi e Hoffmann (2004ZUCCHI, J. D.; HOFFMANN, R. Diferenças de renda associadas à cor: Brasil, 2001. Pesquisa e Debate, São Paulo, PUC-SP, v. 15, n. 1, p. 107-129, 2004.). Particularmente avançou para as especificidades de duas regiões brasileiras e comprovou menor desigualdade salarial em região menos desenvolvida no País.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve como objetivo mensurar as diferenças salariais e a discriminação de gênero para as regiões Sul e Nordeste do Brasil, com recorte para a inserção no emprego e no setor econômico no ano de 2016. Primeiramente confirmam-se os retornos positivos para as variáveis do capital humano (escolaridade e experiência), sendo maiores para os trabalhadores remanescentes e menores para a classe do primeiro emprego, independentemente do setor econômico e da região analisada.

O fato de o indivíduo ser homem e de cor branca resultou em maiores retornos na comparação com as mulheres e não brancos, independentemente da região ou setor econômico. Esses ganhos mostraram-se maiores nos setores de comércio e serviços e entre os remanescentes. As ocupações de dirigentes, PCA e técnicos também apresentaram ganhos de salário sobre a ocupação de trabalhadores operacionais, porém o comportamento foi distinto se considerados a inserção no emprego e os setores econômicos. Quanto maior o tamanho do empreendimento, melhores são as remunerações atribuídas pelas empresas, e mais favoráveis aos remanescentes. Isso indica que a segmentação do mercado de trabalho pode explicar parte dos hiatos salariais.

O procedimento da decomposição salarial mostra que a primeira contratação gera menor discriminação salarial contra as mulheres, contrariamente ao que ocorre com os remanescentes no mercado de trabalho. O setor que apresentou os menores percentuais de discriminação contra as mulheres foi o comercial, e é menor ainda quando analisada no primeiro emprego. A indústria, por outro lado, efetiva a maior discriminação contra as mulheres, tanto na região Sul quanto na região Nordeste, e se intensifica entre os ocupados remanescentes no mercado de trabalho.

No geral a região Sul apresentou as maiores diferenças salariais e também os maiores percentuais discriminatórios contra as mulheres, particularmente para os remanescentes e o setor industrial. A discriminação é maior entre os não brancos, o que aponta uma pior situação para mulher não branca já empregada. Para a região Nordeste a discriminação é menor entre os não brancos na maioria dos setores e das diferentes classes de trabalho.

Apesar da absorção do trabalho feminino nos setores de comércio e serviços, nesses setores existe a discriminação sexual de rendimentos. Já para os setores da agricultura e da Indústria as mulheres são discriminadas duplamente, tanto na inserção como nos rendimentos, e a situação se intensifica no setor industrial. Entre as regiões, no Nordeste há menor discriminação de gênero, e menor ainda quando observada entre os indivíduos de cor de pele parda ou negra, o que sinaliza que as diferenças salariais e a discriminação de gênero tendem a ser menores nas regiões menos desenvolvidas economicamente.

O conhecimento das evidências da discriminação e sua mensuração nas regiões estudadas, em especial para o setor do comércio (menor discriminação de rendimentos contra as mulheres) e indústria (maior discriminação rendimentos contra as mulheres), assim como a sua maior incidência entre remanescentes e menor no primeiro emprego, materializa os reais avanços desta investigação em relação ao estado do conhecimento exposto na literatura. Apesar da existência de larga pesquisa sobre a temática da discriminação salarial, nacional e internacionalmente, a abordagem realizada neste artigo incrementa a discussão porque insere aspectos originais associados à forma de inserção no mercado de trabalho e nos setores econômicos.

Tais disposições empíricas podem fundamentar as decisões das autoridades públicas para o enfrentamento do problema das desigualdades, bem como potencializar novos estudos na área do trabalho e da renda no País. Isso oferece um significado particular às políticas públicas de promoção da inserção e dos rendimentos femininos, particularmente no setor industrial, atenção à legislação e sua fiscalização, estímulo às negociações de salários e conscientização feminina sobre as diferenças de salários e de oportunidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho, ao mesmo tempo que se estimulem os programas para o primeiro emprego nas regiões estudadas. Abre-se, ademais, espaço para recortes territoriais que envolvam os estados federativos dessas regiões para o entendimento da estrutura local da atividade econômica e do mercado de trabalho.

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  • CLASSIFICAÇÃO JEL:

    J16; J31; J71.
  • 1
    Ver Global Gender Gap Report, que compila dados pelo World Economic Forum (2015). Dos 145 países pesquisados, o Brasil encontra-se em 85º lugar. Em 2014 encontrava-se em 71º e, em 2012 e 2013, em 62º.
  • 2
    O PIB per capita anual do Nordeste em 2013 foi de R$ 12.954,80 e o da região Sul, R$ 30.495,79 (IBGE, 2015).
  • 3
    A RAIS é uma pesquisa por registro administrativo, de âmbito nacional, com periodicidade anual, e é de declaração obrigatória para todos os estabelecimentos para o processamento de informações sociais relativas aos vínculos empregatícios formais.
  • 4
    Baixa instrução (indivíduos com escolaridade igual ou inferior ensino fundamental incompleto), fundamental (indivíduos com escolaridade igual a fundamental completo ou ensino médio incompleto), ensino médio (indivíduos com ensino médio completo ou com graduação incompleta) e superior (indivíduos com escolaridade superior a graduação completa).
  • 5
    A construção das variáveis referentes às ocupações baseou-se na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), criada em 2002 e atualizada em 23/08/2004. Essas sofreram adaptação metodológica nesta pesquisa, sendo organizadas em quatro grandes grupos: Dirigentes (diretores e gerentes), Profissionais das Ciências e das Artes (PCA), Profissionais de Nível Técnico e Operacionais (agrícolas e trabalhadores na produção).
  • 6
    Para o setor da indústria classifica-se como: microempresa (até 19 ocupados); pequena empresa (de 20 a 99 ocupados); média empresa (de 100 a 499 ocupados); grande empresa (500 ou mais ocupados). Para o setor de serviços e comércio: microempresa (até nove ocupados); pequena empresa (de 10 a 49 ocupados); média empresa (de 50 a 99 ocupados); grande empresa (100 ou mais ocupados), e outras quando não se enquadram em nenhum dos requisitos acima.
  • 7
    O procedimento de Heckman (correção do viés de seleção) não foi aplicado neste estudo. O procedimento considera haver viés de seleção amostral quando alguns indivíduos optam por não ingressar no mercado de trabalho devido ao salário médio ofertado se encontrar abaixo de seu salário reserva. No entanto, a base de dados (RAIS/2016) utilizada nesta pesquisa não disponibiliza os dados sobre os trabalhadores desocupados e a PEA.
  • 8
    A decomposição sugerida não incorre no problema de identificação: invariância dos resultados da decomposição diante de escolha arbitrária das variáveis a serem omitidas nos conjuntos de variáveis categóricas utilizadas nas regressões de determinação de salários. Para a correção desse problema, quando se faz uso da decomposição original, utiliza-se o processo de normalização proposto por Yun (2003; 2005).
  • 9
    Os valores dos coeficientes representam o ganho percentual sobre o salário/hora que um empregado recebe ao acrescentar uma unidade do aspecto em análise - para variáveis contínuas, como a “experiência”, ou por pertencer a uma classe - para variáveis categóricas como “cor”, “ocupação”, “faixa escolaridade” etc.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2017
  • Aceito
    15 Jun 2018
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