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POPULISMO COMO CONCEITO: TEORIA E HISTÓRIA DAS INTERPRETAÇÕES

POPULISM AS CONCEPT: THEORY AND HISTORY OF THE INTERPRETATIONS

RESUMO:

A literatura refere-se a populismo para qualificar tanto partidos políticos como movimentos políticos não institucionalizados, mas também o estende a certo tipo de política econômica, ainda que comparando governos de diferentes matizes e com práticas bastante diversas. A polissemia do conceito se atribui, em parte, porque os autores o utilizam com diferentes objetivos e designando fenômenos distintos, com implicações sobre a formulação e/ou execução de políticas econômicas. Diante disso, o objetivo deste artigo é investigar quatro aspectos centrais para o estudo do populismo. Primeiro, as origens do conceito. Segundo, suas dimensões analíticas distintas. Terceiro, os instrumentos de produção intelectual que embasam suas análises. Finalmente, o modo como tais instrumentos corroboram para a formulação de interpretações pejorativas das assim chamadas “experiências populistas”, que têm dificuldade para captar a relação entre populismo e crises econômicas. Para tanto, revisamos as diferentes interpretações do populismo atentando para contextos históricos e fundamentos teóricos e intelectuais. Com isso, pretendemos contribuir para uma nova agenda de investigação sobre o populismo como fenômeno político-econômico das sociedades modernas.

PALAVRAS-CHAVE:
Populismo; Crise; Política econômica

ABSTRACT:

The literature refers to populism to qualify both political parties and non-institutionalized political movements, but also extends it to a certain type of economic policy, even if it is comparing governments of different shades and with very diversified economic policies and practices. Such polysemy of the concept can be attributed, in part, because authors use it with different objectives and also to designate different phenomena, with implications in the formulation and/or execution of economic policies. This way, the purpose of this paper is to investigate four aspects central to the study of populism. First, the origins of the concept. Second, its distinct analytical dimensions. Third, the instruments of the production of thought that support the analysis of populism. Finally, how these intellectual instruments help to forge pejorative interpretations of the so-called “populists’ experiences”, as well as presenting difficulties in capturing the relationship between populism and economic crises. To do so, we review the literature on the interpretations of populism paying attention to its intellectual ground and context. By doing this, we intend to contribute to the construction of a new research agenda on populism as a phenomenon in modern societies.

KEYWORDS:
Populism; Crisis; Economic policy

INTRODUÇÃO

É crescente a quantidade de análises sociais que partem do conceito de populismo, geralmente para denunciá-lo como antieconomia ou antipolítica. Desde as eleições de Donald Trump, nos Estados Unidos, e Viktor Orbán, na Hungria (Müller, 2017Müller, J. W. Populistas. Revista Piauí, n. 124, 2017. ), até os partidos de esquerda Podemos , na Espanha, e Syriza , na Grécia (Mudde, 2015 Mudde, C. The problem with populism. The Guardian, 2015 Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2015/feb/17/problem-populism-syriza-podemos-dark-side-europe . Acesso em: jun. 2017.
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), falar sobre populismo está na moda nos tempos atuais. Como mostra Stavrakakis ( 2017Stavrakakis, Y. How did ‘populism’ become a pejorative concept? And why is this important today? A genealogy of double hermeneutics. Populismus Working Papers, n. 6, pp. 1-22, 2017. ), isso tem ocorrido especialmente no sentido de construir uma “mitologização” do fenômeno populista, a qual tende a naturalizá-lo de maneira pejorativa.

A literatura emprega o termo populismo se referindo tanto a partidos políticos quanto a movimentos políticos não institucionalizados. Nesse sentido, trata-se de um conceito que serve para identificar partidos e movimentos sociais com intencionalidades políticas tão díspares como, por exemplo, o Front National , liderado por Marine Le Pen na França, a coalização Syriza , sob a liderança de Alexis Tsipras, na Grécia, o Podemos na Espanha, a ala ultraconservadora Tea Party do partido Republicano estadunidense, os governos de Getúlio Vargas no Brasil e de Juan Domingo Perón na Argentina, para citar apenas alguns fenômenos. De acordo com a literatura, seriam populistas tanto as políticas do governo de Dilma Rousseff no Brasil quanto as do governo de Donald Trump nos EUA, assim como os governos de Viktor Orbán na Hungria e de Nicolás Maduro na Venezuela. Também se considera populista os movimentos Occupy que se espalham mundo afora desde 2011 sob o slogan “nós somos os 99%”. É curioso, no entanto, que partidos e movimentos políticos com intencionalidades políticas situadas em extremos tão opostas possuam em comum o fato de serem denominados “populistas”.

O populismo apresenta várias facetas, dependendo do contexto social que se observa. Na literatura especializada, o conceito é essencialmente controverso, e por isso partidos, governos e movimentos sociais com intencionalidades políticas sob contextos sociais tão diferentes são designados populistas. Contudo, comum a todos está a constatação de que a realidade social se divide entre o “povo” e a “elite”, com interesses econômicos que seriam contraditórios ou antagônicos. Para os populistas russos do século XIX da Era Cristã, por exemplo, o sujeito revolucionário na Rússia Tsarista seria o “povo” russo, isto é, camponeses e suas formas tradicionais de propriedade coletiva, conhecidas como artéis e obshichinas . Já no caso dos populistas estadunidenses da virada do século XIX para o XX, o “povo” dos EUA – isto é, pequenos arrendatários rurais brancos e agricultores herdeiros dos ex-escravizados no sul do país – estava sendo usurpado pelos banqueiros de Wall Street.

Tanto o populismo russo quanto o estadunidense foram manifestações originárias do fenômeno que passou a se denominar populismo, expressando alguma aspiração socialista e de base social majoritariamente rural. Em ambos os casos, afirmaram-se historicamente em contextos de grandes transformações econômicas e políticas, as quais, por sua vez, afetaram as condições de reprodução nas respectivas sociedades. Se atentarmos para as demais experiências históricas designadas como populistas, observaremos que em comum aos populismos são contextos de crise, que se manifestam em dimensões distintas, a depender da correlação de forças políticas em uma formação social determinada.

As várias facetas assumidas pelas interpretações do populismo revelam, ao menos em parte, que a origem das controvérsias sobre o conceito não parece ser apenas a respeito de sua definição, mas, fundamentalmente, as possibilidades de seu uso para análises comparadas. Isso porque os autores, ao definirem o populismo, o fazem com objetivos distintos. De qualquer forma, como será discutido ao longo do artigo, com raras exceções as diversas definições e dimensões do conceito buscam construir esquemas analíticos rigorosos a partir de um suposto fenômeno cuja história conceitual evidencia a formulação do populismo com o objetivo de denunciar, mais do que propriamente analisar. Neste trabalho, pretendemos evidenciar que o conceito de populismo revela em sua história conflitos teóricos que se mostram também como político-econômicos, quer dizer, expressam a forma política de encaminhamento da luta de classes.

Desse modo, o objetivo do artigo é investigar: i) as origens do conceito de populismo; ii) suas distintas dimensões analíticas a nível do econômico e do político; iii) os fundamentos teóricos que embasam suas interpretações; e iv) como tais fundamentos forjam versões pejorativas de experiências históricas consideradas populistas. Para tanto, metodologicamente, realizamos uma revisão de literatura a respeito do uso teórico do conceito de populismo atentando para seus respectivos fundamentos intelectuais, quais sejam, o historicismo-funcionalista e o positivismo. Com isso, pretendemos mostrar a existência de viés pejorativo em relação ao conceito em boa parte da literatura especializada e o modo como tais interpretações acabam por ser incapazes de compreender de maneira robusta o populismo como fenômeno histórico moderno associado às crises de reprodução social no curso do desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Assim sendo, este artigo está organizado em seis seções, sendo a primeira esta introdução. Na segunda, apresentamos o conceito de populismo e suas dimensões analíticas a partir de uma revisão da literatura especializada. Na terceira, avançamos para apresentar os sentidos pejorativos pelos quais o conceito tem sido interpretado desde suas origens. Na quarta, abordamos os fundamentos teóricos que embasam as interpretações do populismo, isto é, o historicismo – especialmente em sua variante funcionalista – e o positivismo. Na quinta seção, apresentamos uma interpretação do populismo como sendo a forma político-econômica adequada à modernidade no encaminhamento de suas crises, podendo assumir no espectro político uma expressão à direita ou à esquerda, reformista ou revolucionária, a depender da correlação de forças políticas na conjuntura e da orientação estratégica hegemônica de sua liderança. Por fim, na sexta seção tecemos as considerações finais do estudo.

1. SOBRE O CONCEITO DE POPULISMO

O populismo emerge no vocabulário moderno a partir das transformações propiciadas pela conjunção das revoluções industrial e burguesa (Moraes, 2018 Moraes, L. S. Populismo, política econômica e crises na América Latina. Tese (Doutorado em Economia) – Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/187559 . Acesso em: jun. 2017.
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, cap. 2). Como destaca Hobsbawm ( 1996Hobsbawm, E. The age of revolution, 1789-1848. London: Vintage Books, 1996. , p. 24, tradução própria), exceto na Inglaterra, que reunia as condições materiais amadurecidas, “havia desse modo um conflito latente e que logo se tornaria aberto entre as forças da velha e da nova sociedade ‘burguesa’, o qual não poderia ser resolvido dentro do arcabouço dos existentes regimes políticos”. 1 1 “ There was thus a latent, and would soon be an overt, conflict between the forces of the old and the new ‘bourgeois’ society, which could not be settled within the framework of the existing political régimes ”. É nesse momento que as ideias de povo e de nação se fundem historicamente para constituírem as identidades das relações sociais nesse processo civilizatório, que fundou os tempos modernos (Hobsbawm, 2000Hobsbawm, E. Nations and nationalism since 1780: programme, myth, reality. 2. ed. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press, 2000. ; Anderson, 2006Anderson, B. Imagined communities: reflections on the origin and spread of nationalism. 2. ed. London: Verso, 2006. ; Badiou, 2016Badiou, A. Twenty-four notes on the uses of the word “people”. In: Badiou, A. et al. What is a people? New York: Columbia University Press, 2016. , p. 23-26).

Uma das primeiras associações modernas feitas ao termo populismo, senão a primeira, foi com os Narodniks na Rússia, entre 1860 e 1870. Tratou-se de um movimento social oriundo de uma parte dos intelectuais russos críticos ao regime tsarista e conscientemente orientados para um resgate do campesinato russo 2 2 Em russo, o termo narod pode significar tanto “povo” no sentido de um grupo genérico de pessoas quanto uma comunidade, uma tribo ou nação específicas, ou ainda os setores sociais distintos dos da elite política, intelectual e econômica (Offord, 2010 , p. 242). como protagonista da história a fim de construir diretamente o socialismo no país (Pedler, 1927Pedler, A. Going to the people: The Russian Narodnik in 1874-5. The Slavonic Review, v. 6, n. 16, pp. 130-141, 1927. ; Offord, 2010Offord, D. The people. In: Leatherbarrow, W.; Offord, D. A history of Russian thought. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press, 2010. , p. 252-253). Outra experiência adjetivada como populista foi nos EUA com o People’s Party (Partido do Povo ou ainda conhecido como Partido Populista), entre 1891 e 1908. Esse partido é oriundo de uma série de movimentações políticas sulistas originadas no período pós-Guerra Civil estadunidense (1861-1865) em meio à situação econômica dos pequenos proprietários rurais, arrendatários de terras e trabalhadores (Zinn, 1980Zinn, H. A people’s history of the United States. Harlow: Longman, 1980. , p. 276).

O populismo, emergente nesse contexto como um fenômeno inicialmente autoproclamado, passou a ser sistematicamente interpretado sob tom acusatório. Nos EUA, a denúncia do populismo se inseriu no âmbito do embate político de modo mais explícito a partir dos conflitos rurais no sul do país, desde a segunda metade do século XIX, onde os pequenos proprietários eram, na prática, proletários rurais, e faziam frente aos grandes proprietários do cinturão agroexportador baseado em trabalho escravo ( Black Belt ). Na Europa, as experiências fascistas do século XX, cujo sujeito histórico de legitimidade política se baseou numa ideia racista de povo nacional , contribuiu para que o populismo passasse a ser interpretado pejorativamente pela intelectualidade. Por parte dos intelectuais marxistas, a influência da crítica de Lenin aos populistas russos consolidou a noção de que tal conceito traduz politicamente a falsa consciência revolucionária. De ambos os lados, os processos populistas passaram a ser interpretados pejorativamente.

O populismo é um conceito contemporaneamente utilizado para analisar fenômenos político-econômicos ou movimentos sociais complexos e historicamente distintos que, embora aparentemente diferentes, possuem em comum uma união dialética entre teoria e prática ( práxis ) política binária centrada no conflito. Esta, por sua vez, constitui um conjunto de ideias e ações sobre uma determinada realidade social a partir da divisão entre o povo e o não-povo , cujos interesses seriam contraditórios ou até mesmo antagônicos. No que diz respeito ao conceito, o populismo é comumente apresentado contendo uma dimensão político-ideológica e outra econômica, sendo que ambas estão intimamente associadas.

Moffitt & Tormey ( 2014Moffitt, B.; Tormey, S. Rethinking populism: politics, mediatisation and political style. Political Studies, v. 62, pp. 381-397, 2014. , p. 383) identificam quatro abordagens sobre o populismo na literatura contemporânea, quais sejam, o populismo como uma ideologia , uma lógica de ação política , um discurso , ou uma estratégia política . Criticando essas definições, os autores sugerem uma outra. Essa quinta abordagem entende o populismo como um estilo de ação utilizado para construir relações políticas. Mudde & Kaltwasser ( 2017Mudde, C.; Kaltwasser, C. R. Populism: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2017. , p. 3-9) apresentam o populismo como um conceito essencialmente controverso/em disputa ( contested concept ) entre seis abordagens: a abordagem da agência popular ; a laclauana , a qual inclui as noções de populismo como um discurso e uma lógica política; a socioeconômica , ou populismo econômico; a estratégico-política ; a do estilo político , sugerida por Moffitt & Tormey ( 2014Moffitt, B.; Tormey, S. Rethinking populism: politics, mediatisation and political style. Political Studies, v. 62, pp. 381-397, 2014. ); e a ideacional , ou ideológica, defendida pelos autores.

O populismo na abordagem da agência popular é entendido como uma forma de vida política democrática fundamentada no engajamento dos setores sociais populares e, por isso, não se configuraria como um problema em si, mas uma força positiva. Particularmente, essa forma de abordar o populismo se origina na experiência do People’s Party (1891-1908) e da tradição intelectual estadunidense herdeira da Farmer’s Alliance a partir de 1875. Objetivamente, esta abordagem se faz presente, por exemplo, na obra As Vinhas da Ira ( The Grapes of Wrath , no original em inglês), de John Steinbeck, publicada em 1939.

Na abordagem laclauana – ou da Escola de Essex, na Inglaterra –, o populismo é visto como inerente à política e também uma força potencialmente emancipatória rumo à radicalização democrática. Isso porque se abandona o pressuposto de que as classes sociais possuem necessariamente um conteúdo ideológico e político particulares, visto que estes se constituem a partir de uma articulação específica dos questionamentos entre os polos antagônicos da sociedade – povo/bloco no poder. Esses, por sua vez, não dependeriam apenas das relações sociais de produção, “[…] mas do complexo de relações políticas e ideológicas de dominação constituindo uma determinada formação social” (Laclau, 1977Laclau, E. Politics and ideology in Marxist theory: capitalism, fascism, populism. London: NLB, 1977. , p. 166, tradução própria). 3 3 “[…] but the complex of political and ideological relations of domination constituting a determinate social formation ”. Nesse sentido, “o que transforma um discurso ideológico em um populista é uma forma peculiar de articulação das interpelações popular-democráticas nele” (Laclau, 1977Laclau, E. Politics and ideology in Marxist theory: capitalism, fascism, populism. London: NLB, 1977. , p. 172, tradução própria, destaques do autor). 4 4 “[…] what transforms an ideological discourse into a populist one is a peculiar form of articulation of the popular-democratic interpellations in it ”.

Isto é, o processo pelo qual a ideologia dominante é socialmente incorporada contém elementos de subjetividade oriundos de modos de produção anteriores ao dominante e que podem ser resumidos na noção de tradições populares. Laclau ( 1977Laclau, E. Politics and ideology in Marxist theory: capitalism, fascism, populism. London: NLB, 1977. ) não nega a luta de classes como motor histórico, mas retira das classes qualquer conteúdo político e ideológico particular, pois tais conteúdos dizem respeito ao nível empírico da formação social. “Entretanto, como a luta de classe toma prioridade sobre a luta popular-democrática, a última apenas existe articulada a projetos de classe” (Laclau, 1977Laclau, E. Politics and ideology in Marxist theory: capitalism, fascism, populism. London: NLB, 1977. , p. 166, tradução própria). 5 5 “ however, as class struggle takes priority over popular-democratic struggle, the latter only exists articulated with class projects ”. Dessa forma, a dupla articulação entre “classes” e “povo” denotaria a característica potencialmente progressista do populismo, visto que este corresponderia a uma articulação das ideologias popular-democráticas contrárias à ideologia dominante.

A dimensão econômica do populismo tem sido trabalhada com destaque a partir do artigo escrito e do livro organizado por Bresser-Pereira ( 1991aBresser-Pereira, L. C. Populism and economic policy in Brazil. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, v. 33, n. 2, pp. 3-21, 1991a. , 1991bBresser-Pereira, L. C. (Org.). Populismo econômico: ortodoxia, desenvolvimentismo e populismo na América Latina. São Paulo: Nobel, 1991b. ) e a obra organizada por Dornbusch, Edwards ( 1991Dornbusch, R.; Edwards, S. (Eds.). The macroeconomics of populism in Latin America. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. ), embora Canitrot ([1975] 1991Canitrot, A. A experiência populista de redistribuição de renda. In: Bresser-Pereira, L. C. (Org.). Populismo econômico: ortodoxia, desenvolvimentismo e populismo na América Latina. São Paulo: Nobel, 1991. ), Díaz-Alejandro ([1981] 1991Díaz-Alejandro, C. Planos de estabilização no cone sul. In: Bresser-Pereira, L. C. (Org.). Populismo econômico: ortodoxia, desenvolvimentismo e populismo na América Latina. Ed. Nobel, 1991. ) e Sachs ( 1989Sachs, J. D. Social conflict and populist policies in Latin America. NBER Working Paper Series, n. 2897, 1989. ) já antecipassem essa perspectiva. Acemoglu, Egorov e Sonin ( 2013Acemoglu, D.; Egorov, G.; Sonin, K. A political theory of populism. The Quarterly Journal of Economics, v. 128, n. 2, p. 771–805, 2013. ) formalizaram uma teoria que combina os aspectos políticos e econômicos do populismo em suas possibilidades dentro do espectro político direita-esquerda e os possíveis resultados por meio de um arcabouço de escolha racional. De maneira geral, entende-se por populismo econômico o uso de políticas econômicas instrumentais (monetária, fiscal e cambial) para sustentar o crescimento e a distribuição da renda sem, no entanto, considerar as restrições do balanço de pagamentos e do espaço fiscal interno para tais medidas expansionistas. Embora no curto prazo os objetivos da política econômica “populista” possam ser alcançados, o resultado disso no longo prazo seria o recrudescimento do atraso em relação aos países avançados.

O conceito de populismo pode ser usado para interpretar fenômenos e movimentos sociais tanto à esquerda quanto à direita do espectro político, dos Narodniks russos aos fascismos europeus (Müller, 2016Müller, J. W. What is populism? Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2016. ). Pode também ser um fenômeno geral com tipos nacionais até mesmo na China, como argumenta Townsend ( 1977Townsend, J. R. Chinese populism and the legacy of Mao Tse-Tung. Asian Survey, v. 17, n. 11, 1977. ). Abstraindo suas especificidades particulares, o fato é que emergem como expressão concreta do acirramento do conflito social em cada uma dessas formações sociais, e, também, constituem movimentos populares com aspirações nacionalistas e antielitistas.

2. POPULISMO COMO FENÔMENO PEJORATIVO

Uma revisão da literatura especializada sugere que é razoável concluir que há certa tendência analítica pejorativa por parte dos intérpretes do populismo, a qual se distingue entre três conjuntos de análises, que denotam, respectivamente, seu caráter: i) antirrevolucionário; ii) irracional; e iii) antidemocrático. Isso porque, à exceção das abordagens inspiradas nos trabalhos de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, as quais entendem o fenômeno não só como inerente à política moderna, mas também como sua força emancipatória, geralmente o “populismo” é interpretado como um fenômeno “ruim” ou a tradução de má política, que por sua vez é produto de crises, ou seu causador. Por um lado, o populismo, quando entendido como prática político-econômica, é acusado como “tendo historicamente levado ao fracasso, sofrimento e frustração” (Dornbusch; Edwards, 1991Dornbusch, R.; Edwards, S. (Eds.). The macroeconomics of populism in Latin America. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. , p. 2, tradução própria). 6 6 “[…] has historically led to failure, sorrow, and frustration ”. Ou, ainda, é visto como uma estratégia política problemática, oriunda da incorporação prematura das “massas populares” nas democracias ao longo do processo de transição de sociedades tradicionais para industriais (Germani, 1962Germani, G. Política y sociedad en una época de transición: de la sociedad tradicional a la sociedad de masas. Buenos Aires: Paidós, 1962. ; Di Tella, 1973Di Tella, T. Populismo y reformismo. In: Germani, G.; Di Tella, T.; Ianni, O. Populismo y contradicciones de clase en Latinoamérica. Ciudad de México: Ediciones Serie Popular Era, 1973. ; Weyland, 2001Weyland, K. Clarifying a contested concept: populism in the study of Latin American politics. Comparative Politics, v. 34, n. 1, pp. 1-22, 2001. ). 7 7 Embora Di Tella ( 1973 ) e Weyland ( 2001 ) sejam exemplos da abordagem do populismo como uma estratégia política, é preciso destacar que há ao menos uma importante diferença entre ambos, visto que para o primeiro o populismo se caracteriza como um movimento político que conta com o apoio das “massas” urbanas e/ou rurais, ao passo que para o último se trata especificamente de uma liderança personalista e dos meios por ela empregados para se perpetuar no poder.

Laclau ( 2005Laclau, E. On populist reason. London: Verso, 2005. ) tenta responder às proposições pejorativas geralmente atribuídas pelos críticos aos populismos na prática. Para tanto, o autor demonstra que a suposta vagueza política e a retórica populista são, na verdade, aspectos inerentes a qualquer realidade social. Sendo assim, “[…] a conclusão seria que o populismo é a estrada régia para entender alguma coisa sobre a constituição ontológica do fenômeno político como tal” (Laclau, 2005Laclau, E. On populist reason. London: Verso, 2005. , p. 67, tradução própria). 8 8 “[…] the conclusion would be that populism is the royal road to understanding something about the ontological constitution of the political as such ”. A questão, portanto, deixa de ser a respeito dos elementos que constituem o populismo como fenômeno político-ideológico, ou sua suposta vagueza ou imprecisão, mas “para qual realidade social e ideológica o populismo se aplica?” (Laclau, 2005Laclau, E. On populist reason. London: Verso, 2005. , p. 17, tradução própria). 9 9 “[…] to what social and ideological reality does populism apply? ”.

Além do programa de pesquisa sobre populismo inspirado nas contribuições de Laclau e Mouffe, também se pode notar o aparecimento de investigações que apontam para certa desconstrução do viés pejorativo prevalecente na literatura especializada. Nesse sentido, Canovan ( 1981Canovan, M. Populism. Boston: Harcourt Brace Jovanovich, 1981. ) parece ter sido pioneira no estudo que compreende diferentes dimensões e usos do conceito no intuito de propor uma esquematização dos tipos de populismo que não se restrinja à mera denúncia do fenômeno, almejando contribuir para o entendimento de seu papel nas sociedades modernas. As primeiras avaliações críticas do populismo buscaram “testar” se a relação política e ideológica entre as organizações de classe de trabalhadores(as) e os Estados Nacionais se dava de maneira efetivamente passiva tal qual os formuladores do conceito tradicionalmente argumentam (Capelato, 2001Capelato, M. H. R. Populismo latino-americano em discussão. In: FERREIRA, J. (Org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. ). Na Argentina, Murmis e Portantiero ([1971] 2004Murmis, M.; Portantiero, J. C. Estudios sobre los orígenes del peronismo. Ed. Siglo Veintiuno, 2004. ) pode ser visto como um dos primeiros trabalhos críticos às análises sociológicas que compreendem uma distinção ideológica entre os “novos” e os “velhos” trabalhadores urbanos. Del Campo ([1983] 2012Del Campo, H. Sindicalismo y peronismo: los comienzos de un vínculo perdurable. 2. ed. Buenos Aires: Siglo XXI, 2012. ) analisa os vínculos do sindicalismo com o peronismo de modo a evidenciar a racionalidade histórica dessa relação. No Brasil, destacam-se, por exemplo, os estudos críticos de Angela de Castro Gomes ([1988] 2005Gomes, A. C. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. , 2002Gomes, A. C. Reflexões em torno de populismo e trabalhismo. Varia Historia, n. 28, pp. 55-68, 2002. ) sobre a lógica do projeto político trabalhista e a associação com o populismo e os de Boito Jr. ( 1984Boito Jr., A. O golpe de 1954: a burguesia contra o populismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. ) sobre o caráter de classe do populismo brasileiro.

A partir dos anos 2000, aparecem os primeiros estudos críticos aos intérpretes economicistas do fenômeno na região. Loureiro ( 2009Loureiro, F. P. Considerações sobre o conceito de populismo econômico: explicação ou distorção histórica? Revista Eletrônica Boletim do Tempo, ano 4, n. 16, pp. 1-25, 2009. ), Fonseca ( 2010Fonseca, P. C. D. Nem ortodoxia nem populismo: o Segundo Governo Vargas e a economia brasileira. Revista Tempo, v. 14, n. 28, pp. 19-60, 2010. , 2011Fonseca, P. C. D. O mito do populismo econômico de Vargas. Revista de Economia Política, v. 31, n. 1, pp. 56-76, 2011. ), Monteiro e Fonseca ( 2012Monteiro, S. M. M.; Fonseca, P. C. D. Credibility and populism: the economic policy of the Goulart Administrations in Brazil. Estudos Econômicos, v. 42, n. 3, pp. 511-544, 2012. ), Varaschin ( 2013Varaschin, J. Para além do populismo econômico: uma interpretação da política econômica do governo João Goulart (1961-1964). Dissertação (Mestrado em Economia) – Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. ) e Moraes ( 2018 Moraes, L. S. Populismo, política econômica e crises na América Latina. Tese (Doutorado em Economia) – Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/187559 . Acesso em: jun. 2017.
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) são exemplos dessa literatura econômica mais recente e crítica à aplicação generalizada do conceito de populismo ao estudo da condução da política econômica. Em particular, esses trabalhos buscaram testar a adequação do conceito de populismo econômico aos governos de Juan Domingo Perón, na Argentina, e Getúlio Vargas e João Goulart, no Brasil.

2.1. SOBRE O CARÁTER ANTIRREVOLUCIONÁRIO DO POPULISMO

Como já foi afirmado, o populismo apareceu pela primeira vez em russo, no século XIX, com o movimento Narodnik . Socialista e com base social partindo dos setores médios-urbanos do Império Russo, os populistas russos criticavam a monarquia tsarista defendendo uma jornada pedagógico-política em direção ao povo russo ( Narodnichestvo ), basicamente camponês. Nesse sentido, é importante ressaltar a influência de Aleksandr Radíschev (1749-1802), notadamente em sua obra Viagem de Petersburgo a Moscou , de 1790, o qual “pertence à primeira geração de jovens da nobreza enviada pela autocrata Catarina II para a Europa a fim de ilustrar-se […]. Ao enviar o grupo para o estrangeiro, a tsarina pretendia modernizar a vasta e atrasada Rússia” (Almeida, 2023Almeida, P. V. Apresentação – Aleksandr Radíschev: tradição e luta revolucionária na literatura russa. In: Radíchev, A. Viagem de Petersburgo a Moscou. São Paulo: Boitempo, 2023. , p. 13, destaque da autora). Sua obra foi um verdadeiro ataque às condições sociais do país, sendo alvo de grande perseguição por parte do regime tsarista da época. Vale destacar, também, a importância de Aleksandr Herzen (1812-1870), notadamente em seu romance A Quem Culpar? , de 1845-46, de forte teor crítico à nobreza rural. Nas próprias palavras de Lenin ([1912] 1956Lenin, V. I. In memory of Herzen. In: Herzen, A. Selected philosophical works. Moscow: Foreign Languages Publishing House, 1956. , p. 11-12, tradução própria) para o centenário de nascimento do autor, “ao comemorar Herzen, o proletariado aprende pelo seu exemplo a apreciar a grande importância da teoria revolucionária. […] Herzen foi o primeiro a erguer a bandeira de luta ao endereçar suas palavras russas livres para as massas”. 10 10 “ In commemorating Herzen, the proletariat is learning from his example to appreciate the great importance of revolutionary theory [...] Herzen was the first to raise the great banner of struggle by addressing his free Russian words to the masses ”. Essa história continua ainda na década de 1860, após o processo que culminou na emancipação dos servos no Império Russo, em 1861. Em 1879 nascia uma organização política oriunda dessa pedagogia da “jornada ao povo”, o partido Narodnaya Volya (Vontade do Povo), cujo programa residia na defesa conjunta do socialismo, do agrarianismo e de ações violentas contra a monarquia russa como estratégia revolucionária, sendo responsáveis pelo assassinato do tsar Alexandre II, em 1881.

No programa político-econômico, os populistas russos revelam, ao menos em parte, um pouco da ambiguidade associada ao conceito de populismo, pois, por um lado, aproximam-se teoricamente de Marx, mas, por outro, divergem em termos organizacionais (Pipes, 1960Pipes, R. Russian Marxism and its populist background: the late nineteenth century. The Russian Review, v. 19, n. 4, pp. 316-337, 1960. , p. 330). De acordo com os economistas populistas russos, o desenvolvimento capitalista na Rússia seria impossível em virtude do problema de realização da produção em economias atrasadas – o chamado problema de disputa dos mercados externos (Miglioli, 2004Miglioli, J. Acumulação de capital e demanda efetiva. 2. Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. , Parte 3). Sendo assim, eles interpretaram a tendência do desenvolvimento capitalista de aumento da composição orgânica do capital a partir de um viés subconsumista (Lenin, [1899] 1988Lenin, V. I. O desenvolvimento do capitalismo na Rússsia. São Paulo: Nova Cultural, vol. I, 1988. , vol. 1; Barnett, 2005Barnett, V. A history of Russian economic thought. London: Routledge, 2005. , p. 41).

O programa político-econômico dos Narodniks pode ser visto como assumidamente socialista, embora possa ser considerado eclético quanto ao marxismo. Vorontsov e Nikolaion, dois importantes populistas russos do período, ainda que argumentem baseados em Marx, mostram a impossibilidade de desenvolvimento capitalista em uma economia atrasada. Sendo assim, concretamente, o programa populista russo se pautou na defesa das formas russas tradicionais de propriedade comunal no campo, por meio de incentivos econômicos aos artéis e obshichinas . 11 11 Ambas correspondem a típicas formas de organização social entre produtores camponeses russos existentes na época de emergência dos “populistas” russos do século XIX da Era Cristã. Além disso, defendiam, também, a nacionalização da produção industrial e, por fim, uma redistribuição mais igualitária da renda entre capitalistas e trabalhadores. Venturi ( 1960Venturi, F. Roots of revolution: a history of the populist and socialist movements in nineteenth century Russia. New York: Alfred A. Knopf, 1960. , p. 572) analisa a transformação do populismo russo desde concepções mais bakuninistas de ação direta para uma reformulação das teorias socialistas entendidas como exageradamente abstratas. Nesse sentido, afirma que

Era essencial fazer concessões aos camponeses, ouvir suas demandas imediatas e não falar para eles de Socialismo em geral. E fazendo isso uma élite política poderia gradualmente ser formada. Mas até que essa élite fosse formada, os próprios revolucionários devem ter seus lugares e ajudar a concretizá-la

(Venturi, 1960Venturi, F. Roots of revolution: a history of the populist and socialist movements in nineteenth century Russia. New York: Alfred A. Knopf, 1960. , p. 572, tradução própria, destaques do autor). 12 12 It was essential to make concessions to the peasants, to listen to their immediate demands, and not speak to them of Socialism in general. And in so doing a political élite could gradually be formed. But until this élite was formed the revolutionaries themselves must take its place and help to bring it into being ”.

A partir daí ganha força não apenas a noção de que a revolução na Rússia deveria vir do povo, mas de que esse poder popular a ser construído devia levar em consideração as condições concretas às quais estava submetido o povo russo . Nesse contexto, a organização popular Zemlya i Volya (Terra e Liberdade) se fragmentou, dando origem ao partido Narodnaya Volya (Vontade do Povo). Constituiu-se, então, uma ideia de partido socialista-federalista para a Rússia. Nas palavras de Aleksandr Dmitrievich Mikhaylov, um dos membros do partido em questão,

[...] nós não consideramos possível esperar por uma revolução socioeconômica até que o povo esteja em uma condição de promover uma ordem social mais perfeita. E por isso nós levantamos nossa bandeira com as demandas do povo de Terra e Liberdade. Por isso nós queremos dizer (1) do ponto de vista econômico: a passagem de terra pertencendo tanto ao Estado quanto a donos privados para as mãos do povo. Na Grande Rússia isso deve ser feito através das obshchinas , e em outras regiões da Rússia de acordo com as tradições e necessidades locais. (2) do ponto de vista político: a substituição do Estado existente por uma estrutura determinada pela vontade do povo; e em qualquer caso deve haver ampla autonomia para obshchinas e regiões

(Mikhaylov apud Venturi, 1960Venturi, F. Roots of revolution: a history of the populist and socialist movements in nineteenth century Russia. New York: Alfred A. Knopf, 1960. , p. 572-573, tradução própria e destaque do autor). 13 13 “ we do not think it possible to wait for a social-economic revolution until the people is in a condition to bring about a more perfect social order. And so we raise our banner with the people’s demands of Land and Liberty. By this we mean (1) from the economic point of view: the passage of land belonging both to the State and to private owners into the hands of the people. In Great Russia this must be done through the obshchinas , and in other regions of Russia according to existing local traditions and requirements. (2) From the political point of view: the substitution of the existing State by a structure determined by the will of the people; and in any case there must be wide autonomy for obshchinas and regions ”.

Lenin, no primeiro volume de seu O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia , sistematiza o debate entre populistas e marxistas revolucionários russos. Sua crítica se assemelha às de Marx e Engels aos socialistas utópicos. Nesse sentido, é interessante notar que tal crítica dizia respeito aos “erros teóricos” cometidos pelos populistas russos, os quais os levaram a concluir pela impossibilidade de desenvolvimento capitalista naquele país, o que já acontecia. Ao denunciar os populistas russos, Lenin o faz com objetivos específicos. No prefácio à segunda edição da referida obra isso fica claro quando argumenta sobre as possibilidades revolucionárias da Rússia em 1905:

Na atual base econômica da revolução russa, duas vias fundamentais são objetivamente possíveis para o seu desenvolvimento e desfecho: – ou a antiga propriedade fundiária privada, ligada por milhares de laços à servidão, se conserva e se transforma lentamente em estabelecimento puramente capitalista, do tipo junker (...) – ou o antigo latifúndio é destruído pela revolução, que liquida com todos os vestígios da servidão, especialmente o regime da grande propriedade fundiária”

(Lenin, [1899] 1988Lenin, V. I. O desenvolvimento do capitalismo na Rússsia. São Paulo: Nova Cultural, vol. I, 1988. , vol. 1, p. 10).

Trata-se de uma crítica ao caráter conservador da defesa populista dos artéis e obshchinas , visto que essas instituições só poderiam ser mantidas como tais sob uma via de desenvolvimento capitalista. As consequências dessa trilha acarretariam, na visão de Lenin, uma contínua deterioração da situação econômica da maior parte dos camponeses no país. Os populistas russos, com seu “romantismo econômico”, para usar expressão de Lenin ([1899] 1988Lenin, V. I. O desenvolvimento do capitalismo na Rússsia. São Paulo: Nova Cultural, vol. I, 1988. , p. 15, nota de rodapé 8) atuariam como contrarrevolucionários, isto é, antissocialistas. Lenin inaugurou, assim, a crítica marxista-leninista ao populismo. Uma fórmula que desviaria a sociedade do caminho para o socialismo ao incorporar como programa político a defesa das instituições camponesas do Império Russo, que, por sua vez, continham os germes da propriedade privada capitalista.

Vale notar que Lenin não está se referindo ao populismo como fenômeno político-econômico geral, mas a seus congêneres revolucionários oriundos do partido Narodnaya Volya . Sua crítica, portanto, dá-se fundamentalmente contra os pontos de partida distintos em relação ao marxismo e as proposições específicas que os chamados populistas russos apregoavam (Lenin, 1895 Lenin, V. I. The economic content of narodism and the criticism of it in Mr. Struve’s book, 1895. In: Lenin, V. I. Lenin Collected Works. Moscow: Progress Publishers, 1972. v. 1. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1894/narodniks/index.htm . Acesso em: maio 2024.
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). Nesse sentido, abolir a monarquia tsarista sem alterar as relações sociais no campo implicaria “erro”, pois traria consigo aceleração do desenvolvimento capitalista e, com isso, piora nas condições de vida camponesa, mesmo com a abolição política dos tsares.

O caráter “contrarrevolucionário” se dá exatamente por isso na análise de Lenin. E considera que se trata de falsa consciência porque não cabia apenas abolir a estrutura política tsarista e promover uma socialização do poder político, já que isso em si não traria resultados revolucionários efetivos sem a socialização econômica. Pois, para Lenin, a ideologia não se trata de distorção da realidade, mas de um conceito que expressa a consciência política de classe (Larraín, 2001Larraín, J. Ideology. In: Bottomore, T. (Ed.). A dictionary of Marxist thought. 2. ed. Hoboken: Blackwell Publishers, 2001. , p. 250). Desse modo, a crítica de Lenin ao populismo não o toma como um adjetivo, mas um substantivo próprio do processo revolucionário russo.

Já com relação ao populismo latino-americano, Ianni ( 1973Ianni, O. Populismo y relaciones de clase. In: Germani, G.; Di Tella, T.; Ianni, O. Populismo y contradicciones de clase en Latinoamérica. Ciudad de México: Ediciones Serie Popular Era, 1973. ) apresenta uma avaliação crítica do populismo latino-americano em que Weffort ([1978] 2003Weffort, F. O populismo na política brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. ) concordaria em sua análise específica para o Brasil. No entanto, Ianni separa o “populismo burguês”, das altas esferas da hierarquia social e tendencialmente manipulador, do “populismo das massas populares”, o qual tenderia em momentos críticos a assumir formas revolucionárias (Ianni, 1973Ianni, O. Populismo y relaciones de clase. In: Germani, G.; Di Tella, T.; Ianni, O. Populismo y contradicciones de clase en Latinoamérica. Ciudad de México: Ediciones Serie Popular Era, 1973. , p. 88). “O erro fundamental das massas e das esquerdas populistas é que aceitam e se conformam com lideranças, organizações e interpretações burguesas, em qualquer tempo” (Ianni, 1973Ianni, O. Populismo y relaciones de clase. In: Germani, G.; Di Tella, T.; Ianni, O. Populismo y contradicciones de clase en Latinoamérica. Ciudad de México: Ediciones Serie Popular Era, 1973. , p. 147, tradução própria). Tal diagnóstico se assemelha ao de Weffort ( 2003Weffort, F. O populismo na política brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. ) na medida em que este analisa a relação entre o populismo e a política brasileira, com destaque para o período 1945-1964, sendo evidente tanto na adjetivação proposta como na exaltação do “modelo” sobre a “realidade”. Em primeiro lugar, a liderança das “massas” é de tipo “populista”, isto é, o autor constata que há uma relação de dependência política das organizações de classe trabalhadora em meio ao sufrágio eleitoral proposto em 1930. Em segundo lugar, o “populismo” brasileiro corresponde a um fenômeno típico da modernização brasileira (leia-se industrialização e urbanização), ainda que divergente de um suposto “modelo europeu”, pois visa “cortejar as massas” (Weffort, 2003Weffort, F. O populismo na política brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. , p. 19-21). “Pobre revolução, comparada ao modelo europeu, mas não temos e não teremos outra” (Ibid., p. 22). Trata-se, portanto, de um “erro” tático por parte das forças revolucionárias.

Žižek ( 2006Žižek, S. Against the populist temptation. Critical Inquiry, v. 32, n. 3, pp 551-574, 2006. ), refletindo sobre o tal fenômeno populista a partir das experiências europeias com o fascismo, conclui de modo análogo. Em suas palavras, “para um populista, a causa dos problemas nunca é em última instância o sistema propriamente dito, mas o intruso que o corrompeu (manipuladores financeiros, não necessariamente capitalistas, e assim por diante)” (Žižek, 2006Žižek, S. Against the populist temptation. Critical Inquiry, v. 32, n. 3, pp 551-574, 2006. , p. 555, tradução própria). Dito de outra forma, nessa concepção o populista seria quem identificasse e lutasse contra essa intromissão sobre o sistema, de modo a revelar o caráter não apenas conservador, mas potencialmente reacionário do populismo na prática: “Populismo é, portanto, por definição um fenômeno negativo, um fenômeno fundamentado na rejeição, mesmo uma admissão implícita de impotência” (Žižek, 2006Žižek, S. Against the populist temptation. Critical Inquiry, v. 32, n. 3, pp 551-574, 2006. , p. 567, tradução própria).

Em todo caso, ainda que sob distintas perspectivas, é válido destacar que a crítica leninista aos populistas russos inaugurou, do ponto de vista marxista, a noção de que as fórmulas políticas que exaltavam o povo nacional seriam, na verdade, formas desviantes da ação revolucionária, seja do ponto de vista ideológico ou político, pois se fundamentavam em “concepções pequeno-burguesas”, as quais naturalizavam os elementos constitutivos do capitalismo de modo a direcionar a ação popular para uma mera redistribuição política e econômica ou a formas reacionárias de exaltação de um passado idealizado. Parece evidente, portanto, que a crítica de Lenin foi incorporada por boa parte dos marxistas. Se não se tornou hegemônica nessa corrente teórica, por certo contribuiu para que o termo populismo fosse associado a demagogia e manipulação de “massas”.

2.2. SOBRE O CARÁTER IRRACIONAL DO POPULISMO

Com o avanço da monocultura exportadora de algodão baseada no sul dos EUA – o chamado Black Belt (Cinturão Negro) –, os condados historicamente formados por pequenos fazendeiros produtores em uma economia comunitária começaram a ser pressionados economicamente. Essas famílias se organizavam de maneira independente e com fortes laços comunitários, ainda que menos por escolha do que pela força das circunstâncias (Hahn, 1983Hahn, S. The roots of southern populism: yeoman farmers and the transformation of the Georgia Upcountry, 1850-1890. Oxford: Oxford University Press, 1983. ; Attack; Bateman; Parker, 2000Attack, J.; Bateman, F.; Parker, W. N. The farm, the farmer, and the market. In: Engerman, S. L.; Gallman, R. E. The Cambridge economic history of the United States. Cambridge University Press, vol. 2, 2000. , p. 245-246). Produziam a partir de hábitos familiares de mutualismo entre si, fundando-se em uma economia de pequenos produtores independentes que ao longo do tempo constituíram relações de quase-dependência com os grandes proprietários do Black Belt (Hahn, 1983Hahn, S. The roots of southern populism: yeoman farmers and the transformation of the Georgia Upcountry, 1850-1890. Oxford: Oxford University Press, 1983. , p. 52-58).

À medida que a agricultura escravista-exportadora de algodão se expandia pelo sul do país, essa relação fomentava a transformação da “economia moral” em “economia capitalista” de produção agrícola complementar à grande produção agroexportadora. Uma das consequências disso foi a ressignificação dos pequenos arrendatários de terra, os quais, antes da Guerra Civil, se assemelhavam economicamente a pequenos proprietários rurais, e, com os desdobramentos posteriores ao conflito, gradualmente passaram a ser proletários rurais (Hahn, 1983Hahn, S. The roots of southern populism: yeoman farmers and the transformation of the Georgia Upcountry, 1850-1890. Oxford: Oxford University Press, 1983. , p. 69). Esse fenômeno está diretamente relacionado ao intenso crescimento do mercado monetário nos EUA desde a época da Guerra Civil (Markham, 2002Markham, J. W. A financial history of the United States: from Christopher Columbus to the Robber Barons (1492-1900). Armonk: M. E. Sharpe, 2002. v. 1. , vol. I, p. 282-283).

Entre os movimentos políticos rurais no sul do país que ganharam destaque nesse período podem ser elencados a Aliança de Fazendeiros ( Farmer’s Alliance ), a partir de 1875; os Cavaleiros de Trabalho ( Knights of Labor ), a partir de 1886; e o Sindicato Ferroviário Estadunidense ( American Railway Union ), em 1893 (Zinn, 1980Zinn, H. A people’s history of the United States. Harlow: Longman, 1980. , p. 268-276). Esse conjunto de movimentos populares foi paulatinamente se articulando ao longo dos anos, ainda que persistissem contradições e conflitos internos, especialmente no que diz respeito a questões mercantis e raciais (Hahn, 1983Hahn, S. The roots of southern populism: yeoman farmers and the transformation of the Georgia Upcountry, 1850-1890. Oxford: Oxford University Press, 1983. , p. 271-285). A situação econômica dos arrendatários-proletários rurais piorava à medida que a crise do mercado mundial, posteriormente conhecida como Longa Depressão , desde meados da década de 1870, se aprofundava. Pânicos financeiros, em 1873 e entre 1883 e 1887, somavam-se aos questionamentos dos fazendeiros quanto ao preço dos fretes cobrados pelas ferrovias e à desmonetização da prata, no bojo da afirmação do padrão-ouro como sistema monetário dominante (Markham, 2000, vol. I, p. 293-309; Eichengreen, 2008Eichengreen, B. Globalizing capital: a history of the international monetary system. 2. ed. New Jersey: Princeton University Press, 2008. , p. 12).

Em virtude dessa conjuntura econômica e política, formou-se a partir de 1890 o Partido do Povo ( People’s Party ), também conhecido em sua época como Partido Populista, a partir da articulação dos movimentos populares rurais e de trabalhadores. É notório o caráter crítico dos “populistas estadunidenses” aos financistas e banqueiros, como pode ser visto em trecho de discurso proferido por Mary Ellen Lease, na convenção do partido no Kansas, em 1890:

Wall Street possui o país. Não é mais um governo do povo, pelo povo, e para o povo, mas um governo de Wall Street, por Wall Street e para Wall Street. […] Nossas leis são o produto de um sistema que veste malandros em mantos e honestidade em trapos. […] os políticos dizem que nós sofremos de superprodução. Superprodução, quando 10.000 criancinhas […] morrem de fome todo ano nos EUA e mais de 100.000 garotas balconistas em Nova Iorque são forçadas a vender sua virtude por pão. [...]

(Zinn, 1980Zinn, H. A people’s history of the United States. Harlow: Longman, 1980. , p. 282, tradução própria). 14 14 “ Wall Street owns the country. It is no longer a government of the people, by the people, and for the people, but a government of Wall Street, by Wall Street and for Wall Street. […] Our laws are the output of a system which clothes rascals in robes and honesty in rags. […] the politicians said we suffered from overproduction. Overproduction, when 10,000 little children […] starve to death every year in the U.S. and over 100,000 shop girls in New York are forced to sell their virtue for bread […]”.

É interessante notar que o partido se autoproclamou “do povo” e é justamente sobre como o governo estadunidense não mais emanaria suas ações para tal povo, algo que justificaria a organização de seus interesses em termos políticos para retomar o caráter popular da nação. Mas não seriam os banqueiros e financistas de Wall Street também parte do povo estadunidense? Sem dúvida, mas a questão fundamental era o resgate dos princípios fundamentais dos “pais fundadores” dos EUA, os quais estariam sendo corroídos pelos interesses capitalistas (Zinn, 1980Zinn, H. A people’s history of the United States. Harlow: Longman, 1980. , p. 283).

Para além do curto tempo de vida do partido populista nos EUA, chama atenção como se forjou uma conotação pejorativa no debate público para o termo populista, que aos poucos se torna um adjetivo. Como exemplo disso, Hunt ( 2003Hunt, J. L. Marion Butler and American populism. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2003. ) ilustra de maneira clara, a partir da investigação biográfica de um dos principais líderes do partido: Marion Butler: “Com algumas notáveis exceções, praticamente tudo que tem sido escrito sobre ele era negativo, vago, ou meramente descritivo” (Hunt, 2003Hunt, J. L. Marion Butler and American populism. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2003. , p. 3, tradução própria). 15 15 “ With some notable exceptions, practically all that had been written about him was negative, sketchy, or merely descriptive ”. Craven ( 1896 Craven, H. W. Errors of populism. Seattle: Lowman, Hanford S. and P. Co., 1896. Disponível em: https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.32044086980786;view=1up;seq=9 . Acesso em: dez. 2017.
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) em Errors of Populism (Erros de Populismo) inaugurou o tratamento pejorativo não apenas dos políticos “populistas”, mas também de suas proposições econômicas. O caminho intelectual do antipopulismo ganhou conotações acadêmicas com o historiador Richard Hofstadter, nos anos 1950, como argumenta Stavrakakis ( 2017Stavrakakis, Y. How did ‘populism’ become a pejorative concept? And why is this important today? A genealogy of double hermeneutics. Populismus Working Papers, n. 6, pp. 1-22, 2017. ).

Em Errors of Populism , Hermon Craven denunciava os argumentos por ele designados como “populistas”. Já pelo título do livro fica clara a visão do autor a respeito dos intelectuais e congressistas estadunidenses herdeiros dos movimentos sociais que culminaram na formação do partido político People’s Party (Partido do Povo), em 1891. Mais do que isso, é notório que o autor designa como “errados” os argumentos de uma política que se fundamente na coletividade, a qual não se resume a mero somatório de indivíduos. O uso da preposição "de" ( of ) no título ( Errors of Populism ) quase anuncia o tom pejorativo pelo qual os movimentos políticos que se consolidaram em experiências políticas populares enfrentaram por parte de economistas a partir de então. De acordo com Craven ( 1896 Craven, H. W. Errors of populism. Seattle: Lowman, Hanford S. and P. Co., 1896. Disponível em: https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.32044086980786;view=1up;seq=9 . Acesso em: dez. 2017.
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), os argumentos populistas quase tornavam os banqueiros de Nova Iorque em ladrões do tesouro nacional, em ocasião dos empréstimos feitos entre 1860 e 1861, durante a guerra civil, como meio de financiamento do esforço de guerra. 16 16 Para Craven ( 1896 , p. 11, tradução própria), “[…] não há dúvida de que não tivessem vindo tão generosamente e patrioticamente os banqueiros e capitalistas, liderados por Wall Street, para o apoio do governo entre 1860 e 1861, a rebelião teria sido um sucesso; e por aquela ação eles são intitulados ao mais alto elogio em vez de serem denunciados como malandros e ladrões” ([…] there is no doubt that had not the bankers and capitalists, led by Wall street, come so generously and patriotically to the support of the government in 1860 and 1861 the rebellion would have been a success; and for that action they are entitled to the highest praise instead of being denounced as scoundrels and robbers ). Segundo o autor, para os populistas ianques, “por causa dessa qualidade de moeda corrente [os greenbacks , papel-moeda emitido pelos EUA], eram por meio das vicissitudes da guerra tão bons quanto ouro” (Craven, 1896 Craven, H. W. Errors of populism. Seattle: Lowman, Hanford S. and P. Co., 1896. Disponível em: https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.32044086980786;view=1up;seq=9 . Acesso em: dez. 2017.
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, p. 13, tradução e acréscimo próprios). 17 17 “ Because of this full legal tender quality, they were, through all the vicissitudes of the war, as good as gold ”.

De maneira geral, esse viés depreciativo que foi sendo construído sobre o que se classifica como “populista” possui uma história atrelada aos desdobramentos tanto da crítica leninista aos Narodniks russos quanto da crítica aos populistas estadunidenses. Porém, se é possível identificar uma parte dessa história que cabe à última, essa diz respeito à construção intelectual de que o populismo é irracional. Para os críticos dos populistas estadunidenses, sua plataforma política, desde os mais radicais do ponto de vista dos movimentos que compunham o partido até os mais centrados em questões monetárias, simplesmente lutariam contra a seta do progresso e da modernização. “Aceitar o avanço do industrialismo capitalista é, portanto, considerado normal desde que obedeça às leis de evolução social e política racionais” (Stavrakakis, 2017Stavrakakis, Y. How did ‘populism’ become a pejorative concept? And why is this important today? A genealogy of double hermeneutics. Populismus Working Papers, n. 6, pp. 1-22, 2017. , p. 5, destaque do autor, tradução própria). 18 18 “ To accept the advance of capitalist industrialism is thus considered normal to the extent that it obeys the laws of rational social and political evolution ”. Uma noção de “irracionalidade” que será fundamental para a formulação das interpretações econômicas do populismo.

2.3. SOBRE O CARÁTER ANTIDEMOCRÁTICO DO POPULISMO

Como destaca Wolkenstein ( 2016 Wolkenstein, F. Populism, liberal democracy and the ethics of peoplehood. European Journal of Political Theory, v. 18, n. 3, pp. 1-19, 2016. DOI: https://doi.org/10.1177/1474885116677901 .
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), é comum o meio acadêmico considerar o populismo como um fenômeno político-econômico problemático ou até mesmo como uma “sombra recorrente” das democracias (Canovan, 1999Canovan, M. Trust the people! Populism and the two faces of democracy. Political Studies, v. 47, n. 1, pp. 2-16, 1999. ; Müller, 2016Müller, J. W. What is populism? Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2016. ). Nesse sentido, entende-se como “populistas” as formas de ação política que negam os aspectos básicos de uma democracia (liberal): o pluralismo e o procedimentalismo políticos. Isso significa que movimentos sociais desse tipo, ao justificarem publicamente uma política para o “povo”, rejeitariam ao mesmo tempo qualquer possibilidade de inclusão para além desse “povo” (antipluralismo). Ainda, de acordo com os críticos liberais do “populismo”, tal justificativa desfavorece a mediação representativa entre governo e população de modo a enfraquecer o sistema democrático multipartidário (antiprocedimentalismo).

Urbinati e Saffon ( 2013Urbinati, N.; Saffon, M. P. Procedural democracy, the bulwark of equal liberty. Political Theory, v. 41, n. 3, pp. 441-481, 2013. ) são exemplo claro dessa visão pejorativa em termos políticos no que tange à relação entre populismo e democracia. Ainda que as autoras reconheçam o potencial contestatório oferecido por movimentos considerados populistas, afirmam que “entretanto, populismo pode também ter efeitos bastante negativos sobre a democracia se – como geralmente ocorre – ele traduz-se numa proposta para substituição de instituições representativas com mais formas de participação direta ou plebiscitária” (Urbinati; Saffon, 2013Urbinati, N.; Saffon, M. P. Procedural democracy, the bulwark of equal liberty. Political Theory, v. 41, n. 3, pp. 441-481, 2013. , p. 12, tradução própria). 19 19 “ However, populism can also have quite negative effects on democracy if – as it often does – it translates into a proposal for replacing representative institutions with more direct of plebiscitarian forms of participation ”. Isso porque, de acordo com tal perspectiva, o “populismo” tende a estabelecer uma identificação perfeita entre povo e líder de modo a trazer para a cena política seu conteúdo propriamente democrático.

Essa tentativa populista de estabelecer um relacionamento direto entre povo e líder muitas vezes é vista como uma tática de enfrentamento eleitoral, porém incapaz de governar. Como argumenta Urbinati ( 2019Urbinati, N. Me the people: how populism transforms democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2019. ), a transformação populista dos pilares da democracia representativa propõe uma nova forma de governar, a qual significa uma forma desfigurada de governo representativo. Contudo, em ambos os casos, seja o populismo como incapaz de governar, seja o populismo como capaz porém deformador do Estado democrático de direito, há notória conotação problemática para a democracia representativa porque o populismo ou a paralisa ou a transforma de modo a desviá-la de sua natureza. Nesse caso, a problemática liberal do populismo em relação à democracia se expressa nos limites da sociedade sobre o indivíduo, como tratou John Stuart Mill na segunda metade do século XIX, que consiste na fronteira para a tirania das massas.

É interessante notar que a crítica do que é considerado populista, baseada em sua suposta negação do procedimentalismo político, decorre do fato de considerarem a liberdade política de participação individual como condição necessária e suficiente para a democracia. A teoria política, desse modo, assemelha-se às abordagens econômicas neoclássicas, pois julga a realidade a partir de sua adequação ao modelo teórico que a concebe. Se são respeitados os princípios democráticos estabelecidos a priori , então se tem democracia. Os problemas decorrem de “imperfeições” que afetam o pleno funcionamento do modelo (liberal) democrático plural e procedimental. Como sem meias palavras afirmou Vargas Llosa (05/03/ 2017 Vargas Llosa, M. O novo inimigo. El País Brasil, 2 fev. 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/02/opinion/1488458309_164217.html . Acesso em jun. 2017.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/03...
), “o principal inimigo da democracia liberal – da liberdade – já não é o comunismo, mas o populismo”. Uma ameaça que não é “ideológica”, mas uma espécie de “epidemia viral”, nas palavras do prestigiado escritor peruano. Inimigo de quem mesmo?

Frente a isso, resta investigar o que produz as interpretações do populismo, quer dizer, quais são os instrumentos de produção do pensar de que dispõem os intérpretes. Nossa hipótese é que eles são o historicismo – e suas variantes funcionalistas (Poulantzas, 1971Poulantzas, N. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971. v. 1. , vol. I, p. 37-39) – e o positivismo. Trata-se de abordagens científicas distintas e conflitantes ao longo do processo de afirmação das ciências sociais, mas que coadunam as interpretações do populismo de modo a forjar uma concepção pejorativa das experiências políticas populares e antielitistas.

3. SOBRE HISTORICISMO E POSITIVISMO NAS INTERPRETAÇÕES DO POPULISMO

Popper ( 1961Popper, K. R. The poverty of historicism. 3. ed. New York: Harper & Row, 1961. ), em sua investigação crítica sobre o historicismo, define-o como “uma abordagem para as ciências sociais que assume que a previsão histórica é seu principal objetivo, e que assume que essa finalidade é possível pela descoberta dos ‘ritmos’ ou dos ‘padrões’, as ‘leis’ ou as ‘tendências’ subjacentes à evolução da história” (p. 3, destaques do autor e tradução própria). 20 20 “[…] an approach to the social sciences which assumes that historical prediction is their principal aim, and which assumes that this aim is attainable by discovering the ‘rhythms’ or the ‘patterns’, the ‘laws’ or the ‘trends’ that underlie the evolution of history ”. Evidentemente que essa definição requer maiores especificações, pois generaliza demasiadamente o que seria o método historicista, de modo a abarcar como equivalentes epistemologias hegelianas e marxistas, por exemplo.

Beiser ( 2007Beiser, F. Historicism. In: Rosen, M.; Leiter, B. The Oxford handbook of continental philosophy. New York: Oxford University Press, 2007. ) e Löwy ( 2010Löwy, M. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010. , p. 76) identificam a origem do historicismo entre fins do século XVIII e meados do XIX especialmente no espaço geopolítico atualmente conhecido como Alemanha. Do ponto de vista científico, apresenta como hipótese fundamental que os fenômenos sociais, diferentemente dos naturais, somente são compreensíveis ao longo do processo histórico, o qual é culturalmente relativo, e que o próprio pesquisador é sujeito de sua pesquisa. Desse modo, a separação entre sujeito e objeto de investigação não é possível a partir de uma perspectiva (ou programa de pesquisa) historicista. Como afirma Poulantzas ( 1971Poulantzas, N. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971. v. 1. , vol. I), a leitura historicista da história pressupõe uma totalidade hegeliana, “sendo o processo histórico identificado com o devir do autodesenvolvimento da Ideia” (Ibid., p. 36, destaque do autor).

Por outro lado, o positivismo, cujas origens remontam aos enciclopedistas franceses do século XVIII, corresponde a uma concepção científica que busca uma compreensão do social de acordo com o método das ciências naturais. Isto é, pressupõe a possibilidade de separação entre sujeito e objeto no âmbito das ciências sociais. Nesse sentido, a objetividade desapaixonada das ciências da natureza deveria pautar a pesquisa social de modo a constituir um conhecimento social que não fosse subordinado a interesses políticos ou religiosos (Löwy, 2010Löwy, M. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010. , p. 37-50). A abordagem positivista da ciência concebe como hipótese fundamental em sua formulação filosófica a noção de que, tal como na natureza há leis universais e independentes da ação humana, na vida social também há um conjunto sociológico objetivamente regulador, de modo que “o que reina na sociedade é uma harmonia semelhante à natureza, uma espécie de harmonia natural” (Löwy, 2010Löwy, M. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010. , p. 38). Sendo assim, qualquer desvinculação político-ideológica entre ciência e classes sociais não só seria desejável para uma boa prática científica, como seria possível de acordo com o positivismo. Isso porque o papel do cientista seria o de produzir conhecimento objetivo, independentemente de sua posição social.

Tanto o historicismo como o positivismo são abordagens extremamente influentes no mundo moderno, embora também tenham passado por transformações significativas. Como destaca Löwy ( 2010Löwy, M. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010. , p. 76-77), se em sua origem o historicismo se apresenta de maneira conservadora ao defender as instituições e tradições que compõem a história contra intentos revolucionários, a partir de fins do século XIX seu caráter assume formas progressistas. Basta observarmos sua influência no pensamento marxista, com destaque para Antonio Labriola, Antonio Gramsci, Benedetto Croce, entre outros (Poulantzas, 1971Poulantzas, N. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971. v. 1. , vol. I, p. 37).

Já a abordagem positivista apresenta trajetória oposta. Se num primeiro momento sua ambição de equiparar cientificamente a análise das sociedades humanas com a análise da natureza ocorre como força de destruição da escolástica, das tradições estabelecidas no que se convencionou designar como Antigo Regime na França, a partir do século XIX da Era Cristã, especialmente por meio de Auguste Comte, “a luta contra os preconceitos muda radicalmente de função: de uma luta utópica, crítica, negativa, revolucionária, passa a ser uma luta conservadora” (Löwy, 2010Löwy, M. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2010. , p. 42). Tais transformações tanto no historicismo como no positivismo merecem atenção no estudo das interpretações do “populismo”, pois seus intérpretes partem exatamente dessas abordagens científicas, ora assumindo uma, ora mesclando ambas.

Vejamos em Gino Germani, um dos principais intérpretes do populismo latino-americano, como isso se processa. Em Germani ( 1969Germani, G. Stages of modernization in Latin America. Studies in Comparative International Development, v. 5, n. 8, pp. 155-174, 1969. ), o autor procura caracterizar o que seriam os estágios de modernização na América Latina. Isto é, o processo histórico de constituição da moderna sociedade industrial, a qual, por sua vez, é uma categoria genérica definida a partir de sua estrutura normativo-reguladora da ação social, da especialização crescente de suas instituições com respectivos sistemas de valores autônomos e, por fim, da progressiva institucionalização da mudança em vez da tradição.

O caráter positivista da análise de Germani ( 1969Germani, G. Stages of modernization in Latin America. Studies in Comparative International Development, v. 5, n. 8, pp. 155-174, 1969. ) se mostra de maneira clara já em seu segundo parágrafo, onde o autor sumariza o significado desses traços distintivos da modernização. “Tais características devem ser consideradas como um núcleo (embora genérico) básico de qualquer sociedade industrial, e também como requerimentos universais para sua existência e manutenção” (Germani, 1969Germani, G. Stages of modernization in Latin America. Studies in Comparative International Development, v. 5, n. 8, pp. 155-174, 1969. , p. 155, tradução própria). 21 21 “ These traits may be regarded as a basic (although generic) core of any industrial society, and also as universal requirements for its existence and maintenance ”. Ou seja, independentemente dos sistemas culturais em questão, qualquer sociedade humana que enfrente uma transição para a modernidade apresentará tais traços gerais. Por outro lado, mais à frente no mesmo texto, Germani revela demarcado historicismo:

Desenvolvimento econômico e modernização política e social são definidos aqui como processos de mudança estrutural , com a transição total sendo concebida como um processo cumulativo , no qual a qualquer momento os resultados de seu curso anterior se tornam incorporados como fatores determinantes no posterior curso de transição

(Germani, 1969Germani, G. Stages of modernization in Latin America. Studies in Comparative International Development, v. 5, n. 8, pp. 155-174, 1969. , p. 156, destaques do autor e tradução própria). 22 22 “ Economic development and social and political modernization are defined here as processes of structural change, with the total transition being conceived as a cumulative process, into which at any given moment the results of its previous course become incorporated as determining factors in the further course of transition ”.

É notória a concepção de que o desenvolvimento e a modernização correspondem a processos quase que autodesenvolvidos por meio de seus próprios elementos constituidores. Não por acaso o autor destaca que os resultados se originam do processo cumulativo precedente, que por sua vez é incorporado como parte do próprio desenvolvimento social. Política e economia, portanto, relacionam-se à medida que o Estado seja capaz de originar e absorver as mudanças mantendo a integração e coesão social (Germani, 1969Germani, G. Stages of modernization in Latin America. Studies in Comparative International Development, v. 5, n. 8, pp. 155-174, 1969. , p. 156). Uma eclética mescla entre Talcott Parsons e Max Weber, evidenciando uma sobrepolitização do processo histórico.

Outra das interpretações do populismo – notadamente para a América Latina – pode ser observada de maneira sintética em Edwards ( 2010Edwards, S. Left behind: Latin America and the false promise of populism. Chicago: The University of Chicago Press, 2010. ). De acordo com o autor, “populismo é um termo pejorativo. Há muito tempo tem sido atirado pelos políticos para desacreditar seus rivais” (Edwards, 2010Edwards, S. Left behind: Latin America and the false promise of populism. Chicago: The University of Chicago Press, 2010. , p. 167, tradução própria). 23 23 “ Populism is a pejorative term. For a long time it has been tossed around by politicians to discredit their rivals ”. Porém, o próprio autor pratica o mesmo ao definir o “populismo” como um conjunto de políticas econômicas que desconsideram restrições orçamentárias e princípios econômicos básicos (p. 168). “Seguidas vezes essas políticas derradeiramente fracassam, prejudicando aqueles grupos (os pobres e a classe média) que eles são supostamente favoráveis” (Edwards, 2010Edwards, S. Left behind: Latin America and the false promise of populism. Chicago: The University of Chicago Press, 2010. , p. 168, tradução própria). 24 24 “ Time after time these policies ultimately fail, hurting those groups (the poor and the middle class) that they are supposed to favor ”.

Parece claro que o populismo nessas interpretações é considerado, primeiro, como um fenômeno concreto e passível de análise por parte do cientista social e, segundo, como um mal. Contudo, esse “mal” não derivaria de meras acusações políticas contra adversários, e sim do desrespeito às “leis” universais e atemporais que regem a economia, subordinando-a a interesses políticos particulares efetivados por meio de uma coalizão popular ideologicamente imatura que se encantaria com as promessas de crescimento e distributivismo. Mais do que isso, essas experiências ocorrem, de acordo com Edwards ( 2010Edwards, S. Left behind: Latin America and the false promise of populism. Chicago: The University of Chicago Press, 2010. ), seguidas vezes ( time after time , no original), piorando justamente a condição de vida das massas populares que apoiariam a ascensão dos “populistas”.

Em um texto posterior ao comentado nos parágrafos acima, Germani (1973) sintetiza sua visão sobre democracia representativa e as classes populares na América Latina. Baseado em sua assertiva sobre desenvolvimento econômico e modernização social, o autor caracteriza a relação entre “atraso”, “sociedade tradicional” e “subdesenvolvimento”: “Uma sociedade tradicional, isolada e fora de comunicações, não é subdesenvolvida por seus próprios membros; mas será quando estes membros se encontrem em condição de dependência – política, econômica, cultural – frente ao mundo ‘desenvolvido’” (Germani, 1973, p. 13, tradução própria). 25 25 “ Una sociedad tradicional, aislada y fuera de comunicaciones, no es subdesarrollada por sus propios miembros; pero lo será cuando estos miembros se hallen en una condición de dependencia – política, económica, cultural – frente al mundo ‘desarrollado’ ”.

Aparentemente, Gino Germani ignora o fato de que as comunicações entre o que hoje designamos por América Latina e Europa, África e Ásia, deu-se de maneira intensa exatamente a partir da conquista dos povos originários do subcontinente americano. O que ele designa como sociedade tradicional é praticamente uma caricatura, haja vista que em momento algum após o ano de 1492 as Américas estiveram isoladas ou fora de comunicação. Pelo contrário, o translado forçado de populações inteiras do continente africano até o século XIX. e a imigração europeia desde o período colonial – e intensificada a partir da segunda metade do século XIX – são fatos que demonstram não apenas contato, mas uma íntima relação entre a América Latina e o resto do mundo. A dependência de que fala o autor não surge por meio do contato da sociedade tradicional com o mundo desenvolvido, mas é a constituição do mundo desenvolvido que forja a dependência de outras regiões (Marx, 1996bMarx, K. O capital: crítica da economia política – livro I. São Paulo: Nova Cultural, 1996b. (Coleção Os Economistas, tomo II). , tomo II, p. 370).

A alegada sobrepolitização das formações sociais é um aspecto central das interpretações do populismo. Sua história, como foi comentado ao longo do segundo capítulo, remonta à noção de que se trata de uma herança ibérica. Desse modo, desloca-se a problemática das contradições sociais como oriunda da instância política. Por um lado, seguindo a lógica funcionalista – cuja matriz epistemológica remonta ao historicismo – a noção de “manipulação”, de falsa consciência de classe, oriunda de uma suposta fraqueza institucional herdada da colonização, moldou a transição das tradicionais sociedades latino-americanas para a modernidade. O “populismo”, então, seria a tradução desse fenômeno, que por ser uma aliança policlassista manipuladora – e até autoritária (De La Torre, 2000De La Torre, C. Populist seduction in Latin America: the ecuadorian experience. Athens: Ohio University Press, 2000. , p. 119) – se sustentaria sobre um equilíbrio instável de compromissos dependentes de conjuntura econômica favorável, sendo sua natureza fundamentalmente irresponsável e de curta duração (Di Tella, 1973Di Tella, T. Populismo y reformismo. In: Germani, G.; Di Tella, T.; Ianni, O. Populismo y contradicciones de clase en Latinoamérica. Ciudad de México: Ediciones Serie Popular Era, 1973. , p. 39).

As instituições são vistas à luz do modelo histórico vencedor – basicamente eurocêntrico –, de modo que a inadequação institucional latino-americana passa a ser considerada como um problema em si para o pleno desenvolvimento da sociedade de mercado. Mas as análises ignoram o fato de que foi exatamente em virtude da expansão mercantil escravista-colonial, a qual serviu de fundamento histórico para a invasão e conquista das Américas pelos povos europeus, que se desenvolveram na região as relações sociais de produção que constituem o capitalismo na América Latina e no Caribe. Portanto, em vez de uma maldita herança jurídico-institucional ibérica, a qual, na verdade, se mostra extremamente vitoriosa para a conquista e colonização dos territórios que hoje conformam esses territórios, é o próprio desenvolvimento da sociedade de mercado que produziu – e continua produzindo – a desigualdade estrutural na região, a qual é um dos traços latino-americanos mais distintivos em relação às demais regiões do mundo.

As interpretações do populismo comentadas acima representam dois conjuntos de visões sobre o tema. Por um lado, o historicismo-funcionalista com toques positivistas de Gino Germani, Torcuato Di Tella, dentre outros, enxerga o populismo como produto das assincronias representadas pela transição para a modernidade. Nesse sentido, um mal cujas tendências autoritárias se expressariam por meio de uma institucionalidade incapaz de se adequar a essa transição. Por outro lado, o positivismo de Sebastian Edwards evidencia a naturalização do mercado como instância econômica, contra cujas “leis” as ações políticas irracionais e irresponsáveis que agiriam, produzindo crises e atraso nos países da região. Se no primeiro conjunto interpretativo do populismo as “massas” – ou a aliança popular antielitista nas experiências concretas – seriam imaturas, sem uma plena consciência de classe e, por isso, sujeita a manipulações demagógicas, no segundo conjunto interpretativo as “massas”, além de padecerem desse suposto atraso cultural, apresentariam também instituições vigentes que favoreceriam ações estatais antimercado, isto é, resistentes ao desenvolvimento capitalista. Isso, por sua vez, acarretaria a origem do atraso econômico comum em diferentes níveis entre os países latino-americanos.

Tamanho maniqueísmo intelectual não ocorre por acaso. Considerando o contexto histórico em que esses conjuntos de interpretações do “populismo” foram formulados, evidencia-se a natureza apologética de suas análises. Pelo lado historicista-funcionalista, elementos como “manipulação”, “demagogia” e “falsa consciência” seriam entraves da transição para a modernidade, que gerariam ou propiciariam o populismo. Já os positivistas enfatizam que essa mesma transição incompleta acarretaria em arcabouços institucionais produtores de insegurança nos direitos de propriedade, polarização política e reação conservadora sobre as “massas” populares. Para essas interpretações, é uma falsa promessa redistributiva, pois suas ações seriam economicamente “irracionais” por serem “antimercado”, “manipuladoras”, e que enfatizariam o “clientelismo” político. O que não faltam são termos condenatórios ao que se considera como “mal” político-econômico ou uma “transição incompleta” em sociedades consideradas sobrepolitizadas e herdeiras de um arcabouço institucional inadequado para a modernidade.

4. POPULISMO E CRISE

Os historiadores econômicos têm se debruçado exaustivamente na investigação das causas e razões dos processos de industrialização, desde o pioneirismo inglês até os casos mais tardios. É preciso, no entanto, ter em mente que um processo de industrialização não é a mera existência de indústrias, mas um fenômeno social complexo que envolve uma reestruturação das relações sociais e da maneira pela qual a produção e a reprodução material da vida passa a ser realizada. Tem sua gênese na Grã-Bretanha da segunda metade do século XVIII e, a partir de então, o fenômeno revolucionário se torna a norma (Hobsbawm, 1996Hobsbawm, E. The age of revolution, 1789-1848. London: Vintage Books, 1996. , cap. 2). Talvez tenha sido nesse sentido que Marx ([1867] 1996aMarx, K. O capital: crítica da economia política – livro I. São Paulo: Nova Cultural, 1996a. (Coleção Os Economistas, Tomo I). , livro I tomo II, p. 130), no prefácio à primeira edição d’ O Capital , tenha dito que “o país industrialmente mais desenvolvido mostra ao menos desenvolvido tão-somente a imagem do próprio futuro”.

Celso Furtado ( 1983Furtado, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Economistas). , cap. 13) também percebeu essa característica expansiva da Revolução Industrial desde a Europa da segunda metade do século XVIII, pois, em suas palavras, “significou uma modificação qualitativa na economia mundial da época e passou a condicionar o desenvolvimento econômico em quase todas as regiões da terra” (Ibid., p. 141). Este condicionamento, contudo, não se deu no sentido de promover propagação igualitária do progresso técnico entre as regiões, sendo que nos casos em que a linha de expansão da economia industrial ocorreu em espaços geográficos pouco semelhantes às realidades sociais europeias, “a resultante foi quase sempre a criação de estruturas dualistas, uma parte das quais tendia a organizar-se à base da maximização do lucro e da adoção de formas modernas de consumo, conservando-se a outra parte dentro de formas pré-capitalistas de produção” (Furtado, 1983Furtado, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Economistas). , p. 142).

Se, em termos econômicos, observa-se o desenvolvimento do modo de produção capitalista estruturando, de maneira desigual e combinada, um mercado mundial cada vez maior, também, em termos políticos, nota-se algo semelhante a partir da articulação teórica do que Novais ( 1989Novais, F. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 5. ed. São Paulo: Hucitec, 1989. , cap. 2) chamou de crise do antigo sistema colonial e também do que se pode designar como crise do antigo regime (Koselleck, 1999Koselleck, R. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução: Luciana Villas-Boas Castello Branco. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. , p. 137-161). Nesse sentido, concretamente, ao menos quatro conjuntos de eventos foram decisivos para que as formas políticas de representação adequadas à lógica capitalista de produção e reprodução material da vida social pudessem vir à tona: i) a Revolução Estadunidense, entre 1775 e 1783; ii) a Revolução Francesa, entre 1789 e 1799; iii) a Independência da América Franco-Hispano-Portuguesa, entre 1791 e 1831; 26 26 Consideramos o início das independências nas Américas Franco-Hispano-Portuguesa com a Revolução Haitiana (1791-1804) e seu término com a abdicação de Dom Pedro I do Brasil em 1831. No transcurso deste tempo ocorreram todas as guerras de independência das colônias espanholas. e iv) as Guerras Napoleônicas (1803-1815). Estes eventos decisivos 27 27 Entendemos eventos decisivos não apenas episódios particulares em si mesmos, mas compreendendo certos episódios como sínteses de processos históricos complexos. e suas repercussões foram determinantes na estruturação de uma inédita divisão internacional do trabalho.

Deve-se ter clareza de que uma especialização produtiva envolvendo trocas entre povos e espaços geográficos distintos não é exatamente a novidade que destacamos. Mas o fato de que tal especialização pressupunha a existência de Estados Nacionais, cuja legitimidade política se baseia no povo e na nação em vez de algum direito divino. Esta desdivinização da política, associada à crescente reprodução capitalista da vida social, impõe novos termos e critérios pelos quais se expressará a luta de classes. Se em tempos pré-capitalistas o acirramento da luta de classes aparecia inspirado pelo parentesco e pela religião sob a forma de controvérsias teológicas, revoltas camponesas de tipo jacqueries e ciclos de espíritos de corpo ou de clã – asabīyyah , nos termos de Ibn Khaldūn ( 1958Khaldūn, I. Os prolegômenos ou filosofia social. São Paulo: Comercial Safady, 1958. v. 1. , vol. I, p. 218-221) –, nos tempos modernos do capital isto se dá sob outra forma.

Nos cerca de duzentos anos que separam a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XX, a consolidação dos Estados Nacionais e da reprodução ampliada, desigual e combinada do capital em escala mundial trouxe consigo a exigência de formas adequadas de representação de conflitos políticos e contradições sociais. A partir de então, a luta de classes se mundializou ao mesmo tempo que cada vez mais se afirmou nacionalmente em sociedades constituídas por meio de sistemas políticos baseados na separação de poderes e na democracia representativa. A conjunção histórica dos eventos decisivos anteriormente destacados propiciou o estabelecimento de critérios seculares para a soberania e legitimidade políticas, de modo a estruturar formas populistas de interpelação ideológica, quer dizer, formas em que o processo de incorporação da ideologia nas instituições sociais constitui a natureza subjetiva dos indivíduos e os impele para a ação política. Tais formas contêm elementos que podem parecer semelhantes em cada caso, mas desempenham papéis diferentes conforme a realidade social em que se combinam. Desse modo, o populismo tende a emergir na cena política à medida que o acirramento da luta de classes indica contextos nos quais a possibilidade de crise se efetiva.

Nesse sentido, abstratamente, o populismo é a forma adequada pela qual se expressa o encaminhamento das crises em economias capitalistas. Não se trata de caracterizar o populismo, direta ou indiretamente, como algo “bom” ou “mau”, tampouco se trata-se um fenômeno da direita ou da esquerda do espectro político. Mas de perceber seu lugar superestrutural entre as instâncias jurídico-política e ideológica das formações sociais concretas capitalistas ou em transição. A ambiguidade, vagueza e/ou imprecisão sobre o conceito de populismo encontrado na literatura especializada diz respeito justamente à incapacidade de se compreender seu lugar nas sociedades modernas. O “populismo”, exatamente por ser fenômeno ambivalente e, ao mesmo tempo, geral, não dispõe de um programa econômico e político específico, ainda que os “populismos” na prática sempre carreguem consigo horizontes de ação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do ponto de vista histórico, é provável que a origem de uma intencionalidade política popular, quer dizer, do “ povo nacional ” para o “ povo nacional ”, seja uma das heranças revolucionárias do século XVIII para as ciências sociais. Contudo, a primeira aparição concreta do termo “populismo” se deu na segunda metade do século XIX, com destaque para o movimento Narodnik , na Rússia, e para o Partido do Povo ( People’s Party ), nos Estados Unidos. Ambos têm intenções políticas distintas, mas em comum o fato de que emergem como expressões concretas dos conflitos sociais e políticos que acompanharam a emergência de setores como o dos trabalhadores e da classe média urbana com o avanço das relações capitalistas e da industrialização, os quais se acirram nas crises econômicas, com o aumento do desemprego e da concentração de renda – o que, por sua vez, robustece movimentos populares nacionalistas e antielitistas.

Ainda que formuladas com propósitos políticos distintos entre si, houve em comum a atribuição de conotação negativa ao “populismo”. Por um lado, o “populismo” russo passa a ser visto como expressão da falsa consciência revolucionária, e, por outro, o “populismo” estadunidense foi considerado a expressão demagógica de uma irracionalidade econômica criadora de espantalhos políticos. Ao fim e ao cabo, estava pavimentada a estrada intelectual que interpretaria o “populismo” como um mal político-econômico.

À medida que as ciências sociais se desenvolviam, a formulação de interpretações do “populismo” ganhava corpo. Nesse sentido, o historicismo funcionalista e o positivismo correspondem a abordagens que, combinadas com a teoria econômica marginalista, fundamentam análises de experiências políticas concretas consideradas “populistas”, como foi argumentado nos capítulos quarto e quinto. Desse modo, os pares conceituais populismo - desenvolvimento econômico e populismo - democracia correspondem à substância das interpretações do fenômeno.

A negação do “populismo” se processou e processa teoricamente de forma que se negam as práticas consideradas populistas por meio da ação intelectual condenatória das mesmas em relação à democracia e/ou desenvolvimento econômico. Para tanto, as diversas interpretações associam “populismo” tanto a antipluralismo e antiprocedimentalismo, como a atraso e crises. No fundo, para essas interpretações do populismo, o fato de as experiências políticas populistas não serem liberais parece ser a raiz de todo mal. Contudo, em vez de ser a fonte ou a causa das crises, o “populismo”, na verdade, é a forma político-econômica pela qual as crises vêm à tona nas sociedades modernas.

O fenômeno da política popular é próprio da modernidade. A tentativa de formular um conceito que abarque experiências históricas distintas, tanto em termos geográficos quanto políticos, e que ao mesmo tempo compartilhe o caráter de ser aliança popular policlassista, se revela como forma de análise assentada em um modelo hipotético que se supõe aplicável a qualquer experiência político-econômica concreta que preencha todos ou algum dos requisitos gerais.

Uma dificuldade desse procedimento está em seus pressupostos teóricos, notadamente na noção de racionalidade econômica utilitarista, pois reduz o espectro da ação humana racional ao tipo-ideal esperado do comportamento humano diante da lógica impessoal do mercado, e desconsidera diferenças históricas entre formações sociais distintas. Observando para além do modelo, adotar esse pressuposto teórico conduz o(a) analista a entender a realidade social com base em sua adequação às concepções do modelo.

Como desafio para a continuidade dessa agenda de pesquisa, é necessário aprofundar a investigação sobre a relação entre populismo e crises político-econômicas ao longo dos processos de desenvolvimento. Este deslocamento de perspectiva analítica sobre o fenômeno pode iluminar o entendimento sobre como as crises se encaminham, solucionam ou desdobram situações conflituosas, revolucionárias ou mesmo reacionárias.

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  • 1
    There was thus a latent, and would soon be an overt, conflict between the forces of the old and the new ‘bourgeois’ society, which could not be settled within the framework of the existing political régimes ”.
  • 2
    Em russo, o termo narod pode significar tanto “povo” no sentido de um grupo genérico de pessoas quanto uma comunidade, uma tribo ou nação específicas, ou ainda os setores sociais distintos dos da elite política, intelectual e econômica (Offord, 2010Offord, D. The people. In: Leatherbarrow, W.; Offord, D. A history of Russian thought. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press, 2010. , p. 242).
  • 3
    “[…] but the complex of political and ideological relations of domination constituting a determinate social formation ”.
  • 4
    “[…] what transforms an ideological discourse into a populist one is a peculiar form of articulation of the popular-democratic interpellations in it ”.
  • 5
    however, as class struggle takes priority over popular-democratic struggle, the latter only exists articulated with class projects ”.
  • 6
    “[…] has historically led to failure, sorrow, and frustration ”.
  • 7
    Embora Di Tella ( 1973Di Tella, T. Populismo y reformismo. In: Germani, G.; Di Tella, T.; Ianni, O. Populismo y contradicciones de clase en Latinoamérica. Ciudad de México: Ediciones Serie Popular Era, 1973. ) e Weyland ( 2001Weyland, K. Clarifying a contested concept: populism in the study of Latin American politics. Comparative Politics, v. 34, n. 1, pp. 1-22, 2001. ) sejam exemplos da abordagem do populismo como uma estratégia política, é preciso destacar que há ao menos uma importante diferença entre ambos, visto que para o primeiro o populismo se caracteriza como um movimento político que conta com o apoio das “massas” urbanas e/ou rurais, ao passo que para o último se trata especificamente de uma liderança personalista e dos meios por ela empregados para se perpetuar no poder.
  • 8
    “[…] the conclusion would be that populism is the royal road to understanding something about the ontological constitution of the political as such ”.
  • 9
    “[…] to what social and ideological reality does populism apply? ”.
  • 10
    In commemorating Herzen, the proletariat is learning from his example to appreciate the great importance of revolutionary theory [...] Herzen was the first to raise the great banner of struggle by addressing his free Russian words to the masses ”.
  • 11
    Ambas correspondem a típicas formas de organização social entre produtores camponeses russos existentes na época de emergência dos “populistas” russos do século XIX da Era Cristã.
  • 12
    It was essential to make concessions to the peasants, to listen to their immediate demands, and not speak to them of Socialism in general. And in so doing a political élite could gradually be formed. But until this élite was formed the revolutionaries themselves must take its place and help to bring it into being ”.
  • 13
    we do not think it possible to wait for a social-economic revolution until the people is in a condition to bring about a more perfect social order. And so we raise our banner with the people’s demands of Land and Liberty. By this we mean (1) from the economic point of view: the passage of land belonging both to the State and to private owners into the hands of the people. In Great Russia this must be done through the obshchinas , and in other regions of Russia according to existing local traditions and requirements. (2) From the political point of view: the substitution of the existing State by a structure determined by the will of the people; and in any case there must be wide autonomy for obshchinas and regions ”.
  • 14
    Wall Street owns the country. It is no longer a government of the people, by the people, and for the people, but a government of Wall Street, by Wall Street and for Wall Street. […] Our laws are the output of a system which clothes rascals in robes and honesty in rags. […] the politicians said we suffered from overproduction. Overproduction, when 10,000 little children […] starve to death every year in the U.S. and over 100,000 shop girls in New York are forced to sell their virtue for bread […]”.
  • 15
    With some notable exceptions, practically all that had been written about him was negative, sketchy, or merely descriptive ”.
  • 16
    Para Craven ( 1896 Craven, H. W. Errors of populism. Seattle: Lowman, Hanford S. and P. Co., 1896. Disponível em: https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=hvd.32044086980786;view=1up;seq=9 . Acesso em: dez. 2017.
    https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=h...
    , p. 11, tradução própria), “[…] não há dúvida de que não tivessem vindo tão generosamente e patrioticamente os banqueiros e capitalistas, liderados por Wall Street, para o apoio do governo entre 1860 e 1861, a rebelião teria sido um sucesso; e por aquela ação eles são intitulados ao mais alto elogio em vez de serem denunciados como malandros e ladrões” ([…] there is no doubt that had not the bankers and capitalists, led by Wall street, come so generously and patriotically to the support of the government in 1860 and 1861 the rebellion would have been a success; and for that action they are entitled to the highest praise instead of being denounced as scoundrels and robbers ).
  • 17
    Because of this full legal tender quality, they were, through all the vicissitudes of the war, as good as gold ”.
  • 18
    To accept the advance of capitalist industrialism is thus considered normal to the extent that it obeys the laws of rational social and political evolution ”.
  • 19
    However, populism can also have quite negative effects on democracy if – as it often does – it translates into a proposal for replacing representative institutions with more direct of plebiscitarian forms of participation ”.
  • 20
    “[…] an approach to the social sciences which assumes that historical prediction is their principal aim, and which assumes that this aim is attainable by discovering the ‘rhythms’ or the ‘patterns’, the ‘laws’ or the ‘trends’ that underlie the evolution of history ”.
  • 21
    These traits may be regarded as a basic (although generic) core of any industrial society, and also as universal requirements for its existence and maintenance ”.
  • 22
    Economic development and social and political modernization are defined here as processes of structural change, with the total transition being conceived as a cumulative process, into which at any given moment the results of its previous course become incorporated as determining factors in the further course of transition ”.
  • 23
    Populism is a pejorative term. For a long time it has been tossed around by politicians to discredit their rivals ”.
  • 24
    Time after time these policies ultimately fail, hurting those groups (the poor and the middle class) that they are supposed to favor ”.
  • 25
    Una sociedad tradicional, aislada y fuera de comunicaciones, no es subdesarrollada por sus propios miembros; pero lo será cuando estos miembros se hallen en una condición de dependencia – política, económica, cultural – frente al mundo ‘desarrollado’ ”.
  • 26
    Consideramos o início das independências nas Américas Franco-Hispano-Portuguesa com a Revolução Haitiana (1791-1804) e seu término com a abdicação de Dom Pedro I do Brasil em 1831. No transcurso deste tempo ocorreram todas as guerras de independência das colônias espanholas.
  • 27
    Entendemos eventos decisivos não apenas episódios particulares em si mesmos, mas compreendendo certos episódios como sínteses de processos históricos complexos.
  • CLASSIFICAÇÃO JEL: N00; P10; Z13.
  • JEL CODES: N00; P10; Z13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2023
  • Aceito
    25 Abr 2024
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