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ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO: UMA CRÍTICA AOS PRESSUPOSTOS DAS TEORIAS HEGEMÔNICAS

PUBLIC SECTOR ECONOMICS: A CRITIQUE OF THE ASSUMPTIONS OF HEGEMONIC THEORIES

RESUMO:

Este estudo se dedica à investigação dos fundamentos sobre os quais estão assentados os pressupostos de elaboração normativo-institucional do Estado contemporâneo, no cerne das teorias hegemônicas da economia do setor público (a Public Choice Theory e a New Institutional Economics ), e problematiza criticamente o fato de tais pressupostos se encontrarem adstritos ao individualismo metodológico. A pesquisa constata que a discussão metodológica é, na realidade, uma questão de natureza ontológica, caminhando por reflexões que sugerem a noção de “totalidade concreta” como postulado de investigação. Essa percepção compreende o real como um complexo de múltiplas relações e determinações diversas, investigando a composição das estruturas públicas a partir das seletividades estratégicas inscritas na própria materialidade institucional do Estado. Com base nesse debate, a abordagem tanto do papel do Estado contemporâneo quanto da sua arquitetura institucional considera a constituição do ente público em regime de condicionamento recíproco com um modo de produção e reprodução social específicos. O estudo conclui, portanto, que a racionalidade estratégica de elaboração normativo-institucional — concebida pelo mainstream como originária apenas do interesse individual — compõe-se também de interdependência constitutiva com o chamado “interesse econômico geral”, estruturalmente inserido nos formatos organizativos dos arranjos proeminentes.

PALAVRAS-CHAVE:
Public choice theory; New institutional economics; Individualismo metodológico; Racionalidade; Totalidade concreta

ABSTRACT:

This study aims to investigate the foundations on which are based the assumptions of normative and institutional development of the contemporary state at the heart of the hegemonic theories of the public sector economics (the Public Choice Theory and New Institutional Economics). This investigation critically problematizes that such assumptions are assigned to methodological individualism. This research finds that the methodological discussion is, in fact, a matter of ontological nature, crossing reflections that suggest the notion of “concrete totality” as a research postulate. This perception understands the real as a complex of multiple relations and diverse determinations, investigating the composition of public structures from strategic selectivities inscribed in the own institutional materiality of the state. Based on this debate, both the approach of the role of the contemporary state and of its institutional architecture consider the constitution of the public entity in a reciprocal conditioning regimen with a specific mode of social production and reproduction. Therefore, this study concludes that the strategic rationality of normative and institutional development — conceived by the mainstream as originating only from individual interest — also consists in a constitutive interdependence with the so-called “general economic interest,” which is structurally inserted in the organizational formats of the prominent arrangements.

KEYWORDS:
Public choice theory; New institutional economics; Methodological individualism; Rationality; Concrete totality

Introdução

As teorias hegemônicas da economia do setor púbico, quando abordam os determinantes das transformações sociais, dedicam especial atenção ao estudo do papel do Estado, adotando pressupostos ideais, tidos como imprescindíveis à composição do ordenamento da sociedade e à própria elaboração das políticas públicas. Tais pressupostos se baseiam na concepção de indivíduo egoísta, agente racional que realiza suas escolhas estratégicas a partir do cálculo utilitário de consequências, voltado para a maximização do seu autointeresse. Concebe-se a soma das ações racionais engendradas por esses agentes como o efetivo motor responsável pelo impulso das transformações sociais, de modo que a totalidade do contexto estudado por essas teorias resumir-se-ia a um mero agregado de racionalidades individuais em constante processo de otimização de utilidade.

As escolas da Public Choice Theory e da New Institutional Economics emergem como principais expoentes das ditas teorias hegemônicas, sendo a segunda uma espécie de derivação da primeira, porém com certa flexibilização dos seus pressupostos. Nesse sentido, a efetiva apreensão dos fundamentos norteadores do mainstream demanda o entendimento da superveniência histórica de cada uma dessas escolas, desvelando-se assim as bases teóricas que as alicerçam. Uma abordagem crítica desses pressupostos sugere a problematização tanto da sua percepção de realidade como dos contornos estratégicos assumidos pelos arranjos institucionais sob os quais se reproduzem essas políticas.

Essas inquietações atravessam o presente trabalho pelo encadeamento de três questionamentos: i) sobre quais fundamentos se assentam os pressupostos de formulação das políticas públicas, no cerne da Public Choice Theory e da New Institutional Economics ?; ii) de que modo as percepções trazidas por uma abordagem crítica dialogam com a compreensão desse processo?; iii) como esse debate problematiza a questão do “interesse” nas estratégias de elaboração normativo-institucional do Estado contemporâneo?

A partir dessas indagações, a pesquisa pretende discutir criticamente os fundamentos de composição das estruturas organizativas do Estado, privilegiando a percepção das contradições intrínsecas às estratégias de elaboração normativo-institucional. Para tanto, o trabalho se propõe primeiramente a identificar os pressupostos adotados pelas teorias hegemônicas, caminhando para uma discussão ontológica acerca dos seus fundamentos. Essa discussão desemboca na percepção também da ontologia crítica, cujo postulado de investigação parte da noção de totalidade concreta. Longe de se afigurar numa contraposição externa entre preceitos de origens distintas, o estudo se desdobra pelo descortino de algumas das bases sobre as quais se fundam as estratégias de elaboração normativo-institucional. Sem deixar de reconhecer a incidência do mainstream sobre o curso das transformações sociais, a investigação vai concebendo-o não como arcabouço de efetiva compreensão dessas transformações, mas enquanto instrumento de reprodução de seu próprio objeto e de ocultação dos seus efetivos determinantes.

De antemão, vale mencionar que as limitações inerentes aos pressupostos da Public Choice Theory e da New Institutional Economics não se encontram adstritas ao plano analítico ou metodológico, mas se tratam, em realidade, de uma questão de resolução ontológica, conduzindo à indagação sobre a efetiva natureza do objeto investigado, sob o questionamento da própria concepção da sua materialidade histórica. Nesse sentido, a perspectiva totalizante aponta um percurso cognitivo que passa pela abstração de categorias essenciais oriundas do próprio objeto investigado, tomando-o assim a partir das suas contradições materiais objetivas, levando-se em consideração o condicionamento recíproco existente entre as partes e o todo.

Este trabalho divide-se em três etapas: a primeira dedicada à identificação dos pressupostos inerentes à Public Choice Theory e à New Institutional Economics a partir do contexto da sua proeminência; a segunda — subdividia em duas partes —, voltada para a identificação das implicações ontológicas inerentes ao individualismo metodológico, desembocando na discussão da ontologia crítica marxiana enquanto postulado heurístico de investigação; e a terceira, por sua vez, pautada na concepção dos interesses estratégicos atuantes sobre a composição da materialidade institucional do Estado contemporâneo, problematizando os pressupostos de elaboração normativo-institucional então predominantes.

1. Os Pressupostos da Public Choice Theory e da New Institutional Economics e o Individualismo Metodológico

O padrão produtivo e organizacional fordista combinava a utilização de equipamentos automatizados com a divisão e especialização do trabalho em meio a estruturas empresariais de grande porte, fortemente verticalizadas e integradas. Tal articulação permitia uma elevação dos níveis médios de produtividade, em razão das vantagens proporcionadas pelos crescentes ganhos de escala e pelo capital fixo empreendido. Compunha-se, dessa forma, um ciclo virtuoso de produção e consumo massivos, garantido por um modelo de regulação consubstanciado em práticas intervencionistas dos Estados nacionais, que impulsionavam o consumo agregado (Jessop, 2008Jessop, B. El futuro del Estado capitalista. Madrid: Los Libros de La Catarata, 2008. ; Lengyel, 1997Lengyel, E. Reseña de “Globalización, capital y Estado”. Política y Cultura, n. 8, p. 373-378, 1997. ; Uderman, 2008Uderman, S. Indústria e desenvolvimento regional: uma análise das estratégias de industrialização na Bahia. Salvador: FIEB, 2008. ).

A partir de década de 1970, tem início a saturação desse modelo padronizado de produção, que já não encontrava consumidores na quantidade necessária. Nos países centrais, principalmente, a capacidade de compra das famílias na década de 1960 já lhes permitira adquirir os bens duráveis ofertados pelo mercado. Os produtos padronizados, em tudo iguais aos dos estoques domésticos, causaram por isso gradual redução nas compras desses bens e, por conseguinte, uma diminuição da produção industrial, em razão da falta de demanda. Sobrevinha assim a chamada crise do Fordismo, marcada pelo binômio superprodução/subconsumo e a consequente queda na arrecadação tributária. A escassez de recursos para o erário desencadeou um processo de redução do consumo e do investimento públicos em meio às crescentes demandas sociais, agravando ainda mais a crise do sistema produtivo (Gurgel, 2014Gurgel, C. Braverman, o Estado e a “administração consensual”. Cadernos EBAPE.BR, v. 12, n. 4, 2014. ). Somado a isso, a manutenção da rede social de direitos, proporcionada pelo Estado de bem-estar, também passou a afetar os níveis de rentabilidade do capital dentro do espaço nacional de acumulação, configurando um cenário em que os mecanismos de regulação já não se mostravam mais compatíveis com as exigências das novas estratégias organizativas. Diante disso, passaram a ganhar força os discursos de inspiração neoliberal, orientados, dentre outros, para a constituição de políticas e ajustes segundo dois manifestos objetivos: mudar a relação das forças sociais em face do capital e; abrir novas oportunidades de investimento (Hirsch, 1996Hirsch, J. Globalización, capital y Estado. 1. ed. México: Universidad Autónoma Metropolitana Xochimilco, 1996. ; Hirsch; Kannankulam, 2010Hirsch, J.; Kannankulam, J. The spaces of capital: The political form of capitalism and the internationalization of the state. Antipode, v. 43, n. 1, p. 12-37, 2010. ; Jessop, 2008Jessop, B. El futuro del Estado capitalista. Madrid: Los Libros de La Catarata, 2008. ; Lengynel, 1997Lengyel, E. Reseña de “Globalización, capital y Estado”. Política y Cultura, n. 8, p. 373-378, 1997. ; Uderman, 2008Uderman, S. Indústria e desenvolvimento regional: uma análise das estratégias de industrialização na Bahia. Salvador: FIEB, 2008. ).

Com maiores pressões sobre os gastos públicos e menos possibilidades de arrecadação, o contexto recessivo permeou as estruturas dos Estados nacionais, permitindo a construção discursiva do que ficou conhecido como crise do Welfare State , a partir da qual nos países centrais passou-se a renegar, além das políticas sociais universais, o keynesianismo enquanto instrumento de política econômica. Abre-se, assim, espaço para a chamada “reação conservadora”. Esse movimento foi encabeçado por teóricos como Milton Friedman e Robert Lucas, sob o argumento de que a crise mundial, experimentada a partir de 1973, teria sido causada pelas políticas keynesianas, assim como pelos compromissos fiscais assumidos pelo Welfare State . Robert Lucas ( 1988Lucas, R. On the mechanics of economic development. Journal of Monetary Economics, v. 22, p. 3-42, 1988. ) funda sua crítica à política monetária no pressuposto das “expectativas racionais”, arguindo que as empresas erram porque o futuro é incerto, mas sempre tentam se portar de modo mais eficiente do que o Estado. Dessa forma, a política pública monetária seria ineficaz, pois os agentes sempre se antecipam a ela. Tendo como inspiração os fundamentos da teoria neoclássica, passa-se a difundir as ideias de “eficiência”, “competitividade” e “equilíbrio macroeconômico” como elementos a serem incorporados pelo Estado na elaboração e manejo das políticas públicas.

É nesse contexto em que ganha proeminência a Public Choice Theory enquanto corrente teórica caracterizada pelo rompimento das barreiras antes existentes entre a economia e a ciência política. Nesse esteio, pode-se dizer que houve uma espécie de generalização das regras de conduta dos agentes privados, passando também o setor público (políticos e burocratas) a ser concebido como ente maximizador da utilidade, guiado pelo autointeresse e pelas expectativas racionais. Essa análise mercantil do contexto político não poderia deixar de ver o comportamento do anterior Welfare State intervencionista como uma ação movida pelo “interesse” de algum agente, em vez de efetivamente se destinar à correção das denominadas falhas de mercado (Affonso, 2003Affonso, R. B. A. O federalismo e as teorias hegemônicas da economia do setor público na segunda metade do século XX: um balanço crítico. 2003. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ).

Os supostos metodológicos, explicitamente presentes na literatura da Public Choice Theory , tratam os indivíduos como os únicos responsáveis finais pela ação do grupo, justificando-se, sob essa perspectiva, a necessidade de considerar tal noção enquanto elemento central de análise, cujas decisões constituem o modelo de ação do setor público (Buchanan; Tullock, 1993Buchanan, J.; Tullock, G. El cálculo del consenso: fundamentos lógicos de la democracia constitucional. Barcelona: Planeta, 1993. ). Brennan e Buchanan ( 1985Brennan, G.; Buchanan, J. M. The reasons of rule: Constitutional political economy. New York: Cambridge University Press, 1985. v. 10. ) afirma serem as questões da previsão das mudanças sociais uma preocupação do ramo que chama de “Economia Política Constitucional”. Assim sendo, em um contexto de composição constitucional, dentro de uma perspectiva contratualista — para ele, um preceito da filosofia clássica liberal — a tomada do indivíduo como unidade primeira de análise não significa a rejeição de qualquer tipo de influência da sociedade ou da comunidade, mas sim que os valores, sejam eles sociais ou comunitários, são expressos unicamente por meio da figura desse indivíduo, a priori concebido de forma homogênea (Brennan; Buchanan, 1985Brennan, G.; Buchanan, J. M. The reasons of rule: Constitutional political economy. New York: Cambridge University Press, 1985. v. 10. ).

Essa perspectiva considera irrelevante a abordagem da fundação histórica do Estado, logo, no seu entender, todos os Estados seriam legítimos, ou seja, concebidos como se tivessem surgido contratualmente, pois, ainda que não seja efetivamente assim, há um caminho para a legitimação por meio da possibilidade de reforma constitucional. A partir daí esse processo de alteração do ordenamento deve passar por certa noção de prudência, voltada para a promoção de alterações eficientes na sociedade, o que, para tanto, demanda uma antecipação do “elaborador da norma” aos possíveis cálculos utilitários, hipoteticamente feitos pelos indivíduos (Brennan; Buchanan, 1985Brennan, G.; Buchanan, J. M. The reasons of rule: Constitutional political economy. New York: Cambridge University Press, 1985. v. 10. ).

A moderna versão dessa perspectiva contratualista percebe a política como um processo de negociação, ou seja, como um complexo sistema movido unicamente por trocas e contratos. Os indivíduos equiparados são concebidos, então, como atores capazes de se unirem, de se explorarem e de se agregarem em entidades coletivas, a fim de promoverem o benefício mútuo. As incertezas, por sua vez, emergem com a salutar função de fazer acontecer os acordos, pois, diante delas, os indivíduos são levados a calcular suas ações conforme o seu autointeresse, no intuito de promoverem, assim, os melhores resultados. Para Brennan e Buchanan ( 1985Brennan, G.; Buchanan, J. M. The reasons of rule: Constitutional political economy. New York: Cambridge University Press, 1985. v. 10. ), eventuais incompatibilidades entre o nível de incerteza e o cálculo feito pelo indivíduo dever-se-iam à subjetividade desse indivíduo. Segundo esse raciocínio, qualquer análise das interações sociais deve incorporar alguns pressupostos acerca da natureza dos atores envolvidos na interação (Brennan; Buchanan, 1985Brennan, G.; Buchanan, J. M. The reasons of rule: Constitutional political economy. New York: Cambridge University Press, 1985. v. 10. ).

Com base nessas prerrogativas, mesmo reconhecendo a antipatia generalizada à figura do homo economicus como pressuposto de análise, Brennan e Buchanan ( 1985Brennan, G.; Buchanan, J. M. The reasons of rule: Constitutional political economy. New York: Cambridge University Press, 1985. v. 10. ) defendem a sua utilização enquanto postulado analítico mais adequado ao estudo da mudança constitucional. No entendimento dos autores, faz-se necessária a utilização de um modelo fundamental de comportamento que seja aplicável a diferentes instituições e conjuntos de regras, pois, caso fossem utilizados diferentes modelos de comportamento na política e na economia, não seria possível isolar os elementos do sistema para propor mudanças às instituições. Desse modo, consideram pertinente a analogia de que, se um agente dentro do cenário econômico utiliza seu poder para maximizar sua riqueza, a tendência é a de que faça o mesmo no interior do cenário político. Apesar de considerarem a incompatibilidade entre as restrições dos dois cenários, os autores reafirmam como coerente a analogia entre a lógica de mercado e a composição da racionalidade política.

A extensão do postulado da racionalidade a toda sociedade — composta, então, por diversas categorias, como num jogo de soma variável — não poderia, dessa forma, deixar de permear aqueles atores representantes da unidade dos conflitos sociais, quais sejam: o Estado e a firma. O Estado apareceria, sob essa visão, como ente dotado de uma neutralidade e uma imparcialidade necessárias à coordenação de todos os indivíduos, os quais, por sua vez, seriam considerados iguais por um “legislador ideal”, posicionado tal como um empresário em busca da maximização da eficiência, dentro de parâmetros da “boa” administração. O problema constitucional para essa abordagem se resumiria, então, à minimização das externalidades relativas à cooperação por meio da conciliação das divergências com a estratégia (Reis, 2010Reis, F. W. Política e racionalidade. 2a. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. ). Vale lembrar que a própria noção de coletividade, nessa perspectiva, passa pela primazia da figura do indivíduo. Em sua obra, A lógica da ação coletiva , Mancur Olson ( 1999Olson, M. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999. ) faz questão de registrar que a ação coletiva não é fruto da solidariedade entre os indivíduos, mas produto direto da coerção ou da remuneração dos interesses individuais.

Nesse sentido, sem renunciar ao individualismo metodológico neoclássico, a New Institutional Economics ganha proeminência, em face da Public Choice , no cerne das teorias hegemônicas da economia do setor público. As mudanças sobrevindas nas décadas de 1980 e 1990 fizeram emergir questionamentos baseados na constatação da chamada “informação imperfeita” e dos “mercados incompletos”, os quais induziriam a flexibilização dos pressupostos neoclássicos, calcados na escolha racional. Essa flexibilização tem como principal elemento a relativização do equilíbrio paretiano, passando a se considerar a noção de “ second best ”, caracterizada por levar em conta aspectos sócio-históricos na formação das preferências dos indivíduos, porém sem deixar de considerar essencial a ideia de maximização (Affonso, 2003Affonso, R. B. A. O federalismo e as teorias hegemônicas da economia do setor público na segunda metade do século XX: um balanço crítico. 2003. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ).

Sob esse prisma, a influência exercida pela ação de um indivíduo sobre a dos demais (externalidades sobre a ação do outro) passou a ser levada em conta, pois, sendo constatado um contexto de informações e de mercados imperfeitos, a desconfiança ganha relevo como empecilho à composição de soluções cooperativas, mostrando-se o mercado desregulado ser ineficiente. A busca por tais tipos de solução, sem deixar de conservar a concepção indivíduo maximizador de utilidade, caminha pela elaboração de novas formas de intervenção como antídoto para as novas “falhas” constatadas, o que, diante da ineficiência dos comportamentos egoístas, traduz-se em tomada das instituições — no caso, os governos — como mecanismo de indução dos atores individuais a se comportarem coletivamente (Affonso, 2003Affonso, R. B. A. O federalismo e as teorias hegemônicas da economia do setor público na segunda metade do século XX: um balanço crítico. 2003. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ).

Diante disso, a New Institutional Economics , embora conceba as instituições como elemento central de análise, preserva os ditames do individualismo metodológico neoclássico, considerando aquelas construções como mecanismos de projeção das preferências individuais, tendentes a reduzirem os custos de transação inerentes às interações coletivas (Affonso, 2003Affonso, R. B. A. O federalismo e as teorias hegemônicas da economia do setor público na segunda metade do século XX: um balanço crítico. 2003. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ). A renovação trazida com o novo institucionalismo caracteriza-se, então, como uma atenuação das ortodoxias do individualismo metodológico, sob diferentes formas, no cerne das diversas disciplinas (Théret, 2003Théret, B. As instituições entre as estruturas e as ações. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 58, 2003. ). Na Economia, especificamente, uma das transformações mais perceptíveis é a incorporação das instituições ao sistema econômico, o que implica a concepção de uma “economia com instituições”, as quais antes eram consideradas como variáveis exógenas ao modelo de funcionamento dos mercados (Gomes, 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ; Lawson; Peacock; Pratten, 1996Lawson, C.; Peacock, M.; Pratten, S. P. Realism, underlabouring and institutions. Cambridge Journal of Economics, v. 20, n. 1, p. 137-151, 1996. ).

A revisão dos postulados da racionalidade mediante a colocação das instituições no centro do modelo analítico (Gomes, 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ) faz a New Institutional Economics rejeitar o reino abstrato das trocas econômicas não como forma de se desgarrar completamente dos postulados neoclássicos, mas sim de flexibilizar os seus axiomas, garantindo-lhe, assim, sobrevivência no contexto contemporâneo (Affonso, 2003Affonso, R. B. A. O federalismo e as teorias hegemônicas da economia do setor público na segunda metade do século XX: um balanço crítico. 2003. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. ; Medeiros, 2001Medeiros, C. A. Instituições, Estado e mercado no processo do desenvolvimento econômico. Revista de Economia Contemporânea, v. 5, n. 1, p. 49-77, 2001. ).

A coordenação desses atores, sob essa perspectiva, passa inevitavelmente por um processo de definição das “regras do jogo” no nível constitucional, ou seja, a tentativa de neutralização dos conflitos faz-se por meio da constituição de normas, articuladas sob um espírito estratégico de atenuação das ineficiências causadas pela operação livre e deliberada das escolhas racionais. Olhando a mesma questão sob outro ângulo, é possível perceber como as instituições políticas, embora revestidas de uma pretensa neutralidade contratualista, estariam submetidas a interesses oriundos dos conflitos sociais, os quais, por sua vez, também exerceriam influência na redefinição, gradual ou abrupta, do seu quadro constitucional (Reis, 2010Reis, F. W. Política e racionalidade. 2a. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. ). A definição das “regras do jogo” seria, então, uma forma de suprir a falta de ordem — antes supostamente existente, de acordo com a ortodoxia —, constituindo-se, assim, um mecanismo de promoção da racionalidade econômica num contexto em que se constata a ineficiência da arrumação naturalmente estabelecida pelos mercados (Medeiros, 2001Medeiros, C. A. Instituições, Estado e mercado no processo do desenvolvimento econômico. Revista de Economia Contemporânea, v. 5, n. 1, p. 49-77, 2001. ).

Quem fez pela primeira vez a analogia das instituições enquanto “regras do jogo” foi Douglas North, considerado o maior expoente da New Institutional Economics . Em seu estudo, Structure and Change in Economy History , North ( 1981North, D. Structure and change in economy history. New York: W. W. Norton and Company, 1981. ) esboça os primeiros passos da sua teoria mediante a análise histórica da formação e da evolução das instituições em algumas sociedades. Nesse momento, observa Gala ( 2003Gala, P. A retórica na Economia Institucional de Douglass North. Revista de Economia Política, v. 23, n. 2, p. 90, 2003. ), ainda se podia perceber na trajetória de North uma inclinação à análise efetivamente histórica, considerando a forte presença de elementos culturais na formação dos padrões de escolha. É na sua obra Institutions, Institutional Change and Economic Performance: Political Economic of Institutions and Decisions (North, 1990North, D. Institutions, institutional change, and economic performance: political economy of institutions and decisions. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ) que o autor consolidará a sua agenda de pesquisa em torno do papel das instituições, arguindo a necessidade de serem estas incluídas nos modelos de desenvolvimento econômico, haja vista a sua importância na elevação da produtividade e no aumento do excedente da riqueza social. Identificando a ausência de uma análise institucional por parte dos neoclássicos, North rejeitará o antigo conceito de homem econômico, concebendo os agentes enquanto seres dotados de uma racionalidade limitada — incapazes de conhecer e de processar todas as informações necessárias à tomada de decisão (escolha racional) —, além de evidenciar, em sequência, a questão da incerteza, emergente no contexto de informações incompletas e de mercados imperfeitos (Gala, 2003Gala, P. A retórica na Economia Institucional de Douglass North. Revista de Economia Política, v. 23, n. 2, p. 90, 2003. ; Gomes, 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ).

Nesse seguimento, a incerteza, decorrente da informação incompleta, afigura-se como elemento fundamental no modelo de North (Gala, 2003Gala, P. A retórica na Economia Institucional de Douglass North. Revista de Economia Política, v. 23, n. 2, p. 90, 2003. ), a partir do qual as instituições são apontadas como mecanismos de redução do nível de desconfiança, induzindo a tomada de decisões, políticas e econômicas eficientes. Ao longo de sua obra, North faz referência às “limitações formais” enquanto, por exemplo, regras jurídicas e contratos, e às “informais” como normas de conduta, culturas e ideologias. No caso das limitações formais, o Estado assume extrema relevância, haja vista a necessidade de as “regras do jogo” restarem suficientemente claras, e o seu cumprimento devidamente assegurado. O ente estatal é tomado, então, como uma força coercitiva, capaz de monitorar os direitos de propriedade e fazer cumprir os contratos acordados, diminuindo, dessa forma, os custos de transação, decorrentes da incerteza (Gomes, 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ).

Em seu trabalho The New Institutional Economics and Development (North, 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309...
), o autor em comento sintetiza as características essenciais do seu entendimento sobre a New Institutional Economics , começando pelo esclarecimento de que a tentativa de incorporação das instituições na economia constitui-se numa oportunidade de a teoria neoclássica ampliar o alcance da sua abordagem, incorporando ao seu arcabouço fatores antes negligenciados. North faz referência aqui principalmente às ideologias. Nesse intento, declara que a informação incompleta e a racionalidade limitada determinam os custos de transação, os quais, por sua vez, só vêm a ser minimizados a partir da constituição das instituições. Com base nesse raciocínio, as instituições têm como finalidade precípua a função de reduzir as incertezas nas trocas humanas, pois o problema não se resume somente à questão da racionalidade instrumental, mas também às próprias características da transação, as quais podem, eventualmente, prejudicar a efetivação da maximização e o esforço para reduzir os custos a zero (North, 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309...
). A esse respeito, North ( 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
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) menciona os trabalhos de Ronald Coase ( 1937Coase, R. H. The nature of the firm. In: Williamson, O.; Winter, S. (Eds.). The nature of the firm: Origins, evolution and development. New York: Oxford University Press, 1937. p. 18-33. , 1969Coase, R. H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, v. 3, p. 1-44, 1969 ), dedicados ao estudo da ligação entre os custos de transação e a concepção das instituições na teoria neoclássica.

A partir dessas colocações, North ( 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
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) busca entender a teoria econômica incorporando fatores como as ideologias no seu escopo de análise, sem deixar de mencionar o quanto isso interfere na modelagem do processo político. Para o autor, isso se constitui num fator severamente crítico para o desenvolvimento das trocas, atribuindo às ideologias a responsabilidade pela ineficiência dos mercados nas diversas economias. Dentro dessa perspectiva, as instituições seriam, então, as “regras do jogo” 1 1 A respeito da “teoria dos jogos”, North ( 1993 ) pondera que as soluções cooperativas são mais prováveis de acontecer quando o jogo é, caracteristicamente, repetido, quando os jogadores têm a informação completa sobre o desempenho dos demais, e ainda, na ocasião em que há um pequeno número de jogadores. de uma sociedade, ou, em outras palavras, o constrangimento instrumental-humano responsável pela estruturação da interação entre os agentes mediante a constituição e a preservação de regras formais (regulamentos) ou informais (convenções, comportamentos). Como organizações compostas por “jogadores”, North ( 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309...
) elenca: os corpos políticos (os partidos políticos, o Senado, um conselho de moradores de uma dada cidade, uma agência reguladora); os organismos econômicos (empresas, sindicatos, agricultores familiares, cooperativas); os corpos sociais (igrejas, clubes, associações atléticas); e os órgãos educacionais (escolas, faculdades, centros de formação profissional). Responsáveis pela definição da performance do desenvolvimento econômico, as organizações políticas são tidas como elementos capazes de elaborar e fazer cumprir, de forma eficiente, os contratos e direitos de propriedade (North, 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309...
).

Essa reorientação trazida pela New Institutional Economics prima, dessa forma, por reconsiderar o papel do Estado na economia, acreditando, pois, na sua capacidade estruturante, em face dos mercados. Isso não significa, entretanto, uma “recuperação” do papel do Estado, tal como antes visto na Welfare Economics , mas sim de uma “readequação” às novas exigências do capital” (Affonso, 2003Affonso, R. B. A. O federalismo e as teorias hegemônicas da economia do setor público na segunda metade do século XX: um balanço crítico. 2003. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. , p. 136). Para North, embora o Estado seja considerado de substancial importância, o seu papel é limitado a mero meio de redução dos custos de transação, principalmente nos casos das relações econômicas impessoais. Nesse escopo, a legitimação e a garantia de cumprimento dos contratos dependeriam, então, de uma terceira parte (o Estado), responsável pela contenção de oportunismos perversos que eventualmente prejudicassem a eficiência das relações de troca. O alinhamento aos pressupostos neoclássicos faz-se bastante presente, nesse ponto, na medida em que é desconsiderada a origem do Estado enquanto produto de processos sociais conflitantes e, ademais, negligenciada a análise histórica da sua função na gênese, na formação e na consolidação do capitalismo moderno. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que as relações materiais de produção não determinariam a política e as instituições (Gomes, 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ; Medeiros, 2001Medeiros, C. A. Instituições, Estado e mercado no processo do desenvolvimento econômico. Revista de Economia Contemporânea, v. 5, n. 1, p. 49-77, 2001. ).

Embora a concepção de North sobre os “jogadores”, atuantes em meio às “regras” institucionais, abarque os corpos políticos, econômicos e sociais, assim como as organizações educacionais, num dado momento de sua obra — segundo Gomes ( 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ), no capítulo X, “Estabilidade e Mudança Institucional” — o autor reduz todo esse conjunto de corpos a um só agente, a figura do “empresário individual”, que determinaria estrategicamente a sua conduta a partir de apenas dois estímulos: as variações dos preços relativos e dos gostos e preferências. Dessa forma, North ( 1990North, D. Institutions, institutional change, and economic performance: political economy of institutions and decisions. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ) sucumbe ao reducionismo econômico, evidenciando a prerrogativa da New Institutional Economics de defender a tomada das instituições como elementos centrais de redução das incertezas e dos obstáculos às transações econômicas. O que não se pode esquecer, diante disso, é que, uma vez dirimidos os conflitos e os problemas inerentes aos custos de transação e, portanto, estando os indivíduos seguros das suas decisões, voltam à tona os princípios da maximização e da eficiência dos mercados como sinônimos de desenvolvimento econômico, nos termos defendidos pela economia neoclássica (Gomes, 2004Gomes, F. G. A Nova Economia Institucional (NEI) e o (sub)desenvolvimento econômico brasileiro: limites e impossibilidades de interpretação. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 9., 2004, Uberlândia. Anais […]. Uberlândia: UFU, 2004. ).

Conforme se pode perceber, a New Institutional Economics , compreendida como uma derivação da Public Choice Theory , não consegue se desgarrar dos pressupostos inerentes ao individualismo metodológico neoclássico, pois, mesmo relativizando a noção de racionalidade instrumental (racionalidade limitada), conserva o hábito de explicar a realidade a partir dos microfundamentos da ação estrategicamente orientada para a maximização.

Muito embora sejam inseridos elementos sociopolíticos na análise da formação dos padrões de decisão, a consolidação das instituições como forma de redução da incerteza e atenuação da racionalidade limitada do indivíduo apresentam-se unicamente como mecanismos de viabilização de uma maximização utilitária dentro dos moldes da eficiência econômica. O individualismo metodológico persiste, então, enquanto forma não só de análise, mas de concepção da própria realidade, nesses termos percebida enquanto um mero agregado de racionalidades individuais, operantes em meio aos mecanismos institucionais instrumentalmente estabelecidos.

2. O Individualismo Metodológico como um Problema de Resolução Ontológica: do mainstrem à noção de totalidade concreta

A ofensiva do individualismo metodológico, no cerne das Ciências Sociais, traduz-se num esforço — engendrado, principalmente, pela escola neoclássica — em impor o monopólio do método econômico ao estudo dos fenômenos ocorrentes na sociedade. Essa doutrina questiona os alicerces, por exemplo, da ciência política, da sociologia, da antropologia e da psicologia social, considerando serem todos os fenômenos de natureza econômica, incluindo nesse escopo até mesmo aqueles denominados como “aparentemente não econômicos”. A predominância do individualismo metodológico subjuga, então, a compreensão de todos os fenômenos aos microfundamentos da ação individual autointeressada, a qual seria, em regra, orientada por escolhas racionais maximizadoras de utilidade (Przeworski; Wallerstein, 1988Przeworski, A.; Wallerstein, M. O capitalismo democrático na encruzilhada. Novos Estudos Cebrap, n. 22, p. 29-44, 1988. ). Procura-se, dessa forma, diante de fenômenos que envolvem elementos de nível macro, reduzir o caráter da sua explicação ao nível micro, como se a determinação dos processos de transformação restasse fundamentada unicamente nas propriedades racionais individuais dos atores envolvidos, desprezando-se, por assim dizer, a influência das macroestruturas na composição desse processo (Levine et al ., 1989Levine, A. et al. Marxismo e individualismo metodológico. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. 1, p. 57-70, 1989. ).

O individualismo metodológico afigura-se, por assim dizer, como uma espécie de “preceito metateórico” responsável pela composição do crivo de cientificidade incidente sobre determinada explicação da realidade. Em outras palavras, a elucidação de um dado fenômeno social, para ser considerada efetivamente científica, deve possibilitar a redução de tal fenômeno ao plano das ações intencionais individuais e de suas interações, considerando-se enquanto ações, nesse caso, apenas aquelas tidas como racionais (Paulani, 1996Paulani, L. M. Hayek e o individualismo metodológico no discurso econômico. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 38, p. 97-124, 1996. ). Sob essa perspectiva, as explicações ideais dos fenômenos sociais estariam fundamentadas no nível individual de investigação, voltado para a identificação da ação humana interessada (Sensat, 1988Sensat, J. Methodological individualism and Marxism. Economics and Philosophy, v. 4, p. 189-219, 1988. ). O esforço de legitimação teórica traçado pela ciência econômica — particularmente pela teoria neoclássica — caracteriza-se, dessa forma, pela transcendência do nível micro rumo ao macrocomportamento econômico, baseando a determinação dos fenômenos sociais na racionalidade individual maximizadora e negligenciando, nesses termos, a flagrante fragilidade empírica de tal postulado (Hofmann; Pelaez, 2008Hofmann, R. M.; Pelaez, V. A racionalidade na teoria econômica: entre individualismo metodológico e estruturalismo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 36., 2008, Salvador. Anais […]. Rio de Janeiro: ANPEC, 2008. ).

A tentativa de legitimação do individualismo metodológico — predominante tanto na economia como nas demais Ciências Sociais — se faz por meio da axiomatização do conceito de racionalidade, a partir do qual a escola neoclássica assume o comportamento do indivíduo, ou da firma, como uma movimentação entre unidades isomórficas de análise, as quais norteiam suas ações baseadas meramente no cálculo utilitário de consequências, buscando o egoístico atendimento ao seu autointeresse. A insistência no pressuposto do homo economicus faz a ortodoxia restringir o seu escopo de investigação a um mero “esquema da conduta humana”, sem lembrar que ele é historicamente constituído a partir de um contexto específico (Hofmann; Pelaez, 2008Hofmann, R. M.; Pelaez, V. A racionalidade na teoria econômica: entre individualismo metodológico e estruturalismo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 36., 2008, Salvador. Anais […]. Rio de Janeiro: ANPEC, 2008. ).

A redução do macro ao micro segue, portanto, enquanto critério normativo de cientificidade, fortalecendo a difusão do projeto neoclássico de estabelecer as microfundamentações como parâmetros universais de análise, constituindo, dessa forma, um monismo metodológico supostamente capaz de abordar indistintamente todos os fenômenos da realidade. Diante desse monismo, a abordagem crítica do objeto a partir de suas peculiaridades históricas ficaria então subordinada à possível adequação da sua natureza ao método de investigação, ao invés de, pelo contrário, ocorrer uma determinação do método em razão do objeto. A suposição de homogeneidade entre os agentes é tão forte que se presume não haver nenhuma inconsistência lógica em explicar um contexto macro por simples agregação dos microfundamentos (Hofmann; Pelaez, 2008Hofmann, R. M.; Pelaez, V. A racionalidade na teoria econômica: entre individualismo metodológico e estruturalismo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 36., 2008, Salvador. Anais […]. Rio de Janeiro: ANPEC, 2008. ).

Em crítica a essa estratégia microreducionista de investigação — tipicamente cartesiana —, Bunge ( 2000Bunge, M. Ten modes of individualism — none of which works — and their alternatives. Philosophy of the Social Sciences, v. 30, p. 384-406, 2000. ) faz uma exemplificativa analogia com o processo de conhecimento das propriedades de um sólido, que não poderia ser apreendido mediante a simples análise dos átomos e das moléculas que o constituem, assim como os organismos multicelulares, por sua vez, não poderiam também ser reduzidos às suas moléculas. Também no âmbito das Ciências Sociais, por exemplo, não seria possível o efetivo conhecimento de uma família humana apenas a partir do conhecimento dos seus membros. Para a compreensão de uma dada família, enquanto fenômeno e objeto social, seria necessária a apropriação tanto dos seus componentes como da totalidade das relações existentes entre eles e, ademais, das suas relações com outras pessoas. Assim, o conhecimento de uma família, enquanto entidade, revelaria uma essência significativamente distinta e para além do simples agregado dos seus componentes.

Conforme pode-se perceber, as limitações trazidas pelo individualismo metodológico não se esgotam no perímetro analítico da questão. A adoção do reducionismo neoclássico, enquanto postulado investigativo, implica numa escolha não somente de ordem epistemológica, mas também, e principalmente, de fundo ontológico, pois a raiz das limitações inerentes aos seus pressupostos encontram-se situadas na efetiva percepção do que é o “real”. Essa abordagem parte de uma noção de realidade baseada na precedência do indivíduo sobre a sociedade, concebendo-o em oposição à sociedade e, por assim dizer, como único meio de manifestação, determinação e realização das transformações sociais.

Se a proposição do individualismo metodológico aparece, num primeiro momento, como uma questão de natureza metodológica, uma percepção mais atenta denuncia o quanto essa problemática traz consigo implicitamente uma dimensão ontológica. Isso se deve ao fato de que os próprios mecanismos de investigação refletem os princípios básicos e os axiomas fundamentais, responsáveis pela sustentação dos pressupostos e dos procedimentos de uma dada corrente (Bruno, 2005Bruno, M. Macroanálise, regulação e o método: uma alternativa ao holismo e ao individualismo metodológicos para uma macroeconomia histórica e institucionalista. Revista de Economia Política, v. 25, n. 4, p. 337-356, 2005. ). Nesses termos, a tomada do indivíduo como célula primeira e como a única forma de percepção do real leva o individualismo metodológico a converter-se no chamado individualismo ontológico (Burawoy, 1985Burawoy, M. Making nonsense of Marx. Contemporary Sociology, v. 14, n. 5, p. 704-707, 1985. ).

O fato de qualquer método científico pressupor uma ontologia que o subsidie (Martin, 2009Martin, A. Critical realism and the Austrian paradox. Cambridge Journal of Economics, v. 33, p. 517-530, 2009. ) desdobra-se, na Ciência Econômica, na constituição de uma “visão de mundo” no interior de cada escola de pensamento, seja ela a clássica, a neoclássica, a austríaca, a marxista, ou até mesmo, a New Institutional Economics . Os reflexos das respectivas concepções de realidade na fundamentação dos parâmetros metodológicos só são perceptíveis a partir da investigação sobre a maneira como cada escola conduz suas análises, essas, por sua vez, comprometidas com a apreensão dos processos causais, estruturas e instituições conforme a designação dos seus respectivos estatutos ontológicos (Boylan, 2006Boylan, T. A.; O’Gorman, P. F. Fleetwood on causal holism: Clarification and critique. Cambridge Journal of Economics, v. 30, n. 1, p. 123-135, 2006. ).

Na ciência produzida sob os imperativos do individualismo metodológico, a teorização ontológica se vê ofuscada pela prescrição de pressupostos analíticos, baseados na apreensão do mundo deterministicamente a partir da racionalidade autointeressada. Vale registrar que, diante disso, uma das principais formas de esquiva do debate ontológico é a colocação do microrreducionismo como padrão legitimador do conhecimento científico, “filtrando-se”, a partir daí, os procedimentos metodológicos tidos como adequados ou não. O resultado dessa postura epistemológica é a idealização de um universo fechado, povoado de agentes calculistas, estrategicamente voltados para a otimização da utilidade. O manto da cientificidade preso a essa perspectiva deixa de abarcar, portanto, a concretude do mundo real, aberto e estruturado por agentes inter-relacionados (Martin, 2009Martin, A. Critical realism and the Austrian paradox. Cambridge Journal of Economics, v. 33, p. 517-530, 2009. ). Sem se debruçar efetivamente sobre os fundamentos ontológicos que alicerçam a sua constituição, o “reducionismo epistemológico” acaba por reinventar afirmações sobre o conhecimento científico sem de fato reconsiderar as reais limitações dos seus pressupostos, sustentando, assim, uma persistência na modelagem dedutivista, fundada em modelos formais de abordagem do real (Boylan, 2006Boylan, T. A.; O’Gorman, P. F. Fleetwood on causal holism: Clarification and critique. Cambridge Journal of Economics, v. 30, n. 1, p. 123-135, 2006. ).

O esvaziamento da discussão sobre o estatuto ontológico das teorias tem se escondido atrás de uma epistemologia positivista, a partir da qual a explicação ideal dos fenômenos sociais estaria calcada no nível individual de investigação, tomando-se a intencionalidade estratégica da ação humana como o principal fator condicionante das interações. A reivindicação ontológica trazida por essa percepção volta-se para os objetos da ciência social como se eles existissem efetivamente apenas no nível individual, ou seja, como se a sociedade fosse ontologicamente constituída por uma agregação de pessoas (Bruno, 2005Bruno, M. Macroanálise, regulação e o método: uma alternativa ao holismo e ao individualismo metodológicos para uma macroeconomia histórica e institucionalista. Revista de Economia Política, v. 25, n. 4, p. 337-356, 2005. ; Sensat, 1988Sensat, J. Methodological individualism and Marxism. Economics and Philosophy, v. 4, p. 189-219, 1988. ). A partir desse olhar, o individualismo ontológico fundamenta-se, então, na tese de que cada coisa, ou todo objeto possível, consiste num indivíduo em meio a uma coleção de indivíduos, não havendo, nesses termos, qualquer noção de totalidade com propriedades autônomas, isto é, propriedades sistêmicas ou emergentes (Bunge, 2000Bunge, M. Ten modes of individualism — none of which works — and their alternatives. Philosophy of the Social Sciences, v. 30, p. 384-406, 2000. ).

A redução dos fenômenos estudados à interação entre agentes atomísticos, somada à afirmação universal da racionalidade calculista, constitui-se apenas num dos primeiros passos condutores da análise do mainstream. Na verdade, as limitações ontológicas do individualismo metodológico persistem nessa perspectiva por meio da concepção das macroestruturas enquanto entidades despidas de qualquer realidade material objetiva (Martin, 2009Martin, A. Critical realism and the Austrian paradox. Cambridge Journal of Economics, v. 33, p. 517-530, 2009. ).

Embora a New Institutional Economics considere fundamentos mais ricos do que os da velha ortodoxia, ela sustenta o seu compromisso com o individualismo metodológico (Boylan, 2005). Assim, fincada sobre uma ontologia que abarca as instituições como entes efetivamente reais e, portanto, como causas e efeitos reais, essa corrente teórica sofre com uma certa nebulosidade acerca do emprego do “individualismo”, o qual, na melhor das hipóteses, poderia ser considerado arbitrário (Lawson; Peacock; Pratten, 1996Lawson, C.; Peacock, M.; Pratten, S. P. Realism, underlabouring and institutions. Cambridge Journal of Economics, v. 20, n. 1, p. 137-151, 1996. ).

Para North ( 1990North, D. Institutions, institutional change, and economic performance: political economy of institutions and decisions. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. ), a abordagem da “escolha” é essencial, pois um conjunto logicamente consistente e potencialmente testável deve ser construído sobre uma teoria do comportamento humano, a exemplo da microeconomia, cuja força estaria nas suposições acerca da racionalidade e da determinação dos agentes. Nesses termos, as instituições são entendidas como uma criação de seres humanos, envolvendo-os e sendo alterada por eles, não havendo razão para não os considerar o ponto de partida da New Institutional Economics . Contudo, esse compromisso com o individualismo metodológico se mostra bastante inconveniente diante da maneira como North prossegue o seu segundo objetivo, o de atribuir uma eficácia causal às estruturas sociais. Os efeitos da ação particular, por exemplo, podem ter seu curso de desenvolvimento crucialmente dependente dos processos institucionais, compostos por regras formais e informais, denunciando, assim, o quanto as atividades reais dos agentes são tidas como limitadas pela estrutura institucional, funcionando como um depósito de sedimentos de ações passadas, condicionando, por sua vez, as ações subsequentes (Lawson; Peacock; Pratten, 1996Lawson, C.; Peacock, M.; Pratten, S. P. Realism, underlabouring and institutions. Cambridge Journal of Economics, v. 20, n. 1, p. 137-151, 1996. ).

Assim sendo, embora pareça querer atribuir uma certa causalidade às estruturas sociais, a New Institutional Economics não deixa de conceber as instituições como uma forma de constituir um “contexto” voltado para a indução de comportamentos característicos da economia neoclássica — enquanto regras e convenções que funcionam como meios para a ação —, procurando constituir um ambiente “adequado”, em conformidade com os objetivos dessa escola. Em muitos pontos da obra de North resta clara uma noção de estrutura social como meio para a ação individual, ou seja, as estruturas institucionais não são reconhecidas como vigas de concreto, determinantes da ação, mas como meios, a partir dos quais a ação torna-se possível, reproduz-se e transforma-se. O novo institucionalismo não se distancia, nesse sentido, do individualismo, problema este desvelado pelo questionamento ontológico dos seus pressupostos.

3. A Crítica Ontológica ao Individualismo: a noção de “totalidade concreta”

A crítica ontológica aos pressupostos adotados pela Public Choice Theory e pela New Institutional Economics desemboca na reconsideração analítica de alguns elementos fundamentais, os quais apontam não somente para uma problematização das suas bases teóricas, mas para uma reflexão acerca do próprio processo cognitivo de concepção dessas construções. A ontologia crítica vai abordar uma “noção de realidade” cujo objeto é percebido enquanto fração de uma totalidade que, sendo parte, expressa no seu “em-si” a dinâmica de funcionamento do seu todo.

As Ciências Sociais, oscilando entre o estruturalismo dos anos 1960 e 1970 e o pós-modernismo dos anos 1990, parecem ainda buscar caminhos para a efetiva compreensão do real em seu condicionamento histórico. De um lado, o estruturalismo perdeu a capacidade de explicar a relação ativa entre os homens e a sua própria história, posto que, sendo a história tomada como história de estruturas, não restou outro destino a essa corrente senão incidir na chamada “morte do sujeito”. De outro, o pós-modernismo, considerando existir apenas indivíduos, momentos e fragmentos de uma realidade sem história e sem processo, dissolveu a noção de totalidade em favor de uma concepção fragmentária do ser (Lessa, 1999Lessa, S. Em busca de um(a) pesquisador(a) interessado(a): o problema do método na Ontologia de Lukács. Praia Vermelha, v. 1, n. 2, 1999. ).

Embora haja uma antiga discussão entre os economistas clássicos e, por exemplo, os marxistas, vale mencionar desde já que, a rigor, num primeiro momento “não há uma questão de método no pensamento marxiano” (Chasin, 2009Chasin, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. , p. 89). Isso se deve não somente ao fato de as questões gnosiológicas mais importantes encontrarem resolução no campo ontológico, mas também, e principalmente, ao entendimento sobre o que é o “método” nessa perspectiva, pois, se considerado como uma arrumação operativa a priori, elaborada subjetivamente e expressa por meio de um conjunto de normas e procedimentos, não há o que se falar, então, na sua posição no cerne dessa ontologia crítica (Chasin, 2009Chasin, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. ; Korsch, 1971Korsch, K. Marxismo y filosofia. México: Ediciones Era S.A., 1971. ), uma vez que a prioridade do “ser” sobre a “consciência” traz como caminho de investigação a explicação das ideias segundo a prática material, e não a explicação da prática segundo as ideias (Marx; Engels, 1998Marx, K.; Engels, G. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ).

A obra de Marx ( 1982Marx, K. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982. ) traz uma intrínseca oposição à noção atomizada de indivíduo, idealizada pelas teorias contratualistas, desvelando a noção de individualismo a partir da análise da materialidade concreta das relações de produção, uma vez que os indivíduos produzem em sociedade, fazendo parte, portanto, de um todo mais vasto. A partir daí, a ontologia crítica — que tem como alguns dos seus principais expoentes Korsch, Gramsci e Lukács 2 2 Vale registrar que para esta pesquisa as considerações de Lukács são tomadas como de maior contribuição. — tenta resgatar na obra marxiana a constituição de uma “nova visão de mundo”, caracterizada essencialmente pelo reconhecimento da antecedência do ser sobre a consciência, tomando a reprodução material da totalidade como predominante no condicionamento histórico das transformações sociais (Lessa, 2007Lessa, S. Para compreender a Ontologia de Lukács. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2007. ).

A crítica ontológica, presente de forma mais incisiva no jovem Marx — principalmente nas obras Manuscritos econômicos-filosóficos , Miséria da filosofia e A ideologia alemã —, caracteriza-se como a sua mais importante contribuição ao pensamento dialético-materialista, posto ser “ tanto una crítica de ciertas formas de la consciencia social de la época capitalista como una crítica de sus relaciones materiales de producción ” (Korsch, 1971Korsch, K. Marxismo y filosofia. México: Ediciones Era S.A., 1971. , p. 46). Isso permite supor que, a despeito do marxismo vulgar ortodoxo, a verdadeira evolução histórica do marxismo, preservado em sua ontologia crítica, conduziu a um alargamento da sua base teórica. Pois, se antes se tratava de uma teoria da revolução social do proletariado, passou a consistir numa teoria aplicável não só aos momentos de revolução, mas também às épocas não-revolucionárias (Korsch, 1971Korsch, K. Marxismo y filosofia. México: Ediciones Era S.A., 1971. , p. 46).

Vale mencionar, destarte, que, embora o marxismo ontológico tenha como um dos seus principais fundamentos a reafirmação da herança hegeliana, isso não estaria vinculado à cisão entre consciência e objeto, mas sim ao reconhecimento da categoria totalidade enquanto elemento central para a teoria (Lessa, 1999Lessa, S. Em busca de um(a) pesquisador(a) interessado(a): o problema do método na Ontologia de Lukács. Praia Vermelha, v. 1, n. 2, 1999. ). A ontologia marxiana, em reconhecimento da própria natureza histórica e processual do ser, não corresponde, “por simples imperativo de coerência, à forma de um saber universal plantado sobre uma racionalidade autossustentada, ou seja, fundado na razão universal” (Vaisman; Alves, 2009Vaisman, E.; Alves, A. Prefácio. In: Chasin, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. p. 7-24. , p. 9). Recusa, portanto, os fundamentos especulativos de uma razão autônoma, na qual a inteligibilidade estaria, a princípio, situada para além das coisas. Sustenta, assim, a “possibilidade efetiva de um saber real” (Vaisman; Alves, 2009Vaisman, E.; Alves, A. Prefácio. In: Chasin, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. p. 7-24. , p. 10), tomando então a problemática do conhecimento como “uma questão de caráter e resolução ontognosiológica” (Vaisman; Alves, 2009Vaisman, E.; Alves, A. Prefácio. In: Chasin, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. p. 7-24. , p. 10).

Essa perspectiva aponta a debilidade intrínseca à especulação racionalista autorreferida — que encara o discurso científico como uma formação ideal em sua consistência autossignificativa — e posiciona o estatuto ontológico marxiano como uma formulação contrária ao epistemologismo atual, e até mesmo à própria negação irracionalista deste, pois, uma vez feita de modo formal e abstrato, tal negação no mesmo sentido converte-se apenas numa derivação dele (Chasin, 2009Chasin, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. São Paulo: Boitempo, 2009. , p. 27).

A concepção ontológica da realidade como totalidade concreta desencadeou uma série de oposições no interior da filosofia contemporânea, dentre as quais vale comentar a intentada por Karl Popper, em sua obra Miséria do historicismo ( 1957Popper, K. R. The poverty of historicism. Boston: Beacon Press, 1957. ), na qual alega não ser possível o conhecimento da estrutura da realidade social em si mesma, haja vista entender a concreticidade como essencialmente incognoscível. Para ele, a possibilidade de se acrescentar, a cada fenômeno, ulteriores facetas e aspectos — ou mesmo elementos ainda não descobertos — torna o processo de conhecimento um infinito “acrescentamento”, que não poderia ser abarcado pela consciência humana. Assim, por essa perspectiva, a totalidade, em sua concreticidade, seria considerada mística, por contribuir inversamente nesse sentido, para a não concreticidade e a abstratividade do conhecimento. Hayek ( 1990Hayek, F. A. O caminho da servidão. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990. ), um dos precursores da tradição neoliberal, também se manifesta em favor da concepção de realidade como um conjunto de fatos, sendo o conhecimento humano, portanto, apenas um conhecimento abstrato, realizado por um processo sistemático-analítico de manejo das partes do real. Desse modo, o todo da realidade seria então incognoscível, não podendo a alma humana abrangê-lo em seus vários âmbitos, mas apenas em determinados aspectos extraídos do real (Kosík, 1976Kosík, K. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. ).

O misticismo, atribuído à totalidade por seus opositores, advém da noção de que esta não poderia ser apreendida pelo conhecimento humano, pois o indivíduo não seria capaz de abranger todos os fatos. Contudo, a noção de totalidade concreta não se propõe enquanto “um método que pretenda ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade”, mas sim enquanto uma “orientação heurística”, um postulado de investigação capaz de subsidiar o “estudo, descrição, compreensão, ilustração e avaliação de certas seções tematizadas da realidade” (Kosík, 1976Kosík, K. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. , p. 35-36). As posições sobre a incognoscibilidade da totalidade concreta são pautadas na concepção empírico-racionalista de conhecimento, reduzido, por essa perspectiva, a um processo de análise e de soma em direção a uma representação atomística da realidade, concebendo-a como mera reunião de elementos e de processos em relação distinta e natural.

Segundo Lukács ( 1979Lukács, G. Ontologia do ser social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979. ), a obra Contribuição à crítica da economia política consiste no único texto do Marx maduro que versa sobre a dialética. O autor de O capital traz uma série de considerações acerca dos fundamentos de investigação a serem adotados na efetiva apreensão do “real”. Nessa ocasião, ele toma como exemplo o estudo da Economia como forma de demonstrar todo o processo cognitivo a ser percorrido pelo sujeito cognoscente na busca pela apreensão do real enquanto totalidade concreta.

Sob essa perspectiva,

O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como um processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento

(Marx, 1982Marx, K. Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982. , p. 14, grifo nosso).

O “concreto real” imediato afigura-se, então, como ponto de partida, formado por um emaranhado de percepções que, para serem efetivamente transformadas numa compreensão da totalidade do real, carecem da abstração e da análise de suas partes. Assim, embora o concreto real já se apresente ao pensamento imediatamente como um processo de síntese, consiste, por certo, apenas no ponto de partida para a compreensão do real enquanto totalidade.

A perspectiva de compreensão do real como uma totalidade concreta não poderia admitir, evidentemente, a segmentação do todo a partir da abstração de suas partes, sendo cada uma delas analisada e posta como se efetivamente fosse um fragmento do real. O caminho da abstração opera-se por meio da remoção da realidade perceptível na composição de uma representação mental, “neste sentido, o abstrato constitui uma fase elementar do conhecimento, mas não é o próprio conhecimento, pois este não se reduz à representação de um ou diversos aspectos isolados da realidade” (Germer, 2000 Germer, C. M. Contribuição ao entendimento do método da economia política, segundo Marx. 2000. Mimeo. Disponível em: https://docplayer.com.br/55970152-Contribuicao-ao-entendimento-do-metodo-da-economia-politica-segundo-marx.html . Acesso em: 15 abr. 2024.
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, p. 7). O conhecimento se serve da abstração para apreender o concreto, ou seja, toma o processo de abstração e análise das partes como um caminho para uma efetiva compreensão da realidade após a rearticulação destas sob a forma de concreto pensado.

Conforme pode-se perceber, o esquema cognitivo apresentado não se traduz numa estipulação categorial apriorística, ou seja, num esquema analítico concebido anteriormente à experiência, mas sim na composição de uma perspectiva ontológica que concebe o “real” enquanto uma totalidade de relações e determinações diversas, que só podem ser conhecidas mediante a identificação das suas contradições materiais objetivas, seguida da abstração e análise das suas partes/categorias concretas e, posteriormente, do reagrupamento dos seus determinantes. Esse percurso investigativo subsidia a compreensão crítica dos fundamentos do individualismo metodológico no cerne da Public Choice Theory e da New Institutional Economics , não somente por problematizar as etapas sob as quais se desenvolve o processo de conhecimento da realidade, mas, primordialmente, por reelaborar a própria concepção do que vem a ser essa realidade.

4. A questão do “interesse” nas Estratégias de Elaboração Normativo-Institucional: um debate necessário à economia do setor público

As estratégias de elaboração normativo-institucional, concebidas pelo mainstream como originárias do interesse individual, podem ser compreendidas concretamente como também provenientes da própria coerência estrutural engendrada nas relações de produção e distribuição. Nesse sentido, o debate é conduzido à problematização não só do autointeresse como célula primeira, mas também do “interesse econômico geral”, presente nas estratégias de acumulação e seletivamente inserido na composição da arquitetura institucional do ente público.

A percepção do real enquanto totalidade concreta permite a abordagem dos pressupostos inerentes à constituição das políticas públicas como sendo produto e produtores de um contexto historicamente condicionado, cuja apreensão se dá mediante a identificação das suas contradições materiais objetivas, as quais, por sua vez, esboçam os fundamentos de um modo de produção e reprodução social específicos. Sob essa perspectiva, a investigação do efetivo papel do Estado — e de suas funções no curso das transformações sociais — passa pela observação dos mecanismos encarnados na sua própria materialidade institucional, uma vez que as formas organizativas enraizadas no seu aparato expressam, por assim dizer, os traços fundamentais sobre os quais se assentam as bases materiais das relações de produção.

Marx — apesar de manifestas intenções — não chegou a escrever um tratado específico sobre o Estado. As opiniões de Marx sobre a constituição do Estado encontram-se espalhadas por sua obra (Harvey, 2007Harvey, D. Espacios del capital: hacia una geografía crítica. Madrid: Akal, 2007. , p. 287), com especial atenção ao terceiro volume inacabado de O capital , que expressou a clara inclinação para desenvolver uma teoria do Estado enquanto parte integrante da análise global do modo capitalista de produção (Barrow, 2000Barrow, C. W. The Marx problem in Marxian state theory. Science and Society, v. 64, n. 1, p. 87-118, 2000. ). Especificamente no âmbito da Economia do Setor Público, estudos de inclinação marxiana mostram-se também bastante escassos, muito embora a obra de Thomas Piketty ( 2014Piketty, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014. ), O capital no século XXI , tenha dedicado especial atenção a temáticas correlatas em seus quatro últimos capítulos.

A necessidade de uma análise histórico-concreta do Estado inviabiliza pretensões de constituição de uma teoria “pura” do Estado no cerne da filosofia marxista, pois o seu compromisso com a materialidade da reprodução social impede que o Estado seja concebido enquanto instância autônoma, com suas próprias leis de movimento. Assim, não poderia haver uma “teoria geral” do Estado em razão da própria perspectiva sobre a qual se funda o marxismo, em contrariedade à metafísica da filosofia política em suas teorizações gerais sobre a história (Clarke, 1985Clarke, S. Estado, lucha de clases y reproduccion del capital. In: Offe, C. et al. Capitalismo y Estado. Madrid: Editorial Revolucion, 1985. p. 49-77. ; Poulantzas, 1980Poulantzas, N. Estado, poder y socialismo. 2.ed. Madrid: Siglo XXI, 1980. ).

Apesar disso, o estatuto ontológico fundado pela obra de Marx possibilitou aos marxistas edificarem construções acerca da dinâmica de funcionamento da máquina pública, tomando-a enquanto parte integrante do modo capitalista de produção. Dentre os marxistas dedicados a tal tarefa há pensadores como Gramsci, Althusser, Miliband, Altvater e Laclau, dentre outros. Um levantamento mais amplo sobre as principais vertentes teóricas do pensamento marxista sobre o Estado e seus diferentes desdobramentos pode ser realizado com a ajuda de Barrow ( 2000Barrow, C. W. The Marx problem in Marxian state theory. Science and Society, v. 64, n. 1, p. 87-118, 2000. ), Gold, Lo e Wright ( 1985Gold, D. A.; Lo, C. Y. H.; Wright, E. O. Recientes desarollos en la teoría marxista del Estado capitalista. In: Offe, C. et al. Capitalismo y Estado. Madrid: Editorial Revolucion, 1985. p. 171-205. ), Jessop ( 2009Jessop, B. O Estado, o poder, o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno. Revista de Sociologia Política, v. 17, n. 33, p. 131-144, 2009. ), Meckstroth ( 2000Meckstroth, T. W. Marx and the logic of social theory: The capitalist state. Science and Society, v. 64, n. 1, 2000. ) e Míguez ( 2010Míguez, P. El debate contemporáneo sobre el Estado en la teoría marxista: su relación con el desarrollo y la crisis del capitalismo. Estudios Sociológicos, v. 28, n. 84, p. 643-689, 2010. ). Mas, para esse momento, cumpre trazer aqueles especialmente voltados à percepção do Estado em sua perspectiva “estratégico-relacional”, cujos fundamentos subsidiam a concepção do ente público como “relação social” em períodos e conjunturas específicas. Nesse segmento, encontram-se teóricos como Nicos Poulatzas, 3 3 Embora acusado de obsolescência por alguns críticos – principalmente em razão de conservar o “Estado-Nação” ainda enquanto principal escala analítica para compreender as matrizes espaço-temporais da acumulação de capital —, Nicos Poulantzas atravessou diversas mudanças na sua trajetória intelectual, percebendo, em alguma medida, as transformações impostas pela internacionalização do capital (Motta, 2009 ), conforme se percebe no primeiro capítulo da sua obra Las clases sociales en el capitalismo actual , escrita em 1974. Conquanto sofra as limitações do contexto histórico em que foi elaborada, a obra de Poulantzas – especialmente o seu último livro, Estado, poder y socialismo , escrito em 1978 – deve ser lida enquanto um clássico da modernidade, uma vez que apresenta questões e fornece respostas que, embora não possam ser mais consideradas totalmente adequadas, subsidiam e orientam as análises estratégico-relacionais do Estado na direção correta, na medida em que permite a redisposição e reformulação dos seus conceitos diante de novos problemas de avaliação (Jessop, 2009 ). Claus Offe 4 4 Assim como no caso do trabalho de Poulantzas, embora também estejam marcadas pelos horizontes do momento político da sua constituição, as teorizações de Claus Offe oferecem subsídios para uma análise histórico-concreta das contradições estruturais básicas e dilemas estratégicos constantes na relação do capital, uma vez que as interfaces entre o Estado, o mercado e a sociedade civil serão sempre problemáticas (Jessop, 2008 ). e Bob Jessop, 5 5 Empenhado no trabalho de ressignificação e aprofundamento dos estudos de Poulantzas e Offe, Bob Jessop traz uma série de propostas analíticas sob o aspecto estratégico-relacional, propondo a compreensão do Estado capitalista contemporâneo a partir da sua especificidade histórica. estudiosos da interdependência constitutiva entre o formato organizativo das estruturas estatais e a materialidade da reprodução social na qual se desenvolve.

Por essa perspectiva, ao mesmo tempo em que o aparato burocrático estatal instaura um fracionamento do corpo social, garante a sua unidade enquanto ente representativo da vontade popular. A materialidade desse arcabouço normativo e eletivo pressupõe, portanto, a divisão homogênea e uniforme dos atores sociais enquanto elementos contínuos em sua atomização. Tal fracionamento, por sua vez, não emana unicamente de relações prévias entre detentores de mercadorias na sociedade civil — como sujeitos-indivíduos de relações contratuais em atuação no âmbito da circulação mercantil —, mas sim, e principalmente, das relações de produção e da divisão social do trabalho instaurada por essas relações (Poulantzas, 1980Poulantzas, N. Estado, poder y socialismo. 2.ed. Madrid: Siglo XXI, 1980. ).

Embora as estruturas das relações de produção não fundem diretamente tal fracionamento, induzem o processo de “individualização”, na medida em que constituem matrizes espaço-temporais calcadas em modelos materiais de referência, edificados sobre os pressupostos da divisão social capitalista do trabalho. Tais pressupostos reproduzem uma organização de espaço-tempo contínua e homogênea, e, concomitantemente, parcelada e fragmentada. Assim, esse arranjo organizativo — que para Poulantzas é o fundamento do taylorismo — pauta-se numa concepção de indivíduo que extrapola a própria constituição ideológica jurídico-política engendrada pelas relações mercantis. Apresenta-se, logo, enquanto ponto de cristalização material do encadeamento de práticas inerentes à divisão social do trabalho, fração que por sua vez estaria consubstanciada no próprio corpo humano (Poulantzas, 1980Poulantzas, N. Estado, poder y socialismo. 2.ed. Madrid: Siglo XXI, 1980. ).

Conceitos como os de “indivíduo” e de “liberdade” convertem-se, então, em ferramentas ideológicas responsáveis pela sustentação das relações de produção e acumulação por parte do Estado, que tem suas ações justificadas precisamente em razão de ele próprio reproduzir uma noção de sociedade baseada no interesse individual. Tal função se vê ofuscada pela aparente dissociação entre o econômico e o político no âmago da democracia liberal, primordialmente embasada na garantia de sufrágio universal na proporção de um voto por pessoa, dissimulando assim uma certa neutralidade do aparato estatal diante da concreticidade dos conflitos sociais (Harvey, 2007Harvey, D. Espacios del capital: hacia una geografía crítica. Madrid: Akal, 2007. ). Tal individualismo instaura, nesse plano, a percepção do real sobre a qual se apoiam as teorias hegemônicas da economia do setor público.

A perspectiva adotada pela Public Choice Theory , ao conceber a política como um processo realizado unicamente por negociações e contratos entre atores isolados, faz o Estado aparecer enquanto ente neutro e imparcial, situado acima dos conflitos sociais. A atenuação das ortodoxias pela New Institutional Economics , por sua vez, mesmo incorporando as instituições ao sistema econômico e revendo os postulados da racionalidade, não deixa de tentar instituir as “regras do jogo” — sob a forma constitucional —, buscando neutralizar os conflitos sociais mediante a constituição de articulações estratégicas voltadas para a diminuição das ineficiências ocorrentes na interação entre agentes maximizadores. A instituição de regras para reduzir a incerteza e a racionalidade limitada dos agentes reconsidera o papel do Estado, redefinindo seus pressupostos de legitimação, concebendo-o enquanto garantidor do cumprimento dos contratos e responsável pela contenção de oportunismos nas relações entre os agentes fragmentados. Sob a égide do mainstream, as estratégias de elaboração normativo-institucional edificam-se impulsionadas pelo interesse individual, considerado por essa perspectiva o motor primeiro do ser e das transformações sociais.

Para o neoinstitucionalimso — mesmo considerando que as instituições nascem no curso da história —, os arranjos institucionais apenas se estabelecem quando os benefícios privados da sua criação superam seus custos. Entende-se, desse modo, serem as instituições endógenas em relação às suas consequências (Przeworski; Wallerstein, 2005Przeworski, A.; Wallerstein, M. A última instância: as instituições são a causa primordial do desenvolvimento econômico? Novos Estudos Cebrap, n. 72, p. 59-77, 2005. ), na medida em que, aliadas ao ímpeto maximizador dos agentes privados, podem ser fonte da sua própria constituição. Entretanto, o ponto fraco dos fundamentos neoclássicos reside justamente em não vislumbrar nenhum contexto “pré-estratégico” à racionalidade. Sua dificuldade maior parece ser em explicar como as condições dadas produzem novas condições (Przeworski; Wallerstein, 1988Przeworski, A.; Wallerstein, M. O capitalismo democrático na encruzilhada. Novos Estudos Cebrap, n. 22, p. 29-44, 1988. ). Se essa própria escola reconhece que as condições iniciais moldam as condições sob as quais ocorrem o desenvolvimento subsequente — sendo as instituições, portanto, endógenas —, há de se mencionar que as instituições reproduzem a si mesmas, bloqueando as oportunidades de desenvolvimento que emergem exogenamente (Przeworski; Wallerstein, 2005Przeworski, A.; Wallerstein, M. A última instância: as instituições são a causa primordial do desenvolvimento econômico? Novos Estudos Cebrap, n. 72, p. 59-77, 2005. ). Assim, as condições históricas vigentes — e suas instituições — determinam então os limites sob os quais as ações podem alterar essas mesmas condições.

Por essas razões, os processos estruturais e instrumentais historicamente contingentes desempenham um papel fundamental na compreensão das políticas concretas empreendidas pelo Estado, o que não significa dizer, por outro lado, que este possa ser reduzido a um elemento passivo da história enquanto mero reflexo do modo de produção, pois, embora seja tentadora a percepção instrumental e estrutural do Estado, o primado filosófico de Marx assegura que a estrutura econômica e a superestrutura nascem simultaneamente, e não sequencialmente, constituindo-se, em verdade, por um processo de interação dialética entre a totalidade da formação social e a composição da máquina pública (Gold; Lo; Wright, 1985Gold, D. A.; Lo, C. Y. H.; Wright, E. O. Recientes desarollos en la teoría marxista del Estado capitalista. In: Offe, C. et al. Capitalismo y Estado. Madrid: Editorial Revolucion, 1985. p. 171-205. ; Harvey, 2007Harvey, D. Espacios del capital: hacia una geografía crítica. Madrid: Akal, 2007. ).

A perspectiva estratégico-relacional se opõe às concepções instrumentalistas de Estado (presentes em vertentes do marxismo, que têm na figura de Ralph Miliband ( 1988Miliband, R. El Estado en la sociedad capitalista. México: Siglo XXI, 1988. ) o seu principal expoente), arguindo não poder o ente público ser concebido enquanto mero instrumento de dominação da classe capitalista, pois as próprias contradições internas do Estado obstaculizam o desenvolvimento de uma política efetiva em função de interesses puramente capitalistas. O Estado não poderia ser visto como simples reflexo das relações econômicas de produção ou como ente capaz de intervir nessas relações como um ser externo a elas. Não se poderia falar, portanto, numa separação entre o econômico e o político, uma vez que é o próprio modo de produção — enquanto unidade de determinações econômicas, políticas e ideológicas — que promove a articulação entre o econômico e o político. A separação existente seria, então, uma separação “relativa” entre essas duas instâncias, constitutivamente condicionadas.

Longe de ser concebido como mero instrumento de dominação política, o Estado na realidade traz tal dominação inscrita na sua própria materialidade institucional, ou seja, conquanto suas ações não possam ser todas atribuídas a essa finalidade, estariam, por outro lado, constitutivamente marcadas por tal dominação, não havendo desse modo uma relação de exterioridade entre economia e Estado, por ser ele próprio intrinsecamente edificado no cerne das relações de produção (Poulantzas, 1980Poulantzas, N. Estado, poder y socialismo. 2.ed. Madrid: Siglo XXI, 1980. ). Assume, portanto, feições “adequadas” ao processo de acumulação, por meio de contornos estratégico-relacionais intrínsecos (Jessop, 2009Jessop, B. O Estado, o poder, o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno. Revista de Sociologia Política, v. 17, n. 33, p. 131-144, 2009. ).

A conveniência teórica das concepções que pregam uma exterioridade entre o econômico e o político ignora o fato de o Estado ser constituído no núcleo das relações de produção, tendo desde já um papel próprio na constituição dessas mesmas relações. Cumpre mencionar, destarte, que a separação relativa instaurada pelas relações de produção entre elas mesmas e o Estado capitalista é o fundamento da armação organizativa sob a qual este garante a sua reprodução oculta, introduzindo “pela porta traseira” as relações político-ideológicas e, ao mesmo tempo, assegurando a “pureza” original de autoengendramento dessas relações. A presença de cada Estado constitui-se, portanto, especificamente em relação a cada modo de produção, posto restar na sua própria realização constitutiva o papel de concentrar, condensar, materializar e encarnar as relações político-ideológicas nas relações de produção e na sua reprodução. Essa separação relativa entre o Estado e a economia consiste, em verdade, numa forma específica da presença do próprio Estado nas relações de produção capitalistas, edificando, dessa forma, a sua materialidade institucional e, por conseguinte, revelando um dos aspectos primordiais para a análise da sua dinâmica de funcionamento (Poulantzas, 1980Poulantzas, N. Estado, poder y socialismo. 2.ed. Madrid: Siglo XXI, 1980. ).

Segundo a percepção de Przeworski e Wallerstein ( 2005Przeworski, A.; Wallerstein, M. A última instância: as instituições são a causa primordial do desenvolvimento econômico? Novos Estudos Cebrap, n. 72, p. 59-77, 2005. ), qualquer dessas perspectivas teóricas apresentam limitações ao tentarem explicar as mudanças institucionais em sua endogeneidade. Para ele, de um lado a teoria marxista do capitalismo basear-se-ia na premissa de que o sistema opera no que chama de “piloto-automático” da competição entre os trabalhadores e da relação entre estes e os capitalistas; de outro, afirma terem os economistas neoclássicos — expoentes do neoinstiucionalismo — caído na armadilha de seguir a “história-padrão”, pautada na ideia de que as instituições produzem a si mesmas segundo os interesses dos atores que as ocupam.

Os apontamentos de Przeworski e Wallerstein ( 2005Przeworski, A.; Wallerstein, M. A última instância: as instituições são a causa primordial do desenvolvimento econômico? Novos Estudos Cebrap, n. 72, p. 59-77, 2005. ) remetem a duas necessárias ponderações. A primeira diz respeito à necessidade de uma atenta leitura acerca da “autonomia relativa do Estado” no cerne das relações de produção. Ao se conceber ontologicamente a realidade enquanto totalidade concreta, cujos determinantes se condicionam reciprocamente, parece não haver sentido em se perseguir uma causalidade linear entre as relações de produção e as instituições, uma vez que, conforme mencionado, o estatuto marxiano concebe o nascimento da estrutura econômica e da superestrutura como eventos simultâneos, e não sequenciais. Assim, a interdependência constitutiva entre a totalidade da formação social e a arquitetura institucional do ente público compõe-se dialeticamente na sua concretude, em regime de concomitância inerente à sua complexidade histórica.

A segunda ponderação, por sua vez, diz respeito à questão do “interesse”. O espírito estratégico de elaboração institucional guarda íntima relação com esse vetor de análise, merecendo, portanto, uma reflexão sobre como este se materializa no cerne das relações sociais e das próprias formulações teóricas. O mainstream toma o interesse individual atomizado como elemento central da elaboração institucional, cujo motor primeiro, segundo essa perspectiva, seria a racionalidade estratégica dos atores envolvidos. Isso não significa dizer, por outro lado, que, no âmbito de uma percepção totalizante, desapareceria a questão do “interesse”.

Em outro momento, Przeworski e Wallerstein ( 1988Przeworski, A.; Wallerstein, M. O capitalismo democrático na encruzilhada. Novos Estudos Cebrap, n. 22, p. 29-44, 1988. ) ponderam o dilema de se abandonar o pressuposto do interesse pessoal, uma vez que o outro pressuposto de que as pessoas são invariavelmente altruístas seria igualmente a-histórico. Apontam, nesse sentido, a necessidade de se focarem as análises na “relação existente entre as condições e as preferências” (Przeworski; Wallerstein, 1988Przeworski, A.; Wallerstein, M. O capitalismo democrático na encruzilhada. Novos Estudos Cebrap, n. 22, p. 29-44, 1988. , p. 6). Ainda se tratando desse tema, os autores buscam levantar outros pontos de objeção ente o marxismo e o individualismo metodológico, apontando, dentre outros, o próprio caráter histórico das preferências e o fato de alguns “jogos” não terem solução, dada a impossibilidade de ação racional num mundo marcado por irracionalidades.

Na realidade, a crítica ontológica denuncia a tomada do interesse individual enquanto célula fundadora do real, pois negligencia a determinação de um “interesse geral” inerente a um modo de produção e reprodução social específicos, expresso por meio de formatos organizativos inseridos na materialidade institucional do Estado. Por uma percepção totalizante, os “interesses” estratégicos que condicionam a elaboração desses arquétipos extrapolam, portanto, a figura do indivíduo, uma vez que se originam concomitantemente às bases materiais do sistema no qual estão inseridos. A questão do interesse estratégico problematiza-se, portanto, na medida em que sua origem ultrapassa a idealização da célula individual e advém concretamente da coerência estrutural engendrada pelas relações de produção.

Nos termos da New Institutional Economics , o espírito estratégico presente na elaboração de normas eficientes concebe o interesse como residente, precipuamente, na pessoa dos agentes. A mencionada dificuldade de explicação do contexto pré-estratégico advém justamente da pressuposição do legislador ideal puro — ainda remanescente da Public Choice Theory —, ocultando a percepção de um interesse predominante, intrínseco aos próprios formatos organizativos, por sua vez privilegiados pelas matrizes espaço-temporais tidas como “adequadas”. Tem-se, portanto, um interesse de ordem estrutural que, mediante o condicionamento recíproco entre o todo e a parte, vai constituindo de forma concreta e interdependente o interesse individual. Ao se admitir que a totalidade tem realidade em si — para além de um agregado de fragmentos —, é possível compreender o sujeito como ser estratégico, justamente por atuar num contexto total e materialmente estratégico que o condiciona reciprocamente.

As estratégias predominantes vão sendo então historicamente sedimentadas nas instituições, a partir de um movimento contraditório e interdependente de composição do autointeresse e do interesse geral, concretamente imbrincados. Percebe-se assim a endogeneidade histórica das instituições a partir de padrões organizativos condensados por estratégias anteriores, cujas forças políticas e econômicas atuantes permitiram-lhes uma maior capacidade de autorreprodução.

Com base nisso, a maximização das oportunidades de troca entre atores individuais constitui-se, então, numa sanção ao interesse geral de todas as classes sobre a base das relações capitalistas. A partir daí, a orientação das políticas públicas passa a girar em torno de cânones como a abertura de novos mercados e a proteção da economia doméstica diante de competidores externos, ou seja, as ações estatais são elaboradas em meio a uma preocupação com a preservação da forma mercantil de valor, por meio de estratégias que se manifestam no seu aparato institucional sob a forma de mecanismos autocorretores de mercado, ou, ainda, de medidas de proteção de valores mediante subsídios (Offe, 1990Offe, C. Contradiciones del Estado del bienestar. Madrid: Alianza Editorial, 1990. ).

No âmbito da economia do setor público, os países em desenvolvimento sofrem grandes pressões para ajustarem os contornos institucionais da sua política fiscal e tributária sob os cânones da eficiência econômica e da competitividade, como se tal intento representasse, de forma homogênea, o interesse de todos os indivíduos ou frações de classe. As orientações dos organismos multilaterais — em especial do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento — preconizam estratégias de elaboração normativo-institucional declaradamente fincadas sob os preceitos da New Institutional Economics e até da Public Choice Theory . A adesão aos pressupostos das teorias hegemônicas da economia do setor público — presente em grande parte dos materiais produzidos sob encomenda pelos organismos multilaterais — mostra-se evidente em documentos como: Fiscal Federalism in Latin America (Wiesner, 2003Wiesner, E. Fiscal federalism in Latin America: from entitlements to markets. Washington, DC: Inter-American Development Bank, 2003. ); Las Instituiciones Fiscales de Mañana (Banco Interamericano de Desarrollo, 2012Banco Interamericano de Desarrollo. Las instituciones fiscales del mañana: Instituciones para la gente. Washington, DC: BID, 2012. ); Local Governance in Develouping Countries (Shah, 2006Shah, A. Local governance in developing countries. Washington, DC: The World Bank, 2006. ).

Segundo essas orientações, o papel do Estado e o seu desenho institucional devem ser delineados consoante os parâmetros da “boa técnica fiscal”, ajustando-os ao ciclo econômico e tornando-os capazes de promover a estabilidade macroeconômica e o desenvolvimento no longo prazo. A missão atribuída aos governos nacionais e subnacionais propõe uma articulação estratégica de contenção da ampliação das desigualdades diante da competitividade internacional, minimizando os choques externos e perturbações sobre as redes de segurança social e distribuição de renda. Exige-se mais habilidade dos governos para superarem os problemas competitivos diante da mobilidade do capital (Shah, 2008Shah, A. Macro federalism and local finance. Washington, DC: The World Bank, 2008. ).

No caso do Brasil, por exemplo, algumas das orientações preconizam a eliminação das distorções do sistema tributário como forma de ampliar a competitividade do país (Banco Interamericano de Desarrollo, 2012Banco Interamericano de Desarrollo. Las instituciones fiscales del mañana: Instituciones para la gente. Washington, DC: BID, 2012. ; The World Bank, 2004 The World Bank. Implementation completion report (FSLT-71790) on a loan in the amount of us$ 404.04 million to the Federative Republic of Brazil for a Second Programmatic Fiscal Reform Loan (Fiscal Responsability and Tax Reform). Report n. 29508. Washington, DC: The World Bank, Jun. 2004. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/pt/775881468742181732/text/29508.txt . Acesso em: 26 mar. 2024.
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). As próprias propostas legislativas de alteração fazem menção a tais orientações, bem como consagram o suposto “interesse geral” em nome da eficiência econômica e da competitividade.

No curso dessas transformações, o ente público vai assumindo os contornos do chamado “Estado competitivo”, repaginando suas formas de atuação mediante o reescalonamento e a rearticulação das suas atividades, modificando o alcance e a natureza de algumas das suas funções. Esse processo estratégico de mobilização constitui-se num projeto estatal de visões hegemônicas alternativas, a partir do qual os Estados utilizam-se de distintas escalas de atuação, guardando um traço fundamental em comum: a autoimagem de promotores proativos da “competitividade” em seus respectivos espaços econômicos diante da, cada vez mais intensa, concorrência internacional. Trata-se, portanto, de um redesenho institucional global do regime de acumulação e do seu modo de regulação. Nesse contexto, os Estados envolvem-se num processo de internacionalização dos seus aparatos, buscando, a partir daí, derivar vantagens econômicas, políticas e sociais, tanto considerando as empresas multinacionais cuja matriz esteja instalada em seu território, como a criação de condições favoráveis à atração de novos investimentos, com positiva repercussão na coesão social (Jessop, 2008Jessop, B. El futuro del Estado capitalista. Madrid: Los Libros de La Catarata, 2008. ).

As estratégias desenhadas pelos organismos multilaterais inserem a competitividade como um preceito organizativo do próprio Estado, cujas matrizes espaço-temporais devem coadunar-se “adequadamente” aos contornos da produção e reprodução da nova espacialidade capitalista. As reformas institucionais em prol de um Estado competitivo demandam uma certa vigilância e pressão sobre os administradores públicos, como forma de garantir os níveis tidos como aceitáveis de produção competitiva. O documento Public Expenditure Analysis for Citizen-Centered Governance (Shah, 2005Shah, A. Public expenditure analysis for citizen-centered governance. Washington, DC: The World Bank, 2005. ), por exemplo, aduz a necessidade de reflexão sobre o tamanho do Estado, indicando até as formas mais participativas de gestão como modo de garantir maior competitividade ao setor público, calcada na transparência e atuação social, como mecanismos de governabilidade. Com a possibilidade de maior compartilhamento de informações, a própria concepção de política social, antes gestada de forma doméstica, vai se configurando como uma política de competição internacional, a ser desenhada em interface com outras nações e confundindo-se assim com a própria política econômica (Shah, 2008Shah, A. Macro federalism and local finance. Washington, DC: The World Bank, 2008. ). O dilema apontado indica que os países, ao se preocuparem demasiadamente com as disparidades domésticas, põem em risco a sua competitividade. O Relatório sobre o desenvolvimento mundial (The World Bank, 2009 The World Bank. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2009: Geografia econômica em transformação: visão geral. Washington, DC: The World Bank, 2009. Disponível em: https://acervo.enap.gov.br/cgi-bin/koha/opac-detail.pl?biblionumber=50434 . Acesso em: 15 abr. 2024.
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), mesmo quando admite a possibilidade de intervenção estatal em países em desenvolvimento, ressalta ser apenas até o momento em que as suas empresas estejam aptas a competirem.

Sendo o Estado concebido — tanto por marxistas como por liberais — enquanto o principal arquétipo institucional dotado da função de superar as contradições da sociedade capitalista avançada, a investigação da dicotomia entre “legitimidade” e “eficiência” no cerne das suas estruturas emerge como um percurso de possível contribuição para a controvérsia analítica existente em torno da elaboração das políticas públicas. No desenrolar dessa dicotomia, as funções de “legitimação” estariam mais relacionadas à expansão dos serviços sociais e investimentos em infraestrutura, enquanto as de “eficiência” voltadas para a organização em prol do alcance de metas explícitas, inclinadas à universalização da forma mercantil (Offe, 1990Offe, C. Contradiciones del Estado del bienestar. Madrid: Alianza Editorial, 1990. ).

O impulso de universalização da forma mercantil — ainda que se valendo também de formas não mercantis — faz uso da pretensa equalização da dicotomia “eficiência” versus “legitimidade” para conter o desenrolar das suas contradições. 6 6 Na medida em que Offe ( 1974 ) aborda os mecanismos seletivos, O’Connor ( 1977 ) examina o papel direto e indireto do Estado no processo de acumulação a partir da dicotomia entre as funções de “acumulação” e “legitimação”, concebendo as atividades estatais, para além de uma resposta externa à dinâmica de acumulação, intrínsecas a tal processo. Contudo, isso não se dá pura e simplesmente pelo resultado do antagonismo entre as forças oriundas dessas funções distintas no cerne da máquina pública. Além de um mero e exclusivo interesse de classe ou fração — delineado pelo instrumentalismo —, em realidade, os mecanismos voltados para a perpetuação das relações de produção e sua reprodução expressam-se por meio de estratégias legislativas e administrativas incrustadas no próprio aparato institucional do Estado, as quais inscrevem meios de “seletividade” nas suas articulações internas e organização das estruturas formais de conservação. Essas “seletividades estratégicas” vão, ao longo do tempo, institucionalizando as regras operativas de exclusão, mediante a composição de arranjos que trazem intrinsecamente a definição do que poderia ser considerado como efetivamente necessário ou não na elaboração das políticas públicas, conservando, dessa forma, os elementos essenciais à reprodução do sistema de acumulação (Offe, 1974Offe, C. Structural problems of the capitalist state: Class rule and the political system. On the selectiveness of political institutions. German Political Studies, v. 1, p. 31-54, 1974. ).

Materializa-se, assim, uma espécie de filtro sistêmico que dá aos processos político-administrativos um interesse específico em direção à reprodução do sistema de acumulação, delineando os objetivos estratégicos das políticas públicas em conformidade com um padrão de racionalidade garantidor de um escopo restrito de possibilidades. A inclinação à perpetuação das relações de produção manifesta-se, desse modo, por meio dos próprios dispositivos de seleção ancorados na estrutura interna do Estado capitalista (Offe, 1974Offe, C. Structural problems of the capitalist state: Class rule and the political system. On the selectiveness of political institutions. German Political Studies, v. 1, p. 31-54, 1974. ).

Vale ressaltar, entretanto, que a identificação das regras de seleção no sistema político deve pautar-se primeiramente numa “seletividade geral” inscrita nas suas instituições, as quais, por seu turno, nem sempre apresentam uma correspondência sistemática com interesses de classe específicos, haja vista o fato de as próprias contradições internas do Estado impedirem o desenvolvimento de uma política efetiva em função de todas as frações do capital. Nas palavras de Offe ( 1974Offe, C. Structural problems of the capitalist state: Class rule and the political system. On the selectiveness of political institutions. German Political Studies, v. 1, p. 31-54, 1974. ), os caracteres de classe presentes na governança política afiguram-se em estrutural cumplicidade com os interesses do capital em sua totalidade, não sendo possível, entretanto, a construção de uma teoria voltada para a objetivação das funções estatais em face da especificidade dos interesses de cada fração do capital. Isso se dá em razão de, ao longo do tempo, as necessidades de o sistema de acumulação apontarem para a construção de mecanismos seletivos, os quais carecem cada vez menos de um manejo direto pelas classes ou frações dominantes (Gold; Lo; Wright, 1985Gold, D. A.; Lo, C. Y. H.; Wright, E. O. Recientes desarollos en la teoría marxista del Estado capitalista. In: Offe, C. et al. Capitalismo y Estado. Madrid: Editorial Revolucion, 1985. p. 171-205. ; Offe, 1974Offe, C. Structural problems of the capitalist state: Class rule and the political system. On the selectiveness of political institutions. German Political Studies, v. 1, p. 31-54, 1974. ). A estratégia de acumulação se volta, dessa forma, para a resolução de conflitos entre as necessidades das frações do capital por meio da constituição de um “interesse econômico geral”, baseando taticamente a sua dinâmica de funcionamento num compromisso institucionalizado entre forças sociais opostas para coordenar suas atividades entre as distintas ordens institucionais, privilegiando determinados interesses, identidades e horizontes espaço-temporais e, ao mesmo tempo, marginalizando outros (Jessop, 2008Jessop, B. El futuro del Estado capitalista. Madrid: Los Libros de La Catarata, 2008. ). É ainda Jessop, em El futuro de Estado capitalista , que chama a atenção para o fato de que as estratégias de acumulação se formam em escalas bem diferentes, podendo variar desde as unidades de uma empresa até a formação de um bloco nacional ou supranacional.

Tal impulso contribui para o desenho dos arranjos institucionais segundo orientações econômicas inscritas numa forma de governança constituída sob a lógica da acumulação de capital, a qual concretamente oferece essa nova conformação institucional como um novo lugar de encontro entre as lógicas advindas do mercado e do não-mercado em seu equilíbrio contraditório. Nesse panorama, a figura do Estado assume o destacado papel de constituir arranjos organizativos capazes de proporcionar as condições de auto-organização que permitam a compensação das “falhas”, tanto de mercado como de Estado, consoante as exigências do padrão de acumulação historicamente constituído (Jessop, 2000Jessop, B. The crisis of the national spatio-temporal fix and the tendential ecological dominance of globalizing capitalism. International Journal of Urban and Regional Research, v. 24, n. 2, p. 323-360, 2000. , 2008Jessop, B. El futuro del Estado capitalista. Madrid: Los Libros de La Catarata, 2008. , 2010Jessop, B. The “return” of the national state in the current crisis of the work market. Capital and Class, v. 34, n. 1, p.38-43, 2010. ).

A desnecessidade de um manejo direto pelas classes ou frações hegemônicas — bem nos termos da New Institutional Economics — chega a se consubstanciar em orientações multilaterais por meio da instituição de regras fiscais baseadas em “estabilizadores automáticos”, reduzindo a discricionariedade das autoridades administrativas e a capacidade interventiva do ente público na suavização do ciclo econômico. Os “estabilizadores automáticos” funcionariam como dispositivos que produziriam, simultaneamente, um aumento do gasto e uma diminuição dos tributos numa etapa recessiva do ciclo econômico, e vice-versa — um aumento dos tributos e uma diminuição do gasto numa etapa expansiva (Banco Interamericano de Desarollo, 2012Banco Interamericano de Desarrollo. Las instituciones fiscales del mañana: Instituciones para la gente. Washington, DC: BID, 2012. ). Tais preceitos revelam, por assim dizer, os pressupostos planificados de racionalidade linear sob os quais se fundam essas prescrições, uma vez que desconsideram as peculiaridades dos espaços nos quais serão implementadas sem se apropriar do seu nível de desenvolvimento, da correlação das forças produtivas então presente e das respectivas necessidades concretas de investimento. Em determinados locais, por exemplo, o custo de produção pode ser alto, o que sem o auxílio do investimento público pode ensejar uma migração do capital produtivo para o capital rentista, aprofundando ainda mais as disparidades quanto ao desenvolvimento.

Embora as estratégias de elaboração normativo-institucional cheguem a considerar a reestruturação produtiva global como um fator de impacto — principalmente aquelas preceituadas pelos organismos multilaterais —, não problematizam serem as mesmas constitutivamente interdependentes ao estágio organizativo da máquina pública. Com seus pressupostos fincados nos referenciais hegemônicos, os relatórios e cartilhas estratégicas até conseguem identificar alguns dos efeitos das principais transformações contemporâneas, porém com extrema dificuldade de alcançar os seus determinantes pré-estratégicos. Delegam ao Estado o papel de conter distorções ineficientes, sem perceberem que estas se tratam, em realidade, da manifestação de contradições materiais intrínsecas, a partir das quais o próprio Estado foi gestado enquanto parte de uma totalidade concreta cuja materialidade se constitui em interdependência com a correlação das forças produtivas, o estágio de desenvolvimento, e as instituições preexistentes, todos condensados na conformação do interesse econômico geral e na predominância de suas matrizes organizativas.

Considerações Finais

Os percalços analíticos identificados no cerne da Public Choice Theory e da New Institutional Economics consistem em questões de resolução propriamente metodológica e, por assim dizer, ontológica. A discussão tratada pela ontologia crítica propõe a apreensão dos fenômenos estudados enquanto produto e produtores de condições históricas estabelecidas. Busca conceber novamente a idealização abstrata de um indivíduo maximizador, direcionando-se analiticamente para a materialidade concreta do contexto investigado, cujas transformações são engendradas por contradições em processo e não meramente por agentes planificados em busca dos seus autointeresses. A percepção totalizante desvela o interesse econômico geral enquanto categoria analítica concreta, perseguindo os fundamentos da racionalidade intrínseca às estratégias de elaboração normativo-institucional na composição da arquitetura estatal.

A internalização da racionalidade econômica no processo de elaboração normativo-institucional propõe arranjos sócio-organizativos em realidade voltados para a contenção das contradições e conflitos sociais intrínsecos à reprodução do sistema de acumulação. Embora não se possa negar a influência exercida pelas teorias hegemônicas no desenho da correlação das forças produtivas, seus pressupostos baseiam-se em fundamentos metodológicos/ontológicos reducionistas de apreensão do real em sua materialidade concreta.

Destarte, a dita influência exercida por essas escolas não advém da sua pretensa capacidade de percepção dos processos sociais concretos, mas sim do fato de constituírem-se em mecanismos tendentes a garantirem a reprodução de orientações estratégicas hegemonicamente estabelecidas. Dessa forma, dada a historicidade com que emergem as conveniências teóricas do mainstream, seus pressupostos e preceitos organizativos devem ser concebidos não como fundamentos ideais hierarquicamente superiores de percepção do real, ou, ainda, como alicerces de uma perspectiva apta a captar as interações sociais concretas, mas sim enquanto mecanismos de reprodução do seu próprio objeto, ou seja, como instrumentos de implementação e legitimação dos projetos hegemônicos supervenientes em cada conjuntura.

Poder-se-ia arguir, nesse sentido, ser a ontologia crítica marxiana também gestada sob condições históricas específicas, guardando, portanto, pressupostos e inclinações teórico-metodológicas preestabelecidas. Parece residir aí o cerne da questão. Assim como as teorias hegemônicas, a ontologia crítica marxiana — e, por conseguinte, a perspectiva estratégico-relacional do Estado — não se reveste de neutralidade. Aliás, esta, por seu turno, reconhece a concreticidade do seu próprio surgimento ao pôr em xeque o crivo gnosio-epistêmico da cientificidade racional. Fundada sobre uma arquitetônica reflexiva própria, concebe a historicidade do sujeito cognoscente como produto da própria interdependência constitutiva entre o todo e a parte. Nesse sentido, sugere a apreensão do real a partir das suas próprias contradições materiais objetivas, dada a prioridade do ser sobre a consciência. Assim, eventual subjetividade que lhe venha a ser atribuída na abstração das categorias concretas é não somente admitida como propriamente integrante da sua perspectiva ontológica.

Não menos subjetivo mostra-se o estabelecimento das categorias a priori, de que se servem as teorias hegemônicas em seus pressupostos individualistas atomizados. Domesticadas pelo apriorismo kantiano, essas escolas de pensamento carregam a subjetividade daquele que idealiza seus conceitos e planifica a racionalidade estratégica em fragmentos isomorfos, imaginando assim contraditoriamente desgarrar seu processo cognitivo da sua posição enquanto sujeito histórico, em nome da pretensa pureza dos seus argumentos. A imposição de prioridade do método sobre o objeto, ao almejar certo distanciamento científico do sujeito — como forma de garantir um rigor analítico na percepção dos fenômenos sociais —, acaba, paradoxalmente, distanciando-o do chamado complexo ser-mesmo-assim da realidade. O saber hegemônico ofusca, dessa forma, a apreensão das determinações integrantes da materialidade institucional do Estado em seus diferentes contornos estratégicos.

A constituição de arranjos institucionais voltados para a maximização da eficiência na interação horizontal entre os atores (públicos e/ou privados), embora ofereça uma nova estruturação organizativa, constitui-se apenas em um novo espaço de manifestação dos conflitos sociais. Assim, as seletividades estratégicas estruturalmente inscritas na materialidade institucional do Estado seguem marcadamente influenciando não só a composição desses arranjos, mas as próprias condições de produção e legitimação do conhecimento a seu respeito.

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  • CLASSIFICAÇÃO JEL:

    B50; H30.
  • JEL CODES:

    B50; H30.
  • 1
    A respeito da “teoria dos jogos”, North ( 1993 North, D. The new institutional economics and development. Economic History, n. 9309002, 1993. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309002.html . Acesso em: 25 mar. 2012.
    http://ideas.repec.org/p/wpa/wuwpeh/9309...
    ) pondera que as soluções cooperativas são mais prováveis de acontecer quando o jogo é, caracteristicamente, repetido, quando os jogadores têm a informação completa sobre o desempenho dos demais, e ainda, na ocasião em que há um pequeno número de jogadores.
  • 2
    Vale registrar que para esta pesquisa as considerações de Lukács são tomadas como de maior contribuição.
  • 3
    Embora acusado de obsolescência por alguns críticos – principalmente em razão de conservar o “Estado-Nação” ainda enquanto principal escala analítica para compreender as matrizes espaço-temporais da acumulação de capital —, Nicos Poulantzas atravessou diversas mudanças na sua trajetória intelectual, percebendo, em alguma medida, as transformações impostas pela internacionalização do capital (Motta, 2009Motta, L. E. Nicos Poulantzas, 30 anos depois. Revista de Sociologia e Política, v. 17, n. 33, p. 221-228, 2009. ), conforme se percebe no primeiro capítulo da sua obra Las clases sociales en el capitalismo actual , escrita em 1974. Conquanto sofra as limitações do contexto histórico em que foi elaborada, a obra de Poulantzas – especialmente o seu último livro, Estado, poder y socialismo , escrito em 1978 – deve ser lida enquanto um clássico da modernidade, uma vez que apresenta questões e fornece respostas que, embora não possam ser mais consideradas totalmente adequadas, subsidiam e orientam as análises estratégico-relacionais do Estado na direção correta, na medida em que permite a redisposição e reformulação dos seus conceitos diante de novos problemas de avaliação (Jessop, 2009Jessop, B. O Estado, o poder, o socialismo de Poulantzas como um clássico moderno. Revista de Sociologia Política, v. 17, n. 33, p. 131-144, 2009. ).
  • 4
    Assim como no caso do trabalho de Poulantzas, embora também estejam marcadas pelos horizontes do momento político da sua constituição, as teorizações de Claus Offe oferecem subsídios para uma análise histórico-concreta das contradições estruturais básicas e dilemas estratégicos constantes na relação do capital, uma vez que as interfaces entre o Estado, o mercado e a sociedade civil serão sempre problemáticas (Jessop, 2008Jessop, B. El futuro del Estado capitalista. Madrid: Los Libros de La Catarata, 2008. ).
  • 5
    Empenhado no trabalho de ressignificação e aprofundamento dos estudos de Poulantzas e Offe, Bob Jessop traz uma série de propostas analíticas sob o aspecto estratégico-relacional, propondo a compreensão do Estado capitalista contemporâneo a partir da sua especificidade histórica.
  • 6
    Na medida em que Offe ( 1974Offe, C. Structural problems of the capitalist state: Class rule and the political system. On the selectiveness of political institutions. German Political Studies, v. 1, p. 31-54, 1974. ) aborda os mecanismos seletivos, O’Connor ( 1977O’Connor, J. USA: a crise do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ) examina o papel direto e indireto do Estado no processo de acumulação a partir da dicotomia entre as funções de “acumulação” e “legitimação”, concebendo as atividades estatais, para além de uma resposta externa à dinâmica de acumulação, intrínsecas a tal processo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2022
  • Aceito
    08 Nov 2023
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