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Curvas de hemoglobina ao longo da gestação antes e após a fortificação de farinhas com ferro* * Extraído da tese "Avaliação dos níveis de hemoglobina de gestantes brasileiras antes e após a fortificação de farinhas com ferro", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2013.

Resumos

Objetivo: Avaliar o nível de hemoglobina-Hb ao longo da gestação antes e após a fortificação de farinhas com ferro. Método: Estudo transversal com dados de 12.119 gestantes atendidas em pré-natal público de municípios das cinco macrorregiões do Brasil. Formaram-se dois grupos: Antes-fortificação (parto anterior a jun/2004) e Após-fortificação (última menstruação posterior a jun/2005). Curvas de Hb foram comparadas com referências nacional e internacional. Construíram-se modelos de regressão polinomial, com nível de significância de 5%. Resultados: Apesar dos níveis superiores de Hb em todos os meses gestacionais após-fortificação, a regressão polinomial não mostrou efeito da fortificação (p=0,3). As curvas dos dois grupos mostraram-se acima das referências no primeiro trimestre, com queda a seguir e estabilização no final da gestação. Conclusão: Apesar de não constatar efeito da fortificação, o estudo apresenta variação dos níveis de Hb durante a gravidez, importante para a prática assistencial e avaliação das políticas públicas. 


Anemia ferropriva
; Gestantes; Cuidado pré-natal
; Enfermagem materno-infantil
; Alimentos fortificados



Objective: To assess the level of hemoglobin-Hb during pregnancy before and after fortification of flours with iron. Method: A cross-sectional study with data from 12,119 pregnant women attended at a public prenatal from five macro regions of Brazil. The sample was divided into two groups: Before-fortification (birth before June/2004) and After-fortification (last menstruation after June/2005). Hb curves were compared with national and international references. Polynomial regression models were built, with a significance level of 5%. Results: Although the higher levels of Hb in all gestational months after-fortification, the polynomial regression did not show the fortification effect (p=0.3). Curves in the two groups were above the references in the first trimester, with following decrease and stabilization at the end of pregnancy. Conclusion: Although the fortification effect was not confirmed, the study presents variation of Hb levels during pregnancy, which is important for assistencial practice and evaluation of public policies.


Anemia, iron-deficiency; Pregnant women; Prenatal care
; Maternal-child nursing
; Food, fortified



Objetivo: Evaluar el nivel de hemoglobina (Hb) durante el embarazo antes y después de la fortificación de la harina con hierro. Método: Estudio transversal con datos de 12.119 mujeres embarazadas que acuden a consultas prenatales públicas en municipios de las cinco macro-regiones de Brasil. Se formaron dos grupos: Antes de la Fortificación (parto antes de junio de 2004) y Después de la Fortificación (última menstruación después de junio de 2005). Las Curvas de Hb se compararon con referencias nacionales e internacionales. Se construyeron modelos de regresión polinomial, con nivel de significancia del 5%. Resultados: A pesar de altos niveles de Hb en todos los meses Después de la Fortificación, la regresión polinómica no mostró efecto de la fortificación (p=0,3). Las curvas de los dos grupos estaban por encima de las referencias en el primer trimestre, para luego caer y posteriormente estabilizarse al final del embarazo. Conclusión: Aunque no se observó efecto de la fortificación, el estudio muestra variaciones en los niveles de Hb durante el embarazo, lo que es importante para la práctica asistencial y la evaluación de las políticas públicas.


Anemia ferropénica
; Mujeres embarazadas
; Atención prenatal
; Enfermería maternoinfantil
; Alimentos fortificados



Introdução

A gravidez é um momento particular na vida da mulher, marcada por inúmeros ajustes fisiológicos e anatômicos em um curto espaço de tempo. A expansão do volume plasmático materno e da massa celular vermelha é necessária para a produção de líquido amniótico fetal, para aumentar a capacidade total de ligação do sangue com o oxigênio e para facilitar a distribuição de oxigênio nos tecidos(101 1.Lee AI, Okam MM. Anemia in pregnancy. Hematol Oncol Clin North Am 2011;25(2):241-59). Além disso, esse aumento supre a demanda do sistema vascular hipertrofiado do útero para proteger mãe e feto de efeitos deletérios decorrentes da queda do débito cardíaco e, principalmente, para resguardar a mãe das perdas sanguíneas associadas ao parto e puerpério(202 2.Souza AI, Batista Filho M, Ferreira LOC. Alterações hematológicas e gravidez. Rev Bras Hematol Hemoter. 2002;24(1):29-36).


Em mulheres com estado nutricional adequado de ferro, o nível de hemoglobina (Hb) começa a declinar no final do primeiro trimestre, e alcança o valor mais baixo ao final do segundo trimestre (24ª a 32ª semanas de gestação), com um discreto aumento durante o terceiro trimestre de gestação, explicado pelas mudanças do volume plasmático e da massa celular vermelha(303 3.Milman N. Iron and pregnancy: a delicate balance. Ann Hematol. 2006;85(9):559-65). Devido à elevada demanda de ferro durante a gravidez, faz parte das atividades de atenção à gestante, a suplementação medicamentosa do mineral a partir da 20ª semana gestacional(404 4.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília; 2012). Entretanto, a prevalência de anemia ainda é elevada, afetando cerca de 30 a 40% das gestantes, com grande variabilidade(505 5.Batista Filho M, Souza AI, Bresani CC. Anemia como problema de saúde pública: uma realidade atual. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;13(6):1917-22.-606 6.Côrtes MH, Vasconcelos IAL, Coitinho DC. Prevalência de anemia ferropriva em gestantes brasileiras: uma revisão dos últimos 40 anos. Rev Nutr. 2009;22(3):409-18), e a depender do trimestre gestacional(707 7.Fujimori E, Sato APS, Araújo CRMA, Uchimura TT, Porto ES, Brunken GS, et al . Anemia in pregnant women from two cities in the South and Mid-West Regions of Brazil. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2014 Jan 22];43(n.spe2):1204-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2/en_a10v43s2.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe2...
).


A anemia materna aumenta o risco de parto prematuro e baixo peso ao nascer. Estudo de revisão mostrou que a anemia severa associa-se a recém-nascidos com baixo peso, seja decorrente de prematuridade ou de restrição de crescimento(808 8.Abu-Saad K, Fraser D. Maternal nutrition and birth outcomes. Epidemiol Rev. 2010; 32(1):5-25). Também há evidências de que a detecção precoce e o tratamento eficaz da anemia na gravidez associam-se à redução da anemia e desnutrição na infância e adolescência e melhoria na altura adulta(909 9.Kalaivani K. Prevalence and consequences of anaemia in pregnancy. Indian J Med Res. 2009;130(5):627-33.). Assim, reforça-se a importância da avaliação da anemia na assistência pré-natal.


Com vistas a contribuir para o controle da anemia no país, o Ministério da Saúde do Brasil instituiu a fortificação compulsória das farinhas de trigo e milho com ferro a partir de julho de 2004(1010.Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 344, de 13 de dezembro de 2002. Aprova o Regulamento Técnico para a Fortificação das Farinhas de Trigo e das Farinhas de Milho com Ferro e Ácido Fólico, constante do anexo desta Resolução [Internet]. Brasília; 2002 [citado 2014 Jan 22]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/f851a500474580668c83dc3fbc4c6735/RDC_344_2002.pdf?MOD=AJPERES
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/conn...
). O efeito dessa medida em gestantes brasileiras apontou queda significativa na prevalência de anemia, com médias significativamente mais elevadas de Hb após a fortificação(1111.Fujimori E, Sato APS, Szarfarc SC, Veiga GV, Oliveira VA, Colli C, et al. Anemia em gestantes brasileiras antes e após a fortificação das farinhas com ferro. Rev Saúde Pública. 2011;45(6):1027-35), porém não se analisou a resposta a essa intervenção, considerando as alterações fisiológicas da gravidez e o aumento das demandas de ferro.


É pertinente avaliar o comportamento do nível de Hb ao longo dos meses de gestação, antes e após a fortificação de farinhas com ferro, objetivo do presente estudo.


Método

Este estudo integra uma ampla investigação transversal realizada com dados retrospectivos de prontuários de 12.119 gestantes atendidas em serviços públicos de pré-natal localizados em 13 municípios das cinco regiões geográficas do Brasil. As gestantes foram divididas em dois grupos: Antes-fortificação de farinhas com ferro (gestantes com parto realizado antes de junho de 2004), e Após-fortificação (gestantes com data da última menstruação posterior a junho de 2005).


A coleta de dados ocorreu no período de 2006 a 2008 e incluiu apenas gestantes de baixo risco, cujos prontuários continham pelo menos a data da primeira consulta de pré-natal e da última menstruação e a dosagem de Hb.


A variável dependente foi o nível de Hb (g/dL) e as variáveis independentes foram: grupo (Antes e Após-fortificação), região geográfica, características sociais e demográficas (idade e situação conjugal), antecedentes obstétricos (número de gestações anteriores e história de aborto) e características do pré-natal (idade gestacional e estado nutricional na primeira consulta de pré-natal).


Como os dados de Hb referiram-se ao exame solicitado na 1ª consulta pré-natal, o presente estudo pressupôs que as gestantes, mesmo aquelas no segundo ou terceiro trimestre, por não estarem em acompanhamento pré-natal até então, não haviam recebido orientação para uso da suplementação, recomendada a partir da 20ª semana de gestação.


Os níveis de Hb segundo a idade gestacional foram descritos por meio de médias, desvio-padrão e Intervalos de Confiança de 95%. Curvas de Hb segundo a idade gestacional em meses foram construídas para o total das gestantes e de forma estratificada por grupo de fortificação. Utilizou-se o teste t de Student para a comparação de médias de Hb antes a após a fortificação.


Para ajuste das curvas de Hb segundo o mês de gestação e as variáveis independentes foram construídos modelos de regressão polinomial, sendo a variável dependente o nível de Hb. Realizou-se a modelagem por técnica de regressão, do modelo linear ao modelo de terceira ordem. A escolha do modelo foi baseada no nível descritivo (p<0,05) e na análise de resíduos, para verificação da significância do modelo e da suposição de homocedasticidade, respectivamente. O nível de significância de todos os testes foi de 5%.


As curvas de Hb foram comparadas com o ponto de corte proposto pela World Health Organization (WHO)(1212.World Health Organization (WHO). Iron deficiency anaemia: assessment, preventing, and control. A Guide for Programme Managers. Geneva: WHO; 2001) para definição de anemia em gestantes (<11,0g/dL) e com duas curvas, uma internacional e uma nacional. Comparou-se com a curva do Centers for Diseases Control and Prevention (CDC)(1313.Centers for Diseases Control and Prevention (CDC). Current trends CDC criteria for anemia in children and childbearing-age women. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1989;38(22):400-4
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), que propõe pontos de corte específicos (percentil 5) por mês gestacional para gestantes suplementadas com ferro; e comparou-se também com o modelo de distribuição de Hb encontrado nos estudos de Szarfarc et al.(1414.Szarfarc SC, Siqueira AAF, Martins IS. Avaliação da concentração de ferro orgânico em uma população de grávidas. Rev Saúde Pública. 1983;17(3):200-7-1515.Szarfarc SC. Anemia nutricional entre gestantes atendidas em centros de saúde, São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública. 1985;19(5):450-7) com gestantes brasileiras não suplementadas com ferro, que utiliza o percentil 7 para estabelecer risco.


O estudo foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (Processo nº 521/2006).


Resultados

A Tabela 1 apresenta os níveis de Hb conforme mês de gestação segundo o grupo de fortificação. Verificou-se que ambos os grupos apresentam queda importante a partir do primeiro trimestre de gestação. Os níveis de Hb foram estatisticamente mais elevados no grupo Após-fortificação (p<0,005), em todos os meses, exceto no início (<3º mês) e final da gestação (≥8º mês).


Tabela 1
Média, desvio-padrão e IC95% dos níveis de Hb conforme mês gestacional e grupos Antes e Após a fortificação, Brasil, 2006 a 2008

Por meio de um modelo de regressão polinomial cúbico (Tabela 2), estimou-se uma curva de Hb ajustada por mês de gestação (Figura 1). Constatou-se que a fortificação não apresentou significância estatística no modelo múltiplo, independentemente da região geográfica, idade, situação conjugal, IMC na primeira consulta de pré-natal e número de gestações anteriores, variáveis que associaram-se significativamente com os níveis de Hb (Tabela 2).


Tabela 2
Parâmetros do modelo polinomial para níveis médios de Hb de acordo com mês de gestação, grupo de fortificação, região geográfica, idade, situação conjugal, IMC e número de gestações anteriores, Brasil, 2006 a 2008

Figura 1

Curvas de Hb por mês de gestação, observada e ajustada por grupo de fortificação, região geográfica, idade, situação conjugal, IMC, gestações anteriores, Brasil, 2006 a 2008


Comparou-se a curva de Hb das gestantes estudadas com o ponto de corte da WHO e com as duas curvas, internacional (CDC) e nacional (Szarfarc et al.) (Figura 2).


Figura 2

Comparação das curvas de Hb antes e após a fortificação com os níveis críticos de Szarfarc et al., CDC e WHO, Brasil – 2006 a 2008


A Figura 2 mostra que no 1º trimestre da gestação ambos os grupos Antes e Após-fortificação apresentaram níveis de Hb superiores aos níveis críticos das curvas de referência. A partir desse período, no entanto, ocorreu queda importante dos níveis de Hb. O grupo Após-fortificação atingiu os níveis críticos de Szarfarc et al. aos seis meses, mantendo-se assim até o final da gravidez. No grupo Antes-fortificação, a queda dos níveis de Hb atingiram os níveis críticos de Szarfarc et al. a partir dos cinco meses, porém permaneceram acima do ponto de corte da WHO. Entretanto, ressalta-se que os níveis de Hb de ambos os grupos estudados não acompanharam o aumento dos níveis de Hb observados na curva do CDC a partir do 7º mês, nem da curva de Szarfarc et al. a partir do 8º mês.


Discussão

Os resultados mostraram níveis de Hb mais elevados no grupo Após-fortificação em todos os meses de gestação, exceto no início (<3º mês) e final da gestação (≥8º mês), porém sem diferença estatística significativa pelo modelo de regressão polinomial, resultado que sugere ausência do efeito da estratégia de fortificação das farinhas com ferro no nível de Hb ao longo da gestação de mulheres brasileiras.


Embora a fortificação de alimentos seja positivamente avaliada em vários países, essa assertiva não é clara para a fortificação de alimentos com ferro(1616.Darnton-Hill I, Nalubola R. Fortification strategies to meet micronutrient needs: successes and failures. Proc Nutr Soc. 2002;61(2):231-41). Além disso, há que se considerar que os reais efeitos dessa política ainda não são claros, uma vez que declínios na prevalência de anemia podem resultar de mudanças estruturais nas condições de vida e, portanto, na oferta de alimentos, nos padrões alimentares e na melhoria do acesso a serviços de saúde.


Deve-se acrescentar que são necessárias intervenções conjuntas para reduzir a anemia ferropriva no país, de forma que são recomendados a educação nutricional, o suplemento medicamentoso e a fortificação de alimentos com ferro.


Estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA) com o objetivo de quantificar o potencial efeito da fortificação de alimentos com ferro, que utilizou modelos para construir uma simulação com capacidade de separar os efeitos da fortificação de outras variáveis, tais como fornecimento de alimentos e hábitos alimentares, constatou que sem a fortificação, a anemia por deficiência de ferro aumentaria de 2 a 5% entre pré-escolares, meninas adolescentes e mulheres em idade reprodutiva. No entanto, não teria efeito em homens, mulheres e crianças nas demais faixas etárias(1717.Tao M, Pelletier DL, Miller DD. The potential effect of iron defortification on iron-deficiency anaemia in the US population. Public Health Nutr. 2007;10(11):1266-73).


Estudos brasileiros apresentam duas hipóteses para a baixa efetividade da fortificação das farinhas no país. A primeira refere-se ao baixo consumo dos alimentos fortificados, reiterada na Pesquisa de Orçamentos Familiares POF (2004), especialmente entre a população de mais baixa renda (<2 salários mínimos/família). O segundo aspecto diz respeito à baixa biodisponibilidade dos compostos de ferro que estão sendo utilizados na fortificação e cuja absorção sofre elevada influência de inibidores para seu aproveitamento(1111.Fujimori E, Sato APS, Szarfarc SC, Veiga GV, Oliveira VA, Colli C, et al. Anemia em gestantes brasileiras antes e após a fortificação das farinhas com ferro. Rev Saúde Pública. 2011;45(6):1027-35,1818.Szarfarc SC. Políticas públicas para o controle da anemia ferropriva. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32 Supl. 2:2-8).


Avaliar os níveis de Hb ao longo da gestação é, pois, fundamental, visto que diferenças nas estimativas de prevalência de anemia podem ser resultado da variação da idade gestacional no momento do exame de sangue(1919.McLean E, Cogswell M, Egli I, Wojdyla D, Benoist B. Worldwide prevalence of anaemia. WHO Vitamin and Mineral Nutrition Information System, 1993-2005. Public Health Nutr. 2009;12(4):444-54).


A importante queda do nível de Hb observado a partir do primeiro trimestre de gestação é um comportamento constatado em outros estudos(2020.van Buul EJ, Steegers EA, Jongsma HW, Eskes TK, Thomas CM, Hein PR. Haematological and biochemical profile of uncomplicated pregnancy in nulliparous women; a longitudinal study. Neth J Med. 1995;46(2):73-85

21.Knight EM, Spurlock BG, Edwards CH, Johnson AA, Oyemade UJ, Cole OJ, et al. Biochemical profile of African American woman during three trimesters of pregnancy and at delivery. J Nutr. 1994;124(6 Suppl):943-53
-2222. Milman N, Byg KE, Agger AO. Reference values for hemoglobin and erythrocyte indices during normal pregnancy in 206 women with and without iron supplementation. Acta Obstet Gynecol Scand. 2000;79(2)89-98), inclusive no modelo de distribuição da Hb de gestantes brasileiras(1414.Szarfarc SC, Siqueira AAF, Martins IS. Avaliação da concentração de ferro orgânico em uma população de grávidas. Rev Saúde Pública. 1983;17(3):200-7) e também em nível internacional(1313.Centers for Diseases Control and Prevention (CDC). Current trends CDC criteria for anemia in children and childbearing-age women. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1989;38(22):400-4
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). Tais mudanças sugerem que o diagnóstico de anemia considere valores específicos de Hb segundo o mês gestacional(303 3.Milman N. Iron and pregnancy: a delicate balance. Ann Hematol. 2006;85(9):559-65,1313.Centers for Diseases Control and Prevention (CDC). Current trends CDC criteria for anemia in children and childbearing-age women. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1989;38(22):400-4
http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/conn...
). Assim, estudo com mulheres dinamarquesas saudáveis apontou como níveis críticos de Hb o valor de 11,0g/dL no primeiro trimestre e 10,5g/dL no segundo e terceiro trimestres de gestação(2222. Milman N, Byg KE, Agger AO. Reference values for hemoglobin and erythrocyte indices during normal pregnancy in 206 women with and without iron supplementation. Acta Obstet Gynecol Scand. 2000;79(2)89-98).


Entretanto, ressalta-se que os níveis de Hb de ambos os grupos estudados não acompanharam o aumento dos níveis de Hb observados na curva do CDC a partir do 7º mês, nem da curva de Szarfarc et al. a partir do 8º mês. Esse resultado poderia ser explicado pelo fato de que as gestantes estudadas não recebiam sulfato ferroso, enquanto as gestantes que compuseram a curva do CDC foram suplementadas com ferro. Além disso, como a amostra do presente estudo foi escassa no final da gestação, após o 8º mês, considerou-se uma média dos níveis de Hb, fato que possivelmente não permitiu constatar o aumento no nível de Hb após o 8º mês entre as gestantes estudadas, como observado na literatura(1414.Szarfarc SC, Siqueira AAF, Martins IS. Avaliação da concentração de ferro orgânico em uma população de grávidas. Rev Saúde Pública. 1983;17(3):200-7-1515.Szarfarc SC. Anemia nutricional entre gestantes atendidas em centros de saúde, São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública. 1985;19(5):450-7).


Dessa forma, os resultados do presente estudo representam informação importante, uma vez que não há pesquisa de abrangência nacional que apresente curvas de Hb ao longo da gestação. Os dados até então disponíveis referem-se apenas a estimativas baseadas em estudos pontuais. Assim, apesar da amostra deste estudo não ter sido aleatória para o país como um todo, os dados obtidos de 12.119 gestantes, representam de forma acurada as alterações que ocorrem nos níveis de Hb durante a gestação de mulheres brasileiras, que podem ser consideradas na prática assistencial.


Ademais, a população de estudo foi composta por mulheres atendidas em serviços públicos de saúde, de forma que se refere a um grupo de maior risco em relação a deficiências nutricionais e com restrição de acesso a serviços de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. A demanda por esses serviços e a disponibilidade de recursos para os mesmos, muitas vezes limitam o número de consultas e o preenchimento completo do protocolo, assim como a leitura cuidadosa dos dados descritos no hemograma. Além disso, por essa população ser mais vulnerável por apresentar indicadores socioeconômicos mais frágeis, está mais sujeita a deficiências nutricionais como um todo e não só à anemia ferropriva, do que aquelas que têm acesso a serviços privados e, portanto, são portadoras de melhores indicadores socioeconômicos.


Pelo fato da anemia ser conceituada pelo nível de Hb, este indicador é, especialmente entre gestantes, um parâmetro imprescindível para se investigar o efeito de uma intervenção na prevenção e controle.


O sistema brasileiro de saúde assegura cobertura pré-natal a todas as gestantes e inclui a dosagem de Hb na primeira consulta pré-natal e também no final da gestação(404 4.Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília; 2012), permitindo o controle da anemia, o que tornou factível a realização deste estudo, com base em dados de prontuários. Embora o uso de dados secundários represente um aspecto que possa ser considerado como limitação do estudo, em razão da qualidade das informações nem sempre padronizadas, a utilização de tais informações permitiu avaliar um número elevado de gestantes.


Como fator de risco modificável, o estado nutricional materno é fundamental em termos de atenção primária e deve, portanto, ser integrado à assistência pré-natal pelos profissionais de saúde como estratégia de prevenção de desfechos adversos no nascimento, particularmente nos países em desenvolvimento(808 8.Abu-Saad K, Fraser D. Maternal nutrition and birth outcomes. Epidemiol Rev. 2010; 32(1):5-25). Nesse âmbito, o enfermeiro, como membro atuante na equipe de assistência pré-natal(2323.Narchi NZ. Prenatal care by nurses in the East Zone of the city of São Paulo - Brazil. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2010 [cited 2014 Jan 22];44(2):266-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v44n2/en_04.pdf
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) pode contribuir efetivamente para a prevenção e o tratamento da anemia na gestação, pois a consulta de enfermagem é um instrumento importante para a prevenção, identificação e controle da anemia(2424. Sato APS, Fujimori E. Nutritional status and weight gain in pregnant women. Rev Latino Am Enferm. 2012;20(3):462-8).


Conclusão

O nível de Hb apresenta queda importante a partir do primeiro trimestre em ambos os grupos, mas a curva do grupo Após-fortificação manteve-se sempre acima da curva do grupo Antes-fortificação. A regressão polinomial, no entanto, não mostrou efeito significativo da fortificação de farinhas com ferro. Apesar disso, as curvas de Hb de ambos os grupos mostraram-se acima das referências nacional e internacional no primeiro trimestre, com queda a seguir e estabilização no final da gestação que não acompanharam o aumento dos níveis de Hb das referências.


Apesar de não constatar efeito da fortificação de farinhas com ferro, destaca-se como mérito do presente estudo a importância de se considerar a variação do nível de Hb ao longo da gravidez. Apresenta-se ainda um baseline dos níveis de Hb por mês de gestação que pode ser utilizado para a avaliação dos níveis de Hb em gestantes brasileiras, uma vez que o nível de Hb varia ao longo da gravidez em resposta à demanda aumentada de ferro. Ademais, o estudo fornece subsídios para avaliação da política pública de controle da anemia, contribuindo para o aprimoramento e planejamento de novas intervenções.


  • *
    Extraído da tese "Avaliação dos níveis de hemoglobina de gestantes brasileiras antes e após a fortificação de farinhas com ferro", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2013.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2014
  • Aceito
    10 Maio 2014
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