Open-access Motivações do consumo de drogas entre adolescentes: implicações para o cuidado clínico de enfermagem

Resumo

Trata-se de um ensaio teórico que objetiva refletir sobre os motivos para e por que dos adolescentes usarem drogas e suas implicações no cuidado clínico de enfermagem. Utilizou-se do referencial da fenomenologia social de Alfred Schutz. Os principais motivos para identificados foram: a atenuação da crise existencial, a formação de vínculos sociais e a diversão. Já os motivos por que estão relacionados às características próprias da adolescência, às rupturas dos laços sociais e familiares e às condições de vulnerabilidade programática. As motivações fornecem importantes informações para o desenvolvimento de estratégias de atenção centralizada na pessoa e não na droga de abuso. A ação cuidadora do enfermeiro se consolida a partir de estratégias de educação em saúde emancipatórias e pautadas na estratégia da redução de danos e riscos relacionados ao consumo de drogas e na possibilidade de, em uma relação face a face, ajudar o adolescente a tomar ciência de sua situação biográfica, para que possa, conhecedor de si, agir com vistas à promoção de sua saúde.

Descritores: Adolescente; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Cuidados de Enfermagem; Redução do Dano; Educação em Saúde; Enfermagem em Saúde Pública

Abstract

This is a theoretical essay which aims to reflect on the reasons for and why adolescents use drugs and their implications for clinical nursing care. It used the referential of social phenomenology of Alfred Schutz. The main reasons identified were: to attenuate existential crisis, form social bonds and to have fun. The reasons for this are related to the characteristics of adolescence, a breakdown in social and family ties and the conditions of programmatic vulnerability. Motivations provide important information for developing person-centered, not drug-abuse-centered care strategies. Nurses’ caregiving action is based on emancipatory health education strategies grounded on the strategy of reducing harm and risks related to drug use and the possibility to help adolescents become aware of their biographical situation in a face-to-face relationship, so that they can (in knowing yourself) act to promote their health.

Descriptors: Adolescent; Substance-Related Disorders; Nursing Care; Harm Reduction; Health Education; Public Health Nursing

Resumen

Se trata de un ensayo teórico que objetiva reflexionar acerca de los motivos para y por qué de la adicción de los adolescentes a las drogas y sus implicaciones en el cuidado clínico de enfermería. Se utilizó el marco de referencia de la fenomenología social de Alfred Schütz. Las principales motivaciones para identificadas fueron: la atenuación de la crisis existencial, la formación de vínculos sociales y la diversión. Ya las motivaciones por qué están relacionadas con las características propias de la adolescencia, las rupturas de los lazos sociales y familiares y las condiciones de vulnerabilidad programática. Las motivaciones proporcionan importantes informaciones para el desarrollo de estrategias de atención centralizada en la persona y no en la drogadicción. La acción cuidadora del enfermero se consolida mediante las estrategias de educación sanitaria emancipadoras y basadas en la estrategia de la reducción de daños y riesgos relacionados con la adicción a las drogas y la posibilidad de, en una relación cara a cara, ayudar al adolescente a tomar consciencia de su situación biográfica, a fin de que pueda, conocedor de sí, actuar con vistas a la promoción de su salud.

Descriptores: Adolescente; Trastornos Relacionados con Sustancias; Atención de Enfermería; Reducción del Daño; Educación en Salud; Enfermería en Salud Pública

INTRODUÇÃO

O uso de substâncias que promovem alterações da consciência, aqui nominadas de drogas, esteve presente nas mais diversas sociedades desde os tempos mais remotos como condição histórica estruturante, fruto de uma produção cultural com significados bastante variáveis, com uso em rituais religiosos, devocionais, terapêuticos ou mesmo festivos e recreacionais, enraizando-se nas culturas étnicas e nacionais(1).

Nunca existiu um comportamento único de consumo de drogas e seu uso nas diversas civilizações não se atrelava a significações de dependência(2). Os padrões de consumo seguiam o princípio da moderação, evitando-se os extremos tanto da abstinência como do uso excessivo. Esta perspectiva cultural, étnica, religiosa e nacional de consumo se manteve ao longo da história até meados do século XVIII quando, com o advento da revolução industrial, o uso popular de substâncias excitantes se disseminou por auxiliarem no desempenho laboral da classe trabalhadora em jornadas extenuantes. A partir de então, o modus operandi da produção, comércio e consumo das drogas passou a ter uma nova governabilidade, centrada na relação com a mercantilização. A passagem entre os séculos XIX e XX marca o momento em que esse fenômeno é assimilado como um problema social(3-4).

Esse novo padrão de consumo, que perdeu o princípio da temperança, ensejou o desenvolvimento de iniciativas privadas e governamentais para controlar a disciplina nos meios de produção e garantir o máximo de laboriosidade. Com isso, adotaram-se medidas de repressão ao uso de diversas drogas, especialmente nos Estados Unidos da América, que depois foram disseminadas por todo o mundo em uma estratégia de “guerra às drogas” e de “tolerância zero”, que surgiram de um consenso proibicionista e se tornou uma tática de dominação geopolítica global(5).

No modo de relação consumista e individualista contemporâneo, em que o sujeito é reconhecido pelo que possui ou pelo que pode consumir, uma determinada fase da vida se torna particularmente suscetível ao consumo não moderado de drogas por suas características peculiares: a adolescência(6).

Considera-se essa etapa bastante significativa e determinante no desenvolvimento do indivíduo devido às alterações biológicas, psicológicas e de relações sociais que são estabelecidas(7). Ela é entendida como um período de transição, em que as capacidades do indivíduo são desenvolvidas a partir de descobertas e escolhas que implicam diretamente o futuro. Essa fase também se caracteriza pela existência de comportamentos de risco, atos impulsivos e diminuição do controle inibitório do sujeito frente às suas vivências(8). O uso de drogas entre adolescentes implica maiores riscos, pois apresentam maior vulnerabilidade aos efeitos delas, inclusive do ponto de vista do desenvolvimento neurológico do córtex pré-frontal(9-11).

O setor saúde, em especial a enfermagem, desempenha importante papel nos processos de proteção e promoção do bem-estar dos adolescentes, buscando estratégias que se pautem em uma perspectiva humanista, entendendo os seus contextos de vida e as motivações do uso de drogas(3,12).

Diante desse cenário, este ensaio objetiva refletir sobre os motivos para e motivos por que dos adolescentes usarem drogas e suas implicações no cuidado clínico da enfermagem.

O presente ensaio teórico é fruto das reflexões emanadas da disciplina Fundamentos e Práticas do Cuidado Clínico de Enfermagem e Saúde oferecida no Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, da Universidade Estadual do Ceará (PPCCLIS/UECE), e se fundamenta na Fenomenologia Social de Alfred Schutz, especificamente na concepção teórica das motivações para e por que.

De acordo com o autor(13), as ações dos sujeitos são comportamentos produzidos e interpretados a partir de seus motivos existenciais. Entendem-se os motivos para ou motivos a fim de que como o “estado das coisas, o fim, em função do qual a ação foi levada a cabo”(13). Em oposição, existem os motivos por que, os quais se remetem ao seu acervo de conhecimentos, às experiências passadas no âmbito biopsicossocial e que determinam como o sujeito age.

A análise reflexiva se embasou em um amplo e abrangente estudo da literatura cujos objetos de estudo/análise fossem os adolescentes e sua relação com o uso e abuso de drogas. Procedeu-se inicialmente à leitura de livros e relatórios de centros de estudo e pesquisa especializados no Brasil, como o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD/BA) e o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID).

A partir desse embasamento, realizou-se uma vasta busca nas bases de dados nacionais e internacionais (BVS, SciELO, LILACS, PubMed Central, Cochrane) e no Google Acadêmico, sem limitação temporal, utilizando-se de descritores (Alcoolismo, Tabagismo, Drogas Ilícitas, Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, Adolescente etc.) e palavras-chave associadas ao tema (abuso de drogas, drogas, adolescentes, jovens, consumo de drogas etc.), usando-as isoladas ou associadas a partir do booleano AND. Todos os materiais relacionados ao objeto desta reflexão foram lidos no sentido de identificar as diversas motivações para o consumo de drogas entre adolescentes apontadas pelos estudos, que foram então analisadas e categorizadas à luz da fenomenologia social de Alfred Schutz(13).

MOTIVOS PARA

A análise reflexiva da literatura permitiu apontar três grandes categorias de motivação para que se relacionam ao alcance de objetivos: atenuação da crise existencial, formação de vínculos sociais e diversão.

Atenuação da crise existencial

Na adolescência, reflexões sobre o sentido da vida afloram na medida em que o indivíduo amadurece, não significando, portanto, algo patológico, mas representa uma característica essencialmente humana. É nesta preocupação pelo sentido de viver que a pessoa expressa aquilo que há de mais humano em si, às vezes desenvolvendo certo sofrimento nestas descobertas(14) que decorrem, sobretudo, de falhas: na incorporação de novas questões de vida, na aquisição de novos conhecimentos e na mudança de comportamentos, ferramentas essenciais para transições saudáveis.

Esses processos transicionais são complexos e singulares, com padrões diversos e que demandam o reconhecimento das próprias características e do entorno social, conforme expresso na Teoria das Transições de Afaf Meleis. Neste modelo teórico, a transição consiste na passagem de lugar ou condição estável para outro, requerendo a agregação de conhecimentos, mudanças comportamentais e definição do self (15).

No caso da adolescência, vários eventos críticos, desde os aspectos de vulnerabilidade individual muito própria desta fase da vida até problemas relacionados ao uso de drogas exigem do enfermeiro atenção, conhecimento e experiência, pois esta transição aumenta as fragilidades do adolescente em desempenhar o autocuidado e o cuidar. Nesse momento crítico, são necessárias intervenções de enfermagem na prevenção universal, seletiva e indicada dos níveis primário ao terciário, assim como na promoção da saúde(15-16).

O uso das drogas, nesse sentido, cumpre com uma necessidade subjetiva e social que cada um tem na sua experiência particular de ‘ser’. Neste contexto, seu consumo funciona quase como um antídoto que possibilita os adolescentes livrarem-se dessa crise existencial, levando-os inclusive a escapar, mesmo que momentaneamente, das escolhas e responsabilidades que a chegada da maturidade coloca diante de si. O adolescente usa a droga como uma válvula de escape para os problemas gerados por uma cultura em crise que gera ansiedade, medo, dificuldades de inserção e baixa resiliência(17).

Formação de vínculos sociais

Outra importante motivação diz respeito à necessidade sentida pelos jovens de se relacionarem, formarem novos vínculos sociais e afetivos, inserirem-se em grupos de pares e ter neles visibilidade(18).

O consumo de drogas, lícitas ou ilícitas, confere aos adolescentes o status de destemido, desinibido e a sensação de poder. A constituição dessas relações faz parte da própria formação da personalidade do ser. O espaço dos vínculos sociais é fundamental no desenvolvimento da identidade do adolescente. As perspectivas sociais dos jovens se empobrecem devido à invisibilização a que são submetidos: a escola se distancia e não busca entender seu contexto; os serviços de saúde não os acolhe e muitas vezes se põem na condição de julgadores e não de cuidadores; o trabalho é desqualificado e desprestigiado, e tudo isso obscurece as esperanças de um futuro melhor(8).

Diversão

Como última motivação para, surgem as possibilidades de diversão que o uso de drogas apresenta. A busca do lazer não é uma condição exclusiva da adolescência, mas nela os aspectos inibitórios diminuídos propiciam vivências que em outras fases da vida pareceriam impensadas(10).

Prazer e diversão são rotineiramente citados por jovens como objetivos pelos quais se usa maconha, álcool e outras drogas(6). A busca por adrenalina e satisfação também é mencionada(8). Este uso normalmente está associado à reunião de amigos, festas e encontros com fins sexuais, e esta relação põe sobre a droga a imagem daquilo que, de alguma forma, leva ao deleite.

MOTIVOS POR QUE

Também emergiram três categorias de motivação por que: as características próprias da adolescência, as rupturas dos laços sociais e familiares e as condições de vulnerabilidade programática.

Características próprias da adolescência

A adolescência opera um verdadeiro corte na realidade de vida destes sujeitos, tirando-os da tranquilidade da infância e os pondo em um limbo de aceitação, no qual se exigem responsabilidades de adulto, mas sem a autonomia para tal(18).

Os conflitos internos aliados a essa ruptura de realidades e aos embates com familiares e sociedade geram desgastes que demandam, por vezes, fugas destes movimentos(18). Estudos realizados desde os anos 1970 apontam para uma série de fatores essenciais de risco de uso de drogas em adolescentes, indicando a correlação de uma estruturação de personalidade depressiva, com imaturidade afetiva e problemas de identidade associados aos casos de jovens que se tornam dependentes de alguma droga(19).

Outro fator importante e que diz respeito a predicados normalmente empregados aos jovens se refere à impulsividade e à curiosidade. Esta condição de busca por novas experiências de vida e novos conhecimentos para o seu acervo pessoal é natural do homem, que os deseja para projetar suas ações futuras(14).

Urge reconhecer essas características a fim de produzir um cuidado singular a estes sujeitos, pois a precocidade do uso de drogas é associada em diversos estudos a problemas no desenvolvimento intelectual, psicológico, emocional e social do adolescente(11).

Ruptura dos laços sociais e familiares

Diversas situações ou experiências em nível familiar e social são descritas como fatores de risco para o consumo de drogas entre adolescentes. A maioria se centra em dois aspectos: distanciamento afetivo dos pais e uso de drogas por estes e por amigos.

No distanciamento afetivo dos pais se enquadra uma série de conjunturas, como vínculo frágil entre mãe e filho, ausência de um dos cônjuges na criação e educação dos filhos, uso de violência doméstica, falta de afeição, apoio e conexão familiar na resolução dos problemas dos jovens, maior permissividade em relação às ações degradantes etc.(6,11).

Outro fator de risco é o uso de drogas pelos pais ou amigos. O início do uso na adolescência normalmente ocorre por estímulo doméstico. Bebidas alcoólicas e tabaco chegam às mãos dos jovens por meio de alguém próximo, grande maioria, familiares e amigos. Filhos de pais que têm problemas relacionados ao uso abusivo de drogas normalmente apresentam problemas similares(6). Há forte associação do uso de cigarros pelo pai com o desenvolvimento de dependência pelo adolescente(20). Apesar do uso de bebida alcoólica e cigarro (tabaco) normalmente começar em casa, é com os amigos que os jovens bebem com mais frequência, em maior quantidade e em situações mais insalubres(6).

Condições de vulnerabilidade programática

É notória a existência de uma complexa rede de fatores sociais, econômicos, estruturais, ambientais, emocionais e psicológicos que influenciam o exercício pleno da cidadania por parte dos adolescentes.

A vulnerabilidade diz respeito a um estado em que indivíduos ou grupos, por motivos variados, apresentam sua capacidade de autodeterminação reduzida, não conseguindo garantir a autoproteção de seus interesses, saúde e desenvolvimento. Há três componentes que se encontram bastante interligados às situações de vulnerabilidade: o individual, o social ou coletivo e o programático ou institucional(21).

A dimensão individual da vulnerabilidade diz respeito aos aspectos próprios do modo de vida dos adolescentes, seus comportamentos, atitudes, aspectos biológicos etc. A dimensão social ou coletiva se relaciona aos contextos culturais, sociais e econômicos que determinam as oportunidades de acesso a informações, bens e serviços. Já a programática ou institucional representa as dificuldades impostas no âmbito dos serviços, das políticas, na definição de focos e prioridades, no financiamento, tanto pelo poder público como pela iniciativa privada e agências da sociedade civil(22).

No objeto deste ensaio, as duas primeiras dimensões tiveram alguns aspectos analisados nas categorias dos motivos por que já discutidas. Em relação à dimensão institucional, observa-se que, nesta fase, os adolescentes têm maior dificuldade de acesso a serviços de saúde, educação e assistência social que lhes provenham condições de conviver adequadamente com o uso de drogas. A vulnerabilidade nestes indivíduos se relaciona a características que dificultam o desenvolvimento de respostas adaptativas a situações de crise quando estas ocorrem(17).

Nesta dimensão estrutural, a vulnerabilidade dos adolescentes inicia já na formulação de algumas políticas norteadoras da rede de atenção à saúde e no planejamento dos programas e ações, porém, na implementação e efetivação destes, assim como na sua fiscalização, também se observam falhas, como a inobservância da lei por parte dos estabelecimentos que comercializam álcool e tabaco a crianças e adolescentes. Também se nota crítica à organização dos sistemas de atenção (SUS e SUAS) com sua complexa rede de serviços que envolvem instituições públicas, privadas conveniadas e filantrópicas, não necessariamente em harmonia(23).

Os espaços sociais em que eles se inserem carecem de locais de lazer, esporte e cultura específicos a este público que ofereçam alternativas para que ocupem seu tempo de forma produtiva(24). A má distribuição de renda e a consequente falta de acesso aos bens sociais determinam as condições de vida destes jovens, pondo-os em situação de vulnerabilidade em relação às drogas em suas três dimensões.

IMPLICAÇÕES NO CUIDADO CLÍNICO DE ENFERMAGEM DAS MOTIVAÇÕES PARA E POR QUE

O cuidado clínico de enfermagem pode ser definido como um “(...) ato de cuidar com responsabilidade, ética e compromisso social, prestado pelo profissional de enfermagem habilitado, através de conhecimento técnico-científico e olhar clínico, utilizando a escuta atenta, o toque, a fala, de forma a atender às reais necessidades do ser cuidado, com respeito à sua singularidade, história de vida e individualidade”(25).

A produção e prestação desse cuidado a adolescentes que fazem uso de drogas ou que têm forte risco de o fazerem demanda do enfermeiro uma atitude acolhedora, sem preconceitos ou moralismos, que mostre ao jovem que ali é um espaço de diálogo e de construção de uma relação face a face. Necessita de uma compreensão profissional de que o uso de drogas, lícitas ou ilícitas, não é uma anormalidade ou anomalia, mas sim uma condição humana cultural influenciada por uma série de fatores e que tem, por parte do sujeito a ser cuidado, uma série de motivações, tanto relacionadas a experiências passadas como a objetivos futuros.

O entendimento sobre o conjunto de ideias, valores e crenças dos sujeitos é essencial à apreensão dos significados em que se amparam suas ações no mundo da vida(13). Para tanto, o enfermeiro precisa conhecer os motivos para e porque dos adolescentes em uso de drogas, que fornecem importantes informações para o desenvolvimento de estratégias de atenção centralizada na pessoa e não na droga de abuso. Ao enfermeiro não cabe exigir a abstinência a alguém, assim como não pode decidir quais as melhores atitudes a se tomar.

Dessa forma, o cuidado clínico de enfermagem a este público deve focar estratégias de promoção da saúde mental, de prevenção e intervenções terapêuticas que favoreçam condições necessárias para que o adolescente possa, conhecendo a fundo suas motivações e as determinações que delas provém, desenvolver condições necessárias para promover sua autonomia e dar passos construtivos em sua vida. Estas ações não podem ser aleatórias ou extraídas somente do arsenal próprio do enfermeiro, mas devem se embasar nas melhores evidências científicas nacionais e internacionais e na política nacional de saúde mental, com foco na autonomia dos sujeitos e na redução de danos.

No tocante à promoção da saúde mental, o cuidado clínico de enfermagem deve se centrar em ações que proporcionem as melhores condições, dentro do ambiente e contexto disponíveis, para que o adolescente desenvolva sua saúde mental ao ponto de buscar adotar um estilo de vida com comportamentos mais saudáveis. Algumas teorias de enfermagem subsidiam este cuidado clínico, como: a das relações interpessoais, do modelo da promoção da saúde, das transições e a do modelo de adaptação(26).

Nesses modelos teóricos é possível observar algumas interseções importantes para o trabalho do enfermeiro, como a dinamicidade do processo de cuidado, a importância da relação enfermeiro-adolescente e da autonomia do sujeito na busca da promoção da sua própria saúde, cabendo ao profissional o reconhecimento das características biopsicossociais do indivíduo, seu ambiente e sua cultura, a fim de lançar mão das ferramentas para, na relação face a face, buscar uma mudança para um comportamento saudável(26).

No sentido da prevenção primária, o cuidado clínico do enfermeiro deve se pautar na busca pelo empoderamento dos adolescentes, visando ajudá-los a tomar as decisões de forma livre e esclarecida, fomentando “o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relação ao uso indevido de drogas”(27). Deve-se estruturar as estratégias de educação em saúde que os levem a reflexões individuais sólidas que os possibilitem lidar com toda a realidade e contexto de uso e abuso de substâncias(28).

Nesse sentido, cabe usar ferramentas diversificadas, desenvolvendo estratégias no território e usando espaços, como a escola e a unidade básica de saúde, pautando-se na redução de danos. Nesta relação intersetorial, o Programa Saúde na Escola pode se configurar em importante locus de atuação do enfermeiro para prevenção e promoção da saúde mental.

Todo indivíduo apresenta uma situação biográfica singular e, dessa forma, o acervo de conhecimento dos adolescentes sofre influências, e suas ações serão vivenciadas conforme o significado que lhes atribuírem(13).

Na prevenção secundária, a prática do enfermeiro se funda na redução de riscos e danos. O profissional deve reconhecer as possibilidades individuais de não uso, da demora no uso e da redução dos riscos como possibilidades de suas ações(27). Como o cuidado clínico de enfermagem demanda um conhecimento científico, as orientações preventivas devem se ancorar em informações respeitáveis. Devem-se evitar condutas policialescas e não condizentes com a função cuidadora(29).

Uma importante ferramenta, sobretudo na atenção básica à saúde, é a intervenção breve, técnica terapêutica concisa e de curta duração que ajuda os sujeitos a compreenderem os riscos e danos causados pelo consumo da droga, motiva-os a reduzirem, modificarem ou interromperem seu uso e os dá a autonomia para a definição de metas objetivas e de um ‘menu de opções’ de como as atingir(30).

O enfermeiro deve agir mais no sentido de ajudar o adolescente a recuperar a propriedade e autoridade sobre sua própria história do que de intervir em seu mundo da vida. Deve agir de forma positiva e colaborativa, orientada para a saúde. É essencial que profissional e adolescentes se disponham a manter uma relação face a face, em que ambos estejam conscientes um do outro e voltados, no mesmo espaço e tempo, para objetivos convergentes(13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adolescência é uma fase da vida que representa, ao mesmo tempo, uma transição e uma ruptura e influencia diretamente o desenvolvimento do sujeito em seus aspectos biológico, psicológico, emocional e social. Atitudes impulsivas, de curiosidade, de busca de status são características comuns neste período. O uso de drogas entre jovens se constitui em um importante espaço de atuação do enfermeiro na produção de seu cuidado clínico.

O conhecimento das motivações para e por que destes sujeitos em relação ao uso de drogas é condição primordial para a execução de um trabalho centrado na pessoa e não na substância, ajudando-os a identificar as dificuldades existentes em sua situação biográfica e promover estratégias de enfrentamento para a recuperação da capacidade de conviver com a sua condição social.

Os principais motivos para identificados na literatura foram: atenuação da crise existencial, formação de vínculos sociais e diversão. Já os motivos por que estão relacionados às características próprias da adolescência, às rupturas dos laços sociais e familiares e às condições de vulnerabilidade programática. Com isso, assume-se o pressuposto de que, a partir dessas motivações, não se concebe a produção de um cuidado que não os leve em consideração, sob o risco de ser ineficiente.

Na relação com o outro, na vida diária, tanto o adolescente quanto o enfermeiro lançam mão do seu acervo de conhecimento. E todas as experiências já vivenciadas influenciam o seu encontro face a face com o outro.

Portanto, a ação cuidadora do enfermeiro se consolida a partir de estratégias de educação em saúde emancipatórias e pautadas na redução de danos e riscos relacionados ao consumo de drogas e na possibilidade de, em uma relação face a face, ajudar adolescentes a tomar ciência de sua situação biográfica, para que possa, conhecedor de si, agir com vistas à promoção de sua saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2019
  • Aceito
    22 Ago 2019
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