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Cotidiano e a experiência urbana gay: afeminação como categoria analítica

Daily life and the gay urban experience: effeminacy as an analytical category

Cotidiano y la experiencia urbana gay: el afeminamiento como categoría analítica

Resumo:

O tema da experiência urbana tem atraído o interesse crescente da comunidade científica, uma vez que a cidade é uma arena constantemente disputada, produto/produtora de subjetividades conflitantes. Neste artigo, a partir da experiência urbana gay afeminada, nos propomos a descrever as relações entre sexualidade/gênero e a cidade na produção e intensificação de processos de vulnerabilização psicossocial. Para tanto, aplicou-se um questionário remoto junto a 240 sujeitos, e foram realizadas 8 (oito) entrevistas individuais com homens gays autodeclarados afeminados. O espaço urbano destacou-se como um ambiente heteronormativo e violento às performances afeminadas. Na pandemia, as relações de opressão nas famílias se intensificaram para gays afeminados, confirmando que afeminação funciona como vetor de vulnerabilização psicossocial, um marcador social que imprime particularidades às vivências subjetivas e à sua experiência urbana, marcadas pelo medo e sofrimento.

Palavras-chave:
experiência urbana; afeminação; cotidiano; gay

Abstract:

The theme of urban experience has attracted growing interest from the scientific community, since the city is a constantly contested arena, a product/producer of conflicting subjectivities. In this article, based on the effeminate gay urban experience, we propose to describe the relationships between sexuality/gender and the city in the production and intensification of processes of psychosocial vulnerability. To this end, a remote questionnaire was administered to 240 subjects, and 8 individual interviews were carried out with self-declared effeminate gay men. Urban space stood out as a heteronormative and violent environment for effeminate performances. During the pandemic, relations of oppression in families intensified for effeminate gays, confirming that effeminacy functions as a vector of psychosocial vulnerability, a social marker that imprints particularities on subjective experiences and their urban experience, marked by fear and suffering.

Keywords:
Urban Experience; Effeminacy; Daily Life; Gay

Resumen:

El tema de la experiencia urbana ha atraído un interés creciente por parte de la comunidad científica, ya que la ciudad es un escenario constantemente disputado, un producto/productor de subjetividades en conflicto. En este artículo, a partir de la experiencia urbana gay afeminada, nos proponemos describir las relaciones entre sexualidad/género y ciudad en la producción y intensificación de procesos de vulnerabilidad psicosocial. Para ello, se administró un cuestionario remoto a 240 sujetos y se realizaron 8 entrevistas individuales a hombres homosexuales autodeclarados afeminados. El espacio urbano se destacó como un entorno heteronormativo y violento para actuaciones afeminadas. Durante la pandemia, las relaciones de opresión en las familias se intensificaron para los gays afeminados, confirmando que el afeminamiento funciona como un vector de vulnerabilidad psicosocial, un marcador social que imprime particularidades en las experiencias subjetivas y en su experiencia urbana, marcada por el miedo y el sufrimiento.

Palabras clave:
experiencia urbana; afeminación; diario; gay

Introdução

As experiências urbanas homossexuais têm sido alvo de reflexão na atualidade e a cidade (e seus usos) é considerada o ponto de partida, pois revela o corpo como instrumento de mediação entre sujeitos e espaços e entre os sujeitos-sujeitos. Entretanto, grande parte desses estudos não foca nos corpos imersos em uma cotidianidade. Pelo contrário, encontra corpos que se dispõem em espaços-tempos específicos, a exemplo das saunas, festas, bares, dos circuitos de divertimento e lazer. De acordo com Victor Hugo Belarmino e Magda Dimenstein (2021BELARMINO, Victor Hugo; DIMENSTEIN, Magda. “Experiência Urbana Gay na Cidade: uma Revisão Integrativa”. Revista Subjetividades, v. 21, n. 3, e11461, 2021. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i3.e11461 . Acesso em 06/05/2022.
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), ainda que a cidade se mostre indissociável da experiência cotidiana, pouco é discutido sobre os homens gays ordinários, isto é, aqueles que trilham trajetórias efêmeras, apesar de inventivas, ficcionais e subversivas. O termo “ordinário”, aqui utilizado, remete a Michel de Certeau (1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.) e à sua compreensão do cotidiano como práticas anônimas, comuns, inumeráveis e móveis, as quais são potentes em instituir novos sentidos e usos para a cidade.

A gestão das cidades é marcada pelo afastamento das diferenças e multiplicidades, de modo que a experiência urbana homossexual é sistematicamente normalizada por mecanismos de exclusão e de disciplinarização (Ana Lúcia Coelho HECKERT; Maria Elizabeth BARROS; Silvia Vasconcelos CARVALHO, 2016HECKERT, Ana Lúcia Coelho; BARROS, Maria Elizabeth; CARVALHO, Silvia Vasconcelos. “Cidades e políticas públicas”. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 2, p. 266-274, ago. 2016. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1984-0292/1621. Acesso em 03/05/2022.
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; Élcio Nogueira SANTOS; Pedro Paulo Gomes PEREIRA, 2016SANTOS, Élcio Nogueira; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. “Amores e vapores: Sauna, raça e prostituição viril em São Paulo”. Revista Estudos Feministas, v. 24, n. 1, p. 133-154, jan./abr. 2016. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n1p133 . Acesso em 03/06/2022.
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). Nestes termos, estratégias de normatização, de regulamentação e de “gestão dos ilegais na cidade” (Lázaro BATISTA, 2019BATISTA, Lázaro. “Cotidiano de uma experiência urbana informe: dilaceramentos, trajetórias e políticas do comum”. Psicologia & Sociedade, v. 31, e216914, 2019. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31216914 . Acesso em 03/05/2022.
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, p. 3) estão sempre sendo forjadas, outorgando certos espaços heterotópicos - bares, boates, festas e os espaços virtuais - ao mesmo tempo que interditam outros espaços da cidade - como as ruas e praças, dentre outros espaços públicos. O conceito de heterotopia ancora-se em Michel Foucault (2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2013.), indicando a supressão das alteridades com vistas à (re)produção dos espaços de controle e a gestão das diferenças.

Nesses termos, na contramão da cidade movimento-vivida-praticada-usada-experimentada, atuam lógicas e processos racionalizados, normativos, homogeneizantes e segregacionistas, os quais organizam o espaço urbano e os gestos cotidianos (Luís Artur COSTA, 2014COSTA, Luís Artur. “Da exclusão à exclusividade: as fronteiras da cidade como arquivo das infâmias”. In: FONSECA, Tania Mara Galli; CARDOSO FILHO, Carlos Antonio; RESENDE, Mário Ferreira (Orgs.). Testemunhos da infâmia: rumores do arquivo. Porto Alegre: Sulina, 2014. p. 71-82.), materializando arquiteturas e moralidades que disciplinam os corpos e ampliam os sistemas panópticos: máquinas de vigilância que possibilitam o controle eficiente e permanente do comportamento dos sujeitos (FOUCAULT, 1977FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1977.; Fernando Freitas FUÃO, 2019FUÃO, Fernando Freitas. “Sobre domesticação: a cidade pestilenta e o panóptico”. Revista Estética e Semiótica, v. 9, n. 2, p. 26-57, jan. 2019. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.18830/issn2238-362X.v9.n2.2019.02 . Acesso em 03/05/2022.
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). Em tais racionalidades, as experiências urbanas de pessoas não heterossexuais são fortemente reprimidas, invisibilizadas, consideradas anormais e alvos de violência sistemática em diversas sociedades e, mais fortemente, na sociedade brasileira (Valdenízia Bento PEIXOTO, 2018PEIXOTO, Valdenízia Bento. Violência contra LGBTs no Brasil: a construção sócio-histórica do corpo abjeto com base em quatro homicídios. 2018. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Sociologia) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil.). Desse modo, os sistemas de códigos, os repertórios culturais e as regras desses sujeitos operam em condições sociais desfavoráveis, que impactam a apropriação dos espaços e os seus trajetos.

Em razão disso, o cotidiano consiste, segundo Eder Amaral Silva (2012SILVA, Eder Amaral. “Corpo, técnica, cidade: artesanias entre pesquisa e cotidiano”. Revista Polis e Psique, v. 1, n. 2, p. 111-129, abr. 2012. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.22456/2238-152X.22893 . Acesso em 03/06/2022.
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), em um plano de análise privilegiado da experiência urbana ao abarcar as potencialidades de inversão, disputa, invenção e reinvenção das trajetórias de pessoas comuns, no ordinário do dia a dia e no convívio com a heterogeneidade da cidade (BATISTA, 2019BATISTA, Lázaro. “Cotidiano de uma experiência urbana informe: dilaceramentos, trajetórias e políticas do comum”. Psicologia & Sociedade, v. 31, e216914, 2019. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31216914 . Acesso em 03/05/2022.
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). As cidades - enquanto produtos e processos sociais e históricos - ecoam movimentos de exclusão, discriminação, ordem, controle social, bem como práticas desafiadoras, contestadoras e contra-hegemônicas (André ZUZARTE, 2020ZUZARTE, André. “Cidades-santuário e o Direito à Cidade: Repensando pertencimento a partir das cidades”. REMHU, v. 28, n. 58, p. 167-182, jan./abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1980-85852503880005810. Acesso em 04/06/2022.
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). As homossexualidades são uma dessas forças contestadoras do “espaço do mesmo”, convertendo-se em uma experiência urbana rica em “artes do fazer”, como indica Certeau (1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 175), ou seja, em táticas, jogos de “astúcias” e de decisões estratégicas, aproveitando-se das ocasiões que se abrem nas brechas da cidade.

Não à toa, a problematização das experiências urbanas de gays no cotidiano da cidade exige pensar esse duplo caráter: ora emancipadoras, ora violentas e homofóbicas. Assume-se, pois, que as cidades são inseparáveis das práticas de seus habitantes, usuários e consumidores e, desse modo, carregam e (re)produzem as contradições e desigualdades sociais. Duas premissas são essenciais à análise do amplo espectro de experiências urbanas cotidianas, dentre as quais insere-se a homossexual: a primeira toma a cidade como movimento e a segunda concebe a cidade como vivida/praticada. A primeira reconhece o movimento como a arte de “fazer-cidade” (Michel AGIER, 2015AGIER, Michel. “Do direito à cidade ao fazer-cidade. O antropólogo, a margem e o centro”. Mana, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 483-498, dez. 2015. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n3p483 . Acesso em 04/05/2022.
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). Movimento que enuncia desejos, diferenças, histórias, experiências, subjetividades, memórias, relações e identidades de seus caminhantes (CERTEAU, 1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.; Carlos Antônio CARDOSO, 2016CARDOSO, Carlos Antônio. “A subjetividade, o Fora e a cidade: repensando o sujeito, o espaço e a materialidade”. Fractal: Revista de Psicologia, v. 28, n. 2, p. 242-251, ago. 2016. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1984-0292/1458 . Acesso em 11/05/2022.
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; François DOSSE, 2004DOSSE, François. “O espaço habitado segundo Michel de Certeau”. Artcultura, v. 6, n. 9, p. 85-96, jul./dez. 2004. Disponível em Disponível em https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1373 . Acesso em 08/05/2022.
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; Ramon P. dos REIS, 2017REIS, Ramon. “Making out with the city: (homo)sexualities and socio-spatial disputes in Brazilian ‘peripheries’”. Vibrant, v. 14, n. 3, e143257, abr. 2017a. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/1809-43412017v14n3p257. Acesso em 03/06/2022.
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a). Esses movimentos e usos cotidianos que se fazem dos espaços ultrapassam os propósitos meramente econômicos (Lázaro BATISTA; Luís BAPTISTA, 2018BATISTA, Lázaro; BAPTISTA, Luís. “Limiares e fronteiras de uma cidade que ainda vive”. Interação em Psicologia, v. 22, n. 3, p. 151-157, 2018. Disponível em Disponível em http://doi.org/10.5380/psi.v22i3.56138 . Acesso em 03/06/2022.
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).

A cidade vivida/praticada, por sua vez, é indicativa da multiplicidade de práticas, relações, afetividades, experiências e sentidos (AGIER, 2015AGIER, Michel. “Do direito à cidade ao fazer-cidade. O antropólogo, a margem e o centro”. Mana, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 483-498, dez. 2015. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n3p483 . Acesso em 04/05/2022.
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; BATISTA; BAPTISTA, 2018BATISTA, Lázaro; BAPTISTA, Luís. “Limiares e fronteiras de uma cidade que ainda vive”. Interação em Psicologia, v. 22, n. 3, p. 151-157, 2018. Disponível em Disponível em http://doi.org/10.5380/psi.v22i3.56138 . Acesso em 03/06/2022.
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; Luiz Carlos SCHNEIDER, 2015SCHNEIDER, Luiz Carlos. “Lugar e não-lugar: espaços da complexidade”. Ágora, v. 17, n. 1, p. 65-74, set. 2015. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.17058/agora.v17i1.5311 . Acesso em 03/06/2022.
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) que constituem os espaços da cidade para além de seus limites geométricos, mas como lugar humanizado, onde existem fortes vínculos sociais, culturais e existenciais (SCHNEIDER, 2015). Conceber a cidade praticada consiste em “pensar a universalidade da cidade fora de qualquer pretensão normativa, ou seja, segundo uma concepção ao mesmo tempo epistemológica e política” (AGIER, 2015, p. 483), contingente de “individualidades que escapam dos mecanismos identitários de captura” (Pedro Caetano Eboli NOGUEIRA, 2018NOGUEIRA, Pedro Caetano Eboli. “Corpo, cidade e política na poética do coletivo Opavivará!”. Palíndromo, v. 10, n. 20, p. 116-130, mar. 2018. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5965/2175234609202018113 . Acesso em 02/06/2022.
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, p. 119), “relação singular no mundo, à dimensão existencial de um lugar habitado” (DOSSE, 2004DOSSE, François. “O espaço habitado segundo Michel de Certeau”. Artcultura, v. 6, n. 9, p. 85-96, jul./dez. 2004. Disponível em Disponível em https://seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/1373 . Acesso em 08/05/2022.
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, p. 88).

Normas sociais e ordenamentos urbanos procuram, incessantemente, tutelar esses usos e mobilidades (RIBEIRO; BAPTISTA, 2016), tentativas de manter a regularidade do cotidiano e a assepsia dessas práticas “microbianas”. Todavia, as homossexualidades funcionam como dissensos do cotidiano que perturbam essas regularidades da vida social e não se circunscrevem completamente à normatividade (Rogerio Proença LEITE, 2010LEITE, Rogerio Proença. “A inversão do cotidiano: práticas sociais e rupturas na vida urbana contemporânea”. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 53, n. 3, p. 737-756, out. 2010. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/S0011-52582010000300007 . Acesso em 04/04/2022.
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). Desse modo, consistem em práticas sociais geradoras de contestação e de mudanças, subversões que suscitam contrausos na cidade (LEITE, 2010). Essas resistências se aproximam do que Certeau (1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 42) nomeia de “artes ou maneiras de fazer”: táticas de praticantes que jogam a todo momento com os mecanismos da disciplina, transformando acontecimentos fortuitos em “ocasiões” - “pequenos sucessos, artes de dar golpes, astúcias de caçadores” (CERTEAU, 1994CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 47).

Como corpos dissidentes que se expõem à cidade, dificilmente saem ilesos, pois são alvos prioritários de estigmatizações, violências e ameaças. De acordo com Mozer de Miranda Ramos e Elder Cerqueira-Santos (2020RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 159-172, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 . Acesso em 03/06/2022.
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), tais violências e discriminações transformam a identificação enquanto homossexual como uma experiência traumática e negativa - uma “sentença” (RAMOS; CERQUEIRA-SANTOS, 2020RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 159-172, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 . Acesso em 03/06/2022.
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, p. 166). Dentre os homossexuais gays, os homens afeminados são aqueles mais facilmente identificados externamente como gays e desfrutam menos da “passabilidade heterossexual”. Gays são vulneráveis aos perigos de uma cidade homofóbica, tornando necessários cálculos minuciosos dos perigos enfrentados no cotidiano e nas sociabilidades com outros gays (Thiago Barcelos SOLIVA, 2011SOLIVA, Thiago Barcelos. “A Rua e o Medo: Algumas Considerações sobre a Violência Sofrida por Jovens Homossexuais em Espaços Públicos”. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, v. 2, n. 1, p. 122-132, jan./jul. 2011. Disponível em Disponível em https://revistas2.uepg.br/index.php/rlagg/article/view/1750 . Acesso em 04/05/2022.
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).

Em meio às barreiras e às fissuras existentes no direito à cidade para pessoas gays, a pandemia da Covid-19 em 2020 convocou a comunidade científica a repensar essa problemática. Ela forçou a reorganização das experiências urbanas cotidianas, impactando a circulação pela cidade e a possibilidade de encontro com o outro. Assim, as medidas sanitárias que visaram retardar a velocidade de propagação do vírus impuseram a necessidade de restrição de contato, o distanciamento e o isolamento social, os quais geraram impactos específicos e diferenciados nas minorias sexuais. Um dos rebatimentos foi o aumento dos índices de violência doméstica, mas pouco se sabe sobre a situação das pessoas LGBTQIA+ durante esse período (Bernardo Banducci RAHE, 2021RAHE, Bernardo Banducci. “Covid-19, Saúde Mental e População LGBTQIAP+: uma realidade (in)visível”. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, v. 16, n. 43, p. 1-2, jan./dez. 2021. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2815 . Acesso em 03/06/2022.
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). Sabe-se, todavia, que o afastamento dos encontros e circulação na cidade e o consequente confinamento no espaço privado da casa provocaram estresse e manutenção da discriminação, abusos e violências dentro de seus lares, ocasionando maior prevalência de depressão, ansiedade e uso abusivo de álcool (RAHE, 2021). É nesse cenário entre a cidade vivida-praticada e distanciada pela pandemia que nos propomos a analisar como as relações entre sexualidade/gênero e cidade se articulam à produção e à intensificação de processos de vulnerabilização psicossocial para homens gays afeminados.

Este artigo deriva de um doutorado em Psicologia, realizado entre os anos 2019-2023, no qual se utilizou um Formulário Online, composto por questões de múltipla escolha. Foi aplicado por meio do Google Forms, entre os meses de agosto e dezembro de 2020, junto a 240 homens que se autoidentificavam gays. O recrutamento dos participantes se deu pela divulgação do link em sítios e páginas LGBTQIA+ locais da internet, como Facebook, Twitter, Instagram e grupos de WhatsApp.

Ter mais de 18 anos, residir na capital ou região metropolitana e identificar-se gay foram os critérios de inclusão adotados. Os dados foram codificados, categorizados e armazenados em um banco de dados, utilizando-se o Statistical Package for the Social Sciences, vigésima terceira versão (SPSS-23), de onde provêm alguns percentuais descritivos.

Dentre os respondentes do questionário, 8 (oito) participantes afeminados concordaram em colaborar na etapa qualitativa da pesquisa, a qual consistiu de entrevistas remotas que exploraram, dentre outros aspectos, os impactos da pandemia no cotidiano desses sujeitos. Foram realizadas e gravadas de forma virtual, por meio do Google Meet. O tratamento dos dados qualitativos foi feito a partir da modalidade de Análise Temática (Luciana Karine de SOUZA, 2019SOUZA, Luciana Karine de. “Pesquisa com análise qualitativa de dados: conhecendo a Análise Temática”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 71, n. 2, p. 51-67, maio/ago. 2019. Disponível em Disponível em https://dx.doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i2p.51-67 . Acesso em 10/06/2022.
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), procedendo os seguintes passos: familiarização e codificação dos dados, busca e revisão dos temas à luz da literatura especializada, consolidação dos temas e dissertação dos resultados.

A presente pesquisa seguiu os parâmetros éticos previstos na Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 510/2016, que trata das pesquisas envolvendo seres humanos, e foi submetida ao Conselho de Ética em Pesquisa da UFRN (CEP-UFRN), recebendo parecer favorável à sua execução, CAAE: 38143220.7.0000.5537.

Afeminação e experiência urbana gay

Responderam ao questionário on-line 240 homens que se autoidentificavam como gays, os quais eram, em sua maioria, jovens, solteiros, com elevada escolaridade e baixa renda, brancos e ateus.

Quadro 1
Perguntas do questionário eletrônico (n = 240)

É possível abstrair desses dados do questionário eletrônico que gays ainda são alvos de violência sistemática ao circularem cotidianamente pela cidade. Consoante Leandro Andrei Beser de Deus et al. (2020DEUS, Leandro Andrei Beser; OLIVEIRA, Nathalia Pacheco Santolin de; MONTE, Victor Hugo Arona do; GUIMARÃES FILHO, Ronald Cardoso de Castro; ALMEIDA, Rafaela Torres de; REIS, Rodrigo Veiga; SOUZA, Jonathan Araújo Barreto de. “Por uma cidade sem medo: uma espacialização da violência contra pessoas LGBT+ no Rio de Janeiro”. Revista Tocantinense de Geografia, v. 9, n. 17, p. 123-138, mar. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.20873/rtg.v9n17p123-138 . Acesso em 03/06/2022.
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), apesar de a agressão física ser considerada de maior gravidade, a violência pode se manifestar de diferentes modos e não necessariamente implica uma agressão física. Segundo os autores, a violência pode se manifestar de forma verbal, física, moral, psicológica ou sexual - que pode ir desde as piadas e brincadeiras, até estupros e assassinatos. O estudo desses autores demonstrou que a agressão verbal é a forma mais recorrente de violência sofrida nos espaços da cidade; que o espaço público é onde há maior risco de sofrer algum tipo de violência, sobretudo em bairros que concentram pontos atrativos para a população LGBTQIA+ e no turno da noite/madrugada, horário de funcionamento de bares e boates.

De acordo com Cláudio Oliveira Carvalho e Gilson Santiago Macedo (2017CARVALHO, Cláudio Oliveira; MACEDO, Gilson Santiago. “‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano”. Revista de Direito da Cidade, v. 9, n. 1, p. 103-116, jan. 2017. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.12957/rdc.2017.26356 . Acesso em 03/05/2022.
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), a cidade é produzida como reflexo e proteção de ideias e valores dominantes. Assim, uma vez que a sociedade assume a heteronormatividade como padrão e a heterossexualidade como norma sexual legítima e moralmente constituída, a cidade também se constitui enquanto um ambiente que mitiga subjetividades, rejeitando as sexualidades e identidades de gênero desviantes da norma sexual posta. Para esses autores, a prescrição normativa dos espaços urbanos produz o fenômeno da expansão do “armário” para a cidade, em que o espaço público é utilizado para a ocultação da população LGBTQIA+, sobretudo, através da sacralização heterossexual dos espaços, por meio dos discursos pró-família e pró-moralização do ambiente urbano. Desse modo, ordena a organização dos espaços entre autorizados e desautorizados às minorias sexuais, ou seja, realiza uma verdadeira economia sexual. Em tal economia dos corpos adequados, por um lado, determinados sujeitos têm liberdade para transitar livremente pela cidade e acessar seus mais diversos serviços. Por outro lado, aos corpos desobedientes às prescrições instituídas nos espaços é reservado o medo - da rua, da cidade (CARVALHO; MACEDO, 2017CARVALHO, Cláudio Oliveira; MACEDO, Gilson Santiago. “‘Isto é um lugar de respeito!’: a construção heteronormativa da cidade-armário através da invisibilidade e violência no cotidiano urbano”. Revista de Direito da Cidade, v. 9, n. 1, p. 103-116, jan. 2017. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.12957/rdc.2017.26356 . Acesso em 03/05/2022.
https://doi.org/10.12957/rdc.2017.26356...
).

Não se trata, pois, do apagamento desses sujeitos da cidade, mas de sua inscrição em circuitos controláveis e tolerantes das sexualidades e performances desviantes. Tal como José de Souza Martins (1997MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997., p. 26), recusamos a tese da exclusão enquanto uma marca da obliteração desses corpos desviantes, mas, ao contrário, entendemos exclusão como “aquilo que constitui o conjunto das desigualdades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal”. Tal ideia conversa com o conceito de heterotopia proposto por Foucault (2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2013.). As heterotopias - em específico as relacionadas à noção de desvio, como é socialmente aplicado às minorias sexuais - têm a ver com o crescimento dos mecanismos disciplinares sobre o corpo social da modernidade, isto é, “os lugares que a sociedade dispõe em suas margens, nas paragens vazias que a rodeiam, são antes reservados aos indivíduos cujo comportamento é desviante relativamente à média ou à norma exigida” (FOUCAULT, 2013FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 Edições, 2013., p. 22).

Para a comunidade LGBTQIA+ ocupar os espaços da cidade, para além de ser um ato de resistência, é a possibilidade de quebrar e romper barreiras impostas por um planejamento urbano heteronormativo o que permite uma maior diversificação nas práticas sociais nos espaços da cidade (Fernando Henrique Nascimento KIKUCHI; Luiz Gilberto SILVA; Lígia Maria Ávila CHIARELLI, 2021KIKUCHI, Fernando Henrique Nascimento; SILVA, Luiz Gilberto; CHIARELLI, Lígia Maria Ávila. “Preconceito e o isolamento social: como a pandemia do coronavírus afeta a percepção social da comunidade LGBTQIA+”. Projectare: Revista de Arquitetura e Urbanismo, v. 2, n. 12, p. 40-53, dez. 2021. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Projectare/article/view/21584 . Acesso em 01/06/2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
). Esse aspecto, fortemente prejudicado no cenário pandêmico e de isolamento social, pode ser observado no relato a seguir:

Há “84 anos atrás” existia uma praça chamada “Mitsubishi”. Era muito fácil de achar porque você subia uma rua e chegava lá, não tinha mistério. Era um pouco caótico, era muita gay lá. Não tinha ninguém na praça, mas quando chegava a primeira gay “brotava”. Ia entrando à noite e estavam lá, às vezes passavam madrugada. Começava umas 18h, 19h. Às vezes passavam no Nordestão [supermercado], comprava uma bebida, atravessava a rua e ficava lá. Mas era uma coisa bem assim: ficava lá, conversando, curtindo, bebendo, cantando (Entrevistado 7, 28 anos, pardo, estudante).

No entanto, as experiências urbanas gays não consistem em realidades homogêneas, sobretudo ao se tomar a afeminação enquanto um marcador social. Ramos e Cerqueira-Santos (2020RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 159-172, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 . Acesso em 03/06/2022.
https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2...
) referem que afeminado é o adjetivo dado a sujeitos que aparentam ou comportam-se de forma a transmitir feminilidade para além do que é convencionalmente concebido em um contexto cultural. Os autores indicam que a rejeição e a aversão à afeminação - a antiafeminação - têm se intensificado nas últimas décadas, aprofundando desigualdades e iniquidades sociais com base nas performances abjetas. Concomitantemente, verifica-se a exaltação de uma masculinidade extremada, baseada em premissas misóginas e heteronormativas, que se impõe como norma aos corpos falocentricamente designados masculinos. Ou seja, argumentam que existe uma forte demarcação entre afeminados e não afeminados; que prevalece a predileção cultural e estética pelas performances não afeminadas; e que a antiafeminação emerge enquanto um processo concreto de rebaixamento, discriminação e de exclusão dos afeminados - inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIA+. Todavia, é importante não perder de vista que a afeminação é, antes de tudo, um ato performativo e, não necessariamente, um signo da homossexualidade, ou seja, nem todo gay é afeminado, e nem todo afeminado é gay (Giancarlo CORNEJO, 2013CORNEJO, Giancarlo. “La guerra declarada contra el niño afeminado: Una autoetnografía 'queer’”. Íconos: Revista de Ciencias Sociales, v. 39, p. 79-95, 2013. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.17141/iconos.39.2011.747 . Acesso em 28/06/2023.
https://doi.org/10.17141/iconos.39.2011....
).

Outra ressalva que gostaríamos de fazer é acerca do que estamos nomeando aqui de “comunidade LGBTQIA+”: esta não consiste em um bloco homogêneo, coeso, isento de contradições e, muitas vezes, reprodutor de mecanismos de opressão com base no padrão hegemônico de gênero e sexualidade. Reconhecemos também que a expressão “comunidade LGBTQIA+” é uma expressão difusa, mutável e, ao mesmo tempo, não engloba, necessariamente, a categoria dos afeminados. Contudo, considerando seu uso consistente e recente nas arenas acadêmica, política e militante - num esforço de caracterizar a diversidade e pluralidade sexual e de gênero e, ao mesmo tempo, um lugar comum de investimento político e identitário -, optamos por utilizá-la, reconhecendo que aquilo que denominamos por “comunidade LGBTQIA+” é uma expressão construída e não imanente.

No cenário brasileiro, a afeminação funciona como o principal marcador para identificar a homossexualidade masculina, “criando uma patrulha implacável em busca de gestos, tom de voz, aparência, sensibilidade, forma de andar e diversos outros elementos tidos como expressões de gênero” (RAMOS; CERQUEIRA-SANTOS, 2020RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 159-172, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 . Acesso em 03/06/2022.
https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2...
, p. 166), mecanismos de vigilância que se materializam desde muito cedo por instituições como a família e a religião. Apesar dos amplos efeitos que essa diferenciação produz na vida de homens gays, a afeminação é ainda um tema acadêmico que tem recebido pouca atenção no contexto brasileiro, ou seja, a maior parte dos estudos não se propõe a investigar a afeminação e os elementos a ela associados como uma categoria analítica indispensável em estudos de revisão e/ou empíricos (RAMOS; CERQUEIRA-SANTOS, 2019).

Apesar dessa escassez, algumas publicações recentes tocam nessa problemática (REIS, 2012REIS, Ramon. “Eu tenho medo de ficar afeminado: performances e convenções corporais de gênero em espaços de sociabilidade homossexual”. Revista do NUFEN, v. 4, n. 1, p. 73-87, jun. 2012. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912012000100007&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 03/06/2022.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; 2017a; 2017b; RAMOS; CERQUEIRA-SANTOS, 2019RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Escala de Atitudes Negativas sobre Afeminação (ANA): adaptação e evidências de validade no Brasil”. Psico, v. 50, n. 2, e31342, ago. 2019. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.15448/1980-8623.2019.2.31342 . Acesso em 03/06/2022.
https://doi.org/10.15448/1980-8623.2019....
; 2020; Ettore Stefani MEDEIROS, 2017MEDEIROS, Ettore Stefani. “De ‘não curto afeminado nem pra amizade’ a ‘por que tantos heteronormativos?’: masculinidades e discursos dominantes e táticos nas fachadas do Grindr”. Revista Ártemis, v. 23, n. 1, p. 55-62, jan./jun. 2017. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.22478/ufpb.1807-8214.2017v23n1.35785 . Acesso em 03/06/2022.
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). Tais estudos demonstram que a afeminação se articula às noções êmicas de “respeito” e “pinta”, constituindo regimes de visibilidades e de hierarquias, ou seja, entre os homens gays exalar feminilidade, além do que é socialmente desejável, é tomado como sinônimo de desrespeito e tende a ser evitado e punido (REIS, 2017REIS, Ramon. “‘É preciso ser bem visto, não manchar a reputação, se dar o respeito’: dos regimes de visibilidade nas trajetórias de homens homossexuais”. Revista Ártemis, v. 23, n. 1, p. 38-54, jan./jun. 2017b. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.22478/ufpb.1807-8214.2017v23n1.35784 . Acesso em 02/06/2022.
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b); que as polarizações entre o ser macho-discreto e ser afeminado-pintoso atuam como campos de disputa discursiva constantes, em que, da mesma forma que discursos se constroem em demérito da afeminação, outros discursos de resistência plurais ganham terreno (MEDEIROS, 2017); que os usos da cidade se produzem como efeito da dicotomia discreto-afeminado em intersecção com outros marcadores sociais da diferença, isto é, certos espaços de encontros e sociabilidades carregam a marca daqueles que os frequentam, assim, alguns lugares são mais abertos e plurais que outros à presença e à circulação de afeminados, negros, trans/travestis, com piores condições socioeconômicas etc. (REIS, 2012).

De fato, os dados das 8 (oito) entrevistas realizadas confirmam essa posição sociopoliticamente induzida em que a afeminação se constitui em um fator de vulnerabilidade e de sofrimento na experiência urbana gay. Isso significa que exibir uma performance afeminada nos espaços públicos da cidade expõe mais fortemente esses sujeitos à violência, às ameaças e à agressão verbal e física. Segundo alguns entrevistados, ser afeminado não é uma condição imanente aos sujeitos, e sim uma construção social que rotula os sujeitos com base no estilo que vestem, no modo como se comportam, bem como em traços físicos-corporais que remetem à noção de feminilidade. Compreendem que a afeminação é uma gradação - continuum - que vai de um polo “afeminado” até outro polo “discreto”. Situa-se entre uma ponta a outra o nível de “passabilidade”, ou seja, o grau que uma pessoa gay consegue camuflar de sua performance para outras pessoas: Tipo assim, sabe quando você escuta muito, repetidamente, que você é aquilo. Então você entende que é aquilo e aceita que é aquilo? Tipo isso (Entrevistado 1, 21 anos, preto, atendente de telemarketing).

A passabilidade confere “respeito” e autoproteção, o que, em geral, tem a ver com não se expressar livremente para pessoas que possam ser hostis às performances afeminadas - geralmente pessoas heterossexuais homofóbicas e/ou da própria família. Desse modo, a passabilidade é vista como um artifício necessário para sobreviverem, e a “não passabilidade”, uma marca que torna homens gays afeminados alvos facilmente identificáveis e puníveis, por escaparem ao padrão heteronormativo. Ademais, a passabilidade se articula aos marcadores raça e renda, ou seja, a aceitabilidade em torno das performances afeminadas tem como horizonte aceitável o gay branco e bem-sucedido.

De acordo com Winny Gabriela Santana e Tiago Duque (2020SANTANA, Winny Gabriela; DUQUE, Tiago. “‘Montação, tombação, picumã’: uma análise antropológica da performance drag em Campo Grande/MS”. Revista Ártemis, v. 30, n. 1, p. 331-349, 2020. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/artemis/article/view/49248 . Acesso em 28/06/2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.ph...
), a “passabilidade” diz respeito “às performances contemporâneas de feminilidades e masculinidades que revelam normas e convenções constitutivas de um regime de visibilidade/conhecimento” (p. 340). Logo, uma das leituras possíveis do termo, que foi evocada por nossos participantes, associa-se ao reconhecimento e à adequação às hierarquias sociais hegemônicas, visando “camuflar-se” para não sofrer violências por transgredir as normas hegemônicas socialmente estabelecidas.

Acerca da intersecção entre raça e homossexualidade afeminada, algumas entrevistas revelam que ser gay negro e afeminado imprime uma tonalidade única à experiência urbana gay. Ou seja, além da opressão em razão de sua sexualidade e sua performance mais afeminada, é comum sofrer racismo nos diversos espaços em que circula - seja no trabalho, seja na escola/universidade, seja nos espaços públicos ou privados da cidade. Os entrevistados negros relataram já haverem sofrido racismo em estabelecimentos comerciais, serem seguidos por seguranças do local, como se representassem um risco, como se estivessem ali para furtar, mostrando como a criminalização do corpo negro está instituída nesses espaços. Nos espaços públicos, o racismo se articula também à objetificação e à hipersexualização do corpo negro, o qual é tomado como irrestritamente disponível para ser usado e assediado - como frequentemente acontece nos banheiros públicos das cidades.

Nesse sentido, estamos de acordo com Ramos e Cerqueira-Santos (2020RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 159-172, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 . Acesso em 03/06/2022.
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) de que corpo, etnia, classe são alguns dos marcadores que implicariam diferenças intragrupais que podem ser compreendidas como dispositivos de poder. Isso nos levar a considerar que afeminação é uma categoria analítica de vulnerabilização psicossocial de certos corpos, um marcador social importante que imprime particularidades à experiência urbana de homens gays, com potencial de gerar medo e sofrimento. Isso pode ser observado, sobretudo, no período sociopolítico do país no qual se desenrolou esta pesquisa, em que era notável o “efeito Bolsonaro”, isto é, a amplificação de discursos de ódio e de aversão à diversidade sexual e de gênero. Nesse cenário, o medo consiste em um dispositivo biopolítico constante na experiência urbana de homens gays afeminados, especialmente, entre aqueles pobres, pretos e periféricos.

De acordo com Sonia Regina Vargas Mansano e Marcos Nalli (2018MANSANO, Sonia Regina Vargas; NALLI, Marcos. “O medo como dispositivo biopolítico”. Psicologia: teoria e prática, v. 20, n. 1, p. 85-97, jan./abr. 2018. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicologia.v20n1p85-97 . Acesso em 03/06/2022.
https://doi.org/10.5935/1980-6906/psicol...
), o medo pode ser compreendido como um componente de subjetivação que pode apresentar diferentes contornos e se expressar nas relações afetivas, laborais, sexuais e sociais. Enquanto um dispositivo biopolítico, o medo pode ser compreendido como um conjunto de práticas, normas e hábitos que participam da produção dos modos de existência. Assim, consegue se difundir em relações que podem despotencializar e enfraquecer o sujeito e as coletividades, constrangendo as experiências de circulação na cidade. Tal medo é atenuado com a presença e circulação de outras pessoas nos espaços da cidade, coletividade que gera maior senso de autoproteção, sobretudo em relação à presença de outros indivíduos LGBTQIA+ nos locais, gerando maior sensação de segurança ao percorrer e permanecer nos espaços públicos.

E sobre essa questão do transitar por espaços, essa tensão é muito existente. Eu quando estou com pessoas próximas, eu me sinto mais à vontade, com namorado, com amigos etc. Quando não estou, eu me sinto mais acanhado e com mais medo. Mas eu penso que, se a gente quer alguma transformação, a gente tem que fazer acontecer o movimento. Então, eu não posso ficar, como outros gays fazem, partindo do pressuposto de que eu tenho que me esconder ou que tenho que respeitar a opinião de quem me desrespeita. Então, eu tento sempre não me esconder tanto, mas também não chamar tanta atenção, justamente por causa do medo. Por isso, eu digo que costuma ter um atrito aí, entre se sentir livre e ter medo. É o que eu sinto (Entrevistado 6, 20 anos, pardo, estudante).

A escola e universidade despontaram em nosso estudo como espaços propícios para vivenciarem de maneira autêntica a sexualidade afeminada. São nesses ambientes que se deflagram inúmeros processos de subjetivação, de desconstrução de valores tradicionais enraizados, de autoaceitação e de autoidentificação enquanto homens gays afeminados. Alguns entrevistados enxergam a escola/universidade enquanto espaços onde imperam a diversidade e a tolerância às diferenças, o que gera maior conforto e bem-estar. Aí encontraram geralmente amparo institucional, especialmente com o/a profissional do serviço escola de psicologia, o/a qual, em momentos críticos, representou uma abertura para falarem sobre si e desmistificarem os desejos homoafetivos/homoeróticos e as performances gays socialmente condenadas. Estudos mostram que, apesar de ainda existirem preconceito, discriminação e violências contra as pessoas de sexualidades dissidentes no ambiente universitário, a universidade contribui para a construção de respeito às diferenças sexuais e de gênero, de promoção ao combate às violências, de liberdade, autonomia e expressão, sem a necessidade de se esconder em um “armário”. Ademais, a distância dos laços familiares aumenta a liberdade individual e faz com que pessoas consigam exercer sua cidadania LGBTQIA+ (Aurivar FERNANDES; Olga Regina Zigelli GARCIA; Lilian Meira SOUTO, 2021FERNANDES, Aurivar; GARCIA, Olga Regina Zigelli; SOUTO, Lilian Meira. “Do armário para vitrine: Visibilizando e acolhendo a diversidade sexual no ambiente universitário”. Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 7, n. 3, p. 88-107, jun./ago. 2021. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/46919 . Acesso em 03/06/2022.
https://periodicos.ufba.br/index.php/cad...
; KIKUCHI; SILVA; CHIARELLI, 2021KIKUCHI, Fernando Henrique Nascimento; SILVA, Luiz Gilberto; CHIARELLI, Lígia Maria Ávila. “Preconceito e o isolamento social: como a pandemia do coronavírus afeta a percepção social da comunidade LGBTQIA+”. Projectare: Revista de Arquitetura e Urbanismo, v. 2, n. 12, p. 40-53, dez. 2021. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Projectare/article/view/21584 . Acesso em 01/06/2022.
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).

Porque o que eu conheço sobre a universidade é um ambiente totalmente desconstruído, com o mínimo de preconceito possível, com uma militância muito forte. Pode ter situações desagradáveis? Pode ter. E mesmo que tenha “maçã podre” (sic) na universidade, provavelmente eu vou encontrar um ambiente mais confortável pra mim, com os viados bem afeminados, com os héteros que não tenham preconceito etc. (Entrevistado 2, 20 anos, pardo, desempregado).

Rebatimentos da pandemia na experiência urbana gay

Essa pesquisa e produção dos dados se realizaram em um período de rápida propagação e forte letalidade do coronavírus, com adoção de medidas sanitárias e de intenso confinamento social. No momento de escrita desse artigo, vivenciava-se um clima social um pouco diferente, de ampla imunização da população e de gradual retorno às atividades cotidianamente realizadas antes da pandemia. Apesar disso, cremos que as produções oriundas durante esse período não perdem validade, visto que os efeitos sociais e psicológicos da pandemia são sempre mais duradouros que a própria pandemia, de modo que as reflexões aqui ensejadas permanecerão atuais e relevantes socialmente. Ademais, no contexto globalizado e de intensificação da circulação de pessoas e bens, torna-se previsível que pandemias e seus efeitos diretos e indiretos se tornem realidades mais frequentes. Nesse sentido, problematizar as experiências urbanas cotidianas de minorias sexuais continua a ser um campo profícuo de reflexão, produção acadêmica e carente de respostas científicas, políticas e sociais.

Os resultados discutidos até aqui reforçam que o espaço urbano é um ambiente heteronormativo e violento, marcado pela imposição da reclusão e desaparecimento de pessoas LGBTQIA+ das cenas urbanas, em especial, de gays afeminados. O isolamento social causado pela pandemia do coronavírus intensificou esse movimento de enclausuramento e tornou ainda mais difícil o convívio social de pessoas LGBTQIA+, sobretudo em tempos de políticas e discursos da direita conservadora no Brasil (Jorge GATO et al., 2021GATO, Jorge; BARRIENTOS, Jaime; TASKER, Fiona; MISCIOSCIA, Marina; CERQUEIRA-SANTOS, Elder; MALMQUIST, Anna; SEABRA, Daniel; LEAL, Daniela; HOUGHTON, Marie; POLI, Mikael; GUBELLO, Alessio; RAMOS, Mozer de Miranda; GUZMÁN, Mónica; URZÚA, Alfonso; ULLOA, Francisco; WURM, Matilda. “Psychosocial Effects of the COVID-19 Pandemic and Mental Health among LGBTQ+ Young Adults: A Cross-Cultural Comparison across Six Nations”. Journal of Homosexuality, v. 68, n. 4, p. 612-630, mar. 2021. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1080/00918369.2020.1868186 . Acesso em 04/05/2022.
https://doi.org/10.1080/00918369.2020.18...
; KIKUCHI; SILVA; CHIARELLI, 2021KIKUCHI, Fernando Henrique Nascimento; SILVA, Luiz Gilberto; CHIARELLI, Lígia Maria Ávila. “Preconceito e o isolamento social: como a pandemia do coronavírus afeta a percepção social da comunidade LGBTQIA+”. Projectare: Revista de Arquitetura e Urbanismo, v. 2, n. 12, p. 40-53, dez. 2021. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Projectare/article/view/21584 . Acesso em 01/06/2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
; Thiago TORRES et al., 2021TORRES, Thiago; HOAGLAND, Brenda; BEZERRA, Daniel R. B.; GARNER, Alex; JALIL, Emilia M.; COELHO, Lara E.; BENEDETTI, Marcos; PIMENTA, Cristina; GRINSZTEJN, Beatriz; VELOSO, Valdilea G. “Impact of COVID-19 Pandemic on Sexual Minority Populations in Brazil: An Analysis of Social/Racial Disparities in Maintaining Social Distancing and a Description of Sexual Behavior”. AIDS and Behavior, v. 25, n. 1, p. 73-84, jan. 2021. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984-1 . Acesso em 04/06/2022.
https://doi.org/10.1007/s10461-020-02984...
).

Três aspectos ganham notoriedade a partir das modificações no cotidiano trazidas pela pandemia: o primeiro aponta para o empobrecimento da experiência urbana e perda de contato com as experiências sensíveis ao circular cotidianamente e ordinariamente pela cidade; o segundo é a reclusão com famílias reforçadoras da heteronormatividade; o terceiro diz respeito ao afastamento dos laços comunitários, de pertencimento e de sociabilidade LGBTQIA+.

Sobre o empobrecimento da experiência urbana, Kikuchi, Silva e Chiarelli (2021KIKUCHI, Fernando Henrique Nascimento; SILVA, Luiz Gilberto; CHIARELLI, Lígia Maria Ávila. “Preconceito e o isolamento social: como a pandemia do coronavírus afeta a percepção social da comunidade LGBTQIA+”. Projectare: Revista de Arquitetura e Urbanismo, v. 2, n. 12, p. 40-53, dez. 2021. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Projectare/article/view/21584 . Acesso em 01/06/2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
) referem que a vivência urbana cotidiana deflagra processos de subjetivação, uma vez que experienciar o espaço público agrega um valor identitário para o sujeito. Consoante esses autores, os espaços que mais atraem esse público costumam ser locais que possuem maior número de pessoas LGBTQIA+, sendo eles praças, parques, museus, feiras de ruas, bares e festas.

Algumas entrevistas revelam que essas alterações no cotidiano impactaram a saúde mental e o bem-estar dos participantes, na medida em que circular cotidianamente pela cidade, com distintos propósitos - seja estudo, trabalho ou lazer - funcionava como fonte de distração e estratégia para aliviar o estresse e mal-estar do dia a dia. Nova realidade que afetou, sobretudo, aqueles que conviviam em lares pouco acolhedores da sexualidade, e que buscavam na circulação ordinária pela cidade uma forma de sair daquele cenário danoso.

Se eu pudesse andar na cidade, eu poderia acalmar minha mãe, sair das quatro paredes, pensar um pouco etc. Eu consigo fazer isso no momento em que vou correr, mas não é uma rotina, é muito limitado, então não supre tudo. É uma fugida do ambiente de casa, mas não é completamente livre (Entrevistado 2, 20 anos, pardo, desempregado).

Outras entrevistas também apontam para a intensificação do contato virtual durante o período de isolamento social. Esse maior tempo gasto no âmbito virtual acarretou excesso de informação, ansiedade e pensamentos depressivos, os quais se acentuam pela impossibilidade de circular cotidianamente pela cidade. Kikuchi, Silva e Chiarelli (2021KIKUCHI, Fernando Henrique Nascimento; SILVA, Luiz Gilberto; CHIARELLI, Lígia Maria Ávila. “Preconceito e o isolamento social: como a pandemia do coronavírus afeta a percepção social da comunidade LGBTQIA+”. Projectare: Revista de Arquitetura e Urbanismo, v. 2, n. 12, p. 40-53, dez. 2021. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Projectare/article/view/21584 . Acesso em 01/06/2022.
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
) encontraram resultados semelhantes ao nosso, e situam que, com o passar do tempo, a falta da rua, a convivência forçada com a família e a falta do contato com os outros começaram a gerar conflitos internos que os faziam repensar o sentido da quarentena ou do porquê se isolar.

Acho que é parecido, porque se tem algo que aumentou muito nessa pandemia, que eu considero negativo, é o tempo nas redes sociais. Eu sento pensando que vou passar cinco minutinhos e quando vejo já tô uma hora vendo as coisas no Twitter ou Instagram. E o ânimo parece que vai lá embaixo, sem nem precisar ver notícias ruins. Claro que, se eu ver notícias ruins, isso é pior, mas normalmente só de estar nas redes, já fico desmotivado pra outras coisas. É como um buraco negro que fica me puxando e eu não consigo sair (Entrevistado 4, 26 anos, negro, desempregado).

Uma das principais - se não a principal - marcas da pandemia para homens gays afeminados tem sido a intensificação da convivência com a família durante o período de isolamento social. Como efeitos disso relataram persistir o nervosismo diário por necessitarem estar constantemente autovigilantes sobre seus comportamentos e gestos dentro de casa, principalmente em relação às performances afeminadas.

É complicado, é difícil, é estressante. Os principais atritos que eu citei na minha fala é (sic) em relação a isso. Mas, eu costumo não rebater, eu finjo que não estou ouvindo, finjo que não ligo, coisas do tipo. É bem difícil. Esse é o principal motivo de eu não me sentir tão à vontade em casa. Eu me arrependi de ter vindo para casa hoje, porque eu lembrei que tinha que fazer essa entrevista e tinha que falar sobre minhas vivências como menino gay, que minha mãe não sabe. Então, eu já fiquei nervoso e tenso. E isso é diariamente, é recorrente (Entrevistado 6, 20 anos, pardo, estudante).

Isso demonstra, tal como apontado por Fabio Alves Gomes Oliveira, Henrique Rabello Carvalho e Jaqueline Gomes de Jesus (2020OLIVEIRA, Fabio Alves Gomes; CARVALHO, Henrique Rabello; JESUS, Jaqueline Gomes. “LGBTI+ em tempos de Pandemia da Covid-19”. Diversitates - Revista Internacional, v. 12, n. 1, p. 60-94, jan./jun. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.53357/CBOL2276 . Acesso em 02/06/2022.
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), que o isolamento social é um fator que a comunidade LGBTQIA+ já vivenciava diariamente, mesmo antes da pandemia do coronavírus, dentro de casa, em espaços públicos ou institucionais. Os autores confirmam que os padrões impostos pela sociedade fazem com que os indivíduos LGBTQIA+ vivam de forma a esconder diariamente as suas individualidades e modos de vida, fomentando ainda mais o preconceito institucionalizado.

Percebe-se que, no período pandêmico e de isolamento social, no qual a experiência urbana cotidiana concentra-se majoritariamente no espaço da casa e de contato virtual, de estudo e de trabalho remotos, as relações familiares cotidianas assumiram a centralidade nos relatos dos participantes. Nesse sentido, o ambiente familiar mostrou tolher/restringir as performances identificadas como “afeminadas”, tais como pintar unhas e usar adereços socialmente normatizados como femininos (brincos, saia, utensílios para cabelo, maquiagem etc.). Desse modo, estão instituídas nas relações familiares normas comportamentais e códigos de conduta que operam no sentido de aniquilar e/ou tutelar a existência do gay afeminado no cotidiano familiar.

O preconceito não vem só da sociedade, mas da família também: a minha mãe, que diz ser uma pessoa que aceita os homossexuais, que é aberta à homossexualidade, logo no início foi extremamente homofóbica comigo. E hoje em dia tem certo grau de homofobia, pois ela repreende esse meu lado “mais feminino”. Ela acha que eu tenho de me comportar como machinho, sabe? Que com os clientes dela eu tenho de falar grosso e tal, meu pai do mesmo jeito. A minha família, no geral, é assim, e isso acaba podando a pessoa: ou a pessoa se adequa, ou a pessoa fica escutando aquela mesma ladainha de sempre (Entrevistado 8, 24 anos, branco, técnico em Informática).

Enquanto corpos precários, alguns entrevistados apontaram que revelar sua sexualidade para a sociedade como um todo e para sua família, em particular, mostrou-se um processo difícil, doloroso e repressivo, sobretudo nos lares em que a religião baliza as relações familiares cotidianas. Nesses casos, “manter um personagem” para a família foi uma das estratégias encontradas nos relatos dos participantes. Como efeitos dessa opressão religiosa e familiar - de aversão à homossexualidade e à afeminação -, foram relatados o suicídio e a “saída do armário” de forma radical e conflituosa, em alguns casos sendo forçados para que “saíssem do armário”. Ou seja, tal como referem Ramos e Cerqueira-Santos (2020RAMOS, Mozer de Miranda; CERQUEIRA-SANTOS, Elder. “Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia”. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 72, n. 1, p. 159-172, abr. 2020. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2020v72i2p.159-172 . Acesso em 03/06/2022.
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), para muitos sujeitos afeminados, a homossexualidade não se apresenta inicialmente como uma descoberta afetivo/sexual, mas como uma sentença. Algo que se mostra anterior ao conhecimento de si mesmo.

Pra mim foi complexo essa “saída do armário”, foi longo, foi doloroso e foi complicado. Quando eu falo com gays eles sempre falam: “ah, eu sempre soube, desde criança”. Pra mim não foi bem assim, porque quando eu comecei a ver meu “lado feminino”, eu comecei também a negar. Porque desde cedo eu via meu pai restringir: “engrossa a voz, ajeita essa postura, só tem amigo mulher”, então eu comecei a me restringir também (Entrevistado 3, 21 anos, branco, desempregado).

Essas relações de opressão que se desenvolvem no âmbito familiar - de não aceitação à sexualidade e às performances afeminadas, diretamente ou indiretamente, geram rebatimentos na experiência urbana dos entrevistados fora de casa, visto que necessitam calcular o grau de exposição na cidade, para não serem vistos/reconhecidos por membros da família ou por pessoas próximas, sobretudo ao se considerar o perfil geral dos participantes entrevistados, os quais ainda são jovens, residem com os pais, não possuem sustento próprio e não são assumidos ou inteiramente aceitos pela família.

A figura do pai - a referência esperada de masculinidade - esforça-se, a todo custo, por resguardar o espaço da casa desses “desvios” e “corrigir” aquilo que se entende como resultado de uma má criação ou um erro: desde muito novo, sempre fui aquelas crianças que dava muita pinta. Então, eu brincava de boneca, eu vestia roupa da minha mãe, enfim, essas coisas. E aí quando minha mãe via, brigava e me batia (Entrevistado 6, 20 anos, pardo, estudante); Ela [a mãe] disse que tinha medo do que os outros iriam falar dela, porque as pessoas associariam que eu virei gay por causa de uma má criação (Entrevistado 6, 20 anos, pardo, estudante). Sobre esse aspecto, a educação familiar, com base na violência/agressão, fez parte de suas trajetórias desde muito cedo - violências essas que tinham como justificativa “corrigir o desvio” dos filhos, os quais escapavam às expectativas de gênero e sexualidade que tinham como horizonte casar e procriar.

Esses dados reforçam que se encontra instituído nas relações sociais e familiares o padrão cisheteronormativo. Consoante Amana Rocha Mattos e Maria Luiza Rovaris Cidade (2016MATTOS, Amana Rocha; CIDADE, Maria Luiza Rovaris. “Para pensar a cisheteronormatividade na psicologia: lições tomadas do transfeminismo”. Periódicus, v. 1, n. 5, p. 132-153, maio/out. 2016. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.9771/peri.v1i5.17181 . Acesso em 03/06/2022.
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, p. 134), a cisheteronormatividade “é uma perspectiva que tem a matriz heterossexual como base das relações de parentesco e a matriz cisgênera como organizadora das designações compulsórias e experiências das identidades de gênero”. De acordo com as autoras, ambas geram efeitos culturalmente naturalizados, balizados na noção de normalidade em detrimento da condição de anormalidade, produzindo nas experiências transgressoras e subalternas a sensação de indignidade e, consequentemente, o ocultamento.

Outro conceito importante, correlato ao de cisheteronormatividade, é de homonormatividade, isto é, uma “modalidade particular da heteronormatividade, através da qual se mostra como a população gay e lésbica se torna aceitável aos olhos da heterossexualidade hegemônica através de uma progressiva conformidade à heteronormatividade” (João Manuel OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, João Manuel. “Cidadania sexual sob suspeita: uma meditação sobre as fundações homonormativas e neo-liberais de uma cidadania de ‘consolação’”. Psicologia & Sociedade, v. 25, n. 1, p. 68-78, maio 2013. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.1590/S0102-71822013000100009 . Acesso em 03/06/2022.
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, p. 69). Segundo o autor, uma sociedade que se volta para o consumo, circunscrevendo-se na égide neoliberal, de despolitização das necessidades e reivindicações das minorias sexuais e de reforço ao binarismo de gênero, introduz dentro da própria comunidade LGBTQIA+ hierarquizações e graus de aceitabilidade e de conformidade dos corpos às normas de gênero (OLIVEIRA, 2013). É a partir da homonormatividade que podemos compreender a passabilidade como artifício de enquadramento às normas e aos padrões socialmente aceitos e valorizados de gênero e sexualidade.

Desse modo, mesmo nas famílias em que se sabe e, em alguma medida, se aceita a homossexualidade, ainda se faz necessário manejar a passabilidade heterossexual, visto que impera nos relatos dos participantes a afeminofobia dos pais. Assim, as performances afeminadas são fonte de conflitos constantes com a família. Todavia, encontram diferentes graus de apoio familiar, sendo mais aceitos e estabelecendo mais diálogo com as mulheres da casa. Um dos entrevistados relatou, inclusive, ser comum o pai repassar os confrontos às mulheres da casa. Outro participante referiu ser pouco frequente interagir com os homens da família, havendo mais abertura para conversarem e desconstruírem estereótipos de gênero e sexualidade com as mulheres da família. Esse aspecto também se verificou quanto à sensação de segurança na circulação urbana cotidiana, uma vez que se sentem mais seguros na presença de mulheres nos espaços da cidade: Se eu estou num lugar e tem várias mulheres, eu vou me sentir muito de boas. Se, por exemplo, for perto de uma quadra, que tem um bocado de homem jogando, eu nunca vou me sentir confortável. Penso logo o quê: vou ser espancado (Entrevistado 5, 18 anos, preto, estudante).

Essa aparente maior abertura pode ter a ver, como colocado por Berenice Bento (2015BENTO, Berenice. Homem não tece a dor: queixas e perplexidades masculinas. Natal: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015.), com o fato de a masculinidade hegemônica se posicionar como um modelo máximo e idealizado imposto sobre um amplo espectro de masculinidades, dentre as quais se situam os homens afeminados, mas também de hierarquia sobre o feminino. Ou seja, as decisões envolvendo a família e o cargo de chefia familiar normalmente são assumidas pelos homens (heterossexuais) da família. É nesse sentido que podemos compreender o porquê de as coalisões e tessituras das redes de apoio de homens gays afeminados dentro e fora do contexto familiar serem mais recorrentes com as figuras femininas.

A própria casa, portanto, é um espaço pouco acolhedor e pouco usado para encontrar-se/socializar com outras pessoas gays ou LGBTQIA+. Isso porque levar para o espaço da casa parceiros românticos, casuais ou mesmo amigos LGBTQIA+ gera conflitos e desgastes familiares. Isso justifica a razão pela qual outros espaços da cidade - privados ou públicos - assumem papel fundamental na possibilidade de encontro e na autenticidade da experiência de homens gays afeminados com maior liberdade. Todavia, no momento de intenso confinamento social, essas redes de apoio que se construíam nos diversos espaços da cidade se enfraqueceram. E, mesmo que tenham se fortalecido em meio virtual, nas redes sociais digitais, não possuíam a mesma potência de quando construídas na-pela-para a cidade coletivamente: tinha todo um trajeto, você estava fisicamente com as pessoas, eu sinto muita falta disso - de estar dentro da sala de aula, de estar com meus colegas, de poder dar um abraço neles, de fazer as atividades juntos (Entrevistado 8, 24 anos, branco, técnico em Informática).

Considerações finais

A revisão sistemática de Belarmino e Dimenstein (2021BELARMINO, Victor Hugo; DIMENSTEIN, Magda. “Experiência Urbana Gay na Cidade: uma Revisão Integrativa”. Revista Subjetividades, v. 21, n. 3, e11461, 2021. Disponível em Disponível em https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i3.e11461 . Acesso em 06/05/2022.
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) confirmou que as experiências urbanas gays têm sido alvo de reflexão na atualidade, e que a cidade usada é o ponto de partida de todos os trabalhos. Entretanto, foram encontradas lacunas: grande parte desses estudos não privilegiava corpos imersos em uma dada cotidianidade, mas focalizou corpos dispostos em espaços-tempos específicos - nas saunas, nas festas, nos bares, nos circuitos de divertimento e de lazer. Igualmente, poucos estudos investigavam diretamente sobre os homens gays afeminados, corpos performáticos que abrem caminhos na cidade para produção de novas experiências urbanas: sociabilidades contra usos e expressão da diversidade. Assim, o preenchimento dessas lacunas - sobre a perspectiva da cotidianidade e sobre a experiência situada da afeminação gay - foi a principal contribuição original desse artigo.

Este artigo desvelou que as experiências urbanas homossexuais são atravessadas cotidianamente por violências, discriminações e preconceitos, reverberando medo de circular pela cidade. Dispositivos de controle que visam controlar e mitigar suas existências na cidade se materializam, tomando formas sutis - como olhares de reprovação ou piadas -, até formas mais ostensivas - como agressões verbais, ameaças e violência física. Esses mecanismos são disparados pelos encontros e modos de interações dos corpos gays na cidade que contestam a imposição social da heteronormatividade.

Ser gay e afeminado mostrou aprofundar essas experiências traumáticas com a cidade, pois sofre mais preconceito, estigmas e inclusões precárias nos espaços urbanos. Apesar dos contrausos e resistências produzidas por coletivos que funcionam como mecanismo de proteção e de reivindicação do direito à cidade, a afeminação apresenta-se como um vetor de vulnerabilização na arena urbana. A pandemia se interpôs como um fenômeno desestabilizador, especialmente para os gays afeminados, fragilizando ainda mais esses laços de apoio e de pertencimento, na mesma medida em que as relações de opressão no âmbito familiar se intensificaram no período de isolamento social. Isso nos leva a considerar a afeminação como uma potente categoria analítica no estudo com dissidências sexuais e de gênero, um marcador social da diferença que imprime particularidades à experiência urbana de homens gays, sobretudo, interseccionada a classe social e raça/etnia.

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  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    BELARMINO, Victor Hugo; DIMENSTEIN, Magda; LEITE, Jáder Ferreira. “Cotidiano e a experiência urbana gay: afeminação como categoria analítica”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32 n. 2, e89631, 2024.
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    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2022
  • Revisado
    22 Dez 2023
  • Aceito
    28 Mar 2024
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