Open-access Pela desfamilização da política de assistência social no Brasil

For the de-familization of the social assistance policy in Brazil

Por la desfamilización de la política de asistencia social en Brasil

Resumo:

Este artigo busca problematizar o lugar e o papel da família na política de assistência social brasileira. A partir da análise crítica de conteúdo de leis, regulamentações e diretrizes federais a partir da Constituição de 1988, apontamos as contradições persistentes no campo da assistência social que, por um lado, propõe-se a engendrar autonomia e dignidade individuais, mas por outro, implementa ações com foco acentuado na família e na sua manutenção como instituição central de sociabilidade humana. Argumentamos que, ao longo da implementação da política, observa-se um processo de familização, por meio do qual a família foi se tornando seu objeto central e o veículo por meio do qual os seus outros objetivos são implementados. Valendo-nos de teorias feministas que propõem a abolição da família, realizamos um exercício de imaginar um processo inverso, de desfamilização da política de assistência social no Brasil.

Palavras-chave: Política de assistência social; Brasil contemporâneo; Análise crítica de discurso; Leis, regulamentações e diretrizes; Abolição da família

Abstract:

This article aims to problematize the place and role of the family in the Brazilian social assistance policy. Based on a critical analysis of the content of federal laws, regulations, and guidelines enacted since the 1988 Constitution, we highlight the persistent contradictions in the field of social assistance that, on the one hand, seeks to engender individual autonomy and dignity, but on the other hand, implements actions with a strong focus on the family and its maintenance as the central institution of human sociability. We argue that, throughout the implementation of the policy, one can observe a process of familization, through which the family has become the primary object of social assistance and the vehicle through which the other objectives are implemented. Drawing on feminist theories that propose the abolition of the family, we develop an exercise of imagining an inverse process of de-familization of social assistance policy in Brazil.

Keywords: Social assistance policy; Contemporary Brazil; Critical discourse analysis; Laws, regulations, and guidelines; Abolition of the family

Resumen:

Este artículo busca problematizar el lugar y el papel de la familia en la política de asistencia social brasileña. A partir de un análisis crítico del contenido de leyes, reglamentos y directrices federales editadas desde la Constitución de 1988, señalamos las contradicciones persistentes en el campo de la asistencia social que, por un lado, se propone a engendrar la autonomía y la dignidad individuales, pero, por otro, implementa acciones con un fuerte enfoque en la familia y en su mantenimiento como institución central de la sociabilidad humana. A lo largo de la implementación de esta política, se observa un proceso de familización, por el cuál la familia se convierte en el objeto prioritario de la asistencia social y en el vehículo a través del cual se implementan sus demás objetivos. A partir de teorías feministas que proponen la abolición de la familia, realizamos un ejercicio de imaginar un proceso inverso de desfamilización de la política de asistencia social en Brasil.

Palabras clave: Política de asistencia social; Brasil contemporáneo; Análisis crítico del discurso; Leyes, reglamentos y directrices; Abolición de la familia

Introdução

O estabelecimento de uma política de assistência social com marco constitucional, em 1988, representou uma mudança paradigmática no modo como o Estado brasileiro responde a problemas sociais, particularmente à pobreza e à vulnerabilidade. De ação altruísta e humanitária de setores da sociedade civil, a assistência social passou a ser uma política de Estado conectada às políticas de saúde e previdência, todas integrantes do novo Sistema de Seguridade Social, e, como tais, direitos de cidadania. Esse é um avanço inegável para um país caracterizado por desigualdades e exclusões estruturais e interseccionais. Contudo, já na Constituição de 1988, a proteção da família foi alçada a um dos objetivos centrais da política inaugurada, assim como também foi institucionalizado o princípio da subsidiariedade - o Estado provê quando a família é incapaz de fazê-lo.

Neste artigo, propomo-nos a problematizar os desdobramentos do lugar da família na assistência social no Brasil pós-redemocratização. A partir de uma análise crítica do conteúdo de leis, regulamentações e diretrizes do Governo Federal que orientam a implantação da política, apontamos as contradições persistentes no pensar e fazer da assistência social hoje. Por um lado, essa política se propõe a engendrar a autonomia e a dignidade individuais, mas por outro, implementa ações com foco contínuo e acentuado na família, e na sua promoção como instituição central de sociabilidade humana. Embora essas duas dimensões não sejam conceitualmente incompatíveis, elas apontam para visões da assistência social muito distintas e, por vezes, contraditórias.

Argumentamos que, a partir dos anos 1990, pode-se observar o avanço de um processo a que chamamos de familização, por meio do qual a família vai se tornando o objeto prioritário e central da assistência social e o veículo por meio do qual os seus outros objetivos são também implementados. Paralelamente, o eixo de fortalecimento da autonomia e dignidade individuais vai perdendo não apenas força discursiva, mas também deixando de ser traduzido em ações concretas.

Embora em seu desenho constitucional a política de assistência social já tivesse a família como um de seus focos prioritários, ela não era o único, tampouco o primordial. Ao longo das décadas em que se deu a implementação da política, a instituição da família foi aos poucos se tornando o seu principal sujeito. Esse processo é marcado por resistências, especialmente de setores do feminismo que denunciam as desigualdades e as opressões de gênero perpetuadas no interior da estrutura familiar, e do movimento LGBTQIAP+, que problematiza a noção de um modelo único de família, cis-heteronormativo e nuclear (Luiz MELLO, 2006). Tendo como pano de fundo a análise descrita acima, e valendo-nos de teorias feministas que propõem a abolição da família, realizamos um exercício de imaginar um processo inverso, de desfamilização da política de assistência social no Brasil.

O artigo está dividido em quatro partes, além desta introdução. Na próxima seção, apresentamos brevemente o processo de criação e consolidação da política de assistência social no Brasil pós-redemocratização. Em seguida, apresentamos o nosso corpus documental e discutimos os principais achados de nossa análise. Depois, debatemos esses achados à luz da crítica feminista abolicionista da família (Kathi WEEKS, 2011; 2021). E concluímos com algumas considerações sobre os caminhos de uma política de assistência social pós-familista para o Brasil.

A assistência social no Brasil pós-redemocratização

Desde o processo de redemocratização, consolidou-se no Brasil o paradigma de que é dever do Estado e direito de cidadania a oferta de políticas de garantia da proteção social da população. Ou seja, o Estado deve atuar para implementar ações com o objetivo de enfrentar a pobreza e a exclusão social, ações essas que funcionam como uma espécie de amortecedor dos impactos das desigualdades sociais ou de situações de vida adversas, promovendo a autonomia e a autodeterminação de pessoas em risco. No âmbito da política, a vulnerabilidade se relaciona com a exposição ao risco e a capacidade de resposta de pessoas, famílias, grupos ou comunidades ao serem afetadas por essas situações. A superação da vulnerabilidade, por sua vez, passa pelo apoio à aquisição de ferramentas e adoção de estratégias para que pessoas e grupos sejam capazes de enfrentar esses riscos, que são os mais diversos. Eles incluem riscos naturais (ligados a desastres e eventos da natureza, como enchentes, desabamentos etc.), sociais (criminalidade, homofobia, racismo e outras formas de exclusão social) e políticos (golpes de estado, revoltas, guerras etc.) (Carla BRONZO, 2009).

De acordo com a Constituição de 1988, o Estado deve executar ações com essa função a partir de um tripé de políticas que formam a Seguridade Social brasileira. Por meio das políticas de saúde, previdência e assistência social, constitui-se um arcabouço protetivo de benefícios e serviços públicos. Dessa forma, assim como a saúde e a previdência, a assistência social tem como principal objetivo oferecer proteção social a parcelas da população que dela necessitem para uma existência digna. A unificação da política nacional de assistência social foi uma importante conquista democrática, fruto da luta de assistentes sociais na década de 1980 (Cássia CARLOTO; Silvana MARIANO, 2008).

A importância da família na política de assistência social e a relação de complementaridade entre ela e o Estado são elementos já incorporados no próprio texto constitucional (Cássia CARLOTO; Silvana MARIANO, 2010). Segundo o artigo 203 da Constituição de 1988, a assistência social tem, dentre outros, o objetivo de proteger a família (inciso I) e de garantir um salário mínimo de benefício mensal a pessoas portadoras de deficiências e idosas cujas famílias não possam a elas prover (inciso V). Contudo, argumentamos, há um longo processo de familização impulsionado pelo Estado ao longo das últimas décadas, em que a proteção da família deixa de ser um dentre vários outros objetivos da política de assistência social para ser alçada a uma posição central e, de fato, conferir à família o caráter de verdadeiro veículo de implementação de outras políticas. Essa não é uma preocupação nova entre estudiosas das políticas de assistência social. Aqui, nos juntamos a várias outras pesquisadoras que ressaltam as críticas em torno do eixo estruturante da matricialidade sociofamiliar, norteador da gestão da assistência social, que interpela a mulher-mãe como sujeito-veículo da política, responsabilizando-a pelo cuidado com a família (CARLOTO; MARIANO, 2008; CARLOTO; MARIANO, 2010).

Muitas das ações que hoje são enquadradas como parte das ofertas da política de assistência social tiveram como marco a criação, nos anos 1940, da Legião Brasileira de Assistência (LBA), que geriu ações assistenciais no país até os anos 1990. Essas atividades eram realizadas, em sua maior parte, por organizações e entidades privadas sem fins lucrativos que, principalmente, a partir dos anos 1980, contavam com apoio financeiro público para a execução das políticas em um contexto de baixa regulação estatal. Ainda que a Constituição de 1988 tenha estabelecido os primeiros elementos para a mudança do paradigma nacional sobre a articulação da proteção social com o sistema de seguridade social, a evolução da política até a configuração de um sistema predominantemente estatal na oferta de serviços e na distribuição de benefícios foi lenta e gradual. Esse processo segue inconcluso e marcado por conflitos e contradições, dentre os quais destacamos o lugar e o papel da família, embora tenha o Estado adquirido um papel central na regulação e implementação dessas políticas (Jeni VAITSMAN; Gabriela Rieveres Borges de ANDRADE; Luis Otávio FARIAS, 2009; Luciana JACCOUD; Renata BICHIR; Ana Cleusa MESQUITA, 2017).

Entre os marcos mais importantes da história recente da assistência social brasileira como política de Estado está a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), sancionada em 1993. O processo de descentralização das políticas públicas e a ampliação dos espaços de participação social criaram as condições para que as mobilizações em torno da LOAS fomentassem a criação e o fortalecimento de redes e movimentos ligados à defesa da assistência social como política. Dentre esses atores sociais, destacam-se as organizações de profissionais da assistência social, uma área marcadamente feminizada, e militantes de partidos de esquerda, que tiveram papel central no enquadramento dos discursos sobre a nova legislação, reafirmando um compromisso com as mudanças propostas no processo constituinte (Kellen GUTIERRES, 2015).

A regulamentação do campo através da LOAS não se traduziu em imediata mudança nos padrões de oferta de serviços assistenciais, que continuaram sendo conduzidos predominantemente por organizações da sociedade civil. Já no que diz respeito à transferência de renda e benefícios, a LOAS regulamentou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), implementado alguns anos mais tarde, em 1996. Houve também algumas iniciativas de implementação de programas de transferência de renda, como o Bolsa Escola, um dos embriões daquele que seria um dos principais programas de transferência de renda do Brasil e do mundo, o Programa Bolsa Família (PBF).

As mudanças mais profundas na política de assistência social no país aconteceram a partir da década seguinte. Marcados por uma nova conjuntura política e pela ascensão de uma coalizão de centro-esquerda ao Governo Federal, os anos 2000 foram o cenário de aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS, em 2004) e da criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), regulado por uma Norma Operacional Básica (NOB-SUAS, em 2005). Esse processo também levou ao aumento da participação estatal na regulação e oferta de serviços e ao adensamento institucional que marca o que é hoje a política de assistência social e sua relação com o sistema de seguridade social (JACCOUD; BICHIR; MESQUITA, 2017). Outro desenvolvimento central nessa década foi a criação do PBF, com forte apelo político e importante efeito na redução de desigualdades sociais. Além disso, esse período também foi marcado por mudanças nos princípios e responsabilidades que não apenas regem como guiam a evolução da política, com destaque para o aumento do financiamento e da capacidade estatal como resultado da busca por maior responsabilidade sobre os serviços socioassistenciais e sua regulação (JACCOUD; BICHIR; MESQUITA, 2017).

Os direcionamentos colocados em marcha na primeira década dos anos 2000 foram desestabilizados a partir de 2016, em meio à crise política que levou à derrocada da coalizão de centro-esquerda, responsável por aquelas mudanças no âmbito do Governo Federal. A partir de então, observou-se a emergência de uma agenda regressiva crítica ao sistema de seguridade social estabelecido pela Constituição de 1988 e propensa à adoção de uma orientação minimalista da proteção social. Essa foi reforçada pela aprovação da Emenda Constitucional Nº 95/2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal (NRF), impondo redução de investimentos e de custeio da institucionalidade até então implementada (JACCOUD, BICHIR; MESQUITA, 2017; IPEA, 2018). Além do enfraquecimento das capacidades e institucionalidades da política em razão de cortes orçamentários, observou-se a deslegitimação e desinstitucionalização das instâncias de participação federativa e social, e a criação de novos programas cujo desenho e implementação rivalizam, ao invés de integrar, o arcabouço do SUAS, assim fragilizando-o.

Em 2018, esse quadro se exacerbou com a entrada, no Governo Federal, de um projeto político liberal-conservador, que aprofundou a tendência de redução da capacidade protetiva do Estado, visível, entre outras medidas, na intensificação do corte de gastos em políticas sociais, no esvaziamento das instâncias de participação social e na disseminação e promoção de uma política de reforço de uma visão conservadora de família, com rígidos e estereotipados papéis de gênero, ataques à diversidade sexual e incentivo ao empreendedorismo individual (Clovis ZIMMERMANN, 2022; Carmen CAMPOS; Márcia BERNARDES, 2022). O quadro político em 2022 revela dificuldades para a continuidade da existência do SUAS, que perdeu prioridade na agenda governamental federal, com redução drástica de investimento público e desinteresse no papel de coordenação de um sistema nacional (Andrea PAIVA et al., 2021; 2022).

O envolvimento de mulheres nas ações relacionadas à assistência social, seja como gestoras, trabalhadoras ou beneficiárias, é tema de análises críticas desde os seus primórdios na LBA (Iraildes TORRES, 2002). O estabelecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e de políticas de transferência de renda, especialmente o PBF, trouxeram consigo novos e críticos olhares sobre o tema (MARIANO; CARLOTO, 2009; Regina MIOTO; Marta CAMPOS; CARLOTO, 2015; Letícia BARTHOLO; Luana PASSOS; Natália FONTOURA, 2019). As mulheres foram as titulares prioritárias no PBF e no Programa Auxílio Brasil, que o substituiu. Além disso, são também as principais usuárias do SUAS, compondo a grande maioria das pessoas que busca algum tipo de serviço desse sistema. As mulheres são também a maioria entre trabalhadoras da política em todas as esferas de governo (BRASIL, 2018; 2019).

A presença maciça de mulheres na política de assistência social desde seus primórdios não significa, no entanto, que questões de gênero estiveram ou estejam endereçadas no seu desenho e implementação. Nota-se dificuldade em fazer com que os serviços oferecidos às usuárias tratem de forma integral a mulher e as vulnerabilidades a que estão sujeitas (Priscilla ANDRADE; Lucélia PEREIRA, 2019). A priorização das famílias como objeto da política e o foco no seu fortalecimento são desenvolvidos de tal forma que, frequentemente, ao ser operacionalizada, a política acaba estabelecendo uma ligação direta entre a capacidade protetiva da família e o papel da mulher-mãe como elo entre outros membros da família e a política (CARLOTO; MARIANO, 2008; CARLOTO; MARIANO, 2010). Dessa maneira, as mulheres se responsabilizam mais uma vez pelo cuidado, sendo oferecidos pelos serviços poucos meios ao seu desenvolvimento como cidadãs autônomas e desvinculadas daqueles de quem elas cuidam. Além disso, por meio da instrumentalização da mulher-mãe, a política acaba reforçando o binarismo de gênero - “masculino/feminina, homem/mulher, macho/fêmea” e, ainda que gênero seja uma perspectiva hoje incorporada pela assistência social, a assimilação de gênero ao binário atua para “manter a naturalização que a noção de gênero pretende contestar” (Judith BUTLER, 2014, p. 254).

O processo de familização da política de assistência social no Brasil

Partimos da ideia, compartilhada por teóricas feministas pós-coloniais e pós-estruturalistas, de que a linguagem não é uma abstração inocente, mas sim constitutiva de nossa realidade (Rahel KUNZ 2011). Isso não significa tomar a linguagem como um elemento que tem prioridade causal em nossas análises, mas sim compreender que ideias e discursos constroem a realidade social por meio de instituições e dentro de configurações específicas de poder. Desse modo, propomo-nos a compreender o progressivo, ainda que contraditório, processo de familização da política de assistência social no Brasil a partir da análise de conteúdo das normativas e documentos orientadores no âmbito federal que dão corpo e sentido à política a partir da criação do SUAS, em 2004, até os dias atuais.1

Para a coleta das normativas, utilizamos uma base de dados produzida pelo Ministério da Cidadania (MCid),2 que compila produções legislativas do Congresso Nacional com impacto direto ou indireto na política, resoluções do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), além de portarias e instruções normativas do próprio MCid. As normativas produzidas por essas instâncias cumprem papel importante na regulação e no desenho de serviços e benefícios ofertados pela assistência social e por isso nos oferecem um panorama compreensivo do arcabouço legal e programático que orienta a política. Além delas, também foram incluídas na análise diretrizes e orientações produzidas pelo órgão gestor da política em nível nacional, por considerarmos que elas têm sido utilizadas de modo complementar às regulações como instrumento orientador da atuação da rede socioassistencial no atendimento à população.

Levando em conta o extenso leque de documentos, decidimos analisar dois subconjuntos de maneira mais aprofundada. O primeiro deles (Conjunto 1) inclui regulamentações reconhecidas como chave para o desenho da política tal como se organiza hoje (Sindely ALCHORNE, 2013; Camila QUINONEIRO, 2013). Entre elas estão a LOAS, a PNAS, as NOB-SUAS de 2005 (BRASIL, 2005) e 2012 (BRASIL, 2012c) e a NOB-RH (BRASIL, 2007) - cujo papel na constituição da política já foi mencionado anteriormente - e a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (Tipificação), de 2009, aprovada a partir de uma resolução do CNAS. A tipificação teve o importante papel de definir quais seriam as ofertas da política de assistência social para a população, contribuindo para avançar no processo de delimitação do campo de ação da política e da forma como ela atuaria na promoção da proteção social da população em situação de vulnerabilidade e risco.

O segundo conjunto de documentos (Conjunto 2) foi selecionado por ter como temática principal dois dos principais serviços ofertados pela política de assistência social. Um deles é o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), único serviço constante no rol da Tipificação que é executado em todos os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e o outro é o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), executado em todos os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS.3 Seguindo a lógica da divisão entre níveis de proteção básica e especial, respectivamente, o PAIF tem como vocação a prevenção de situações de risco que possam levar ao rompimento de vínculos familiares e comunitários e a violação de direitos, e o PAEFI atua em casos em que já existe algum direito violado ou vínculo rompido.

Tabela 1
Desenho amostral da pesquisa

Em relação às normativas, a base de dados utilizada conta com 2.263 atos, sendo a maior parte deles portarias ministeriais (38%) e resoluções do CNAS (28%).4 A amostra analisada, por outro lado, é composta, em grande parte, de resoluções da CIT (38%) e resoluções do CNAS (27%). Além desses tipos de atos, também fazem parte da amostra portarias ministeriais (2%), instruções operacionais (4%), portarias da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) (2%) e leis (2%). Dessas, vale mencionar que tanto as NOBs, a Tipificação e a PNAS, quanto o Plano Decenal da Assistência Social foram instituídos a partir de resoluções do CNAS.

No que diz respeito aos documentos de orientação, foram selecionadas cinco publicações de orientações técnicas, uma relativa aos CREAS e ao PAEFI e quatro relativas ao CRAS e ao PAIF (BRASIL, 2009a; 2009b; 2011; 2012a; 2012b; 2016c). Também foram selecionados dois cadernos de capacitação que se referem aos serviços ofertados em CRAS e CREAS e que abordam, respectivamente, o PAIF e o PAEFI (BRASIL, 2016a; 2016b; 2017). Além disso, incluímos na análise um documento produzido pelo então Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que trata dos fundamentos ético-políticos e teórico-metodológicos para o fortalecimento do trabalho com as famílias na política de assistência social que, apesar de ser voltado para toda a política, tem como foco principal a atuação das equipes com as famílias atendidas no PAIF e no PAEFI.

A análise das normativas-chave (Conjunto 1) revela três características principais no que diz respeito ao enfoque das questões de gênero: (i) o papel central da família no arcabouço conceitual-programático da política; (ii) o uso genérico do termo “gênero” para designar parte de um conjunto de desigualdades que leva a situações de risco e vulnerabilidade ou, ainda, como um eixo da diversidade (ao lado de raça/etnia, religião e orientação sexual), que deve ser considerado na implementação da política; e (iii) a menção às mulheres unicamente como público alvo, particularmente em relação a situações de violências e violações de direitos.

Nesse sentido, por um lado, esse arcabouço legal se esquiva de uma abordagem proativa no reconhecimento das questões e, especialmente, das desigualdades de gênero ao tratar de forma vaga e limitada o tema e não problematizar o lugar das mulheres no esquema de proteção social para além do papel de usuárias e vítimas. Por outro lado, ao reificar a função protetiva da família como pilar estruturante da política de assistência social, com reduzida contextualização dos impactos das relações de gênero nos ambientes familiares, esse arcabouço legal pouco ou nada contribui para a promoção dos direitos e da autonomia das mulheres como indivíduos. Finalmente, ao reforçar o papel da mulher como mãe e cuidadora no interior da família, as normas orientadoras da política contribuem para o reforço do binarismo de gênero e a naturalização dos papéis sociais que o acompanham no interior da família, retirando da categoria de gênero seu potencial disruptivo.

Como mencionado, diversas pesquisadoras já problematizaram a abordagem do papel protetivo das famílias (CARLOTO; MARIANO, 2008; CARLOTO; MARIANO, 2010; Dagmar MEYER; Carin KLEIN; Letícia FERNANDES, 2012; ANDRADE; PEREIRA, 2019; CARMONA; SOUZA; SANTOS, 2019, entre outras) na política de assistência social e suas consequências para uma política libertadora de gênero. Embora a normativa tenha a preocupação de incorporar uma concepção de família que ultrapassa padrões tradicionais e conservadores, admitindo uma pluralidade de arranjos familiares, ao centrar na família como lócus primordial do esquema protetivo, ela falha ao não reconhecer que diversas mudanças nos contextos socioeconômicos na atualidade reduziriam a “capacidade protetora das famílias” (CAMPOS; MIOTO, 2003), além de contribuir para reproduzir e, em alguns casos, até ampliar as responsabilidades das mulheres em relação às tarefas do cuidado (MIOTO; CAMPOS; CARLOTO, 2015).

Outra característica observada é que esse marco regulatório evidencia um processo gradual e perene em direção ao maior protagonismo da família ao longo das últimas décadas. Apesar de já haver elementos de responsabilização das famílias pelos cuidados e proteção dos indivíduos na Constituição de 1988, no que diz respeito à assistência social, a família era apresentada como um dos públicos a ser protegido e não como princípio ou instrumento para a organização da política, como a partir de 2004 a PNAS passa a preconizar. A LOAS, aprovada em 1993, apenas reproduzia o enquadramento constitucional ao estabelecer que, entre outros, a assistência social tem como objetivos “a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice” (BRASIL, 1993).

Entretanto, particularmente a partir dos anos 2000, a família e os contextos familiares passaram a protagonizar, de forma crescente, o papel de veículo da assistência social. Se a legislação original continha 10 menções ao tema, o texto de 2022 conta com 46, sendo que apenas duas das novas inserções foram realizadas antes da publicação da PNAS, do início dos anos 2000. Das menções à família na versão da LOAS de 1993, 26 abordam os benefícios socioassistenciais que têm como beneficiária a família (programas de transferência de renda) ou utilizam a renda per capita familiar como meio de aferir o grau de vulnerabilidade e a capacidade protetiva da família em relação a membros idosos ou com algum tipo de dependência (Benefício de Prestação Continuada). O restante das menções aborda outros aspectos da organização do SUAS e da oferta dos serviços, tais como:

[...] II. a vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos.

[...] §1º O CRAS é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção social básica às famílias (BRASIL, LOAS, 1993).

A PNAS (BRASIL, 2004) é, assim, um marco importante na virada em direção à familização da política. Esse documento legal foi um dos primeiros a articular a família como um dos elementos centrais da política e se tornou referência tanto para normativas quanto para os documentos orientadores produzidos desde então, sendo recorrentemente citado. A PNAS coloca a matricialidade sociofamiliar como eixo estruturante do SUAS, estabelecendo que ela “se refere à centralidade da família como núcleo social fundamental para a efetividade de todas as ações e serviços da política de assistência social” (BRASIL, 2004, p. 40). Nesse sentido, pela importância que assume na construção das bases para os rumos que a política tomaria dali em diante, é possível identificar a PNAS como um dos vetores que contribuem para o aceleramento da familização da política de assistência social do país.

O segundo conjunto de normativas (Conjunto 2) congrega aquelas que se caracterizam pelo fluxo contínuo de construção da política, retratando os momentos de expansão e retração pelos quais ela passou ao longo dos anos. Essas normativas giram, principalmente, em torno de questões gerais relacionadas à oferta dos serviços, como financiamento, parâmetros para ampliação de unidades de atendimento e da oferta dos serviços, e critérios de distribuição entre os entes da federação. Não abordam elementos relacionados a questões metodológicas no atendimento de pessoas e famílias, nem outras questões que possam vir a caracterizar tanto o serviço como a forma como ele será executado. Não há menções a gênero ou a mulheres, e em nenhum momento, é introduzido parâmetro ou diretriz relacionada às questões de gênero, apenas a mulheres como público-alvo a ser atendido.

Por outro lado, a análise dos documentos orientadores relacionados ao PAIF e PAEFI atestam que esforços foram envidados para problematizar alguns pontos centrais das críticas feministas às normativas basilares do SUAS. Uma delas é a centralidade da família na política. Nesses documentos, observa-se a tentativa de contextualização do princípio da matricialidade sociofamiliar disposto na PNAS, a partir da argumentação de que ele não implica a responsabilização da família pela gestão dos riscos e vulnerabilidades a que estão sujeitas, reforçando o papel do Estado no suporte às pessoas que as compõem.

Fortalecer a função protetiva não significa responsabilizar as famílias pela resposta às vulnerabilidades vivenciadas, ao contrário, é reconhecer que as famílias, para exercer a função protetiva, demandam responsabilidade estatal (BRASIL, 2012a, p. 48).

Essa perspectiva [da centralidade da família] não visa responsabilizar a família e seus componentes no tocante às vicissitudes que vivenciam no seu cotidiano, mas contextualizar a situação vivida e recolocar o papel do Estado como provedor de direitos por meio das políticas sociais, fornecendo instrumentos de apoio e sustentação necessários para a proteção social das famílias (BRASIL, 2011, p. 33).

As ações desenvolvidas na PSE devem ter centralidade na família e como pressuposto o fortalecimento e o resgate de vínculos familiares e comunitários [...]. A centralidade na família pauta-se no seu reconhecimento como um “locus” privilegiado de atenção, cuidado e solidariedade, nos quais seus integrantes encontram apoio contra as vicissitudes e inseguranças da existência [...] a heterogeneidade da família deve ser compreendida a partir da variedade de formas e arranjos observados na realidade da sociedade contemporânea, bem como do contexto socioeconômico e cultural que imprime tensões variadas nas dinâmicas das relações entre seus membros e entre estes e o contexto social, seja no campo objetivo e/ou subjetivo (BRASIL, 2011, p. 18).

Outro ponto abordado nessas regulações é a forma como as desigualdades de gênero afetam os contextos familiares e a necessidade de que sejam reconhecidas para que a política não contribua para sua reprodução. Essa preocupação aparece de duas formas. Primeiro, de maneira genérica, ao se ressaltar a importância do olhar atento à “diversidade de gênero” ou à perspectiva de que o ambiente familiar pode não ser necessariamente um espaço de relações harmônicas, estando sujeito à ocorrência de violências e situações de opressão. Segundo, de maneira mais explícita, a partir da análise de temas como a violência, a distribuição desigual das responsabilidades nas atividades relacionadas ao cuidado e proteção, e a importância de se abordar a questão dos direitos das mulheres no trabalho social com as famílias. Nesse sentido, as orientações técnicas do CREAS explicitam que “a família não é um bloco monolítico e também apresenta fragilidades por não estar livre de despotismos, violências, confinamentos, desencontros e rupturas [...].” (BRASIL, 2011, p. 18).

Por fim, destacam-se duas publicações voltadas para a capacitação das pessoas trabalhadoras da rede socioassistencial que compõem o SUAS. Essas abordam de forma explícita como as questões de gênero afetam a dinâmica das famílias e seus efeitos deletérios para as mulheres, e ressaltam a necessidade de que as equipes reconheçam essas desigualdades para evitar sua reprodução.

[...] Deste modo, é imprescindível que os profissionais que atuam diretamente com as famílias possam ampliar as discussões de gênero e de família no âmbito da Proteção Social Básica, especialmente através do PAIF. Reconhecendo o protagonismo feminino, as famílias monoparentais, ou os contextos familiares onde os papéis e as relações de convivência do grupo familiar pesam de forma desproporcional sobre a figura da mulher-mãe (BRASIL, 2011, p. 41).

A análise das normativas e documentos orientadores revelam trajetórias contraditórias na política de assistência social brasileira. De um lado, as normativas ou não abordam temas relacionados à desigualdade de gênero no interior da família, ou os abordam de maneira vaga e até mesmo de forma a incentivar a reprodução de papéis de gênero ao argumentar a centralidade da família sem aprofundar nas desigualdades e opressões que podem ocorrer - e de fato ocorrem - em seu interior. Como observaram Carloto e Mariano (2008), apesar de a concepção de família no bojo da política de assistência social ser hoje mais aberta e ampliada, compreendendo os mais variados arranjos, ela continua sendo identificada com a figura da mulher que, por sua vez, tem sua identidade fixada pelas funções maternas. De outro lado, observa-se uma gradativa inserção de um olhar crítico-feminista em relação ao lugar da mulher na sociedade e na família e à importância de se atentar para essas questões no atendimento da população em situação de vulnerabilidade.

Esse processo de absorção das críticas feministas ao papel da família nos arranjos de proteção social no Brasil, no entanto, pode ser observado até 2017, ano da última publicação relacionada ao PAIF ou ao PAEFI identificada na pesquisa. Desde então, não foram produzidos novos materiais, o que pode indicar uma interrupção em um processo, ainda tímido e certamente inconcluso, de assimilação de perspectivas críticas sobre a família e o papel das mulheres, impulsionado pelo Estado, como instrumento da oferta de atenção e cuidados aos seus familiares.

Para além da interrupção de um processo de reposicionamento da família na assistência, o ambiente em que a política foi implementada, entre 2019 e 2022, revela desafios ainda mais complexos, que extrapolam a sua capacidade de autorregulação e de direcionamento dos serviços de maneira a promover, de fato, a autonomia e dignidade individual de suas usuárias. Como apontam análises realizadas por Paiva et al. (2020), foi possível perceber ao longo desses anos um esforço do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) em influenciar as ações que caracteristicamente são de responsabilidade da assistência social, a partir de um projeto conservador-autoritário que ascendeu ao Governo Federal com a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, em 2018. Além disso, como demonstram Carmen Campos e Márcia Bernardes (2022), aquele ministério foi o centro de difusão de uma “ideologia de gênero familista” que buscava legitimar restrições e violações aos direitos das mulheres e das minorias sexuais.

Apesar de a articulação entre as políticas ser fundamental para o seu bom desenvolvimento, o que se observa nesse caso é o potencial efeito deletério dessa tentativa de influenciar a assistência social, evidenciada na retomada do caráter assistencialista de serviços e benefícios socioassistenciais. Tal retomada esvazia o lugar da política como direito e aposta em uma centralidade da família patriarcal ainda mais nociva para as mulheres, por romper com a pretensa neutralidade vista nas normativas da assistência em favor da reificação do papel da mulher-mãe, baseada em uma versão conservadora e autoritária dos arranjos familiares (CAMPOS; BERNARDES, 2022).

Um exemplo disso é o Programa Mães pelo Brasil do MMFDH, de 2022, que tem por objeto a promoção de “políticas públicas destinadas à proteção integral da dignidade das mulheres, a fim de ampará-las no exercício da maternidade, desde a concepção até o cuidado com os filhos” (BRASIL, 2022).5 Além de tratar de ações atualmente abordadas em outros programas e serviços da assistência social, esse programa utiliza do léxico da política de assistência ao falar do fortalecimento de vínculos familiares. Mesmo que seu decreto de criação mencione temas como “equidade e corresponsabilidade no lar”, o programa escolhe a mulher-mãe e o “fortalecimento do vínculo materno-filial” como protagonista da política, reinscrevendo o sujeito feminino nesse papel estereotipado de gênero.

O que se conclui ao se analisar as normativas e documentos orientadores da assistência é que a política passou por um processo de familização, aprofundado nos últimos anos, na medida em que se observa a tendência de maior protagonismo da família como alvo e base para a implementação de benefícios e serviços socioassistenciais. Esse processo não ocorre de maneira linear, sendo observados pontos de inflexão, já que foram envidados esforços para incorporar as críticas feministas à responsabilização das famílias pela proteção de seus integrantes, com especial atenção para o impacto sobre as mulheres, que historicamente são identificadas com as atividades do cuidado na esfera doméstica. Além disso, há também esforços de desestabilização do modelo cis-heteronormativo e nuclear de família em vários dos documentos analisados, que reconhecem a pluralidade dos modos de se viver em família. Entretanto, com a instalação de um projeto conservador-autoritário no executivo federal de 2016 a 2022, não apenas foram interrompidos esses esforços como foi ampliada a influência de perspectivas que buscam ativamente reposicionar a mulher como mãe e responsável pela provisão de proteção e cuidado a seus familiares.

Imaginando a desfamilização da política de assistência social no Brasil

Como ressaltamos na seção anterior, apesar de importantes rupturas no que diz respeito ao reconhecimento da existência de diversos modelos familiares e de variados conflitos, especialmente de gênero, no interior da família, a política de assistência social no Brasil não apenas teve a família como seu objeto central, mas também dela se valeu como veículo para implementação de outras políticas. Esse processo, que descrevemos na seção anterior como familização, não é resultado do acaso. Há uma sólida literatura que demonstra a preponderância do familismo nos países católicos do sul da Europa e na América Latina, onde a família se tornou o ente central de proteção social e a ação do Estado é vista como legítima apenas quando a capacidade daquela de servir a seus membros se mostra enfraquecida - o chamado “princípio da subsidiariedade” (ZIMMERMANN, 2022).

Nesta seção, queremos imaginar um processo inverso de desfamilização da política de assistência social e as medidas que ele implicaria. Há uma importante produção sobre sistemas de proteção social que se desenvolveu a partir da tipologia de Esping-Andersen (1990; 1999) e da categoria da desfamilizaçao por ele desenvolvida em resposta a críticas feministas. Nesta literatura, são considerados familistas aqueles sistemas que relegam a maior parte da responsabilidade de provisão de proteção social à família (ESPING-ANDERSEN, 1999), dessa forma insistindo no trabalho reprodutivo não remunerado feminino como a principal fonte de bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades. Assim, a desfamilizaçao não seria

[...] “anti-família”; ao contrário, refere-se ao grau em que o bem-estar das famílias e as responsabilidades de cuidado são amenizadas - através de provisão de bem-estar social, seja pelo Estado ou pelo mercado. [...] Um regime de desfamilizaçao é aquele que procura aliviar o lar e reduzir a relação de dependência entre o bem-estar dos indivíduos e o parentesco (ESPING-ANDERSEN, 1999, p. 51).

Seriam, ainda para Esping-Andersen, indicadores da desfamilizaçao aqueles relacionados às políticas de cuidado, tais como o “compromisso geral de oferta de serviço”, medido pelo percentual do PIB gasto com serviços relacionados à família, excluída a saúde, o “compromisso geral de subsidiar famílias com crianças”, a “difusão de creches públicas” e a “oferta de cuidados a pessoas idosas” (ESPING-ANDERSEN, 1999, p. 61). Como se vê, a desfamilizaçao proposta nesse marco busca responsabilizar o Estado pelos serviços de cuidado ou compensar a família pelo trabalho de cuidado realizado (por meio de subsídios ou incentivo fiscal), mas deixa intacta as estruturas internas da família. Como ressaltam Valéria Calvi e Soraya Vargas Côrtes (2020, p. 124) quanto aos instrumentos propostos por Esping-Andersen para impulsionar a desfamilizaçao, “não é possível, por meio deles, adentrar a esfera privada e o que se passa na família”.

Concordando com essa crítica, propomos aqui um conceito radical de desfamilização, que parte do diagnóstico de que há algo inevitavelmente problemático com a família em si, como estrutura social. E, portanto, a desfamilização demanda não apenas compensar a família pelo trabalho de cuidado ou responsabilizar o Estado por ele, mas criar condições de possibilidade para a ruptura com a família ou, pelo menos, de imaginação de outros arranjos sociais múltiplos que a substituam em seus inúmeros papeis. Para tanto, valemo-nos da crítica desenvolvida por Kathi Weeks (2011; 2021), para quem a família - uma instituição construída a partir de um modelo ideal branco, colonizador, heterossexual e burguês - foi imposta a comunidades com diferentes práticas de cuidado e solidariedade e, portanto, carrega consigo uma inafastável contradição interna.

Fazendo uma releitura das críticas feministas à família dos anos 1970, Weeks (2021) argumenta que, embora os padrões de família culturalmente legíveis e legalmente sancionados tenham se transformado e se multiplicado ao longo das últimas décadas - o que observamos nos instrumentos regulatórios da política de assistência social brasileira, os componentes essenciais do paradigma da família permanecem os mesmos. São eles: i) um sistema privatizado de reprodução social, extremamente funcional para o capitalismo liberal e neoliberal, e seus respectivos modos de governança; ii) a forma casal; e iii) as relações de parentesco centradas na biogenética. Tendo em vista sua importância para nosso argumento, vamos nos deter em cada um desses componentes e explicá-los com mais detalhes.

Embora o trabalho de reprodução social, consistente em todas as atividades necessárias à manutenção da vida (cozinhar, lavar, passar, limpar, educar, socializar, cuidar de doentes, engravidar e parir), já não esteja mais restrito ao núcleo familiar e possa ser tanto compartilhado com instituições como a escola, a igreja e a clínica médica, quanto comprado no mercado privado de cuidado, é fato que, ainda hoje, grande parte do trabalho de reprodução de nós mesmas e de nossos familiares se dá no interior da família. Para Weeks (2021), há três processos interconectados que impregnam a família de utilidade como lócus de reprodução social - a naturalização das hierarquias, a individuação/constrição social e a privatização do cuidado.

Primeiro, a família contribui para a naturalização de uma série de hierarquias tanto internas quanto externas. Por um lado, apesar de todas as lutas feministas nos últimos séculos, as relações intrafamiliares permanecem marcadas por formas de binarismo e essencialismo de gênero que legitimam a divisão sexual do trabalho doméstico e do trabalho de cuidado. Por outro lado, externamente, a família serve como instrumento para transmissão de propriedade privada por meio da herança, contribuindo assim para a reprodução de desigualdades massivas de riqueza (WEEKS, 2021). Em segundo lugar, a família também depende de um forte processo de individuação, ancorado em um imaginário liberal no qual a esfera do social é formada por uma série de famílias. Assim, não há sociedade - o que há, de acordo com a conhecida formulação de Margaret Thatcher, são “homens e mulheres individuais e famílias” (WEEKS, 2021, p. 7), e o privilégio da forma família desconecta seus membros de modos alternativos de sociabilidade. Finalmente, a privatização da família resulta do equacionamento da economia com a produção (e consequente negação do papel da reprodução na acumulação de capital) e da naturalização da divisão de gênero do trabalho reprodutivo (Silvia FEDERICI, 2019). Assim, embora a família seja uma instituição constituída e fortemente regulada pelo Estado, mantém-se a falsa ideia de que ela se produz em oposição àquele como a esfera privada por excelência, garantidora de intimidade, cuidado e solidariedade, em relações caracterizadas pela horizontalidade.

Na análise do corpus documental discutido na seção anterior, a construção da família como sistema privatizado de reprodução social é evidente. São inúmeras as referências à família como lócus de proteção, de socialização e de cuidado, e nenhuma referência é feita a outras instituições sociais que poderiam cumprir papel semelhante. Essa centralidade da família nas políticas de assistência social contribui para solidificar os processos de naturalização, individuação e privatização que Weeks (2021) descreve, processos esses que, longe de impulsionar a autonomização e dignificação de sujeitos individuais, reforçam a normatividade (neo)liberal de uma sociedade sem social (Wendy BROWN 2015).

O segundo componente essencial da família discutido por Weeks é a forma casal - “o coração e a alma da família nuclear” (WEEKS, 2021, p. 10). A forma casal - ainda que não heterossexual e mesmo que reinventada - perpetua a ideia de que esse formato relacional é o que melhor atende a nossos desejos e necessidades autênticas e naturais, e ao fazê-lo tem-se tremendos efeitos individualizantes. A ideia subjacente é a de que a pessoa com quem se forma um casal é capaz de servir como parceira em todos os aspectos da vida - sexualmente, afetivamente, na divisão dos afazeres domésticos, na produção e criação de filho/as, na manutenção de um lar... Embora o formato não seja monolítico, o fato inconteste é que ele segue sendo dominante, mesmo em relações que almejam com ele romper, como as relações poliamorosas (WEEKS, 2021, p. 13).

Finalmente, Weeks (2021) apresenta como terceiro componente essencial da família as relações de parentesco centradas na biogenética. A naturalização do parentesco reforça a privatização do cuidado, contribuindo para que o processo de educação de crianças, verdadeiros bens públicos, seja privatizado em termos de trabalho, custos, investimento emocional e responsabilidade, e tratado como uma escolha individual de estilo de vida. Além disso, também dissemina a noção de crianças como propriedade pessoal de seus pais - noção essa indiscutivelmente propagada pelo “princípio da subsidiariedade” discutido na seção anterior, segundo o qual o Estado só deve intervir para garantir cuidado e bem-estar quando a família não for capaz de fazê-lo. E, talvez ainda mais problemática, a dominância do parentesco biogenético reforça a noção de que coletividade, solidariedade e cuidado só podem ser alcançados em condições de semelhança (WEEKS, 2021, p. 15), produzindo um imaginário social potencialmente excludente.

A crítica feminista à família é relevante na medida em que ela aponta as razões pelas quais essa é uma instituição formatada para a reprodução de desigualdades estruturais - de gênero, raça e classe - assim como para a sedimentação de padrões limitantes de sociabilidade e sexualidade. Ou seja, se o objetivo político final é a conformação de sociedades mais justas, igualitárias e menos excludentes, a família certamente não é o melhor instrumento para o seu alcance. Na verdade, políticas de assistência social que tratam a família como o veículo prioritário de cuidado e superação de vulnerabilidades sociais acabam por reificar essa formação social que, conforme demonstrado acima, é estruturalmente condicionada à naturalização de hierarquias sociais, à individuação/constrição social e à privatização do cuidado.

Uma política de assistência social orientada pelo conceito de desfamilização que propomos deve, ao contrário de reforçar a família como centro de cuidado e proteção dos indivíduos nela inseridos, contribuir para o seu descentramento, fomentando as condições materiais de implementação de um novo imaginário social em que indivíduos contem como uma rede de cuidado multicêntrica, perpassada por diferentes relações de afeto, cuidado e interdependência. Tal processo passa pela adoção de reformas estruturantes do ponto de vista social - reformas não-reformistas (Nancy FRASER 2003) -, tais como implementação de renda básica universal, redução da carga horária de trabalho sem redução de salário, garantia de saúde e moradia para todas as pessoas, independentemente de laços familiares (WEEKS, 2021). Essas são reformas que permitem, por um lado, retirar da família a sua função central de provisão de insumos básicos de subsistência e de cuidado a indivíduos e, por outro, liberar os indivíduos de sua dependência estrutural dos vínculos familiares para levar uma vida digna, fortalecendo assim sua autonomia. A consequência a longo prazo desse processo de desfamilização é o potencial surgimento de novas e inusitadas formações sociais de cuidado e vínculos interpessoais, concomitantes às famílias que se caracterizariam pelo que oferecem aos sujeitos desde uma perspectiva existencial, subjetiva e emocional, e não mais material.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo analisar o processo de familização pelo qual passou a política de assistência social no Brasil nas últimas décadas, para imaginar o caminho inverso, a que chamamos de desfamilização. Argumentamos que o processo de familização se caracteriza pelo protagonismo crescente da família como eixo estruturante e veículo da política de assistência social, evidenciado a partir da forma como o tema foi abordado nas regulações, diretrizes e orientações elaboradas no âmbito do Governo Federal no período analisado.

Como demonstramos ao longo de nossa argumentação, esse movimento não ocorre sem contradições, sendo observados tanto avanços na problematização da família como lócus de reprodução de desigualdades e opressões, especialmente de gênero, quanto retrocessos, a partir das disputas em torno da abordagem das questões de gênero e do papel da mulher no interior da família por diferentes atores no âmbito do executivo nacional.

Discutimos, alternativamente, que é possível repensar o paradigma da centralidade da família nos esquemas de proteção social, a partir de um conjunto de aportes das teorias feministas abolicionistas da família. Nesse campo, encontramos a proposta da renda básica universal, da redução da carga horária de trabalho sem redução de salário e da garantia de saúde e moradia para todas as pessoas, independentemente de laços familiares, como poderosos antídotos à desigualdade, à vulnerabilidade social e ao familismo

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  • VAITSMAN, Jeni; ANDRADE, Gabriela Rieveres Borges de; FARIAS, Luis Otávio. “Proteção social no Brasil: o que mudou na assistência social após a Constituição de 1988”. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 731-741, 2009. Disponível em https://www.scielo.br/j/csc/a/kv7MJrxjLCWw7xkK5Z4nh5M/?lang=pt#:~:text=Alguns%20efeitos%20da%20expans%C3%A3o%20do,sistema%20p%C3%BAblico%20de%20assist%C3%AAncia%20social. Acesso em 09/05/2023.
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    » https://doi.org/10.1177/14647001211015841» https://doi.org/10.1177/14647001211015841
  • ZIMMERMANN, Clovis Roberto. “Conservadorismo como linha auxiliar do liberalismo nas políticas sociais do Governo Bolsonaro”. In: ZIMMERMANN, Clovis; UZEDA, Danilo. Políticas sociais no Governo Bolsonaro: entre descasos, retrocessos e desmontes Buenos Aires/Salvador: CLACSO, 2022. p. 37-51
  • 1
    Entre esses documentos estão, manuais, orientações e notas técnicas, materiais do Governo Federal para capacitação de profissionais que atuam na política, e outras publicações voltadas para a organização da oferta de serviços e benefícios do SUAS.
  • 2
    Disponível em http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/regulacao/atos_normativos.php.
  • 3
    Os CRAS e os CREAS são os principais equipamentos públicos da política de assistência social. Neles, pode ser ofertado um conjunto de serviços da forma como foram caracterizados pela Tipificação dos Serviços Socioassistenciais. No entanto, nem todas as unidades ofertam os serviços que caberia a ela executar. Existem variações no conjunto atendimentos feitos por cada uma delas, com exceção do PAIF e do PAEFI, que são ofertados por todos os CRAS e CREAS, respectivamente. Vale mencionar que, em 2021, havia 8.471 unidades de CRAS, em 5.520 dos 5570 municípios brasileiros (99%), e 2.782 unidades de CREAS, em 2.528 municípios (45% do total). Nesse sentido, esses serviços podem ser considerados os não apenas centrais para a atuação da política no nível local, como são também os mais disseminados no território nacional em seus níveis de proteção correspondentes (básica e especial).
  • 4
    Foram catalogados os seguintes tipos de ato normativo: Decreto, Instrução Normativa, Instrução Operacional, Lei, Medida Provisória, Outro, Portaria Conjunta, Portaria da SNAS, Portaria do Ministro, Portaria do Secretário Executivo, Portaria Interministerial, Resolução da CIT e Resolução do CNAS.
  • 5
    Criado através do Decreto Nº 10.987, de 8 de março de 2022.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:
    ASSIS, Mariana Prandini; PINHEIRO, MARINA Brito. “Pela desfamilização da política de assistência social no Brasil”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 31, n. 2, e92878, 2023
  • Financiamento:
    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:
    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:
    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2023
  • Revisado
    11 Maio 2023
  • Aceito
    25 Jul 2023
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