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Mídia e gênero: olhares plurais

RESENHAS

Mídia e gênero: olhares plurais

Tânia Regina Zimmermann

Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul e Universidade Federal de Santa Catarina

Gênero em discursos da mídia.

FUNCK, Susana Bornéo; WIDHOLZER, Nara (Orgs.).

Florianópolis: Ed. Mulheres, 2005. 334 p.

Nessa obra as organizadaras Susana Bornéo Funck e Nara Widholzer, especialistas das Letras com trabalhos publicados e pesquisas recentes em andamento na área de gênero e mídia, trazem para o público questões relacionadas às representações discursivas, gênero e mídia. Num projeto interdisciplinar, conjugam textos de diferentes áreas como antropologia, história, ciência política, psicologia, jornalismo, educação e sociologia.

Gênero em discursos da mídia é um livro que surgiu na linha de pesquisa "Texto, discurso e relações sociais", do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas. As análises aqui reunidas centram-se em sua maioria em modelos teóricos da Antropologia e dos Estudos Culturais, bem como na Análise Crítica do Discurso (ACD), que se fundamenta nas relações entre linguagem e sociedade, problematizando injustiças, opressões, desigualdades étnicas, socioeconômicas, políticas e culturais. Ao analisar os problemas e as mudanças através da linguagem, a ACD propõe a descontrução dos textos, examinando os aspectos lingüísticos, imagéticos e socio-culturais. No conjunto da obra percebe-se a importância desses estudos, que têm suas bases solidamente firmadas na materialidade do discurso, porque se entende que o discurso mediático na sociedade contemporânea é também um lugar privilegiado de representação e, por outro lado, de contestações de práticas sociais naturalizadas.

Além de teóricos da ACD (Norman Fairclough, Caldas-Coulthard, Fortkamp e Teun Van Dijk), firmam-se posturas apoiadas em Teresa de Lauretis, que pensa gênero como representação e auto-representação, articulado à sexualidade. As relações de gênero são construídas a partir de tecnologias sociais como cinema, discursos, práticas da vida cotidiana, imagens, saberes, críticas, senso comum, artes. Também se referenciam as discussões de Judith Butler ao abordar gênero como uma categoria temporária e performativa, abrindo perspectiva para a desnaturalização das práticas de significação.

A obra também traz contribuições importantes ao inserir estudos de Donna Haraway no seu manifesto para os cyborgs, que são vistos como uma figura mista pós-moderna, como um tipo desmontado e remontado, incorporando assim a possibilidade de rompimento de barreiras naturalizantes. De Rosemary Hennessy utiliza-se a importância do discurso na contestação de práticas sociais através da leitura sintomática. Na visão das organizadoras da obra, esse tipo de leitura pode revelar a historicidade dos textos culturais e expor os arranjos sociais abusivos presentes na mídia. Então, para tornar visíveis os olhares sobre as relações de gênero nos discursos da mídia, a obra é dividida em quatro grandes seções: Publicidade, Revistas, Cinema e TV e Internet.

Na primeira seção, Nara Widholzer abre perspectivas para pensar a publicidade como pedagogia cultural e tecnologia de gênero. Advoga em um estudo comparado que os anúncios publicitários nas revistas Cláudia e Seleções do Reader's Digest não só oferecem mercadorias, mas também reforçam assimetrias sociais, de gênero e de transformação dos corpos de sujeitos em objeto. Edison Gastaldo discute as representações sociais e papéis de gênero nos anúncios publicitários, inovando nas análises empíricas dos dados imagéticos. Seu estudo centra-se nas relações sociais estabelecidas no interior da família brasileira a partir de 415 anúncios. Ana Lídia Bisol, ao abordar a publicidade no turismo, analisa imagens e elementos léxico-gramaticais relacionados ao gênero nas revistas Playboy, Vip e Veja. Ruth Sabat problematiza a (re)produção de significados de gênero e sexualidade relacionados à mídia através de anúncios de peças automotivas, cera e café. Nas análises dessa seção levam-se em conta a intertextualidade e a interdiscursividade, articulando textos lingüísticos com imagens, fontes, cores, efeitos hipnóticos e outros elementos. Os textos possuem afinidade ao entender que as tecnologias discursivas contribuem para a desigualdade nas relações sociais e de gênero.

Na seção Revistas, Carmen Rosa Caldas-Coulthard apresenta artigo sobre revistas femininas, atendo-se a Maire Claire e Nova ao analisar suas estruturas narrativas e suas ideologias contraditórias com relação às transgressões sexuais, sobretudo de mulheres casadas com maior poder aquisitivo e acima dos 30 anos. A autora relaciona os contextos europeu e brasileiro, as ideologias e as narrativas sexuais, para concluir que as políticas de gênero e de poder são abordadas superficialmente nessas revistas. Nilsson Sgarbieri analisa as revistas Época, Isto É e Veja como fontes principais para discutir o reconhecimento da mulher na política através das personagens Marta Suplicy e Heloisa Helena e de ativistas mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O autor entende que preconceitos são construídos com relação à mulher no espaço público, valorizando-se no senso comum mais os aspectos físicos, a feminilidade e a elegância. Fabiana de Amorim Marcello utiliza-se das revistas Cara e Veja para discutir os dispositivos construídos sobre maternidade e mulher, e corpo e sensualidade nas personagens Cássia Eller, Luciana Gimenez, Vera Fischer e Xuxa. Nucia Alexandra Silva de Oliveira lança um olhar crítico para a representação da beleza feminina nas páginas das revistas O Cruzeiro, Claudia e Nova nas décadas de 1960 e 1970. Para a autora, o disciplinamento dos hábitos e do corpo está relacionado à contribuição feminina para a modernização do país através da compra da beleza, incluindo-se nisso os cosméticos e absorventes.

Na seção Cinema e TV, o estudo de Sônia Weidner Maluf centra-se no filme Tudo sobre a minha mãe, do diretor espanhol Pedro Almodóvar. No filme o desejo e o sofrimento se cruzam, construindo uma trama que dissolve alguns princípios naturalizados sobre o corpo através da personagem Agrado. Miriam Adelman discute possibilidades de afirmação das mulheres como sujeito a partir dos filmes Thelma e Louise e Fogo sagrado. A autora apresenta alguns dos tropos comuns que fizeram e fazem parte da linguagem do cinema masculinizante e sugere subversões do cinema de mulheres. Rosa Maria Bueno Fischer aborda a questão da subjetividade feminina e da diferença no programa Erótica, da MTV, e no seriado Mulher, da Globo. Com base em teorias pós-estruturalistas e pós-colonialistas, a autora articula teorias sobre mídia, educação e gênero.

Na última seção, Jussara Pra e Telia Negrão abordam a Internet como um novo ambiente comunicativo e de empoderamento feminino para produzir mudanças no individual e no coletivo, especialmente na América Latina. Viviane M. Heberle analisa as interações do Orkut e do Fotolog como possivelmente democráticas ao prometer liberdade, emancipação e criação de identidades multigênero, mas que também podem ser opressivas para as mulheres, homossexuais e homens, pois os internautas trazem na linguagem suas expectativas e sistemas de valores. Para Heberle, os internautas, com seus clichês e frases estereotipadas, intensificam as noções do masculino e do feminino, e o assédio sexual é muitas vezes silenciado pelas mulheres.

A obra, no seu conjunto, desloca certezas ao introduzir novos temas, conceitos e reflexões específicas, atentando para formas de operação dos discursos aqui entendidos enquanto práticas instituintes e não apenas como reflexo. Novos rumos provocantes são expostos e propostos, abrindo espaços para novas e velhas inquietações temáticas, novas formas de problematização e outros procedimentos metodológicos para a pesquisa sobre mídia, história das mulheres e relações de gênero.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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