Open-access Por uma ressignificação do empreendedorismo feminino a partir de três visões filosóficas sobre o gênero e poder

Resumo

Objetivo:  Este texto é um ensaio que discute o conceito de empreendedorismo feminino a partir da ressignificação posta pela ideia de relações de gênero, em que estas são consideradas como relações assimétricas de poder, abarcando a violência como o resultado desta condição. Nosso argumento se constrói particularmente pela perspectiva de três autores: no pensamento da historiadora Joan Scott, do filósofo Michel Foucault e da filósofa Hannah Arendt.

Tese:  Suas propostas teóricas nos permitem reconstruir as visões sobre a mulher enquanto uma construção histórica baseada nas relações de poder e controle, e pelo exercício da violência como principal mecanismo de dominação do patriarcado sobre o feminino.

Relevância/Originalidade:  É assim que argumentamos que o Empreendedorismo Feminino se manifesta em um contexto de violência, já que expressa as diferentes formas de violência contra a mulher enquanto evento socialmente constituído, destacando-se o fato de que, na cultura do capitalismo, empreender é uma atividade de poder e, justamente por isso, costuma ser negada à presença feminina.

Contribuição social/gerencial:  Em adição, a violência é uma reação à mulher empreendedora e funciona como um recurso não legítimo utilizado pelo agressor para manter o status quo do patriarcado, baseado em uma visão assimétrica de poder e de submissão da mulher ao homem. Por conseguinte, a violência se amplia quanto mais as mulheres se equiparam aos homens nos espaços de poder, sofrendo maior ataque a partir de diferentes formas de violência. Classificação JEL: L26, B54, J71

Palavras-chave: Empreendedorismo feminino; Relações assimétricas de poder; Violência contra a mulher; Patriarcado; Feminismo.

Abstract

Objective:  to understand the emotional resilience from the entrepreneurship education perspective and from the experience of arts entrepreneurship education. Methodology/approach: Qualitative, inductive and narrative methods. Use of different sources of information (documents, direct observation, videos and semi-structured interviews) and narrative analysis. Main

results:  Conceptual elaboration of four emotionally challenging educational contexts and five educational practices for the development of emotional resilience.

Theoretical/methodological contributions:  We propose new reflections on the contexts and practices in the context of entrepreneurial education, as well as specific reflections on the field of entrepreneurial education in the arts, thus stimulating a more current, sophisticated and comprehensive entrepreneurial education, in which the ability to be emotionally resilient becomes a priority.

Relevance/originality:  Despite the importance of emotional resilience for entrepreneurship, the topic was underestimated by research on entrepreneurial education. Social contributions: By stimulating the conceptual refinement of entrepreneurial education based on the concept of emotional resilience, we contribute to the advancement of research on entrepreneurship, to the practice of artistic entrepreneurship and to the development of the creative economy. JEL classification: L26, B54, J71

Keywords: Emotion; Entrepreneurial education; Emotional resilience; Artistic entrepreneurship.

INTRODUÇÃO

O campo de pesquisas em empreendedorismo tem dado cada vez mais espaço para a temática da mulher empreendedora. Em todo o mundo, os estudos relacionados ao empreendedorismo feminino ganham força na agenda de pesquisa em diferentes campos de conhecimento, tais como nos da administração, economia, antropologia e sociologia. Esse crescente interesse demonstra que a atividade empreendedora praticado por mulheres leva-nos a pensá-la como algo valoroso para a sociedade contemporânea, que considera o empreendedorismo com um valor em si mesmo para a ascensão e legitimidade social (Versiani et al., 2021; Iizuka & Costa, 2022). Esse crescente interesse pode estar relacionado ao contínuo crescimento da atividade empreendedora liderada por mulheres (GEM, 2019; Gomes et al., 2014; Versiani et al., 2021). Sobre este ponto, Morales-Urrutia (2023) e Souza et al. (2022) apontam a correlação positiva entre as políticas públicas afirmativas e o avanço do empreendedorismo feminino como estratégia de combate à desigualdade de gênero; entretanto, ainda se faz necessário aprofundar os estudos sobre as dimensões sociais e políticas deste fenômeno, em que as mulheres ainda são consideradas a partir de uma visão frágil e sem consideração aos desafios próprios de sua condição social precária em relação aos homens.

Neste sentido, alguns estudos avançam em termos de alerta sobre a necessidade de uma visão que seja socialmente mais realista que aquelas comumente adotadas em estudos sobre empreendedorismo feminino. Por exemplo, Versiani et al. (2021) apontam que as mulheres empreendedoras ainda assumem um sentimento de culpa com a dificuldade de conciliar a vida profissional e o cuidado com a família, assim como Souza e Cascaes (2008) reconheceu em mulheres executivas. Pontes e Dinis (2022) e Souza et al. (2022) também alertam para a busca pela atividade empreendedora provocada pela maior vulnerabilidade de mulheres, especialmente em contextos sociais críticos, como foi o caso da Pandemia de COVID-19.

Considerando tais questões, a despeito do papel cada vez mais relevante que as mulheres têm desempenhado no campo empreendedor (GEM, 2019; Morales-Urrutia, 2023), é preciso que se adote um olhar mais cuidadoso para esse fenômeno, especialmente tendo em conta a insuficiência ao se conceituar adequadamente as questões complexas das relações de gênero pelo paradigma que sustenta os estudos do empreendedorismo (Ahl & Marlow, 2012; Jennings & Brush, 2013; Foss et al., 2019; Bizarria et al., 2022). Isso porque é necessário considerar que a prática do empreendedorismo também é mediada pela mesma tensão das relações de gênero estabelecida pelos pressupostos tradicionais da sociedade, ou seja, o machismo e o sexismo, historicamente construídos e culturalmente sustentados.

No caso das pesquisas em empreendedorismo, a atuação das mulheres é considerada desde o início como uma mera categoria da prática empreendedora a ser compreendida. Estudos são conduzidos no sentido de cristalizar a ideia de que o gênero representa apenas uma diferença que influencia estilos e condições de sucesso e/ou fracasso em determinados contextos e situações. É assim que neste campo autodenominado “empreendedorismo feminino”, o gênero tem sido sistematicamente tomado como uma categoria a priori e sem ser problematizado culturalmente, havendo a omissão por parte das pesquisas sobre o que é, de fato, ser mulher na sociedade contemporânea - incluindo-se, no campo dos negócios. Dito de outro modo, as pesquisas sobre empreendedorismo feminino desconsideram que, antes de ser um agente da atividade empreendedora, a mulher está situada na sociedade desde seu nascimento em duras condições relacionadas à diferença de gênero e, justamente a partir disto, enfrenta problemas que só se aplicam a ela (Ahl & Marlow, 2012; Brush et al., 2019).

Um aspecto relevante a ser considerado no empreendedorismo praticado por mulheres refere-se à própria noção do feminino na sociedade atual, que, segundo autoras feminista tais como Saffioti (1987; 2001; 2004), Sardenberg (2004), Souza e Cascaes (2008) e Louro (1997) - que propõem sua perspectiva em acordo com a sociologia de Bourdieu - o feminino é constituído a partir de instrumentos simbólicos de poder que caracterizam a sociedade contemporânea como culturalmente machista. Ou seja, ser mulher é estabelecer-se na estrutura social a partir do que a sociedade entende sobre o feminino e sua relação com o masculino.

Nesse contexto, o ponto fundamental das relações de gênero é o fato de que há uma subordinação do feminino ao masculino. O problema corresponde a uma relação assimétrica de poder entre homens e mulheres, que é historicamente constituída e culturalmente reforçada. A partir desse panorama, fundamenta-se o presente ensaio sobre o empreendedorismo feito por mulheres, propondo um olhar mais abrangente sobre o campo, que pode trazer contribuições para a área, à medida em que se estabelece como um fenômeno social integrado com todos os desafios enfrentados pelo vigente contexto social, como é o caso das questões discursivas e de gênero.

Além dessa discussão sobre a dimensão política, nossa proposta é a de introduzir a ideia de violência contra a mulher a partir de uma visão sócio-histórica, a partir da qual a própria relação entre feminino-masculino está impregnada pelo exercício da violência. Assim, por derivação, a violência também se torna uma marca no empreendedorismo feminino, e precisa ser considerada pelos estudos deste campo. Para fundamentar nosso argumento, articulamos três diferentes visões filosóficas: i) sobre o gênero feminino; ii) sobre as relações de poder que se articulam no discurso e na cultura da época; e iii) sobre a violência enquanto ausência da política democraticamente instituída. Começamos pela visão de Joan Scott e sua ideia de que o gênero não é somente uma construção social, mas também um conceito político e de desenvolvimento histórico. Em seguida, apresentamos a visão de sexualidade de Foucault, que ressalta o período vitoriano como o momento seminal de uma concepção moderna das relações entre homens e mulheres, baseada na subjugação e no recolhimento ao lar, ao casamento e à família. Finalmente, apresentamos a tese de Hannah Arendt sobre a Violência enquanto ausência de política, o que nos permitem constatar que a resposta ao empreendedorismo feminino está associada ao aumento da violência contra as mulheres justamente pelo fato destas começarem a ocupar os espaços de liderança e poder, como por exemplo, os espaços do empreendedorismo e da direção de empresas, bem como nos cargos de poderes na esfera pública (poder judiciário, legislativo e executivo).

JOAN SCOTT: O GÊNERO COMO UMA RELAÇÃO DE POSIÇÕES DE PODER

Ao se descortinar as formas de construção do conhecimento consolidadas pela tradição moderna, destaca-se a importância da dimensão política que envolve a construção simbólica da diferença entre gêneros. Em adição, considerando que é fundamental estabelecer o entendimento de que os fenômenos sociais devem ser tratados em consideração à histórica assimetria de poder entre homens e mulheres, torna-se necessário ressignificar os conceitos de feminino e masculino.

A partir do projeto iluminista e com o advento da ordem social capitalista, nossa compreensão do mundo passou a se dar por meio da perspectiva da razão e do progresso humano. Desde então, o conhecimento científico se tornou fonte legítima de poder, passando a exercer influência direta nos processos sociais e históricos. Quanto a isso, Souza e Cascaes (2008) ressaltam que a organização racional da sociedade capitalista moderna se apoiou no que existia de mais verdadeiro na época, isto é, nos discursos científicos que definiam o ser humano segundo uma natureza biológica inevitável e condicionante.

É assim que a questão de gênero - socialmente problemática sob o ponto de vista da desigualdade - também é inserida no discurso da racionalidade iluminista e cientificista da Modernidade, bem como nos arranjos políticos e econômicos fruto desse contexto. Por esse motivo, ainda que diversos avanços possam ser registrados, a conscientização do papel das mulheres nas diversas esferas da vida social se dá de modo lento e, por vezes, com retrocesso. A exclusão das mulheres do campo político e dos mecanismos de poder é um dos fatores mais evidentes desta condição (Lautier, 2009; Morales-Urrutia, 2023; Souza et al., 2022).

Para entender essa dimensão, a historiadora e militante norte-americana do movimento feminista, professora Joan Scott, tem se dedicado a análise do gênero como uma importante categoria para os estudos sobre nosso tempo histórico. Conforme comenta Siqueira (2008), essa autora compreende que a história é, ao mesmo tempo, um método de compreensão das relações entre homens e mulheres, como também um mecanismo de produção destas relações. Dito de outro modo, é através da análise histórica que se revela a produção das relações de gênero, justamente, pelo fato destas relações serem produto e agente da História.

De acordo com essa autora, a elaboração do construto ‘gênero’ foi uma importante contribuição para os estudos feministas, na medida em que permitiu análises das relações sociais ‘entre e com’ homens e mulheres, não incorrendo no viés metodológico positivista de apenas isolar a mulher como categoria analítica. Ou seja, o feminino e o masculino são categorias indissociáveis, e é assim que Scott (1995) revela aspectos assimétricos que ligam poder e gênero. Na definição da autora, gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e, ainda, um modo primordial de significar as relações de poder. É assim que predomina em nossa sociedade o entendimento de que, não somente a mulher é diferente do homem, mas também que a peculiaridade do masculino é ser mais ‘poderoso’ do que o feminino, articulando, por conseguinte, múltiplos sentidos que estruturam as relações entre estes dois gêneros como sendo relações assimétricas de poder. Dito de outro modo, simplesmente nascer mulher já é sair perdendo nas relações sociais por toda a vida.

Em sua estrutura discursiva de articulação, o poder nas relações de gênero se sustenta em um processo cultural que naturaliza o masculino como superior. Scott (1987) explica que, à medida que o masculino e o feminino são dados como naturais e o masculino sempre como superior, a diferenciação é muitas vezes usada para construir outros significados e outras diferenças, sempre no sentido de legitimar, reforçar ou de conferir poder superior aos homens e suas representações. Por esse motivo, nas primeiras articulações do pensamento feminista, a noção de gênero era tomada como uma construção social que teve como objetivo analisar a relação de mulheres e homens em termos de desigualdade e poder. A ideia foi a de que o conceito de gênero se aplica a todos, que é um sistema de organização social, que não deixa ninguém fora disso. Por isso, as pessoas são enquadradas a partir do feminino e do masculino para que, assim, fosse reconhecido qual o lugar que se teria na sociedade, sendo que os direitos e as posições de poder deveriam ser ocupados por homens ou, no mínimo, de que os atributos associados ao masculino eram necessários para o exercício do poder.

Por esse motivo, Scott (2012) explica que o conceito de gênero recai sobre o reconhecimento social de mulheres e homens em posições políticas distintas, sobre como os traços atribuídos para cada sexo justificavam os diferentes tratamentos que cada um recebia. Assim sendo, a distinção dos gêneros serve para normalizar uma estrutura assimétrica de condições sociais e oportunidades, naturalizando a desigualdade de gênero em termos sociais, econômicos e políticos. Por conta desse princípio de articulação objetiva de uma estrutura desigual universal e socialmente determinada, o conceito de gênero condensa variedades da feminilidade e masculinidade em um sistema binário, hierarquicamente arranjado e radicalmente estereotipado. Todos os matizes em termos de caracterização do feminino e do masculino são dependentes da dicotomia de relações assimétricas de poder: a cada momento que uma característica atribuída à mulher surge na cultura da sociedade contemporânea (mesmo com a legitimação do conhecimento científico) esta somente se sustenta no quadro geral da estrutura social se houver conexão com essa premissa fundamental de relações de poder. Por exemplo, dizer que as mulheres são mais emotivas que os homens ‘faz sentido’ em nossa sociedade na medida em que a emotividade é interpretada como fragilidade nas posições de poder. Por isso, dizer que as mulheres são doces, gentis e delicadas é, na verdade, uma forma de situar mulheres em uma posição de subordinação ao homem, já que fica subentendido que esses traços são incompatíveis com liderança e força.

Embora a relação de gênero não seja o único campo social no qual o poder se articula, Scott (1995) afirma que ele parece ter se constituído como meio persistente e recorrente para dar eficácia à significação do poder no Ocidente, assim como nas tradições judaico-cristãs e islâmicas. Essa leitura da autora feminista tem eco mesmo em importantes autores homens, como por exemplo em Bourdieu, para quem a concepção de que a divisão social do mundo fundada sobre as diferenças biológicas - que se referem à divisão sexual do trabalho, da procriação e da reprodução - opera como uma das mais importantes ilusões coletivas (Saffioti, 2004; Louro, 1997).

O reconhecimento do gênero como uma categoria de relações de poder estruturante em nossa sociedade não se dá apenas no campo do discurso acadêmico. O estatuto político do termo gênero tem sido usado em iniciativas por organizações mundiais, tais como a Organização das Nações Unidas (ONU), sendo este esforço dado para corrigir as desigualdades inerentes a este tipo de construto. Por isso, com o objetivo de ampliar ações afirmativas de relações de gênero, esses órgãos propõem programas institucionais de apoio a projetos dedicados a melhorias no empoderamento e melhores condições sociais das mulheres, tais como o acesso aos serviços de saúde, a educação, ao emprego, bem como o acesso a outras formas de recursos econômicos. Também se articulam iniciativas de combate à violência e à discriminação contra as mulheres e o incentivo à inclusão política (Scott, 2012).

Apesar dos avanços com os programas afirmativos criados por governos e organizações diplomáticas, a questão do poder nas relações de gênero apresenta nuances que necessitam de precisão e cuidado. Por este motivo, Cornwall (2018) critica o uso do termo ‘empoderamento’, por entender que ele implica dizer que o poder pode ser transmitido, que as mulheres seriam capazes de ser infundidas com ele. Assim sendo, o problema do argumento de ‘empoderar as mulheres’ acaba quase sempre sendo uma simplificação do processo de assimetria de poder das relações de gênero. Essa simplificação se materializa especialmente na conjugação entre o poder das relações de gênero ao poder econômico, onde a aquisição de dinheiro passa a ter poderes ‘quase mágicos’. Dito de outro modo, é uma falsa ilusão de que a solução das questões de gênero se resuma a questões econômicas, uma vez que as mulheres tivessem seu próprio dinheiro, seriam capazes de fazer desaparecer a desigualdade imposta pelas normas sociais, pelas relações afetivas, bem como todas as diferentes formas de discriminação e violência impostas pelas instituições sociais.

É por isso que o problema das relações de gênero é de ordem estrutural, de base sociocultural e permeado pelas instituições que articulam as relações de poder na sociedade. Assim, para Scott (2012), a primeira e mais óbvia discriminação em relação às mulheres vem dos próprios governos, que historicamente estabelecem a perpetuação e proteção dos privilégios masculinos, geralmente em nome da cultura. Um bom exemplo de como o Estado reforça a condição social de gênero como desigual são as políticas públicas voltadas para as mulheres. Quase sempre, estas não priorizam a importância e o significado que se estabelece no relacionamento entre os sexos; ao contrário, a centralidade posta na condição da mulher-família reafirma a visão essencialista de que a reprodução e a sexualidade causam a diferença de gênero de modo simples e inevitável. Este viés se reproduz de várias formas na vida cotidiana, sendo visível em certos espaços de ação pública, como na precariedade das delegacias de atendimento à mulher ou mesmo na regulação legal em relação ao corpo feminino em questões complexas como a do aborto. Se a cultura e a tradição podem explicar diferenças entre masculino/feminino, então a desigualdade passa a não ser mais problematizada. É neste sentido que tal abordagem é nociva para a causa da mulher, já que mascara uma forma de relativismo cultural que se recusa a tratar as relações de gênero como uma questão de assimetria de poder.

Uma forma de entender a dimensão cultural das relações de gênero é a denominação ‘patriarcado’. Esta remete ao conjunto de concepções sociais e morais que restringem a mulher à condição de subordinação ao homem, especialmente no que se refere à vida pública e à família (Saffioti, 2004). Apesar de ter se constituído como um dos pilares da vida moderna a partir da concepção vitoriana do feminino como forma de justificação do discurso de opressão da sexualidade (Foucault, 1988), tal modelo cultural representa uma contradição para a democracia moderna, outro pilar das sociedades contemporâneas. Se fomos capazes de abolir a escravidão enquanto instituição organizadora da vida econômica e social no período de colonização das Américas, não o fomos em relação à vida política das mulheres, por conta do patriarcado. Conforme aponta o seguinte trecho:

A presença ativa do machismo compromete negativamente o resultado das lutas pela democracia, pois se alcança no máximo, uma democracia pela metade. Nesta democracia coxa, ainda que o saldo negativo seja maior para as mulheres, também os homens continuarão a ter sua personalidade amputada. E vale a pena atentar para este fenômeno (Saffioti, 1987, p.24).

Outra questão que permeia as relações de gênero, ainda, segundo Scott (2012), é o estabelecimento do que significa igualdade entre os sexos. Trata-se da igualdade formal dos indivíduos abstratos perante a lei - como no direito ao voto, ou na proibição de discriminação entre os sexos nos códigos de direito de família e das relações civis? Ou a igualdade que se pretende é aquela que se estende aos direitos sociais mais amplos? O problema, segundo a autora, é que a igualdade nas relações sociais entre mulheres e homens envolve múltiplos aspectos e significados, que dificultam um entendimento comum sobre equivalência, qualidade, e mesmo sobre a forma como essa condição poderia ser mensurada. Por esse motivo, a retórica que defende a simples igualdade de gênero é falaciosa, justamente porque subentende que o problema das relações de gênero se resolveria pela simples compatibilização de condições sociais entre homens e mulheres, o que poderia levar a uma falsa sensação de que o arbítrio de direitos iguais é suficiente para anular a distinção conceitual do atributo do gênero como algo assimétrico em sua constituição social.

Um importante exemplo de como a igualdade de gênero, enquanto um princípio claro com aplicação global, pode ser falacioso emergiu na retórica do ‘choque de civilizações’. Scott (2012) aponta que, na luta quanto ao lugar dos muçulmanos nas nações ocidentais, a igualdade de gênero tem sido enunciada pela tradição judaico-cristã como um dos primordiais valores do Ocidente. Neste sentido, questões como a “dominação masculina, violência contra as mulheres, sua exploração sexual e repressão, foram todos [temas] alinhados do lado islâmico, limpando o Ocidente destas questões” (Scott, 2012, p. 340). Ou seja, a partir desta retórica, difundia-se a falsa ideia de que apenas no mundo islâmico ainda haveria desigualdade e opressão da mulher, enquanto no mundo ocidental essas questões já estariam resolvidas e superadas, o que está longe de ser verdade.

Outra importante contribuição de Scott para o conceito de gênero é a ideia da ligação entre poder e linguagem. Para a autora, sempre existe uma política - no sentido de uma relação de poder - nas operações da linguagem (Scott, 1987). Ou seja, a linguagem codifica a política e o racionalismo como produtos masculinos, em contraste com o lado utópico do feminino. Assim, conforme Scott (1987), a diferença sexual forneceu uma maneira objetiva de indicar ou escolher uma posição política.

É a partir desta distinção político-discursiva que Scott (1987) nos lembra que concepções de gênero são definidas e frequentemente compartilhadas por mulheres e homens. Assim, ainda que cada grupo (ou mesmo indivíduos dentro de cada grupo) possam ter entendimentos um pouco diferentes do que implicam o conceito de masculino e feminino, o apelo ao gênero é geralmente feito em termos de papéis biológicos naturais ou concepções teológicas. O apoio das mulheres, portanto, não mudariam as operações de diferença sexual na noção do conceito de gênero como estereótipo, bem como acontecem nas relações de classe ou de raça.

Por fim, a própria Scott (2012) nos alerta para os limites do termo ‘gênero’. Ela argumenta que as desigualdades visíveis entre mulheres e homens são geralmente geradas ou perpetuadas por estruturas de trabalho de mercado globais, fabricadas pelo capital financeiro - e são insolúveis sem a atenção aos seus impactos e operações. Dessa forma, o foco nos direitos reprodutivos, violência doméstica, educação feminina e tráfico sexual devem ser tomados como de crucial importância para a melhoria da qualidade de vida das mulheres; no entanto, o foco exclusivo nestes graves problemas subestima ou ignora as estruturas econômicas que moldam essas vidas, transformando-as a partir de diferentes condições materiais. Esse é o ponto que desejamos destacar no empreendedorismo feminino como uma condição assimétrica de poder que reproduz a violência contra a mulher.

MICHEL FOUCAULT: DISCURSO, SEXUALIDADE E PODER

Se estabelecemos que a assimetria de poder entre homens e mulheres se dá pela naturalização de certas diferenças de ordem cultural e histórica, podemos supor que a operacionalização da discriminação e desigualdade sobre o gênero feminino ocorre, em grande parte, pelo discurso. Esse entendimento está associado ao movimento em ciências sociais que estabelece a centralidade da linguagem na ontologia do social, incluindo-se, a compreensão das fraturas e contradições da realidade histórica que permite a emancipação (Lara & Vizeu, 2020). Um importante representante dessa “virada linguística” do pensamento social crítico é Michel Foucault, que edifica sua obra a partir de uma perspectiva sobre os fenômenos sociais voltada para a construção histórica dos significados, em especial, aqueles articulados pelos discursos e pela linguagem, ou seja, a realidade social constituída pelas “palavras”.

Como aponta Revel (2005), Foucault se interessou pelos “planos discursivos” da realidade social de forma dupla, construindo, assim, um método próprio de análise discursiva (e, consequentemente, de análise social) da Modernidade. De um lado, tratava-se de analisar as marcas discursivas, procurando isolar a ordem de funcionamento independente da natureza e das condições de enunciação, o que explica o seu interesse pela gramática, pela linguística e pelo formalismo. Por outro lado, tratava-se de descrever a transformação dos tipos de discurso nos séculos XVII e XVIII, isto é, de historicizar os procedimentos de identificação e de classificação próprios desse período, ou seja, as condições de seu aparecimento, de modo a entender a gênese das relações de poder naturalizadas na era Moderna.

Foucault (2008) explica que há procedimentos que são exercidos pelos sujeitos de discurso tanto no exterior quanto no interior dos discursos. Em relação aos procedimentos exteriores, o autor menciona aqueles que operam a exclusão, identificada por ele de três formas. Em primeiro lugar, os procedimentos de interdição - que consistem no controle do que pode ser dito, em que circunstância e a quem é permitido falar. O segundo procedimento de exclusão é a segregação da loucura - que se operou na era moderna com a emergência da instituição manicomial de segregação da loucura como sendo a não razão moderna (Foucault, 1997). Por fim, o terceiro procedimento de exclusão apontado por Foucault é a vontade de verdade. Para o autor, essa forma corresponde à dinâmica que não se restringiria à perspectiva absoluta sobre verdadeiro versus falso, pois essa dualidade se altera conforme a época, os lugares e as pessoas.

Assim, dos três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso na era moderna (a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade), Foucault (1996) afirma que foi justamente a partir dessa terceira forma de exclusão que o poder nas relações de gênero se articula pelo discurso. Para explicar a história da sexualidade, Foucault dividiu o tema em uma trilogia, sendo a Vontade de saber o seu primeiro volume (os dois outros livros são: O uso dos prazeres e O cuidado de si), e sendo que sustentaremos nosso argumento no primeiro texto, já que, trata-se de uma análise histórico-genealógica dos mecanismos de poder que estão relacionados à produção de saberes sobre a sexualidade.

O texto ‘A vontade de saber’ (Foucault, 1988) aborda a história da sexualidade nas sociedades ocidentais para compreender os motivos que sustentaram, ao longo dos séculos, a hipótese da sexualidade como objeto de mecanismos repressores, ao qual o autor chama de hipótese repressiva. Não é, portanto, um texto sobre a sexualidade propriamente dita, mas sobre os mecanismos de poder engendrados na produção de saberes específicos, nesse caso, aqueles sobre a sexualidade.

Michel Foucault inicia a argumentação trazendo a imagem da moral vitoriana como abarcando uma sexualidade contida, muda, hipócrita, na qual a vida conjugal incita o silêncio ao sexo. Com essa imagem, o autor ilustra seu argumento de que, na era Moderna, a sexualidade se enclausura na instituição do casamento. Ela passa a ser algo que deve se restringir à função da procriação, torna-se segredo da vida conjugal, ao controle da família patriarcal, em que o vínculo das relações de poder e sexo ocorre em torno da repressão. A partir de um panorama repressivo, o poder é avaliado como dominação, que impõe uma lei e exige submissão.

Ou seja, o sexo torna-se tabu na medida em que é proibido e condicionado ao casamento e ao poder patriarcal. Isso explicaria, por exemplo, o comportamento repressivo contra a mulher em relação a sua sexualidade, que é vista como uma obrigação no matrimônio e ao mesmo tempo como um pecado. Ao homem, resta a liberdade em relação a sua sexualidade no interior do casamento ou no obscurantismo da vida Moderna.

Com isso, Foucault objetiva determinar o regime de poder-saber-prazer que sustenta, entre nós, o discurso sobre a sexualidade humana. O autor enfatiza o sexo posto em discurso, no qual se articulam as técnicas polimorfas do poder e questiona os meios pelos quais os discursos sobre a sexualidade regulam o indivíduo, em que o silêncio, a negação, a censura são produções discursivas (Foucault, 1988).

Dessa forma, emergem mecanismos institucionais de articulação do discurso sobre a sexualidade como forma de interdição. A Igreja, a literatura e as novas técnicas racionais, que regulam o sujeito moderno, constituem discursos que também se debruçam sobre a sexualidade. A medicina e o direito também são parte desses dispositivos de regulação. Como argumenta Foucault (1996), a troca e a comunicação são figuras positivas que atuam no interior de sistemas complexos de restrição. A forma mais superficial e mais visível desses sistemas de restrição é constituída pelo que se pode agrupar sob o nome de ritual. É ele que define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam, devem ocupar determinada posição e formular determinado tipo de enunciados.

Assim, Foucault (1988) entende que a racionalidade moderna buscou tornar o sexo útil, invertendo a lógica de repressão para uma lógica de regulação. Nesse sentido, quanto mais mascarados os mecanismos de poder, mais o poder se torna tolerável. Ou seja, o poder tem no segredo de seus mecanismos sua verdadeira força, indispensável ao sucesso de seu funcionamento. Como exemplos desses dispositivos, o autor cita alguns argumentos cientificistas, como a questão da demografia, do controle de natalidade, da economia política da população, da interdição do sexo das crianças, ou mesmo do sexo entre adolescentes como problema público.

A partir desse aparato institucional, cria-se uma mudança qualitativa no discurso, emergindo formas de sexualidades úteis e conservadoras. A monogamia heterossexual, como norma, passa a ter “direito” à discrição; assim, o discurso foca nos dissidentes, como a homossexualidade, que aparece como uma das figuras da sexualidade quando foi transferida, da prática da sodomia, para uma espécie de androgenia interior. Cria-se uma série de nomes e sujeitos marginalizados: exibicionistas, fetichistas, automonossexualistas, mixoscopófilos, ginecomastos, presbiófilos, invertidos sexoestéticos, mulheres disparêunicas. Embora essas práticas já existissem, não eram postas à tona no discurso sobre a sexualidade.

O controle também se apresenta como um processo de articulação do poder sobre a sexualidade. Ele funciona como mecanismo de dupla intenção: regulação do prazer e do poder. Para Foucault (1988), qualquer tentativa de sair fora dos limites traçados pela repressão sexual seria o mesmo que desafiar e enfrentar os poderes estabelecidos institucionalmente (Estado, Igreja e família). Nesse sentido, a repressão seria o modo fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade.

O poder é entendido, então, em sua forma complexa, como potência e relação, e não como estrutura ou instituição. Para Foucault (1988), as relações de poder possuem um papel produtor, sendo formadas e atuantes nos aparelhos de produção, atravessando todo o corpo social. Também para Revel (2005), Foucault nunca trata do poder como uma entidade coerente, unitária e estável, mas como relações historicamente constituídas e multifacetadas.

Ao pensar o poder no sentido de relações, Foucault (1988) concebe a ideia de uma rede de poder, ou seja, o poder não é exercido a partir de um ponto central, de modo estático. Esse caráter relacional do poder também destrona a perspectiva do poder enquanto um objeto, uma potência. Nesse sentido, o poder não é algo a ser adquirido, mas como algo que se exerce por relações. Trata-se de agenciamento no qual se cruzam as práticas, os saberes e as instituições, e no qual o tipo de objetivo perseguido não se reduz somente à dominação, pois não pertence a ninguém e varia ele mesmo na história (Revel, 2005).

Aqui chegamos a um ponto central em nosso argumento, que é o papel das relações de gênero na concepção foucaultiana da sexualidade moderna como manifestação de um sistema de poder-saber. No âmbito da sexualidade, o poder enquanto relação se estabelece na interação entre o gênero masculino e feminino, mediada principalmente pela instituição familiar patriarcal. Ou seja, a caracterização da sexualidade moderna não somente ocorre pela repressão às formas de manifestação sexual contrárias ao modelo heterossexual da relação biológica homem-mulher, mas também, na definição da sexualidade feminina a partir de sua funcionalidade exclusivamente reprodutora e localizada no casamento. Como exemplo de manifestação repressora, Foucault (1988) lembra certas estratégias que emergiram na Era Moderna, como a histeria associada ao corpo da mulher, a construção de uma pedagogia sobre o sexo da criança, a socialização das condutas de procriação e a terapêutica psiquiátrica da perversidade. São dispositivos que reforçam a sua tese da produção da sexualidade como forma de manifestação dos aparatos de poder, ao invés da mera interdição e repressão.

Dessa forma, o poder, por meio de uma multiplicidade de correlações de forças e exercido por meio de estratégias, colocaria em funcionamento uma espécie de rede de procedimentos e mecanismos que afetam e regulam os aspectos mais sutis da realidade e da vida cotidiana das mulheres. É assim que esse modelo analítico se torna muito útil para explicar a relação de sujeição da mulher ao patriarcado, ao longo dos tempos, na medida em que a dominação do homem foi sendo legitimada por leis, costumes e diversas outras práticas, até que se tornou banal e cotidiana.

Nesse sentido, o exercício do poder é compreendido como um dispositivo complexo, uma trama no interior da qual se alinham diversas instâncias e interesses que mudam as relações e das quais a mulher tem sido sistematicamente excluída e reprimida. Assim, a sexualidade feminina estaria ligada a tais dispositivos de poder, nos quais sua articulação se vinculou a uma intensificação do corpo, à sua valorização como objeto de saber (a racionalidade da procriação; a racionalização da repressão ao prazer sexual feminino; a função da família patriarcal como pilar da organização social) e como elemento articulador das relações de poder na diferenciação entre gêneros (o masculino preponderando sobre o feminino; a mulher como objeto sexual do homem; o sexo como obrigação da mulher no casamento).

Em suma, na concepção foucaultiana, o governo dos indivíduos é completado por um controle das populações, por meio de uma série de biopoderes que administram a vida (a higiene, a sexualidade, a demografia, etc.) de maneira global a fim de permitir uma maximização da reprodução do valor dos sistemas modernos de organização da vida social. Nesse sentido, a contribuição do pensamento foucaultiano sobre as relações de gênero como uma forma de saber-poder ocorre na redução da sexualidade feminina a uma forma (talvez a única, em certos aspectos da vida cotidiana da modernidade) de manifestação do feminino. Dito de outro modo, a articulação complexa que Foucault (1988) traz sobre a sexualidade e sua construção discursiva de relação saber-poder revelam a forma como as relações de gênero se constituíram como relações de poder do masculino sobre o feminino, sendo que cabe à mulher anular toda e qualquer dimensão política da vida social, restringindo-se à idealização do papel de esposa e mãe, que atende a duas funções - garantir o prazer sexual do marido e procriar.

Essa interessante interpretação foucaultiana sobre as relações de gênero como relações centradas na construção afirmativa de uma sexualidade feminina (e masculina, por conseguinte) como um saber articulador das relações entre homens e mulheres pode ser observada a partir de diferentes manifestações sociais das sociedades ocidentais da modernidade. Parece-nos que para além da camada de regulamentação do corpo - na qual claramente se verifica que o corpo da mulher foi sistematicamente o mais controlado e supliciado a partir do discurso moderno sobre a sexualidade feminina - o biopoder se vale de artifícios de controle social sobre o feminino, reforçando a hegemonia do masculino e restringindo a atuação da mulher no seio da família. É assim que a mulher ocidental é condicionada para casar e procriar, sendo preparada durante toda a sua socialização primária e secundária para isso. A menina reprime sua sexualidade (sexo e qualquer outra manifestação relacionada à sexualidade é considerado como errado, como pecado, somente deve ser feito como obrigação no casamento, etc.) e se condiciona a um lugar na sociedade restrito a esse papel de mãe-esposa. As mulheres que, qualquer que seja o motivo, não se sujeitam ou alcançam esse lugar, são marginalizadas (um bom exemplo disso é a marginalização da desquitada no Brasil, dada, inclusive, por instrumentos jurídicos até a segunda metade do século XX). Em suma, a dimensão do biopoder procura, no coletivo, disciplinar elementos da vida cotidiana, na qual o lugar da mulher é determinado a partir da sexualidade feminina como objeto de saber e como elemento articulador das relações de poder, gerando um processo sistemático de desqualificação e subserviência ao homem.

Assim, por meio do modelo analítico foucaultiano de discurso-saber-poder, podemos perceber esse jogo de significados e construções discursivas focado na dimensão política e nos discursos utilizados para legitimar desigualdades de gênero historicamente constituídas. E esse é um dos fundamentos da revisão do conceito de empreendedorismo feminino como fator de resistência e mudança. Esse é um conceito que incorpora a preocupação com as relações de poder e busca entender como se processa e se articula o biopoder na prática do empreendedorismo exercido pela mulher. Nosso argumento de que essa prática é condicionada ao papel da mulher como “mãe-esposa” da família patriarcal é central para compreender como esse conceito articula uma nova pauta de agenda de pesquisa desse fenômeno.

A perspectiva sobre as relações de gênero como relações de poder historicamente situados e reforçadas pelo discurso e pelas instituições Modernas - incluindo-se o Empreendedorismo - pode ser materializada na forma como esse poder é exercido pela violência contra a mulher. Por esse motivo, é preciso estabelecer melhor a relação entre violência e poder, algo feito de forma brilhante pela filosofa alemã Hannah Arendt.

HANNAH ARENDT: SOBRE A VIOLÊNCIA E SUA RELAÇÃO COM O PODER ARTES

De forma geral, há um consenso sobre a ideia de que a violência é qualquer ato que provoca ou pretende comprometer a integridade de alguém - a vítima - seja a integridade física, sexual, psicológica, moral ou simbólica (Saffioti, 2004; Gomes et al., 2016). Mas também há uma forma mais difusa de compreender o conceito da violência, que é considerando sua natureza sociológica, através da qual se pretende compreender o processo de violência como um fenômeno socialmente constituído e, por vezes, justificado. É por esse motivo que nos valemos do ensaio de Hannah Arendt (1999) sobre esta dimensão em particular, em que a autora apresenta uma visão filosófica interessante que nos faz compreender melhor a relação entre violência e o poder.

De forma original, a filósofa ensaia uma crítica à forma como o pensamento social e filosófico considera o papel da violência na História, procedendo uma reflexão que realoca a violência ao seu devido lugar, ou seja, o da destruição. Arendt (1999) busca combater o que ela chama de apologia à violência feita pelos intelectuais ao longo da história, envolvidos pelo próprio imaginário de que a violência faz parte da dinâmica civilizatória.

Para este intento, Arendt (1999) contesta as diferentes premissas do pensamento social e filosófico que consideram a violência como uma forma de poder ou de manifestação deste, sendo justificada especialmente em um sentido de organização da vida social. É assim que a autora critica a ideia do Estado como ente detentor da ‘violência legítima’, alertando que essa ideia é equivocada já que a violência paralisa e produz a inação. O seu principal argumento é que o conceito de poder deve ser aquele da concepção clássica da política, em que o poder legítimo é aquele que emana do povo e que garante a sustentabilidade das instituições sociais.

Neste sentido, Arendt entende o poder como uma força de natureza política, através da qual ele se articula pela coalisão. Dito de outro modo, o poder se estabelece pela força da articulação legítima dentro das regras políticas estabelecidas, pela mobilização de atores políticos em um esforço de atender a seus interesses dentro da esfera política vigente, para que seus pleitos possam ser incorporados nas estruturas políticas. É assim que se fala de estruturas de poder, relações de poder e formas de poder, o que é contraditório com a manifestação da violência.

Ou seja, o argumento de Arendt (1999) é o de que a violência se antagoniza ao processo dinâmico que envolve as estruturas de poder, em que as ações dos agentes políticos se dão para a construção da coalizão. Desta forma, a violência se torna um recurso de paralisação da política, pois ela inibe a construção da coalização pelo uso do poder político; como este poder se baseia na legitimação dada pela opinião do povo, surge a manipulação da opinião pública, mesmo em regimes autoritários. É neste sentido de oposição à verdadeira política que a violência é compreendida pela filósofa como um recurso extremo, mesmo quando utilizada pelo Estado - que detém a legitimidade para a articulação da política, para a realização da coalizão buscada pelas disputas legítimas de poder. Neste sentido, a violência pode ser entendida como um recurso de aniquilação da coalizão política, dada por atores na esfera pública.

Outro ponto que Arendt (1999) rejeita do pensamento social hegemônico é a teoria de que a violência é um comportamento natural. A autora argumenta que a violência não é dada pela biologia humana e nem como ato irracional, fruto do ódio; a violência é um recurso que têm propósito, que conta com uma certa racionalidade. E essa racionalidade que permite que a todo ato de violência seja possível encontrar uma justificativa dada pelo agressor. Contextualizando, essa premissa de racionalidade na questão da violência contra mulher é a justificativa dada pelos agressores para explicar seus atos, sempre incorporado em seu discurso ‘motivos’ que os levaram a cometer a violência. Em falas tão comuns nos atos de violência como “ela apanhou porque mereceu”, entende-se que a justificativa dada pelo agressor está associada a intenção consciente de anular o direito da mulher de agir de acordo com sua vontade e liberdade, mesmo que este direito esteja garantido legalmente. Na verdade, a violência se estabelece para anular o poder político de todas as mulheres, garantido pela luta na vida pública e nas instâncias legítimas de poder. É isso que Arendt (1999) entende por ser a contraposição entre a violência e o poder legítimo que se estabelece nas instituições políticas. Assim, para Arendt (2011), atos violentos jamais geram poder, no sentido da isonomia advinda da polis grega.

Essa afirmação é importante para compreender nosso argumento sobre a relação entre as articulações de poder que giram em torno dos direitos das mulheres na esfera política e da vida pública. Se o conceito de gênero reflete uma assimetria de poder na sociedade que é historicamente constituída e institucionalizada mesmo no Estado (Scott, 2012), a luta contra esta condição é um esforço de ordem política, em que forças se articulam para mudar as condições institucionais que suportam ou que não impedem ações misóginas na sociedade. Foi a partir da luta política do feminismo que mulheres passaram a votar, a participar mais efetivamente da vida política e a ter acesso a recursos do Estado. Mesmo sendo estas conquistas insuficientes para compensar a desigualdade histórica nas relações de gênero, ainda assim, são conquistas importantes e legítimas, que representam um avanço civilizatório e que deram suporte a novos pleitos de ordem política e social. E isso também se aplica ao crescimento do Empreendedorismo Feminino, entendido como um espaço de poder conquistado pela luta política e institucional das mulheres.

Todavia, ainda se faz necessário compreender a contradição entre a emancipação da mulher pela atividade empreendedora e a manifestação dos mecanismos de poder e violência de gênero instituídos na sociedade. As contradições entre a visão otimista sobre o empreendedorismo feminino - como um processo de empoderamento, de emancipação, de vantagem para a mulher ou de vantagem para a sociedade (Greene et al., 2003; Henry et al., 2016; Foley et al., 2018; Kothari, 2017) - precisam ser contrapostas à manutenção dos mesmos processos de subjugação e violência historicamente instituídos nas relações de gênero. Somente assim teremos uma visão realista do fenômeno e das condições históricas necessárias à superação de suas contradições.

EMPREENDEDORISMO FEMININO, RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Ao longo dos anos, o termo “empreendedorismo feminino” foi designado como aquele que trata da questão do gênero, mas se manteve limitado a apresentar o gênero apenas como uma diferença (Greene et al., 2003). Ou seja, os estudos de empreendedorismo feminino partem da diferença binária e com as lentes da tradição positivista, buscando responder às seguintes perguntas de fundo: mulher empreendedora é diferente? Quais as diferenças? Como medir e comparar negócios dirigidos por homens e mulheres? Contudo, a dimensão política da questão de gênero é simplesmente omitida da discussão.

Tendo sido abordada a partir de diferentes concepções filosóficas, o presente texto permite que abordemos o empreendedorismo feminino a partir das relações de poder e pela manifestação da violência contra a mulher. Neste sentido, uma forma de dimensionar a assimetria de poder como condição determinante de gênero e, por isso, presente no Empreendedorismo Feminino é considerar a influência dos valores do patriarcado e a omissão da violência de gênero nesta modalidade empreendedora.

Um primeiro ponto a se considerar é a violência como uma resposta ao espaço político conquistado legitimamente pelas mulheres empreendedoras. Assim sendo, a violência de gênero em suas diferentes formas e intensidades se manifesta como uma medida de resistência dos representantes do patriarcado às conquistas das mulheres, especialmente aquelas conquistas políticas que denotam a maior participação de mulheres em posições de poder formal. É assim que vemos a violência de gênero também como resposta à inconformidade com mulheres em cargos e posições de poder em organizações públicas, seja em funções de carreira ou mesmo em cargos eletivos, bem como mulheres em organizações privadas, empresariais ou não, em cargos de comando.

A violência contra a mulher empreendedora pode ser entendida a partir de um Continuum. Atos de violência, por vezes considerados sutis, como as piadas machistas ou alusões sexistas, estabelecidas a partir de diversas outras formas simbólicas e ocorrem em dimensões como as de ordem psicológica e patrimonial, culminando com as formas mais evidenciadas de violência contra a mulher, as de ordem física e sexual, muitas vezes letais (Saffioti, 2001; Blay, 2014; Louro, 1997). Quanto à violência simbólica, esta é particularmente problemática pois é um tipo de violência cometida com a cumplicidade entre quem sofre e quem a pratica, sem que, frequentemente, os envolvidos tenham consciência do que estão sofrendo ou exercendo (Saffioti, 2004).

Como afirma Sardenberg (2004), o simbólico tem grande importância na reprodução das estruturas de poder, principalmente na organização das relações de gênero. Por isso mesmo é preciso entender como a dimensão simbólica, presente no contexto do empreendedorismo feminino, reproduz as estruturas econômicas e políticas da sociedade de modo geral, assim como reflete as relações do parentesco, da família e da educação vigente na nossa sociedade. Dito de outro modo, sendo o espaço das organizações historicamente ocupado por homens, quando este é ocupado por mulheres como consequência da luta política do feminismo, aqueles que lá se encontram se sentem ameaçados pelo que não consideram como natural. Para um contexto historicamente machista, o poder é lócus do masculino; não há espaço para quem se identifica no feminino. Por essa ruptura, é preciso entender que as organizações - à medida que as mulheres conquistam os espaços de poder - desenvolvem novos mecanismos de violência e para a manutenção das desigualdades de gênero, como a baixa remuneração (violência patrimonial), a sexual (assédio sexual), a psicológica (estereótipos que ameaçam mulheres e violentam propositadamente sua estrutura emocional e psíquica), a moral (as formas de constrangimento no discurso e no imaginário corporativo em relação às mulheres e sua competência nos negócios), entre tantas outras formas de violência que se tornam mais sofisticadas na realidade organizacional.

Para superar a violência de gênero e as condições históricas da assimetria de poder no empreendedorismo feminino é preciso antes, reconhecer tais aspectos estruturantes. A violência de gênero permeia o dia a dia das empreendedoras: por exemplo, no caso das empresas familiares, esposas e herdeiras que ascendem na carreira em posições de comando em geral relatam um esforço muito maior, seja em relação ao tempo dedicado ao trabalho, seja no grau de perfeccionismo exigido delas (Coimbra et al., 2020). Essa cobrança é uma forma sutil de violência simbólica (Gomes et al., 2016) no contexto da carreira executiva por ser, muitas vezes, autoimposta e sem que as mulheres tenham plena consciência dela (Versiani et al., 2021). É assim que o status quo do patriarcado também busca anular ou combater o poder das mulheres que são donas do próprio negócio, na medida em que a empresária, dependendo do segmento, concorre com sua empresa em mercados dominados por homens (Alperstedt et al., 2014), onde costuma ser submetida a pressões de ordem sexista (Coimbra et al., 2020). Neste contexto empreendedor, a violência de gênero também é exercida pelos subordinados homens, pois muitos têm dificuldades de acatar ordens de uma mulher (Cembranel et al., 2020).

A questão do reducionismo do feminino à sexualidade colocada por Foucault (1988) também revela uma questão central a ser considerada no empreendedorismo feminino. O problema do gênero no contexto das organizações produtivas se manifesta especialmente na cobrança feita às mulheres para conciliar trabalho e família (Foley et al., 2018; Cembranel et al., 2020), uma cobrança que pode ser entendida como uma forma de violência moral. Dado ao modelo de família definido pelo patriarcado, a função social prioritária da mulher é a maternidade e o matrimônio. Por isso, o cuidado com a família representa um peso muito maior na carreira feminina do que na masculina. A própria mulher desenvolve a culpa por não ter “tempo” para a família, algo que não ocorre para os homens. Se uma mulher ascende na carreira, qualquer dificuldade familiar é culpa dela; se um homem ascende na carreira, os problemas familiares são atribuídos a sua esposa que não cumpriu seu papel de mãe. Este é um claro exemplo de como os mecanismos sutis de violência moral aumentam, na medida em que aumenta o poder feminino, ou dito de outra maneira, quanto mais a mulher amplia seu poder de comando, mais dificuldade terá para atender a pressão de ser boa mãe, boa esposa e cuidar do lar, como se essas tarefas fossem muito mais suas do que dos parceiros. Esse somatório de dificuldades acaba fazendo com que muitas mulheres desistam ou optem por ir mais devagar em direção ao crescimento de sua carreira ou negócio, e ainda se culpem quando obtêm sucesso na esfera organizacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como coloca Scott (1995), o gênero se articula com outros elementos igualmente importantes em nosso tempo histórico - classe, raça, etnia, idade, dentre outros - configurando desafios, desigualdades e situações específicas de dominação e violência. Dessa forma, é urgente e necessário ressignificar o termo “empreendedorismo feminino”, para que se torne adequado para retratar e problematizar a criação e manutenção de negócios por mulheres, a partir dos aspectos apontados pelos estudos feministas e de gênero. Essa ressignificação parte da problematização do “ser mulher” em dada sociedade para formar novas agendas de pesquisa. Do mesmo modo, ao não naturalizar as diferenças entre masculino e feminino, mas antes denunciar o caráter sexista e androcêntrico que atinge as mulheres, temos condições de apresentar uma agenda emancipatória de pesquisas, que possam contribuir para a equidade de gênero dentro das pesquisas sobre empreendedorismo.

As contribuições de Joan Scott, de Michel Foucault e Hannah Arendt para a reelaboração do conceito de ‘empreendedorismo feminino’ se dão em planos distintos, porém, complementares. Da primeira autora, temos a discussão sobre o gênero enquanto um fator de distinção social e histórica, no qual se revela a representação do feminino como a marca de uma condição social inferior. Nesse maniqueísmo, o masculino delimita todas as referências que explicitam a potência na esfera política - a agressividade, o vigor, a liderança - e o feminino se constitui como uma forma de representar a fragilidade, que implica, ao mesmo tempo, a necessidade pela tutela do homem e a subserviência à sua vontade. Já em Foucault, temos o feminino reduzido à ideia da sexualidade ocidental. Nesse sentido, o autor associa o poder, nas relações de gênero, ao discurso, em que as sínteses discursivas sobre a sexualidade feminina, que recebemos e aceitamos como naturais do mundo social, precisam ficar em suspeição, já que resultam de uma complexa trama de tensões e construções históricas.

Tanto em Scott como em Foucault, temos a ideia de que as relações entre homens e mulheres são constituídas em nossa sociedade como assimétricas, baseadas em diferentes manifestações de poder do masculino sobre o feminino. A questão do gênero é, em essência, uma questão de poder e dominação; nessa tradição histórica, ser mulher é se sujeitar, é se recolher à condição do matrimônio e da maternidade como únicas expressões possíveis (centradas na redução do feminino à racionalização da sexualidade pela ideia de procriação). As instituições sociais reforçam essas condições, pelo discurso científico, religioso, jurídico e político. Isso não é diferente na instituição do Empreendedorismo.

Neste ponto em particular, entendemos que a relação de poder entre o masculino e o feminino também abarca expressões da potência que é socialmente exigida pelo homem. E a forma mais evidente de manifestação dessa potência é a violência. E é neste tema que a contribuição da filósofa Hannah Arendt complementa as visões de Scott e de Foucault. Esta expressa o gatilho subjetivo e simbólico do lugar do homem como senhor nas relações de gênero. Não por acaso, a assimetria de poder entre homens e mulheres se expressa por distintas expressões de violência - sexual, física, verbal, psicológica, econômica e simbólica - todas representando diferentes estratégias de coação e dominação da mulher.

Se, por um lado, testemunhamos que a condição de inferioridade social da mulher tem sido contestada com avanços obtidos pelo movimento feminista, por outro, os eventos de violência contra a mulher se multiplicam em nossa sociedade, incluindo no empreendedorismo feminino. Quanto mais a mulher conquista seu espaço em uma sociedade machista, mais se estabelece a violência de gênero, talvez, como último recurso de afirmação da masculinidade questionada. Por esse motivo, entendemos que a ressignificação do conceito de empreendedorismo feminino somente se justifica à medida em que este retratar a vulnerabilidade da mulher às diferentes formas de violência a que ela está sujeita na atividade empreendedora. A violência de gênero já exposta anteriormente é uma realidade também entre mulheres que abrem suas próprias empresas, mas praticamente é ignorada nas pesquisas sobre empreendedorismo por mulheres. Muitas vezes, a própria escolha pelo empreendedorismo é uma estratégia de fuga de contextos de violência, especialmente quando estas se estabelecem no âmbito do poder econômico reproduzido nas relações de gênero.

Assim, propomos que a pesquisa sobre empreendedorismo praticado por mulheres seja elevada a um novo patamar, de maior cunho crítico e com mais compromisso com a pauta feminista . Essa nova perspectiva, inspirada no entendimento sobre as relações de gênero como relações assimétricas de poder socialmente constituídas, aponta para uma nova pauta de pesquisa, que pode ser traduzida a partir de dois eixos. Primeiro, os estudos sobre o empreendedorismo feminino ressignificado devem se ater às condições desiguais do exercício da atividade empreendedora para homens e mulheres. Em segundo lugar, tal desigualdade também se expressa pelas diferentes formas de violência que caracterizam as relações de gênero.

Expor esses dois aspectos torna-se fundamental para que se problematize o empreendedorismo feminino em sua essência: a desigualdade entre homens e mulheres. Tal premissa não somente norteia uma nova agenda de pesquisa, mas, também, uma nova referência para pautar o discurso empreendedor, bem como os estudos organizacionais de forma geral. A omissão da literatura e dos agentes articuladores da atividade empreendedora sobre a condição da mulher e suas dificuldades históricas em conquistar espaço em nossa sociedade, não somente representam uma visão distorcida sobre esse fenômeno, como também reforçam tais percalços em empreender, pois articulam a ordem discursiva vigente na cultura machista. Dito de outra forma, significa dizer que ser mulher e empreender é começar o jogo perdendo. É preciso equilibrar esse jogo.

A ressignificação do conceito de empreendedorismo feminino servirá para revelar a condição da mulher que empreende e lidera negócios, levando em conta que seu gênero é demarcado pela condição histórica do feminino como pária social. Não podemos mais negar as formas de violência contra as mulheres no contexto empreendedor. E estamos falando especialmente das formas sutis de violência, as de ordem moral, psicológica e outras em formas simbólicas. Enquanto sociedade, somente reconhecemos as formas de violência mais evidentes, aquelas que acontecem quando já é tarde demais para mudar o curso da sistemática e institucionalizada opressão contra as mulheres.

Neste ponto, gostaríamos de reconhecer a contribuição dos revisores em relação a alguns textos que buscaram destacar a desigualdade entre homens e mulheres como um elemento de análise no empreendedorismo feminino, como o estudo de Bulgacov et al. (2011), Barbosa et al. (2021), Bizarria et al. (2022), assim como os esforços de organizações supranacionais como a ONU na organização de movimentos em defesa das mulheres empreendedoras.

A violência contra a mulher foi pensada aqui sob duas perspectivas. Primeiro, a de que existem formas muito sutis de expressão, nem sempre percebidas pelas vítimas e a sociedade de forma geral como uma manifestação de violência. De certo modo, as diferentes formas de violência simbólica - psicológica, moral, patrimonial, verbal e cultural - tornam-se mecanismos que atacam os esforços de articulação política em defesa das mulheres na sociedade. O poder patriarcal é desafiado quando a sociedade cria mecanismos objetivos para se contrapor a esta forma histórica de poder de gênero. Por isso, outra perspectiva que assumimos é a de que a violência representa a anulação do poder político, sendo exercida de forma consciente pelo agressor para coibir os direitos políticos (Arendt, 1999) duramente conquistados pelas mulheres na sociedade patriarcal.

A prática do senso comum de minimizar formas de violência simbólica - piadas, xingamentos, constrangimentos, falas para deslegitimar a capacidade das mulheres, entre outras formas - contribui para a invisibilidade do problema da violência contra a mulher. A violência se opera de forma sutil e velada, e sempre é dirigida quando o poder do homem é questionado (mesmo em atos de violência contra mulheres cometidos por mulheres). Por este raciocínio, vemos que as conquistas das mulheres por melhores posições de poder como empresárias e nas organizações suscitam mais violência contra elas, desde as formas sutis até as mais graves e fatais. Isso porque as formas de violência mais brutais têm raízes nas formas consideradas como menos graves pela sociedade patriarcal (Saffioti, 2004; Segato, 2003). É por se sentir autorizados a agir violentamente contra mulheres pelo discurso, pela moral e pelos costumes que homens (e, às vezes, mulheres) agridem mulheres por questões de gênero.

A partir deste pensamento, destacamos alguns pontos a serem buscados pelos estudos de empreendedorismo feminino:

Empreendedorismo Feminino ressignificado nos estudos empresas familiares e sobre mulheres que mantêm ou criam novos negócios. Dado que o termo empreendedorismo feminino tradicional tem gerado omissões em relação à questão de gênero, é necessário que se estabeleça uma revisão conceitual para esse tipo de pesquisa que considere a realidade vivenciada pelas mulheres na atividade empreendedora. Embora empreendedorismo feminino tenha sido designado como aquele que trata da questão do gênero, manteve-se limitado a apresentar o gênero apenas como uma diferença, ou seja, uma visão binária, como se o gênero fosse apenas uma característica. Ao usar empreendedorismo feminino ressignificado, pretendemos propor pesquisas em que o feminino, como um aspecto político e cultural, seja adequadamente abordado e problematizado.

Formas simbólicas de violência contra a mulher empreendedora. A linguagem corporativa e de certos setores produtivos é repleta de mecanismos sutis de violência. Basta lembrar toda a polêmica em torno da palavra presidenta, um termo que voltou de forma afirmativa na ocasião da primeira mulher a assumir o posto mais alto do poder executivo brasileiro e que até hoje é confundido pelo imaginário popular como uma forma errada de grafia, mesmo não sendo. Também podemos ver outras formas simbólicas de violência contra a mulher no mundo das organizações, como o discurso em torno das características das mulheres nos negócios e nas posições de comando.

As políticas afirmativas nas organizações lideradas por mulheres a partir da perspectiva histórica das relações de gênero. Entender que o gênero é uma construção histórica e política, que dá ao homem um poder social que a mulher não tem, é fundamental para contextualizar as políticas afirmativas que visam acabar com a desigualdade entre homens e mulheres. Nas organizações e na sociedade de modo geral, constituem-se políticas afirmativas contra a desigualdade de gênero que nem sempre são compreendidas pela população em geral, justamente porque a cultura do patriarcado se articula atacando tais ações políticas, distorcendo seus fundamentos. É assim que entendemos ser necessária a elaboração de estudos que revelem os mecanismos simbólicos onde se opera a assimetria de poder nas relações de gênero e como esse conceito se estabelece na sociedade e instituições que a constituem, especialmente naquelas que se apresentam na prática das organizações. Como exemplo, podemos citar a concepção da família patriarcal da obrigação do cuidado dos filhos pela mulher e seu uso como justificativa para excluir a mulher da ascensão profissional. Mulheres são questionadas por não se dedicarem aos filhos em nome da carreira, homens não; mas os filhos são somente das mulheres? Homens não têm também responsabilidade sobre a família? Esse é um exemplo de violência moral que faz com que muitas mulheres se culpabilizem pelo sucesso na carreira.

Educação profissional e corporativa ajustada a temática da violência contra a mulher. Na literatura sobre educação profissional e corporativa, a questão da violência e desigualdade de gênero é praticamente inexistente. Sendo um tema necessário em toda a sociedade e já aplicado na educação formal de crianças, é preciso reconhecer a necessidade de também discuti-lo alinhado com a formação profissional e a educação corporativa. Há uma série de estudos indicando o problema da desigualdade de gênero nas relações de trabalho e profissionais; mas e o impacto destes estudos nos programas de desenvolvimento e formação profissional? É preciso que os estudos de desigualdade e violência de gênero deixem de ser um alerta para se tornarem base curricular da formação de administradores, contadores, médicos, engenheiros, advogados, etc., assim como também devem nortear as práticas de desenvolvimento nos programas de educação corporativa nas empresas.

Não temos a pretensão de que nosso estudo se torne uma referência para o mundo acadêmico. Na verdade, uma de suas limitações é justamente o fato de ser um ensaio, para o qual não foi realizada uma varredura exaustiva nas pesquisas sobre empreendedorismo feminino que já sinalizam alguns dos pontos retratados no presente ensaio. Mesmo assim, é preciso considerar que a própria dificuldade ao encontrar textos com essa abordagem já revela um viés no campo que aponta para a necessidade de se ampliar a discussão, e esse foi nosso propósito. Como foi dito no início de nosso texto, o principal intento é de ordem política. Neste sentido, pretendemos que este trabalho provoque o incômodo na comunidade acadêmica em relação a algo que ainda não foi dimensionado como se deveria. A violência contra a mulher é praticada em dimensões e formas subliminares para que não se perceba, mas como acadêmicos, estamos aprendendo como informar devidamente a sociedade. E alertar para isso no contexto do empreendedorismo feminino foi o nosso propósito.

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Editado por

  • Editor Executivo1 ou Assistente2:
    2 Camille Guedes Melo
    2 M. Eng. Patrícia Trindade de Araújo
  • Revisão Ortográfica e Gramatical:
    José Augusto Pereira da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2023
  • Aceito
    29 Nov 2023
  • Aceito
    15 Ago 2024
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