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Alta inflação e hiperinflação: uma visão pós-keynesiana

High inflation and hyperinflation: a post-Keynesian view

RESUMO

A inflação tornou-se, na década de 80, a barreira mais importante para a retomada do crescimento econômico no Brasil. Uma abordagem pós-keynesiana desse problema enfatiza os efeitos que a inflação alta contínua tem sobre crenças e instituições, especialmente o sistema de contratos a termo de dinheiro que é fundamental para organizar e coordenar uma economia empreendedora. Um Regime de Alta Inflação é definido pela introdução de novos recursos de conta para os contratos a termo, ou seja, pela indexação, e pela mudança nos modos de formação de preços. Mostra-se que a alta inflação caracteriza um equilíbrio instável que pode degenerar em hiperinflação. A permanência da inflação alta, no entanto, pode gerar tendências de estagnação.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação

ABSTRACT

Inflation has become, in the 80’s, the most important barrier to resuming economic growth in Brazil. A post-Keynesian approach to this problem stresses the effects that continuing high inflation has on beliefs and institutions, especially the system of money forward contracts that is fundamental to organize and coordinate an entrepreneurial economy. A High Inflation Regime is defined by the introduction of new monies-of-account for forward contracts, that is, indexation, and by a change in the modes of price formation. It is shown that High Inflation characterizes an unstable equilibrium that may degenerate into hyperinflation. The permanence of high inflation, however, may engender stagnating tendencies.

KEYWORDS:
Inflation

INTRODUÇÃO

Ao final da década de 80, gerou-se unanimidade rara entre os economistas brasileiros (unanimidades, a rigor, são raras entre economistas de qualquer país): quaisquer que possam ter sido as causas últimas ou distantes da prolongada crise que atravessa a economia brasileira (sobre as quais muita discordância sobrevive), seu agravamento recente está ligado fundamentalmente ao fracasso dos planos heterodoxos de estabilização desde o Plano Cruzado e à aceleração da inflação para além de níveis até então desconhecidos no Brasil. Tendo atingido, a partir de 1988, taxas mensais de inflação que em outros países sinalizaram a desintegração econômica, a sociedade brasileira passou a viver as incertezas de uma situação pré-hiperinflacionária. Neste contexto, agravam-se os conflitos pelo produto social, com a colocação em xeque das regras aceitas de negociação e compensação de perdas inflacionárias, ao mesmo tempo em que se alteram as formas de precificação de bens e encurtam-se os períodos contratuais, buscando os agentes formas líquidas (porém defendidas) de riqueza para atravessar esta conjuntura de excessiva incerteza. A desorganização se instala na economia, alternando-se fases de profundo pessimismo com períodos de relativa tranquilidade. Este stop and go, porém, não é suficiente senão para impedir (ou adiar) o colapso, não servindo para sustentar a operação normal de uma economia complexa como a brasileira.

Esta situação está em marcado contraste com a apreciação das dificuldades causadas pela inflação em períodos passados. A economia brasileira convive com taxas elevadas de inflação, segundo padrões internacionais, desde os anos 50. Nessa década, famoso debate opôs “estruturalistas” a “monetaristas” a respeito dos custos sociais causados pela inflação. Os chamados “monetaristas’1 1 A utilização do termo “monetaristas” no Brasil, ainda hoje carece de rigor. Sob este manto costumavam abrigar-se desde autores adequadamente assim qualificados, como Eugênio Gudin, até outros mais ecléticos ou pragmáticos, como Mário Henrique Simonsen. A utilização inadequada da expressão atravessou décadas até os tempos atuais. enfatizavam as distorções de preços relativos - e, em consequência, na alocação de recursos - causadas pela inflação, que atribuíam à irresponsabilidade do governo na gestão de suas contas. Frequentemente contrários à própria industrialização, que julgavam inconsistente com a disponibilidade de fatores de produção do país, estes autores procediam a uma avaliação bastante negativa das perspectivas que se abriam para a economia brasileira enquanto perdurasse a inflação.

Em contraste, os estruturalistas, ligados à CEPAL, não podendo ser chamados de inflacionistas, tinham, de qualquer modo, postura bem mais condescendente no tocante à inflação. Esta era vista como funcional, tanto para prover - na ausência de um sistema de imposição fiscal adequado - recursos financeiros para que o Estado apoiasse o esforço de industrialização, quanto para facilitar os movimentos de preços relativos próprios ao processo de desenvolvimento, sem pressões baixistas sobre os preços absolutos dos bens existentes. No primeiro caso, o imposto inflacionário substituiria outros impostos cuja criação seria politicamente inviável, enquanto no segundo, termos de troca favoráveis à indústria seriam obtidos pelo crescimento mais rápido dos preços industriais em face dos restantes.

Em seus próprios termos, é inegável a “funcionalidade” da inflação no período de industrialização acelerada dos anos 50. No entanto, também não se pode negar que a utilização deliberada de instrumentos inflacionários forçosamente resultaria no esvaziamento em larga medida do conteúdo informativo que se espera do sistema de preços em economias estáveis, substituindo os “sinais de mercado” pelos “sinais do Estado”, como orientadores primários da alocação de recursos. Esta característica sobreviveu à funcionalidade da inflação e passou a ser parte importante da dinâmica econômica brasileira. Este traço foi reforçado durante a ditadura militar, quando o Estado estendeu seu controle sobre a alocação de recursos através da manipulação detalhada de incentivos e penalidades de toda ordem.

Os próprios economistas monetaristas dos anos 50 acabaram por amenizar seus temores na década seguinte. Isto se deu em função da introdução de inovações institucionais, destacando-se a indexação de contratos. Se, como se sabe, as consequências indesejáveis da inflação estão na sua influência sobre preços relativos, a indexação parecia ser a panaceia que a neutralizaria.

Nos anos 80, a indexação deixa de ser a saída milagrosa para ocupar lugar de destaque entre os males que assolam a economia brasileira. Isto porque, por um lado, concluiu-se que ela não constitui instrumento tão eficiente de neutralização da inflação como se esperava. Por outro, a convivência com a indexação mostrou que ela, na verdade, define um novo sistema contratual, com dificuldades e fragilidades próprias. Ambos os pontos serão discutidos mais adiante. O que se quer ressaltar, porém, é que a crise do sistema de indexação contratual parece ter unido estruturalistas e monetaristas, antigos e novos, em torno da proposição de que a inflação acelerada se constitui em obstáculo formidável para a operação normal de uma economia capitalista. Naturalmente, as razões que sustentam este diagnóstico não são inteiramente coincidentes, e ainda o são menos as políticas desenhadas para alcançar a estabilização. Inegável, porém, é que a tolerância com a inflação foi drasticamente reduzida.

Para equacionar problemas característicos de uma economia marcada por ampla indexação, impôs-se a criação de novos instrumentos teórico-conceituais. A noção central é a de alta inflação, devida principalmente a um grupo de economistas argentinos.2 2 A expressão “alta inflação” é mais adequada que outras denominações propostas recentemente. Dentre estas, a mais conhecida, inflação “inercial”, é demasiado estreita para dar conta dos processos inflacionários em operação, ao enfatizar excessivamente características de equilíbrio.

Inflação, alta inflação e, de uso mais recente - recuperada de experiências históricas mais ou menos singulares -, a hiperinflação são fenômenos que atingem os preços monetários da economia, afetando as possibilidades de cálculos e intensificando as incertezas sob as quais operam os agentes econômicos. Na visão keynesiana, o incerteza que permeia as decisões privadas em uma economia empresarial3 3 Para uma discussão do sentido da expressão economia “empresarial” (ou economia monetária) em Keynes, veja-se Carvalho, 1989. é ineliminável, mas a sociedade desenvolve instituições que permitem reduzi-la ou socializá-la de modo a viabilizar atividades produtivas complexas e demoradas. A mais fundamental destas instituições é o sistema de contratos em moeda, que serve para estabelecer entre os agentes os elos necessários à sua interação material. A inflação corrói este sistema, a alta inflação o transforma, a hiperinflação o destrói. Este é o foco sob o qual deve desenvolver-se uma abordagem pós-keynesiana da inflação.

UMA PERSPECTIVA SOBRE A INFLAÇÃO

Inflação, contratos e moeda

Em seu Tract on Monetary Reform, publicado em 1923, Keynes observou que as modernas economias de mercado foram estabelecidas sobre a suposição de um valor estável da moeda, ou seja, da estabilidade de preços. Muito embora este pressuposto não correspondesse à experiência histórica “desde a criação da moeda no século VI antes de Cristo” (Keynes, 1923KEYNES, John Maynard. La Reforme Monetaire, Paris, Sagittaire, 1923. , pp. 28-9), a estabilidade de preços tinha efetivamente caracterizado o período de consolidação da economia capitalista, ao menos na Inglaterra. Assim escreveu Keynes, referindo-se ao século XIX:

“A característica essencial deste período foi a relativa estabilidade de preços. Os preços eram aproximadamente os mesmos em 1826, 1841, 1855, 1862, 1867, 1871 e 1915. Eles eram igualmente· semelhantes em 1844, em 1881 e em 1914.”

O papel da estabilidade de preços foi o de possibilitar o desenvolvimento de um sistema de contratos interligando os agentes, que se tornaram “característicos do que convém chamar de sistema capitalista para distingui-lo do sistema de propriedade privada em geral.” (ld., p. 23)

A importância da emergência deste sistema contratual em uma perspectiva keynesiana não tem como ser exagerada. Nas palavras de Keynes:

“a introdução de uma moeda, em termos da qual empréstimos e contratos com um elemento temporal podem ser expressos, é o que realmente muda o status econômico de uma sociedade primitiva.” (Keynes, 1982KEYNES, John Maynard. Collected Writings of John Maynard Keynes, Londres, MacMillan e Cambridge, Cambridge University Press , Volumes são indicados pelo número na coleção e ano de publicação. ; XXVIII, p. 255)

Este sistema de contratos emerge de uma economia onde o processo produtivo é pulverizado em uma miríade de unidades de decisão independentes. Produção e acumulação são decididas privadamente de acordo com motivos e estímulos particulares a cada unidade. Ao contrário de outras formações econômicas, onde a atividade produtiva se desenvolve em resposta a algum tipo de comando central, ou de acordo com papéis e orientações seculares, numa economia empresarial a decisão de cada capitalista sobre o emprego dos recursos sob seu controle é soberana e se dá orientada pelo seu interesse específico. O que detém e mantém sob controle as tendências centrífugas de uma economia de produtores privados é a necessidade mútua calcada na divisão do trabalho inter e intra-setorial. O que organiza os fluxos entre estes agentes é o sistema contratual, que estabelece preços, prazos, especificações materiais etc. São estes contratos que reduzem as incertezas de cada agente a respeito da viabilidade e atratividade de seus próprios planos. Valores monetários são a língua comum que estabelece a comunicação entre agentes. Definidas as obrigações em uma unidade comum, a moeda-de-conta contratual, é possível fazer o cálculo de rentabilidade que orienta as escolhas dos agentes e determina a dinâmica de sua interação.

Contratos em moeda, em suma, conectam os agentes entre si e no tempo, criando perfis de obrigações que organizam e refletem os fluxos materiais necessários à operação da economia. “Contratos futuros podem ser considerados o modo pelo qual empresários em um contexto de ‘mercado livre’ tentam manter salários e preços sob controle” (Davidson, 1978DAVIDSON, Paul. Why Money Matters: Lessons from Half a Century of Monetary Theory, Journal of Post-Keynesian Economics, I (1), Fall, 1978. , p. 60). A isto adicionaria Minsky:

“Vista a economia do ponto de vista de uma sala de reuniões de Wall Street, vemos um mundo de papel - um mundo de compromissos de pagamento de dinheiro hoje e no futuro. Estes fluxos de moeda são uma herança de contratos passados em que dinheiro hoje foi trocado por dinheiro no futuro.” (MinskyMINSKY, Hyman. Can ‘It’ Happen Again?, Armonk, M. E. Sharpe, 1982. , p. 63)

Este papel estratégico dos contratos confere à moeda-de-conta seu papel fundamental na definição do sistema monetário. Nas palavras de Keynes:

“Moeda-de-conta, ou seja, aquela em que débitos e preços e o poder geral de compra são expressos, é o conceito primário de moeda. Uma moeda-de-conta emerge juntamente com débitos, que são contratos para pagamento diferido, e listas de preços, que são ofertas de contratos para compra e venda .... A moeda em si, ou seja, aquilo que por cuja entrega contratos de dívida e preços são liquidados, e em cuja forma uma reserva de poder geral de compra é mantida, deriva seu caráter de sua relação com a moeda-de-conta, dado que os débitos e preços têm primeiramente de ter sido expressos em termos desta última.” (Keynes, V, p. 1)

A estabilidade do valor da moeda se revela assim necessária à viabilização do sistema, contratual que, por sua vez, viabiliza a operação privada de economias complexas como as modernas.

Nestas condições, na operação de uma economia capitalista, baseada na decisão e na coordenação privada das atividades produtivas, a inflação, em princípio, não pode ser senão um desvio da “normalidade”. Isto porque, ao corroer o poder de compra da moeda, a inflação faz com que seu valor como unidade de conta se torne imprevisível, criando ganhos ou perdas inesperados. Se a moeda é um padrão de medida de poder de compra, a ser grafado em contratos que estabelecem obrigações futuras, esta medida deve ser, idealmente, invariante durante o período do contrato, para que a relação obedeça ao acordado pelos contratantes. A alteração do poder de compra da moeda implica perdas e ganhos inesperados pelas partes. Por esta razão, a inflação só poderia ser vista corno um fenômeno episódico e reversível, resultante de alguma perturbação anormal que, por isto mesmo, não seria suficiente para abalar seriamente a confiança na estabilidade de preços como norma. Em outras palavras, a situação se caracterizaria por uma “convenção de estabilidade”, no sentido de que o público acredita na continuidade da estabilidade do poder de compra da moeda, desenvolvendo comportamentos e instituições compatíveis com esta crença. Se esta convenção é sólida, as expectativas do valor da moeda são inelásticas com respeito a acontecimentos correntes.

Naturalmente, o que se requer não é a estabilidade absoluta dos preços, conceito, aliás, que de acordo com Keynes, não tem significado preciso (Keynes, 1971, V, livro 11).4 4 A mesma objeção é feita por Keynes ao conceito de produto agregado na Teoria Geral. Veja-se Keynes, 1964, p. 40. A convenção de estabilidade se define pela tendência da variação de preços em torno de zero, como se teria dado no século XIX, gerando a confiança de que nenhuma variação significativa e irreversível do valor da moeda teria lugar.5 5 “Um sentimento de confiança na moeda legal do Estado é tão profundamente implantado nos cidadãos de todos os países que eles não podem senão acreditar que algum dia esta moeda deverá recobrar pelo menos uma parte de seu valor passado”. (Keynes, 1920, p. 224). Veja-se também Bresciani-Turroni, 1937, p. 320.

A estabilidade de preços poderia, assim, ser temporariamente rompida por “episódios” inflacionários. Em qualquer circunstância, contudo, as causas destes episódios poderiam ser identificadas e atacadas, já que se destacariam dos determinantes normais da operação da economia. Quando estes episódios fossem marcados por taxas modestas de aumento de preços, distribuídas por períodos relativamente longos, acreditava-se ser possível revertê-las, retornando-se ao nível de preços anterior ao movimento de alta.

Em alguns casos, porém, a normalidade dos preços poderia ser rompida de forma violenta, explosiva, gerando-se a hiperinflação. Nestas situações, a recuperação da normalidade anterior poderia mostrar-se impossível. A reconstrução da estabilidade exigiria, então, medidas mais amplas do que a simples manipulação de política fiscal e monetária em ajustes rotineiros.

Na hiperinflação, pressões sobre o nível de preços se avolumariam enquanto os agentes persistiriam na convenção de estabilidade. Contudo, algum fato serviria cedo ou tarde de estopim para a abrupta percepção do público para o processo. Habituados à estabilidade, os agentes entrariam em pânico, intensificando os desequilíbrios ao ponto da desintegração do sistema monetário, impedindo qualquer retorno ao status quo ante. A estabilização pós-hiperinflacionária teria assim de se dar em níveis de preços alheios ao seu ponto de partida. Neste caso, colocava-se a desejabilidade de reformas monetárias que criassem novas moedas-de-conta, ensejando a reconstrução do sistema de contratos.

A confiança na moeda enquanto representação de um poder de compra estável dependia, naturalmente, menos de características psicológicas das populações desses países do que de fatores institucionais que serviam de âncora para a determinação de preços, limitando a amplitude de suas flutuações. O reconhecimento dessa âncora tornava as expectativas quanto ao futuro do nível de preço inelásticas às variações correntes dos preços.

A estabilização de expectativas nas economias europeias era obtida, principalmente, pela adesão ao padrão-ouro (ou, mais adequadamente, ao padrão câmbio-ouro), O papel do padrão-ouro era o de confinar os desvios do poder de compra da moeda em torno do nível “normal”, ou seja, aquele em que se estabelecia a taxa de câmbio entre o ouro e a moeda nacional. Quando surgissem desequilíbrios de alguma natureza, os agentes poderiam esperar que eles não apenas seriam contidos, mas também revertidos. Processos inflacionários, em particular, seriam detidos pelo freio à expansão da oferta de moeda representado pelas disponibilidades de ouro na economia. Referindo-se ao padrão-ouro, assim o definiu Hawtrey em estudo clássico:

“Aqui repousa uma das principais funções do padrão-ouro: a oferta de ouro é limitada, e se a moeda corrente é de ouro, a oferta desta estará limitada.” (Hawtrey, 1951HAWTREY, Ralph. El Patron-Oro en la Teoria y en la Practica, Madri, Aguilar, 1951. , p. 16)

Pressões inflacionárias levariam a um aumento da demanda por moeda que, impossível de ser satisfeita, em face da limitação sobre a criação de moeda, implicaria aumentos das taxas de juros, contração da demanda e, assim, redução das próprias pressões inflacionárias. O padrão-ouro não funcionou realmente com esta eficiência, mas sua mitologia parece ter sido suficiente para sustentar a confiança do público. (Cf. Keynes, 1981, XX, pp. 38-311.)

A ultrapassagem dos limites sinalizaria exatamente a vigência de períodos de excepcionalidade. O financiamento de guerras, por exemplo, não seria estancado pelas regras do padrão-ouro, suspendendo sistematicamente os limites à emissão em função de reservas metálicas. Isto, porém, só servia para acentuar que padrão-ouro, normalidade e estabilidade de preços caminhavam juntos e que a instabilidade de preços era uma anormalidade característica de períodos críticos. A inflação acompanhava períodos de crise nacional, onde a racionalidade econômica cedia lugar a outras regras de decisão. Os agentes econômicos não tinham por que investir na determinação de comportamentos sistemáticos em face do que, por sua natureza, era assistemático.

A inflação “sistêmica”

Após a Segunda Guerra, a inflação passa gradativamente a tornar-se ela própria parte da “normalidade”. Nas economias centrais, porém, seu avanço é gradativo, em meio a uma percepção do público ainda calcada na memória de estabilidade e excepcionalidade da inflação. Os anos 50 caracterizam-se por lentos, mas persistentes movimentos ascendentes de preços, cujo· fôlego, porém, só se acentuava em períodos críticos, como durante a “ação policial” na Coréia. Ao final da década, e sobretudo nos anos 60, a existência de uma tendência ao aumento de preços e a improbabilidade de comportamentos deflacionistas era visível aos economistas, ainda que não ao público em geral.

Diversas razões, de ordem estrutural e política, têm sido apontadas para explicar a emergência de um “viés” inflacionário na forma de operação de economias capitalistas modernas. Uma das mais conhecidas refere-se à mudança radical operada na definição das funções do Estado no tocante à economia. No pós-guerra, torna-se parte da cultura econômica a ideia de que cabe ao Estado garantir a manutenção de adequados níveis globais de emprego, de modo a evitar não apenas desastres, como a grande depressão dos anos 30, mas também as flutuações menores que prejudicavam a estabilidade da vida econômica capitalista. Paralelamente, o avanço da sindicalização e a regulação das relações entre capital e trabalho permitiam aos trabalhadores colocar suas aspirações a uma participação maior na renda social, sem temer a “disciplina” do desemprego.

O que se alterou, assim, foi o contexto em que o “conflito distributivo” inerente ao capitalismo se desenvolveu, permitindo aos trabalhadores externarem suas aspirações crescentes com maior segurança e eficácia, já que a disciplina do desemprego se tornou irrelevante. (Cf. Kalecki, 1971KALECKI, M. Political Aspects of Full Employment, in KALECKI, M. Selected; Essays in the Dynamics of Capitalist Economies, Cambridge, Cambridge University Press, 1971. ; Singer, 1989SINGER, Paul. Democracy and Inflation in the Light of the Brazilian Experience, in DAVIDSON, P. e KREGEL, J. (eds.) Macroeconomic Problems and Policies of Income Distribution, Londres, Edward Elgar , 1989. .)

Da parte do capital, porém, também houve um reforço de posições. Por um lado, a sustentação de demanda agregada pelo Estado favorece aos capitalistas e não apenas aos trabalhadores. A disciplina dos mercados minguantes da deflação também é aliviada ou eliminada. Por outro lado, a centralização de capital verificada desde o final do século anterior reforça bastante o poder das firmas na determinação do perfil distributivo da renda social, permitindo às empresas desviar para outros as pressões que venha a receber. (Veja-se, p.e., Blair, 1975BLAIR, John et alli. The Roots of Inflation, Nova York, Burt Franklin & Co., 1975. , Weintraub, 1978WEINTRAUB, Sidney. Capitalism’s Inflation and Unemployment Crisis, Reading (Mass), Addison Wesley, 1978. , Bresser-Pereira e Nakano, 1986BRESSER-PEREIRA, L. C. e NAKANO, Y. Inflação e Recessão, São Paulo, Brasiliense, 1986. .)

O confronto. em “mercado” torna-se assim obsoleto como forma de proceder a distribuição da renda. O enfrentamento dos grupos sociais encontra sua solução na· inflação.

Este resultado, naturalmente, não seria possível sem a remoção da “disciplina” endógena da demanda monetária global, como a definida no padrão-ouro. O sistema monetário de papel-moeda sem lastro torna-se globalmente acomodativo, com o grau de acomodação agora resultante da decisão política das autoridades monetárias. Em face da determinação política de priorizar a manutenção do pleno emprego, não cabe a elas impedir a consecução deste objetivo. Nestas condições, o sistema monetário se fragiliza e perde sua capacidade de se opor a movimentos inflacionários.6 6 Tanto Fisher quanto Keynes argumentavam que a ausência de freios intrínsecos tornava o padrão papel-moeda sem lastro inteiramente dependente da confiança do público. Veja-se, por exemplo, Fisher, 1926, pp. 149/151, 293. A solução não está, certamente, na volta ao regime do padrão-ouro que, como é amplamente conhecido, nunca se mostrou viável em economias como a brasileira. Além disso, tal regime implica subordinar variáveis importantes como nível de renda e emprego a influências cegas como a disponibilidade de ouro e flutuações de comércio mundial. O ponto central é que, de qualquer modo, sistemas de papel-moeda sem lastro e inconversíveis não têm como refrear desequilíbrios e por isso mesmo não têm· como ancorar a necessária inelasticidade de expectativas que garante a estabilidade de preços. Em resultado, uma estratégia de estabilização, em condições como as que vigem na economia brasileira, exigem amplo ataque às próprias fontes potenciais de desequilíbrio. O reconhecimento de que o sistema monetário não tem meios próprios de repressão de desequilíbrios leva, portanto, à necessidade de sufocar pressões inflacionárias onde elas surjam porque, se sé permitir que floresçam, elas serão mais provavelmente validadas que reprimidas pelo comportamento das variáveis monetárias.

Inflação e expectativas inflacionárias

Por todas estas transformações, a inflação moderna assumiu um caráter sistêmico, em contraste com sua natureza episódica anterior. A percepção desta mudança pelo público, porém, não foi imediata, pois, como já se observou, a crença na estabilidade da moeda era algo profundamente enraizado na mente da população. Esta crença só foi abalada após o acúmulo de perdas e desequilíbrios resultantes da existência de uma inflação sistemática em um contexto despreparado para enfrentá-la.

Estes desequilíbrios são formas específicas da desorientação do sistema de preços relativos. Tal desorientação é causada pela incapacidade dos agentes em distinguir adequadamente variações de preços, enraizadas na evolução real da economia, das induzidas pelo aumento do nível geral de preços. A inflação não atinge igualmente todos os preços. Alguns setores da economia estão presos a obrigações contratuais de horizonte mis longo, que têm pouca flexibilidade de reação no curto período. Diferenças no grau de competitividade dos mercados fazem com que ajustes à inflação sejam mais rápidos para alguns agentes do que para outros. Há que se levar em conta também que certos preços estratégicos estão usualmente sob alguma forma de controle que diminui sua capacidade de adaptação. Certos preços, como tarifas de serviços públicos, podem mesmo ser determinados de forma a amortecer movimentos inflacionários, como se fez no Brasil com frequência nesta década. Todas estas são razões para que em meio a um processo. inflacionário certos preços se defasem daqueles que lideram os aumentos, alterando os preços relativos e com eles as lucratividades relativas que sustentavam a alocação de recursos da qual se parte.

Além destes efeitos, a inflação cria dificuldades para se distinguir rendas de consumo de capital, à medida que despesas de depreciação calculadas sobre valores de plantas e equipamentos já não refletem o custo real de reposição destes itens. Este efeito é agravado pela possibilidade de taxação como lucros das firmas do que na verdade deveria fazer parte de seus custos fixos de reposição do capital. O mesmo se dá em menor grau, mas também relevante, com relação à reposição de matérias-primas e trabalho.

A distribuição de renda é igualmente afetada, à medida que, na ausência de controle de preços, o poder de reação de firmas a pressões inflacionárias é sempre superior ao dos trabalhadores. Estes estabelecem suas demandas a partir de suas expectativas de preços. Já para as firmas, os salários acordados são um dado a partir do qual sua política de preços é estabelecida (Carvalho, 1989CARVALHO, Fernando. Fundamentos da Escola Pós-Keynesiana: a Teoria de uma Economia Monetária, em AMADEO, E. (org.) Ensaios sobre Economia Política Moderna, São Paulo, Marco Zero, 1989. b). E também a distribuição do excedente é afetada. Em uma economia alerta, o setor financeiro tem condições de reagir mais rapidamente a variações nas expectativas da inflação quanto menores os prazos para os quais os recursos financeiros forem contratados. A “função de produção” financeira é muito mais flexível que as dos setores produtivos, permitindo mais rápidas mudanças de estratégia. Isto significa que, em contexto inflacionário, firmas não-financeiras são afetadas tanto nos prazos quanto nos termos em que o financiamento de suas atividades é realizado.

O próprio Estado não escapa aos efeitos da inflação. Em primeiro lugar, a arrecadação é prejudicada pela existência de defasagens entre a geração de um imposto e seu efetivo recolhimento ao Tesouro, o que é conhecido como efeito Tanzi (Franco, 1987FRANCO, Gustavo B. Reformas Fiscais e o Fim de Quatro Hiperinflações, Revista Brasileira de Economia, outubro de 1987. ). Além disso, a corrosão inflacionária do valor a ser recolhido estimula a mora. Finalmente, o cálculo dos gastos e a elaboração de orçamentos são prejudicados pela incerteza quanto à evolução dos preços futuros.

Por ter a inflação todos estes efeitos, tanto mais intensos quanto mais acentuado for o crescimento de preços, ela se torna importante fonte de incertezas na economia. Por gerar incertezas, a inflação afeta mais profundamente as atividades privadas de longa duração - como investimentos produtivos e financiamentos de longo prazo -, favorecendo iniciativas de caráter especulativo que, ao se confinarem ao curto período, dão flexibilidade aos agentes para reorientar suas estratégias em função dos acontecimentos. Além disso, em contextos inflacionários, os agentes são levados mesmo a esperar que em algum momento políticas restritivas acabem por ser aplicadas, elevando juros e induzindo à retenção de recursos na circulação financeira de curto prazo. Para as firmas, a base para cálculos de custos e lucros se torna mais incerta que a verificada sob estabilidade, pois nesta última os custos podem ser relativamente controlados através da celebração de contratos a termo para fornecimento de insumos e trabalho. Resultado: força-se o Estado a responsabilizar-se pelas funções empresariais das quais os empresários privados abrem mão.

O surgimento de expectativas inflacionárias não é, porém, suficiente para caracterizar o que chamaremos de alta inflação.7 7 Deve-se basicamente a autores argentinos a proposição de que a alta inflação representa uma situação específica. Suas linhas de identificação, porém, não são exatamente as mesmas aqui propostas. Veja-se Pablo (1985) e Frenkel (1979). Expectativas inflacionárias alteram o cálculo econômico, mas não necessariamente as condutas e instituições. Os agentes tentarão incluir em suas decisões de preços uma margem que compense os efeitos da taxa esperada de inflação, sem necessariamente alterar as formas de contratação existentes, ou, em outras palavras, sem necessariamente introduzir regras explícitas de indexação. Isto se dá porque há um custo não-negligenciável na alteração do sistema contratual monetário, tanto para os agentes individuais quanto para a economia como um todo. Para as partes contratantes, Leijonhufvud já observou que “a cesta mutuamente aceitável [de bens definidores de um indexador] não é necessariamente um problema tão trivial que possa ser varrido pela percepção da incerteza quanto a taxas de inflação” (Leijonhufvud, 1981LEIJONHUFVUD, Axel. Information and Coordination, Oxford, Oxford University Press, 1981. , pp. 242/3). A definição de indexadores obedece a objetivos que apenas por coincidência serão comuns às partes contratantes. Além disso, relacionando-se com vários outros agentes, cada um se envolveria em uma malha de índices, cuja evolução relativa seria extremamente imprevisível.

Quando o ritmo de aumento de preços ultrapassa, porém, certo limite de sensitividade, o custo representado pelas perdas inflacionárias supera o custo de alteração do sistema contratual e leva à percepção de que é necessária a adoção de defesas sistemáticas e não apenas eventuais contra a corrosão do poder de compra da moeda. Neste caso, alteram-se os comportamentos de formação de preços das mercadorias e dos serviços produtivos. Uma crise emerge quando a convenção de estabilidade é radicalmente rompida, levando os agentes a defenderem-se de forma individual. Desaparece a confiança na unidade monetária enquanto representação de valor e as expectativas se tornam elásticas, deixando qualquer equilíbrio potencialmente instável. Em suma, a inflação inutiliza a moeda-de-conta vigente e em vez de medidas comuns de cálculo, os agentes buscam contratar em unidades alternativas que contemplem o interesse específico.

A crise se resolve pela introdução de novas moedas-de-conta contratuais. Esta situação, assim, se distingue das anteriores porque a conduta dos agentes e a institucionalidade da economia são afetadas. E. a chamada “alta inflação”,8 8 Para uma discussão mais formal dos conceitos aqui utilizados, veja-se Carvalho, 1990. cujas propriedades são exploradas a seguir.

ALTA INFLAÇÃO

Um estado de alta inflação se distingue de um processo inflacionário comum quando as taxas de crescimento de preços são tão elevadas (e, portanto, o valor da moeda se deprecia tão rapidamente) que a denominação de contratos na moeda legal da economia se torna inviável. Ninguém aceita compromissos futuros em uma unidade cuja desvalorização é tida como certa, a não ser que a própria obrigação contratada de alguma forma contemple esta desvalorização. A impossibilidade de previsão perfeita da inflação futura faz com que emerjam perdas ou ganhos inesperados para as partes contratantes. Estas perdas e ganhos são tanto maiores quanto mais longa for a duração dos contratos e tanto mais intensa a elevação de preços.9 9 É fato empírico e indisputável que períodos de inflexão da taxa de inflação são também períodos de acentuação da dispersão de preços. Isto se deve à capacidade diferenciada entre agentes e setores de reação a pressões imprevistas. Uma de duas alternativas, então, se impõe: ou os contratantes reabrem a negociação de obrigações a cada momento em que houver uma elevação significativa de preços, ou criam novas unidades de conta que considerem automaticamente a desvalorização da moeda legal em termos de um padrão aceito pelas partes.

Neste sentido, a alta inflação, que caracteriza a segunda alternativa, surge com uma inovação institucional: a indexação de contratos. Há vários custos envolvidos nesta mudança de sistema contratual, entre os quais, como se disse, a dificuldade de determinação de medidas de valor alternativas que sejam convenientes às partes. Os ganhos da mudança de sistema são a redução dos custos de conflito e renegociação contratual e de cálculo de compensações justas para as perdas sofridas.

A transição para um novo sistema contratual não se dá sem traumas, exigindo o reaprendizado de regras e a adequação das convenções e “teorias” dos agentes ao novo sistema. O sentido de “real” é específico a cada agente, em oposição ao sentido de “monetário”, comum a todos. Além disso, a indexação estabelece um sistema monetário dual, onde a denominação de contratos é feita em uma unidade, mas sua liquidação se dá em outra, gerando incertezas sobre os termos de conversão futura de uma em outra. Apenas a possibilidade de pesadas perdas causadas por elevada inflação podem levar a sociedade a abrir mão de seu sistema contratual por um novo. Inflação elevada, e não apenas persistente, é a condição para a indexação.

Contratos indexados têm dois elementos-chave: a escolha do índice de ajuste e o estabelecimento do período de correção. Já se observou que a escolha de índices não é trivial. Não existem medidas inequívocas do valor da moeda, que depende do que cada agente quer fazer com ela, ou seja, da cesta de bens que lhe é relevante. Não há qualquer razão para que a conveniência de um agente seja servida pela mesma cesta de bens que agrade a outro agente. A adoção de índices específicos a cada contrato transformaria esta economia em um sistema de troca direta, impedindo qualquer possibilidade de cálculo de rentabilidade. A única saída possível é a adoção de um ou alguns poucos índices, penalizando aqueles cuja estrutura de demanda não coincida com aquela representada pelas unidades de conta.

Ainda mais importante é a questão do período de correção. A maioria dos modelos ortodoxos de indexação considera a indexação instantânea (p.e., Gordon, 1983GORDON, R. A Century of Evidence on Wage and Price Stickiness in the US, the UK and Japan, in TOBIN J. (ed.) Macroeconomics, Price and Quantities, Washington, Brookings Institution, 1983. , e Benassy, 1983BENASSY, J. P. Macroeconomie et Theorie du Desequilibre, Paris, Dunod, 1983. ), daí concluindo pela rigidificação de preços relativos e salários reais acarretada pela indexação. Na verdade, é preciso levar em conta duas ordens de defasagem que impedem essa instantaneidade: 1. há um intervalo de tempo mínimo necessário à coleta e processamento das informações sobre preços; 2. há um intervalo de tempo entre as correções contratuais e entre elas e seu efetivo pagamento (cf. Frenkel, 1988FRENKEL, Roberto. Extension de Contrato y Efectos Ingreso: Aspectos de la Dinamica Inflacionaria en Economia Indexada, Documentos CEDES n. 6, 1988. ).

Finalmente, como observado por estudiosos mais argutos da indexação, esta não pode ser universal: os preços dos fluxos de oferta que não são produzidos por encomenda podem até ser denominados na unidade de conta aceita, mas não têm sua variação restrita à variação do valor em moeda daquela unidade. Firmas não precisam nem devem indexar seus preços para preservar sua flexibilidade frente a mudanças no estado dos mercados. Vendendo seus produtos, em regra, em mercados spot, as firmas podem preservar aquela flexibilidade, ao contrário dos agentes que estabelecem de antemão suas remunerações em contratos futuros.

Em resultado, a alta inflação influencia a precificação de bens e serviços de modo diverso daquele a que estão sujeitas as rendas contratuais. Como mostrado por Frenkel (1979FRENKEL, Roberto. Decisiones de Precio en Alta lnflacion, Estudios CEDES, 1979. ), a mudança se dá no modo de cálculo das margens sobre custo (mark-up), que passa a incorporar as expectativas dos empresários sobre a inflação futura. Se a inflação é elevada, mas constante, os mark-ups serão mais elevados que nos países de preços estáveis, mas também serão constantes.

E importante ressaltar que a alta inflação é uma configuração de desequilíbrio na medida em que ela institucionaliza o conflito - do qual resulta - entre demandas incompatíveis com o produto social disponível. Qualquer noção de “equilíbrio inflacionário” é, em certo grau, uma contradição em termos. Aumentos de preços são reações (ou antecipações de uma reação que se espera ser necessária) a pressões indesejadas. Que se obtenha, ao final de cada fase do processo, uma distribuição “real” compatível com o tamanho do produto social não é suficiente para sustentar a proposição de que se tenha obtido algum tipo de “equilíbrio” distributivo, porque ao atingi-lo os agentes se sentem compelidos a reagir de novo, reavivando o processo.

Na alta inflação são criados mecanismos que permitem indefinidamente a operação da economia numa situação de desequilíbrio. Isto é obtido pelo mascaramento da inconsistência que se verifica entre as aspirações dos diversos grupos sociais. A cada momento de correção de contratos, sucessivos grupos atingem a renda a que aspiram e começam a sofrer a reação de seus concorrentes, numa corrida que, por sua própria natureza, não aponta para um fim. A distribuição de renda verificada ao final de qualquer período arbitrário representa o impasse distributivo, antes que uma situação de equilíbrio, carente da propriedade de estabilidade que caracteriza a noção rigorosa de equilíbrio.

ALTA INFLAÇÃO, FRAGILIZAÇÃO DA ECONOMIA E A PARALISIA DO ESTADO

Por permitir a manutenção de comportamentos inconsistentes, em uma ordenação precária das demandas pelo produto social, a alta inflação é um arranjo frágil. O equilíbrio financeiro de cada agente passa a depender da evolução relativa de obrigações e direitos definidos em padrões de medida diversos. A fragilidade do sistema se explicita na confluência, no balanço de cada um dos fluxos de pagamentos e recebimentos cuja compatibilidade não pode ser estabelecida a priori.

Esta fragilização atinge a todos os agentes da economia. O Estado tem suas receitas estabelecidas no sistema nominal, mas várias de suas despesas estabelecidas em termos reais. Os consumidores têm receitas indexadas, mas algumas despesas fixadas em termos monetários - as de consumo corrente - e outras reais, como aluguéis, prestações de casa própria etc., nem sempre indexadas pela mesma cesta das receitas. Firmas têm parte de seus custos indexados, como salários e custos financeiros, eventualmente despesas indexadas pela taxa de câmbio, e receitas em termos monetários, numa confluência de três sistemas diferentes de denominação de contratos.

Nesta situação, uma evolução inesperada dos termos de câmbio entre a unidade monetária e a unidade de indexação pode levar mesmo à insolvência do agente se o valor das receitas acabar se revelando inferior ao das obrigações; convertidos à mesma unidade. Em uma conjuntura de crescimento, de expansão de mercados, os agentes podem compensar uma evolução inesperadamente desfavorável dos termos de troca entre os dois sistemas pelo aumento de renda derivado da expansão. Em condições de estagnação ou lenta expansão, esta válvula de segurança desaparece e o sistema torna-se mais sensível ao desapontamento de expectativas. Acentua-se quão efêmera é a manutenção dos picos de renda real a que aspira cada grupo social, acirrando o conflito entre eles. Para a firma cujos preços de venda se defasaram, mas cujos custos subiram pela média, por causa da indexação, um mercado lento pode significar o estrangulamento, a impossibilidade de pagamento de compromissos, a falência.

Para as firmas, em particular, a fragilidade se agrava pela dificuldade de formação de preços monetários à base de custos cujo valor é desconhecido ex-ante. Choques adversos podem deteriorar a posição da firma se conduzirem seus custos indexados em direção imprevista quando da formação de preços. Na possibilidade de tal evolução, as firmas podem adotar elevações defensivas de mark-ups, gerando uma profecia autorrealizadora pela aceleração da inflação daí resultante. Em ambos os casos, tais choques podem levar o sistema ao colapso.

A fragilidade da alta inflação é acentuada pelas limitações que ela impõe às possibilidades de política econômica do governo. Este ponto não pode senão ser esboçado aqui. A política monetária é afetada duplamente. Por um lado, a oferta de moeda se endogeniza, a despeito das intenções das autoridades monetárias. À medida que contratos indexados sejam amparados pela lei, a·oferta de moeda legal deve ajustar-se ao aumento do valor dos débitos. Por outro lado, a política de taxas de juros, quando existem aplicações indexadas, passa a ter sua operação restrita pelos pisos que as expectativas de inflação impõem.

A política fiscal também esbarra em dificuldades. Por um lado, várias despesas do Estado serão indexadas, particularmente as relacionadas à dívida pública, pessoal etc. Suas receitas, porém, estão sujeitas à corrosão através do efeito Tanzi, mesmo que os impostos sejam indexados. O desequilíbrio resultante será tanto maior quanto mais intensa a inflação.

A um governo ativista, resta politicamente o apelo a medidas pouco ortodoxas, em geral locais ou específicas; sua consistência, por isto mesmo, nem sempre é clara, podendo confundir o público e agravar a situação:

“Uma das características das situações de volatilidade de preços é que os agentes estão envolvidos em um jogo de complexas conjecturas, no que contam com escassa informação confiável. Nestes casos, nem a conduta dos agentes privados, nem a política econômica são fáceis de se prever. ( ... ) Se a política é instável, é mais provável que as expectativas que o público forma sejam voláteis e difiram para diferentes indivíduos, o que repercute nas decisões de preços e retenção de ativos. A heterogeneidade das expectativas, unida frequentemente a mudanças pouco regulares nos preços do setor público, se reflete na evolução errática das diversas categorias de preços. Então, nem os agentes privados nem o governo podem prever com precisão o comportamento dos mercados .... Nestas circunstâncias, é provável que não haja um regime claro de determinação das políticas e que as decisões privadas sejam pouco sistemáticas e incompatíveis entre si.” (Heymann, 1986HEYMANN, Daniel. Inflación y politicas de estabilización, Revista de la CEPAL, abril de 1986. , p. 80)

ALTA INFLAÇÃO E HIPERINFLAÇÃO

A transição para uma hiperinflação 10 10 Esta seção é traduzida, com algumas alterações, de Carvalho, 1990.

Na medida em que a inflação reflete uma inconsistência entre as demandas que são colocadas pelo produto social, pode-se dizer que ela resulta de uma falha de coordenação. A alta inflação não resolve nem remove esta inconsistência. Ao invés, ela organiza estas demandas, permitindo a cada grupo colocar sua aspiração a sua vez. A falha de coordenação permanece, embora se possa também dizer que com a indexação alguma ordenação é introduzida nesta economia.

Uma vez estabelecida a alta inflação, não se pode dizer a priori quanta aceleração a inflação pode sofrer antes que a indexação deixe de ser vista como instrumento eficiente de defesa de rendas contratuais, levando os agentes a buscar outras formas de neutralização das perdas inflacionárias que possam desembocar numa hiperinflação. Tais ocorrências são ainda muito raras para permitir uma descrição genérica. As fronteiras entre a alta e a hiperinflação, portanto, são ainda obscuras.

Análises mais populares se refugiam no estudo de Cagan, de 1956, para propor 50% ao mês como o início de uma hiperinflação. Vista deste modo, a hiperinflação seria um fenômeno puramente quantitativo. Uma abordagem pós-keynesiana, ao invés, privilegia mudanças comportamentais e no sistema de contratos.

As hiperinflações europeias tiveram lugar em economias não habituadas à inflação e que, além disso, sofriam algum tipo de pressão anormal, como reparações de guerra, ocupação estrangeira etc. Em tempos recentes, a hiperinflação é uma ameaça em países há muito habituados à inflação, como o Brasil e a Argentina, entre outros. A transição para a hiperinflação nestes países necessariamente teria características diferentes.

É preciso, antes de mais nada, esclarecer que em nossa perspectiva a hiperinflação é um modo de formação de preços onde expectativas de inflação futura - que se espera convictamente seja diferente da passada ou corrente - são o principal (e virtualmente único) determinante das decisões correntes de precificação. Em um primeiro estágio, observam-se expectativas amplamente divergentes de inflação, conducentes a políticas de preços bastante inconsistentes e a profundos desequilíbrios de preços relativos. O sistema de preços se torna caótico. Em segundo estágio, novas unidades de conta se generalizam, geralmente o dólar americano; os ajustes se tornam praticamente simultâneos à base desta unidade comum e são então obtidas as condições para uma estabilização.

A existência destes dois estágios é bastante clara no estudo clássico de Bresciani-Turroni sobre a hiperinflação alemã. Com dados por ele coletados, podemos ver que o período até agosto de 1923 foi marcado por comportamentos de preços marcadamente divergentes (Bresciani-Turroni, 1937BRESCIANI-TURRONI, Constantino. The Economics of Inflation, Londres, George Allen and Unwin, 1937. , cap. l, gráficos 5 e 6). A este período se segue outro de estrita coincidência de trajetórias, relevando a descoberta de unidade comum de conta (id., gráfico 7).

A passagem para uma hiperinflação pode ocorrer se pressão excessiva é colocada sobre as instituições que definem a alta inflação. Choques externos, o agravamento de desequilíbrios do setor público, tentativas de antecipação a políticas de estabilização, pressões sindicais, todos estes fatores ou expectativas podem influenciar explosivamente as regras de precificação. Como visto, a indexação não cobre os preços dos fluxos de oferta. Estes são a válvula aberta por onde pressões podem ser introduzidas no sistema e, mesmo, acabar por destruí-lo.

Expectativas de futura aceleração da inflação por qualquer destas razões (ou outras) levam firmas a antecipá-las, aumentando seu mark-up corrente para cobrir futuros aumentos de custos (além de servir para evitar defasagem em termos relativos). A incerteza que cerca a definição de preços se intensifica. Utilizando o conceito proposto por Frenkel (1979FRENKEL, Roberto. Decisiones de Precio en Alta lnflacion, Estudios CEDES, 1979. ), podem-se identificar dois riscos nesta decisão. O risco de renda é o de que o mark-up seja excessivo, fazendo com que a demanda pelos produtos da firma seja inferior ao esperado. O risco oposto, de capital, é o de que o mark-up seja inferior à elevação efetiva dos preços de suas matérias-primas e trabalho, contraindo o capital instrumental da firma e impedindo-a de retomar o processo produtivo no mesmo volume que antes. A experiência (e a intuição) sugerem que, sob inflação em aceleração, o risco de capital supere o de renda. Se a firma se excede na fixação de preços, ela acumulará estoques que não apenas se apreciarão com a inflação como também poderão servir de colateral para a obtenção de crédito para o reinício da produção. É uma acumulação inesperada de capital líquido, mas certamente não uma perda de recursos. Perdas de capital, em contraste, se o mark-up é deficiente, não têm nada a atenuar seu efeito, constituindo uma perda inequívoca para a firma.

Há, portanto, com inflação acelerada, uma assimetria não necessariamente na atribuição subjetiva de probabilidades, mas na apreciação das consequências de cada tipo de erro. Se o erro de subestimação da inflação futura implica penalidades mais graves que sua superestimação, o comportamento racional é o do ajuste da taxa esperada de inflação para cima. Deste modo, a formação de expectativas adversas pode conduzir a uma aceleração da inflação mesmo na ausência de choques efetivos. Quando a inflação passada deixa de informar a futura, pelo aumento da incerteza, a aceleração dos aumentos de preços, em um processo de profecias autorrealizadoras, se torna uma possibilidade· mais forte do que a mera observação de pressões “objetivas” poderia supor.

Se as regras de precificação são alteradas desta forma, as instituições contratuais que definem a alta inflação são postas em xeque. A aceleração dos aumentos de preços deprimirá a renda real entre ajustes daqueles que têm contratos indexados além de suas expectativas. Se a perda é significativa, é possível gerar uma reação que tomará uma de duas formas: mudança no indexador ou mudança no período de correção.

É provável que a primeira reação se dê em torno da definição dos indexadores. A sobre-indexação, isto é, a inclusão da inflação esperada em adição à inflação passada, é uma escolha frequente. Esta estratégia revela-se inútil em período de intensificação da inflação. As firmas incorporarão em seus custos o que quer que tenham de pagar como rendas contratuais. A indexação altera estas últimas, mas não a regra de precificação por mark-up sobre custos correntes. É a defasagem entre o ajuste e seu pagamento que permite às firmas se anteciparem à pressão de custos, neutralizando-a. Se o agente pudesse receber sua compensação ajustada pela corrosão no momento em que esta se desse, a perda seria eliminada.

A estratégia passa a estar definida então em termos da redução progressiva dos prazos de correção. No limite, a incompatibilidade entre a correção imediata e a prática de mark-up se refletiria numa elevação da inflação ao infinito. O que importa, porém, é que muito antes deste limite, as instituições da alta inflação já teriam entrado em colapso. O sistema de indexação deixaria de ordenar as demandas, pois esta ordenação só é possível se cada agente concorda em esperar em fila pelo momento de sua compensação. A indexação instantânea· é uma impossibilidade. A redução de prazos de correção é instabilizante.

Se aqueles que têm rendas contratuais tiverem sucesso na redução dos prazos de compensação, a renda real das firmas diminuirá, a não ser que elas elevem seus mark-ups acima dos níveis anteriores. Isto implicará perdas reais para aqueles que têm renda indexada, mesmo com os menores prazos de reajuste. Este círculo vicioso e explosivo constitui a hiperinflação. Seu aspecto mais visível, a fuga à moeda, é um resultado da corrosão acelerada que tal situação imporia à moeda como meio de troca.

O caos não é um estado sustentável. Quando as· moedas-de-conta locais são destruídas pela impossibilidade de acompanhamento dos processos de ajuste à inflação, uma unidade substituta cedo ou tarde emergirá. A experiência histórica de adoção da taxa de câmbio do dólar como indexador, permitindo a formação de preços e rendas diretamente em termos desta unidade, mostra que a dolarização pode ser uma pré-condição para a estabilização, ao permitir à economia recuperar algum grau de coordenação (cf. Keynes, 1978, XVIII, pp. 161/2; Kaldor, 1982KALDOR, Nicholas. The Scourge of Monetarism, Oxford, Oxford Universíty Press, 1982. , p. 61).

O FALSO DILEMA ENTRE A ALTA E A HIPERINFLAÇÃO

O deslizamento para a hiperinflação não é o único risco a que está sujeita uma economia sofrendo alta inflação. Quase tão grave (ou mesmo, de certo ponto de vista, ainda mais grave) é o risco da permanência indefinida na alta inflação.

Nas hiperinflações, o processo atinge uma velocidade tal que os elementos de contenção das pressões, como a imposição de prazos de reajustes, são demolidos. Preços e remunerações são ajustados no menor intervalo possível, havendo correções diárias ou, eventualmente, mais de uma vez ao dia. Três implicações importantes se seguem. A primeira é a de que a hiperinflação permite chegar-se a uma situação de equilíbrio, ainda que espúrio. O impasse das demandas pelo produto social se converte em uma barreira de aço a deter e tornar inócuas quaisquer estratégias que não sejam simplesmente a de manter posição. Em contraste, na alta inflação, há sempre aspirações insatisfeitas à melhora de posição (reposição do pico de renda real) ou preços no “contrapé”, numa configuração de desequilíbrio.

A segunda implicação da velocidade que atinge a hiperinflação é que o ajuste dos valores monetários não se pode dar mais de acordo com alguma cesta de mercadorias, porque se torna tecnicamente impossível produzir índices na velocidade necessária. Neste caso, privilegiam-se preços mais sensíveis à inflação como sinalizadores, especialmente a taxa de câmbio, se o mercado de divisas é livre. Na Alemanha do período final da hiperinflação, a indexação se baseava mesmo na taxa futura (forward) de câmbio. Em resultado, o controle da taxa de câmbio, ao invés de congelamento generalizado de preços, era suficiente para impedir o reajuste pela “memória” inflacionária. Na realidade, quando a indexação se faz pela taxa futura de câmbio, pode-se mesmo supor que o ajuste se torne mais simples à medida que se trata de eliminar não a herança inflacionária, mas a antecipação da inflação.

Finalmente, a velocidade do aumento de preços e a desintegração da economia chegam a tal ponto que a hiperinflação não pode senão ter curta duração. Na verdade, ela grava na mente dos agentes de modo claro a inutilidade das tentativas de derrotar a inflação através de estratégias individuais, persuadindo-os de que qualquer forma de estabilização é melhor do que a continuidade da inflação.

Já na alta inflação, o processo pode ter longa duração, dado que emergem na economia várias formas de convivência com os aumentos de preços, que minimizam seus efeitos desintegradores. O exemplo mais importante de contraste neste particular se refere à indexação da dívida pública. Na hiperinflação clássica, os títulos públicos foram contratados em termos nominais. Seu valor real cai a zero em função da aceleração inflacionária e permite com isto que se aliviem as pressões sobre o orçamento público ao eliminar encargos com o serviço da dívida. Em economias como a brasileira, a correção monetária impede este efeito.

Assim, a alta inflação não é apenas uma hiperinflação em câmera lenta. Ambas são, na verdade, processos bastante distintos.

A alta inflação mantém um simulacro de normalidade, criando uma situação mais aflitiva do que desesperada. O governo prossegue funcionando, ainda que em meio a desequilíbrios crescentes causados pelo descompasso entre arrecadação e despesas, na operação do efeito Tanzi, e na dificuldade também. crescente de colocação de títulos públicos a taxas de juros suportáveis pelos seus concorrentes, os colocadores privados. Sua capacidade de investimento se reduz ou desaparece, sendo difícil mesmo cobrir seus gastos correntes de consumo. Por outro lado, sua emissão de títulos passa a ocupar praticamente todos os mercados financeiros, tornando-se o ativo mais procurado pelos agentes.

O grau de incerteza causado pela intensidade dos desequilíbrios inflacionários desestimula a inversão privada que encontra destino mais seguro e rentável para seus recursos na aplicação nos mercados financeiros. Em consequência, ao desaparecimento da atividade inversora do governo, soma-se também a do setor privado.

Ao contrário da desorganização dos mercados para a produção corrente de todos os tipos de bens, característica da hiperinflação, na alta inflação a produção prossegue enquanto o estoque de capital da economia vai sendo, este sim, dilapidado. E, naturalmente, muito mais difícil para o público perceber este fato e, portanto, levá-lo em conta na sua importância. Como é dramaticamente ilustrado pela história recente da Argentina, a economia pode decair por um longo período sem que isto seja devidamente notado pelo público, forçando-o a reagir (de Pablo e Dornbusch, 1988PABLO, J. de e DORNBUSCH, R. Deuda Externa e Inestabilidad Macroeconomica en la Argentina, Buenos Aires, Sudamericana, 1988. ).

É sobre a acumulação de capital real, portanto, que os efeitos deletérios da altíssima inflação são verificados. No entanto, estes efeitos praticamente não se fazem perceber pelos detentores privados de riqueza. Para estes, o que se dá é a substituição de ativos reais por ativos financeiros em seus portfolios. Visto sob o ângulo microeconômico, as firmas veem-se com ativos rentáveis que são também líquidos, de modo que, de seu ponto de vista, o processo de investimento em capital real poderia ser retomado a qualquer momento que se desejasse.

E. claro que, numa perspectiva macroeconômica, porém, a substituição entre ativos reais e financeiros no estoque de riqueza do país não faz o menor sentido. O investimento que não é feito é investimento perdido, e não apenas adiado. Por outro lado, inversões em setores de infraestrutura, de longa duração, como energia, pavimentação de estradas etc., ao deixarem de ser realizadas levam a atrasos cuja recuperação se tornará cada vez mais difícil, ou mesmo, talvez, irreversível. Acumulam-se evidências na economia brasileira deste final, de década que investimentos necessários naqueles setores e ainda em comunicações foram sacrificados em escala que poderá custar caro ao país no futuro próximo.

A permanência da alta inflação, deste modo, implica sacrifícios menores (ou menos visíveis) no curto prazo, ao custo de destruir gradativamente o futuro. Neste aspecto, talvez seja uma alternativa ainda mais perversa do que a hiperinflação.

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  • WEINTRAUB, Sidney. Capitalism’s Inflation and Unemployment Crisis, Reading (Mass), Addison Wesley, 1978.
  • 1
    A utilização do termo “monetaristas” no Brasil, ainda hoje carece de rigor. Sob este manto costumavam abrigar-se desde autores adequadamente assim qualificados, como Eugênio Gudin, até outros mais ecléticos ou pragmáticos, como Mário Henrique Simonsen. A utilização inadequada da expressão atravessou décadas até os tempos atuais.
  • 2
    A expressão “alta inflação” é mais adequada que outras denominações propostas recentemente. Dentre estas, a mais conhecida, inflação “inercial”, é demasiado estreita para dar conta dos processos inflacionários em operação, ao enfatizar excessivamente características de equilíbrio.
  • 3
    Para uma discussão do sentido da expressão economia “empresarial” (ou economia monetária) em Keynes, veja-se Carvalho, 1989CARVALHO, Fernando. Some Short and Long Term Barriers to Income Redistribution in a Monetary Production Economy, em DAVIDSON, P. e KREGEL, J. (eds.) Macroeconomic Problems and Policies of Income Distribution, Londres, Edward Elgar, .1989b. .
  • 4
    A mesma objeção é feita por Keynes ao conceito de produto agregado na Teoria Geral. Veja-se Keynes, 1964KEYNES, John Maynard. The General Theory of Employment, Interest and Money, Nova York, Harcourt Brace Jovanovich, 1964. , p. 40.
  • 5
    “Um sentimento de confiança na moeda legal do Estado é tão profundamente implantado nos cidadãos de todos os países que eles não podem senão acreditar que algum dia esta moeda deverá recobrar pelo menos uma parte de seu valor passado”. (Keynes, 1920KEYNES, John Maynard. The Economic Consequences of the Peace, Londres, Mac­Millan, 1920. , p. 224). Veja-se também Bresciani-Turroni, 1937BRESCIANI-TURRONI, Constantino. The Economics of Inflation, Londres, George Allen and Unwin, 1937. , p. 320.
  • 6
    Tanto Fisher quanto Keynes argumentavam que a ausência de freios intrínsecos tornava o padrão papel-moeda sem lastro inteiramente dependente da confiança do público. Veja-se, por exemplo, Fisher, 1926FISHER, Irving. Le Pouvoir d’Achat de la Monnaie, Paris, Marcel Giard, 1926. , pp. 149/151, 293. A solução não está, certamente, na volta ao regime do padrão-ouro que, como é amplamente conhecido, nunca se mostrou viável em economias como a brasileira. Além disso, tal regime implica subordinar variáveis importantes como nível de renda e emprego a influências cegas como a disponibilidade de ouro e flutuações de comércio mundial. O ponto central é que, de qualquer modo, sistemas de papel-moeda sem lastro e inconversíveis não têm como refrear desequilíbrios e por isso mesmo não têm· como ancorar a necessária inelasticidade de expectativas que garante a estabilidade de preços. Em resultado, uma estratégia de estabilização, em condições como as que vigem na economia brasileira, exigem amplo ataque às próprias fontes potenciais de desequilíbrio. O reconhecimento de que o sistema monetário não tem meios próprios de repressão de desequilíbrios leva, portanto, à necessidade de sufocar pressões inflacionárias onde elas surjam porque, se sé permitir que floresçam, elas serão mais provavelmente validadas que reprimidas pelo comportamento das variáveis monetárias.
  • 7
    Deve-se basicamente a autores argentinos a proposição de que a alta inflação representa uma situação específica. Suas linhas de identificação, porém, não são exatamente as mesmas aqui propostas. Veja-se Pablo (1985PABLO, Juan de. Inflacion, Alta Inflacion, Altíssima Inflacion y Hiperinflacion, 1985. (Mimeografado) ) e Frenkel (1979FRENKEL, Roberto. Decisiones de Precio en Alta lnflacion, Estudios CEDES, 1979. ).
  • 8
    Para uma discussão mais formal dos conceitos aqui utilizados, veja-se Carvalho, 1990CARVALHO, Fernando. High Inflation, Hyperinflation and Coordination. A Post-Keynesian View, UFF, Textos para Discussão, 1990. .
  • 9
    É fato empírico e indisputável que períodos de inflexão da taxa de inflação são também períodos de acentuação da dispersão de preços.
  • 10
    Esta seção é traduzida, com algumas alterações, de Carvalho, 1990CARVALHO, Fernando. High Inflation, Hyperinflation and Coordination. A Post-Keynesian View, UFF, Textos para Discussão, 1990. .
  • **
    O autor agradece sugestões de Antonio Barros de Castro a uma versão preliminar deste trabalho. A responsabilidade pelo trabalho final é inteiramente do autor.
  • 12
    JEL Classification: E31

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1990
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