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Liberalização do comércio, integração regional e Mercado Comum do Sul: o papel do Brasil

Trade liberalization, regional integration and Southern Common Market: the Brazilian role

RESUMO

Este artigo adota uma abordagem evolutiva e sistêmica da questão da integração regional na América Latina, revisando os principais instrumentos de comércio preferencial na região, desde a experiência da LAIA (Associação de Integração Latino-Americana, Aladi) até o mercado comum do sul (Mercosul), e seu estágio intermediário, o programa de integração Argentina-Brasil. Especial atenção é dada à posição do Brasil, sendo o principal parceiro no comércio intrarregional dos países membros da Aladi e o país-chave para o sucesso do Mercosul, o experimento mais recente no processo de integração latino-americana. Os acordos comerciais preferenciais de Aladi foram profundamente afetados por suas crises econômicas dos anos 80, que atingiram praticamente todos os seus países membros, reduzindo assim os fluxos comerciais intrarregionais e as virtudes de criação de comércio de seu principal mecanismo multilateral, o Preferência Tarifária Regional (PTR). Em meados da década de 80, o Brasil e a Argentina já haviam decidido iniciar um novo processo de integração bilateral, que expandiu e abarcou os acordos setoriais assinados sob a estrutura Aladi. Após concordar com os procedimentos institucionais do processo de integração bilateral, os dois países negociaram e concluíram um Acordo de Complementação Econômica (ACE), que se tornou a base do Tratado de Assunção, assinado em março de 1991 com a adesão do Paraguai e Uruguai. O novo experimento de integração sub-regional ocorre no meio dos processos de liberalização do comércio e do desmantelamento das políticas de substituição de importações nos quatro países.

PALAVRAS-CHAVE:
Integração econômica; Mercosul; Aladi

ABSTRACT

This paper takes an evolutionary and systemic approach on the question of regional integration in Latin America, reviewing the main instruments of preferential trade in the region, from the experience of Laia (Latin American Integration, Aladi) to the Southern Common Market (Mercosur), and its intermediate stage, the Argentina-Brazil integration program. Special attention is given to the position of Brazil, being the main partner in the intraregional trade of Aladi member countries as well as the key country for the success of Mercosur, the most recent experiment in the Latin American integration process. Aladi’s preferential trade arrangements were deeply affected by their economic crises of the 80’s, which touched practically all of its member countries and thus reducing the intraregional trade flows and the trade creation virtues of its main multilateral mechanism, the Regional Tariff Preference (PTR). By the middle of the 80’s, Brazil and Argentina had already decided to launch a new, bilateral, integration process, which expanded and encompassed the sectorial agreements subscribed under the Aladi framework. After agreeing upon the institutional procedures for the bilateral integration process, the two countries negotiated and concluded an Economic Complementation Agreement (ACE) which became the basis for the Assunción Treaty, signed in March 1991 with the adhesion of Paraguay and Uruguay. The new subregional integration experiment takes place in the middle of trade liberalization processes and the dismantling of import substitution policies in the four countries.

KEYWORDS:
Economic integration; Mercosur; Laia

1. DA ALADI AO MERCADO COMUM DO SUL

O Mercado Comum do Sul não surge, por certo, de um passe de mágica e está muito longe de se apresentar como uma ação isolada ou casual. Quando totalmente conformado, ele será o resultado de um longo processo de aproximação entre os países envolvidos, no qual as decisões políticas pesaram mais que as restrições de ordem propriamente econômica.

Para apreciar devidamente sua significação, caberia, antes de mais nada, examinar brevemente a experiência de liberalização comercial no âmbito da Aladi, apresentar o impacto dos principais instrumentos de liberalização comercial existentes na instituição e seguir as grandes etapas do processo que conduziu à decisão de se estabelecer o Mercado Comum do Sul.

A crise dos anos 80

Em meados dos anos 80, ao mesmo tempo em que a democratização fazia grandes progressos no continente, a marcha do processo integracionista na América Latina parecia mais uma vez envolvida em diversos tipos de dificuldades. Num mundo em plena transformação econômica e tecnológica, os países membros da Aladi passavam por uma severa crise de ajustamento externo, mantinham políticas protecionistas e reduziam sensivelmente seu comércio intra-regional.1 1 V. “La integración de America Latina en la Etapa Actual” (BID/Intal/PN88, doc. N. 306, Buenos Aires, março 1988), excelente análise das limitações da América Latina na década de 80 e das perspectivas para a região. V. também o trabalho apresentado por Javier Villanueva, “America Latina: el desafio del crescimiento económico en el fin del siglo”, no seminário internacional “El nuevo contexto de las politicas de desarrollo cientifico y tecnologico”, Montevidéu: 6/8, dezembro 1990 (OEA/IDRC).

Em todos os lados, desenvolveu-se uma sutil, algumas vezes explícita, oposição ao aprofundamento dos mecanismos de natureza multilateral regional, com preferências declaradas e não-declaradas, no nível bilateral, por parceiros mais desenvolvidos. A necessidade de acumular divisas fortes passava por cima dos compromissos contraídos no começo da década: com poucas e honrosas exceções, o apoio governamental brindado à integração foi mais de caráter declaratório e retórico do que efetivo.

Como reflexo do quadro de crise financeira externa, a contração das importações de cada um dos países membros sempre foi mais importante internamente à região do que em direção das economias do centro. Contraditoriamente com o cenário global de iliquidez em divisas, os países membros não lograram aperfeiçoar os mecanismos de pagamentos e de financiamento do comércio intrarregional. Em resumo, o continente, ainda apegado ao modelo de substituição de importações, parecia continuar seu caminho na contramão das tendências mundiais.

Instrumentos de liberalização do comércio regional2 2 A Aladi-Associação Latino-Americana de Integração, por encomenda dos países membros, no quadro de um amplo processo de avaliação do Tratado de Montevidéu-80 e do funcionamento do organismo, preparou uma série de trabalhos técnicos sobre os instrumentos de liberalização previstos no TM-80 e seu grau de eficácia para o incremento do intercâmbio interregional. Os dados contidos neste capítulo baseiam-se nesses estudos, que serão citados especificamente adiante.

O Tratado de Montevidéu de 1980 (TM-80) criou diversos mecanismos que visam à liberalização do intercâmbio comercial intrarregional, sobretudo através da redução tarifária, com o estabelecimento de margens de preferência e da eliminação de restrições não-tarifárias (RNTs). Três deles são de natureza regional, como a PTR-Preferência Tarifária Regional, o PREC- Programa de Recuperação e Expansão do Comércio e as LAMs- Listas de Aberturas de Mercados. Uma outra categoria tem um âmbito apenas parcial (bilateral ou plurilateral), como os Acordos de Renegociação do patrimônio histórico da Alalc, os Acordos Comerciais e os Acordos de Complementação Econômica (ACEs), ademais de acordos ou ajustes de abertura de mercados (sobre medidas não-tarifárias, por exemplo).

A experiência da Aladi em termos de comércio efetivado sob amparo desses acordos - o que, no jargão técnico, se denomina “comércio negociado”3 3 V. documento Aladi/SEC/di 34, 2/02/90, “Estructura y Evolución del Comercio Intrarregional Negociado, 1981-88”. -pode ser quantitativamente aferida pelos seguintes números.

A participação do comércio negociado no comércio intrarregional total, que em 1980 representava 28% (US$ 2,9 bilhões) do intercâmbio global intra-Aladi (que ascendia a US$ 10,5 bilhões), aumentou a partir de 1986, alcançando quase 40% (US$ 3,9 bilhões) em 1988 (montante global de US$ 10 bilhões). O referido aumento das importações negociadas corresponde, em grande parte, aos acordos de complementação econômica celebrados entre Argentina e Brasil, países cujos fluxos de comércio recíproco são responsáveis por parte significativa (60% aproximadamente) do intercâmbio intrarregional negociado. Na média, Brasil (com 39%) e Argentina (24%) foram os principais compradores e também os principais abastecedores da região em produtos negociados (Brasil com 25% e Argentina com 24%).

Os dados disponíveis indicam que a utilização desses instrumentos pelos países é limitada, concentrando-se ademais em alguns países, especialmente no Cone Sul. Assim, verifica-se, na prática, uma reduzida importância dos instrumentos de liberalização previstos no TM-80 para o incremento do intercâmbio regional, pelo menos até 1988, quando os acordos entre Argentina, Brasil e Uruguai adquiriram a importância que têm hoje. Mesmo no caso do instrumento mais utilizado - em vista de sua flexibilidade - na integração regional, os Acordos de Alcance Parcial, não se logrou maior dinamismo no âmbito do comércio intrarregional. Ainda que os AAPs tenham absorvido uma parcela crescente do intercâmbio intrarregional, eles o fizeram às expensas do comércio não negociado, não se registrando aumento no volume total das importações ou desvio significativo de importações do resto do mundo.

A Preferência Tarifária Regional

O principal instrumento regional para a promoção do intercâmbio é o acordo multilateral de desgravação tarifária, conhecido como PTR - Preferência Tarifária Regional.4 4 V. documento Aladi/SEC/dt 243, 30/11/90, “Evaluación del comercio amparado por la Preferencia Arancelaria Regional Em vigor desde 1984, a PTR consiste na outorga recíproca, por parte dos países membros da Aladi, de redução percentual da alíquota das tarifas incidentes de modo geral sobre as importações, quando se tratar de produtos oriundos da região. A magnitude da preferência é fixada em termos percentuais, segundo as três categorias de países membros: países de menor desenvolvimento econômico relativo (PMDERs: Bolívia, Paraguai e Equador), países intermediários (PDis: Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e Venezuela) e outros países (Abramex: Argentina, Brasil e México).

O nível básico de 5% de preferência tarifária acordado em 1984- a partir do qual se aplicam os tratamentos diferenciais segundo as categorias de países e de acordo com um fator de ponderação uniforme - foi aprofundado para 10%, em 1987, e para 20%, em 1990. Assim, por exemplo, o Brasil, quando tiver colocado em vigência as novas magnitudes, concederá uma preferência de 40% ao Equador, 28% à Colômbia e 20% ao México. Bolívia e Paraguai, na qualidade de países mediterrâneos, recebem uma margem adicional a esses níveis (de 8%).

A PTR se aplica a todo o universo tarifário, menos uma lista de exceções estabelecida por cada país, conforme limites na quantidade dos produtos que compreendem, estabelecidos de acordo com as categorias mencionadas: aos países menores se permite fazer maior número de exceções. Essas listas foram reduzidas em 20% em 1990 e agora se situam dentro dos seguintes limites: 1920 itens para os PMDERs, 960 para os PDis e 480 para Abramex.

O aperfeiçoamento constante da PTR faz-se necessário para que possa superar seu significado quase simbólico e venha a ser um efetivo instrumento de estímulo ao comércio intrazonal, possibilitando, através de aprofundamentos sucessivos de sua magnitude básica, a geração de uma massa crítica de trocas necessária para sustentar o processo integracionista. Os problemas, no entanto, não se limitam ao aumento da magnitude básica. Pelo menos três outros fatores têm anulado os efeitos do mecanismo da PTR: desconhecimento por parte dos operadores, uso abusivo das listas de exceções (muitos países incorporam a suas listas produtos de grande participação no intercâmbio com a área ou chegam a incluir produtos de livre importação) e ausência ou caráter incipiente de medidas complementares, tais como programas de investimento para aumento da oferta exportável.

Para dar uma ideia do impacto negativo do uso abusivo das listas de exceções, basta indicar que, de acordo com um levantamento recente, apenas 1.200 itens Naladi, sobre um total de cerca de 6.400, não estão incluídos em listas de exceções de um ou mais países. O “mercado regional” está, assim, limitado a cerca de um sexto do universo de produtos negociados. Qualquer processo de aperfeiçoamento da PTR terá de envolver, além do aprofundamento da magnitude básica, a atenuação ou eliminação das distorções no uso da lista de exceções, entre outros elementos.

Estima-se que entre 20 e 25% do comércio intrarregional se faz ao abrigo da PTR, com maior incidência no caso dos pequenos países (Paraguai e Equador, entre outros).

Para tornar a preferência regional um efetivo fator de promoção do comércio, deverão se negociar um novo aprofundamento e uma substancial redução das listas de exceções, uma vez que se estima que as rebaixas intercambiadas no seio da Associação poderão se tornar praticamente irrelevantes, caso as negociações comerciais multilaterais conduzidas atualmente no quadro da Rodada Uruguai do GATT venham efetivamente a reduzir, de maneira sensível, os níveis tarifários praticados hoje pelas partes contratantes. Antecipando esse desenvolvimento, as desgravações tarifárias unilaterais decididas por diversos países membros no período recente, no quadro de programas de liberalização econômica e de reformas operadas nas legislações de comércio exterior, produziram já uma perda relativa no impacto da PTR, acentuando ainda mais sua baixa incidência percentual (20% de base), pela rigidez de sua matriz e pela tendência de negociar bilateralmente, nos AAPs, os produtos incluídos nas listas de exceções multilaterais.

Outros instrumentos de liberalização

Paralelamente à PTR, negociaram-se cerca de 130 acordos de alcance parcial (AAPs) entre os países membros. Os AAPs são aqueles que reúnem parte dos países membros; os direitos e obrigações que estabelecem regem, exclusivamente, os países contratantes ou os que aderiram ao acordo. Os AAPs podem ser comerciais, de complementação econômica e agropecuários, ou ainda adotar outras modalidades, de conformidade com o TM-80 ou com regulamentação ditada pela Associação.5 5 V. documento Aladi/SEC/dt 247, 13/02/91, “Análisis y evaluacíón del comercio y de las concessiones registradas en los Acuerdos de Alcance Parcial”.

A despeito de sua utilização extensiva, tais acordos não foram elementos dinâmicos para permitir uma aproximação maior entre os países da região, talvez por se basearem em penosos entendimentos produto a produto, herdeiros da tradição de excedentes e faltantes da antiga Alalc. O Programa de Expansão Comercial (PEC, hoje convertido em Acordo de Complementação Econômica) entre o Brasil e o Uruguai, o Convênio Argentina-Uruguai de Complementação Econômica (Cauce, hoje também ACE) e o AAP-1 entre o Brasil e a Argentina talvez tenham sido exceções a essa regra.

Os acordos comerciais, numa primeira etapa discutidos pelos empresários e a posteriori ratificados pelos governos, tampouco propiciaram a expansão global do comércio intrarregional: seu sucesso relativo se deu às expensas do comércio não negociado. Foram úteis, até aqui, para facilitar a cooperação entre empresas em setores determinados, mas, em certos casos, surgem mais como freio que como instrumento de liberalização do intercâmbio.

De forma geral, o comércio negociado sob os AAPs se apresenta concentrado em dois aspectos: em poucos acordos e em reduzido número de países geograficamente próximos, entre os quais se destacam especificamente os quatro países do Cone Sul. Com efeito, os acordos de maior crescimento no período recente foram os de Complementação Econômica, associados geralmente a negociações de amplo espectro e perspectivas de mais largo prazo.

Embora tenha sido o instrumento mais dinâmico do contexto aladiano, um dado será suficiente para indicar as limitações que ainda persistem: 70% das concessões negociadas nos AAPs não são aproveitadas no intercâmbio comercial normal entre os países beneficiários.

O Prec- Programa de Recuperação e Expansão do Comércio6 6 O Prec foi ratificado apenas pela Argentina, Brasil, México e Chile. Não foi, por isso, posto em vigência, não tendo qualquer efeito sobre a evolução do intercâmbio comercial regional. É mais um exemplo de retórica grandiloquente latino-americana, que a realidade concreta dos fatos arquivou sem maiores lamentações. visa substituir importações de terceiros países, através da negociação de uma lista positiva de produtos, compreendendo 30% do que compram fora da região, cuja importação, a partir de países da área, será beneficiada com preferências tarifárias, diferenciadas segundo a categoria de países (PMDERs, PDis e Abramex). Embora acordado em 1987, o Prec entrou em vigor, formalmente, em 1º de janeiro de 1989, sendo inexistentes resultados concretos. Em virtude da relativa superposição de exportações dos países membros, a substituição de importações de terceiros países apenas poderia ser factível a partir de uma oferta por parte de países dispondo de um certo grau de desenvolvimento tecnológico, sendo limitada no sentido inverso. O Prec choca-se, assim, com dificuldades de natureza estrutural em termos de facilidades acordadas bilateralmente entre os países membros e em função da própria diversidade e heterogeneidade das estruturas nacionais do intercâmbio intrarregional, sendo, portanto, de difícil implementação no futuro imediato.

No que concerne às LAMs - Listas de Abertura de Mercados7 7 V. documento ALADI/SEC/dt 238, 26/11/90, “El sistema de apoyo en favor de los PMDRs: su instrumentaci6n y resultados alcanzados”. , mecanismo integrante do sistema de apoio aos países de menor desenvolvimento relativo (PMDERs) e que objetiva assegurar uma repartição equitativa dos custos e benefícios do processo de integração, cabe reconhecer sua escassa articulação com a estratégia global de promoção comercial dos PMDERs.

Os produtos incluídos nas listas são beneficiados com a eliminação total, sem reciprocidade, de gravames aduaneiros e outras restrições por parte dos demais países membros. Tampouco foram as LAMs um instrumento dinâmico de comércio, já que se registrou um baixo nível de aproveitamento das listas elaboradas, em grande parte devido à própria inexistência de oferta exportável desses países, a uma infraestrutura de comercialização pouco adequada ou obstáculos diversos de ordem econômica e administrativa.

O desmantelamento das barreiras não-tarifárias, prometido em princípios da década, sempre tropeçou na continuada política protecionista da maior parte dos países da região. Até muito recentemente, os compromissos destinados a eliminar as chamadas restrições não-tarifárias eram simplesmente ignorados por países voltados para o ajustamento unilateral de suas próprias dificuldades de balança comercial. Mesmo a abertura comercial externa operada recentemente na maior parte do continente foi, em geral, aplicada erga omnes, sem beneficiar, portanto, o comércio intrarregional.

Brasil-Argentina: a decisão pela integração8 8 Sobre esse tema, já há razoável bibliografia. Para um correto exame do processo de aproximação entre os dois países e referências mais detalhadas sobre os documentos e eventos a partir de 1985, v. o documento do Sela “El Programa Brasil-Argentina: Una Nueva Experiencia en Integración”, serie Estudos sobre Desarrollo, setembro, 1989; e também Monica Hirst, “El Programa de Integración Argentina-Brasil: De la Formulación a la Implementación”, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. julho, 1988.

Em meados dos anos 80, havia a percepção de que os mecanismos de integração regional, inclusive os instrumentos de liberalização do comércio, davam sinais de fadiga. A própria crise, a partir de 1982, ao revelar brutalmente as limitações da vontade política de integração, confrontou os países da região com a inadiável tarefa de ajustar seu discurso à realidade e, com isso, forçou-os a elaborar um projeto integracionista mais conforme com as necessidades do momento.

As mutações do cenário internacional, por outro lado, com o perigo de uma marginalização ainda maior do continente latino-americano, introduziram novas condicionantes no jogo regional, criando um renovado interesse pela “interdependência ativa” entre os países da região, num contexto de crescente abertura internacional e de liberalização econômica interna.

Nesse contexto, superando décadas de receios recíprocos e desconfianças mútuas, a partir de 1985, os presidentes da Argentina e do Brasil-democraticamente eleitos - decidem tomar a decisão política de iniciar um processo real de integração econômica, que não mais estaria amarrado ao ritmo dos esforços multilaterais regionais, mas seria condicionado pela própria vontade e determinação dos dois países de fazer avançar no terreno prático a relativa complementaridade já existente entre as duas economias. Vejamos as principais etapas desse processo.

Depois que, em novembro de 1985, os presidentes Sarney e Alfonsín firmam a “Ata de Iguaçu”, passa-se, em julho de 1986, ao “Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil-Argentina”, composto de uma ata e doze protocolos anexos, posteriormente elevados a 24. Nesse programa, baseado nos princípios da gradualidade, da flexibilidade, do equilíbrio e da simetria, se adotou uma estratégia de integração paulatina por setores industriais, cuja complementação dinâmica é o próprio núcleo do processo integracionista. Muitos desses setores têm alto conteúdo tecnológico - como bens de capital, indústria aeronáutica, energia nuclear-, enquanto outros são mais tradicionais.

Os resultados foram satisfatórios, em especial do ponto de vista do intercâmbio bilateral. Tendo experimentado um declínio constante durante toda a primeira metade dos anos 80, o comércio Brasil-Argentina aumentou progressivamente desde então, passando a crescer cerca de 12% ao ano, até atingir a cifra de US$ 1,8 bilhão em 1989 e de 2,2 bilhões em 1990. A Argentina retirou, por seu lado, vantagens ainda maiores: não apenas duplicou suas vendas para o Brasil (que se transformou em seu primeiro mercado de exportações, ultrapassando os EUA), como também passou a acumular saldos comerciais favoráveis (586 milhões de dólares, em 1989, e 600 milhões em 1990). A temida especialização “agrária” de suas exportações, com base em vantagens comparativas concentradas sobretudo no setor primário, tampouco se confirmou: cerca de 50% das exportações estão hoje constituídas por manufaturados industriais.

Numa segunda etapa, o processo de integração Brasil-Argentina adquire novos contornos. Em novembro de 1988 é assinado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, prevendo a conformação de um espaço econômico comum em dez anos, com a eliminação de todos os obstáculos alfandegários e não-alfandegários, em forma gradual, e o aprofundamento da liberalização comercial bilateral.

Em julho de 1990, contudo, os presidentes Collor e Menem decidem acelerar ainda mais o processo integracionista, antecipando para 31 de dezembro de 1994 o estabelecimento do mercado comum bilateral. Finalmente, em dezembro de 1990, como resultado de intensas negociações levadas a cabo durante o segundo semestre desse ano, os representantes dos dois países junto à Aladi puderam firmar um Acordo de Complementação Econômica que regerá as relações econômico-comerciais dos dois países no período transitório 1991-1994.

O impacto da aceleração no processo integracionista bilateral foi considerável no imediato entorno regional. Compreensivelmente preocupado com um desenvolvimento que ameaçava deixá-lo num relativo isolamento econômico, o Uruguai procurou rapidamente se inserir no novo contexto subregional, como aliás foi sua orientação permanente durante toda a primeira etapa da aproximação Brasil-Argentina.9 9 Para um exame crítico da participação do Uruguai em todo o processo, desde 1986, ver o trabalho de Gustavo Magariños, “Integración Argentino-Brasileña e lntegración Tripartita”, apresentado no seminário “Inestabilidad Macroeconómica Regional e Integración”, Fesur, Montevidéu: 10/11 outubro 1990. Pouco depois, o Paraguai juntou-se igualmente ao exercício de ampliação do mercado comum do Cone Sul, como demonstra a intensidade dos vínculos comerciais com seus vizinhos platinos. Transformou-se, assim, em poucos meses a geografia econômica desse grande espaço sul-americano, projetando-se uma nova entidade comunitária, cujo impacto será exercido plenamente nos albores do século XXI.

Antes, contudo, de examinar as perspectivas da integração regional a partir da consolidação do futuro Mercado Comum do Sul, caberia examinar os mecanismos em vigor nos acordos de complementação Brasil-Argentina e suas características distintas em relação aos instrumentos de liberalização hoje existentes na Aladi, em especial nos acordos parciais subregionais.

2. OS INSTRUMENTOS DE LIBERALIZAÇÃO COMERCIAL NO TRATADO BRASIL-ARGENTINA10 10 Este capítulo resume os principais aspectos do Acordo de Complementação Econômica (ACE-14) entre o Brasil e a Argentina, base jurídica cm que está fundado o comércio bilateral. Os temas desse acordo terão relevância dentro de uma perspectiva histórica, já que foi a base em que se fundamentou o tratado constitutivo do Mercado Comum do Sul, assinado em Assunção, Paraguai, em 26 de março de 1991.

O enfoque gradual e de flexibilidade nas negociações, que se tinha observado durante a primeira fase do processo de integração Brasil-Argentina, foi útil para a expansão do comércio bilateral e se revelou o mais adequado para permitir o aprofundamento da cooperação bilateral. Isso permitiu que hoje se encare com naturalidade a discussão sobre a reestruturação de setores econômicos selecionados e a promoção de uma real complementação de diversos setores industriais dos dois países. A aceleração decidida em meados de 1990 passou a contemplar mecanismos e instrumentos para reorientar a estrutura produtiva em ambas as economias, de forma a aumentar sua competitividade, bem como sua especialização e desenvolvimento tecnológico. Isso envolve necessariamente uma estreita coordenação de políticas macroeconômicas.

Acordo de Complementação Econômica

O Acordo de Complementação Econômica (ACE-14) entre o Brasil e a Argentina, firmado em dezembro último, se insere perfeitamente no quadro dos mecanismos previstos pelo Tratado de Montevidéu de 1980, mas apresenta características e instrumentos de negociação diferentes daqueles utilizados até aqui no estabelecimento de acordos de alcance parcial.

Como estabelecido no Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, de 1988, o objetivo principal perseguido pelos dois países é eliminar todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias ainda existentes nos diferentes acordos concertados ao abrigo do TM-80, como forma de criar, até 31 de dezembro de 1994, as condições necessárias para o estabelecimento do Mercado Comum bilateral.

O ACE-14 abarca e amplia todos os acordos de alcance parcial, de complementação econômica e comerciais que tinham sido negociados historicamente na Alalc-Aladi e bilateralmente no período recente. Em particular, substitui o acordo dito de “Renegociação das preferências outorgadas no período 1962-1980” (AAP-1) e os dois acordos de complementação nos setores de bens de capital e indústria alimentícia (ACE-7 e ACE-12). No tocante aos Acordos Comerciais, todos os produtos químicos, petroquímicas e químico-farmacêuticos negociados há mais de cinco anos passaram para o ACE-14. Dele ainda fazem parte diversos protocolos negociados ao abrigo do Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil-Argentina, como por exemplo aqueles relativos à importação de trigo, indústria automotriz e produtos para a indústria nuclear. Está prevista no ACE-14 a possibilidade de incorporar anexos adicionais, com vistas a incluir novos acordos setoriais de complementação, em especial em ramos industriais selecionados.

Características básicas do ACE-14

A estratégia agora adotada diferencia-se dos Acordos tradicionais da Aladi em mais de um aspecto. Em primeiro lugar, cabe notar que se abandonou o estilo tradicional dos acordos “aladianos”, nos quais as negociações de concessões tarifárias eram feitas produto a produto. O novo Acordo de Complementação Econômica apresenta as seguintes características essenciais:

  1. liberação total do universo tarifário até 31/12/94;

  2. adoção de um programa de desgravação linear e automático, segundo um cronograma semestral, no qual se parte de uma redução inicial de 40% dos níveis vigentes para terceiros países (pela primeira vez em trinta anos, se estabelece uma consolidação dos gravames em benefício das partes);

  3. exclusão do programa de desgravação linear e automática dos produtos incluídos nas listas de exceção elaboradas unilateralmente por cada uma das partes (Brasil com 257 e Argentina com 307 produtos); essas listas estarão submetidas a um processo de redução do número de itens, também automático, à razão de 20% anual a partir de 1990, desaparecendo, portanto, em 31/12/94;

  4. reciprocidade de benefícios e coordenação de políticas macroeconômicas;

  5. complementação setorial.

Harmonização de políticas

Talvez a decisão política mais significativa, por ser inédita em trinta anos de negociações integracionistas na região, diga respeito ao começo do exame das bases para a harmonização de políticas.11 11 V. QUIJANO, José Manuel, “Integración: objetivos y coordinación de políticas”, apresentado no seminário “Inestabilidad Macroeconómica Regional e Intcgración”, Fesur, Montevidéu, 10/11, outubro, 1990.

Com a finalidade de viabilizar o cumprimento do cronograma de desgravação e o estabelecimento do Mercado Comum, Brasil e Argentina decidiram se comprometer com a harmonização de suas políticas macroeconômicas, começando por aquelas que se relacionam diretamente com os fluxos de comércio e com a configuração industrial dos dois países. Trata-se de dispositivo nunca incluído anteriormente no âmbito dos acordos de alcance parcial subscritos ao amparo do Tratado de Montevidéu, muito embora previsto rotineiramente nas disposições normativas que regulam os acordos de complementação econômica.

Para a coordenação e harmonização dessas políticas, ambos os países constituíram um grupo de trabalho denominado Grupo Mercado Comum que, por sua vez, criou dez subgrupos técnicos tratando respectivamente de:

  1. Assuntos comerciais: a) tarifas; b) restrições não-tarifárias; c) drawback; d) regras de origem; e) tarifa externa comum; f) normas e procedimentos cambiários; g) compras do Estado;

  2. assuntos aduaneiros;

  3. normas técnicas: a) normas técnicas; b) harmonização de normas de metrologia;

  4. política fiscal e monetária relacionada com o comércio;

  5. transporte terrestre;

  6. transporte marítimo;

  7. política industrial e tecnológica;

  8. política agrícola (medidas fitossanitárias);

  9. política energética;

  10. coordenação de políticas macroeconômicas.

Ao mesmo tempo, estabeleceu-se um cronograma de reuniões a serem realizadas pelos grupos técnicos acima referidos. Até 31 de dezembro de 1994, eles terão procedido ao levantamento completo dos temas inscritos no programa de harmonização de políticas e identificado as medidas de ordem normativa ou legislativa que caberá implementar para o pleno acabamento do Mercado Comum.

Disposições diversas

O Acordo atribui importância primordial à complementação setorial, em vista do que, além do programa de liberação comercial que se aplica com caráter geral ao universo alfandegário nos termos e condições acima descritos, se subscreveram diversos Anexos, nos quais se registram regimes especiais aplicados à importação de bens de capital, produtos alimentícios industrializados, produtos da indústria automobilística e bens destinados às centrais nucleares dos dois países.

A principal característica desses regimes está na aplicação de uma tarifa “zero” para a importação dos produtos inscritos na chamada “lista comum” de bens de cada um dos setores referidos, assim como na exoneração de qualquer restrição ou barreira não-tarifária aplicada por ambas as partes na importação desses produtos.

O regime de origem contemplado no ACE-14 é o existente na Aladi (Resolução 78), exceto no caso de regras específicas que, por conformar os casos especiais acima referidos, passam a ter precedência sobre o regime comum. Nesses regimes se estabelece também que os bens compreendidos nos referidos setores serão considerados originários de seus respectivos territórios quando o valor dos materiais importados de terceiros países utilizados em sua elaboração não seja superior a 20% do preço do produto. Esse percentual de integração é significativo, em vista da importância que ambos os países atribuem à complementação setorial. Algumas disposições mais restritivas foram igualmente incorporadas, como por exemplo a possibilidade de sancionar câmaras de comércio que emitam certificados de origem inidôneos.

Em relação às cláusulas de salvaguarda, ambos os países concordaram em que o recurso a elas somente poderia se dar em casos excepcionais, estando previstas consultas diplomáticas obrigatórias previamente à sua aplicação unilateral. Não apenas o Acordo tem como novidade o fato de qualificar o dano, mas para a aplicação das salvaguardas se deverá levar em conta: a) o nível da produção e a capacidade utilizada; b) o nível de emprego; c) a participação no mercado; d) o comércio bilateral; e) o desempenho das importações e exportações com terceiros países. De qualquer modo, nenhum dos fatores acima assinalados constitui, por si mesmo, um critério decisivo para a determinação do dano infringido. A eventual quota fixada pelo país importador não poderá de toda forma ser menor que a média dos volumes físicos importados nos três anos precedentes. Em nenhum caso, a aplicação da cláusula de salvaguarda poderá se estender além de 31 de dezembro de 1994.

Está prevista, igualmente, a elaboração, pelo Grupo Mercado Comum, de um procedimento ágil para solução de controvérsias que possam surgir na execução do Acordo. Ambos os países procurarão promover uma expansão equilibrada do intercâmbio, podendo tomar, caso necessário, medidas pertinentes para a correção de eventuais desequilíbrios no aproveitamento dos benefícios do Acordo ou destinadas a assegurar condições equitativas de mercado, ou seja, visando à prevenção de práticas de tipo dumping e subsídios ou de unfair trade por parte de terceiros países.

Cabe assinalar ainda que o ACE-14 se conforma às normas do TM-80 para Acordos de Alcance Parcial, no sentido de que os princípios da adesão e convergência se encontram plenamente respeitados. No caso do Uruguai e do Paraguai, todavia, o assunto de sua incorporação ao processo de integração Brasil-Argentina assumiu características especiais, pois, como se verá adiante, se acordou o propósito do estabelecimento de um Mercado Comum quadripartite, a 1º de janeiro de 1995, de conformidade com decisão conjunta tomada em Brasília, em agosto de 1990.

Além desses elementos, o projeto argentino-brasileiro de mercado comum diferencia-se dos esquemas anteriores de liberalização comercial pela plena reciprocidade de direitos e obrigações entre os parceiros, nesse caso facilitada, é verdade, pelo fato de ambos os países pertencerem à mesma categoria na tradicional tripartição aladiana. O princípio do tratamento diferencial e, especificamente, as concessões efetivadas em regime especial e mais favorável em benefício dos PMDERs sempre atuaram como um elemento entorpecedor da ampliação dos esquemas de liberalização e de redução das barreiras não-tarifárias. O esquema indiferenciado deve também caracterizar a integração do Uruguai e do Paraguai ao processo de constituição do mercado comum do Cone Sul, muito embora se possam observar diferenças pontuais de ritmo na desgravação tarifária e na redução das listas de exceções.

Também de caráter inédito em relação aos demais esquemas integracionistas, a coordenação subregional quadripartite compreende um notável esforço de concentração de posições políticas e econômicas no que diz respeito a questões regionais e multilaterais de interesse comum, como nos casos da atuação no âmbito da Aladi, da Rodada Uruguai, em face da “Iniciativa para as Américas” do presidente George Bush ou de outros problemas que possam requerer a atenção das autoridades dos quatro países envolvidos.

3. PERSPECTIVAS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL E SUBREGIONAL12 12 Existem importantes trabalhos conceituais sobre o futuro da integração regional. Dentre eles merecem referência especial: PENA, Felix, “En los umbrales de los 90: integración latinoamericana y cambios internacionales”, apresentado no VI Simpósio Internacional “América Latina Frente a Las Nuevas Tendencias del Sistema Internacional”, organizado pelo Centro Peruano de Estudios Internacionales, Lima, 28/11/88; V ACCHINO, Juan Mario. “La integración latinoamericana: los desafios de la proxima década”, apresentado no colóquio franco-latino-americano sobre integración (Ilpes, Aladi, Iiap), dezembro 1989; Relatório apresentado pelo BID/Intal, “Situación, Problemas y Perspectivas de la Integración en America Latina”, documento Aladi/SEC/di 325.1, 14/08/89; CAPUTO, Dante e SABATO, Jorge. “Perspectivas de la integración político-económica continental”, apresentado na Conferência “Cultura Democratica y Desarrollo: Hacia el Tercer Milenio en America Latina”, Montevidéu, novembro 1990. V. igualmente BARBOSA, Rubens Antonio. “As novas perspectivas da integração regional: o papel da Aladi”, apresentado no X Encontro Nacional de Empresas de Comércio Exterior (Enaex), 25/09/90.

As mudanças já ocorridas na década de 80 e os desenvolvimentos em curso nos cenários mundial e continental, sobretudo na área econômica e tecnológica, não deixam de produzir novos e importantes desafios para o sistema multilateral da Aladi. A atuação de forças centrífugas, praticamente inevitável num continente de tais dimensões e marcado por grandes heterogeneidades econômicas e sociais, pode estar moldando um novo perfil para a integração latino-americana. Na verdade, a tendência de conformação de grupos subregionais, hoje com grande força, não é nova, como testemunha o Grupo Andino, criado em plena vigência da Alalc. Mas esse processo adquire hoje características originais, que cabe referir agora.

Crise da integração multilaieral

Os atuais esforços integracionistas, conduzidos em nível subregional, parecem constituir uma adaptação dos diferentes grupos de países membros da Aladi às dificuldades que, desde os tempos da “velha” Alalc, imprimiram uma certa letargia à implementação dos diversos mecanismos de promoção do intercâmbio recíproco: aplicação apenas parcial - e praticamente simbólica - da Preferência Tarifária Regional, caráter ambicioso do Programa Regional de Expansão do Comércio (e por isso mesmo não implementado), tratamento diferencial para PMDERs (com as distorções que representa legislar para diferentes categorias de países), eliminação a contragosto das restrições não-tarifárias, entre outros.

Diga-se, antes de mais nada, que essas dificuldades não derivam de vícios de origem da própria Aladi, mas resultam pura e simplesmente da própria ausência de vontade política por parte dos países membros de implementar as decisões acordadas e de cumprir com as obrigações pactadas. O relativo fechamento das economias nacionais latino-americanas, durante toda a existência da Alalc e boa parte da curta vida da Aladi, obedecendo a estratégias protecionistas e industrializadoras que cada país estabelecia independentemente dos demais, também contribuiu para a relativa inoperância dos esquemas liberalizadores de comércio.

No plano comercial, à relativa inoperância dos instrumentos regionais de liberalização comercial se agrega agora o desafio propiciado pela Rodada Uruguai do GATT. Previsivelmente, o contrato em gestação em Genebra introduzirá uma nova rebaixa substancial nas pautas tarifárias dos países participantes, o que implicará uma defasagem adicional das margens de preferência estabelecidas pelos países membros. No plano financeiro, os problemas de financiamento do comércio, que constituem provavelmente o maior gargalo para a intensificação do comércio intrazonal, nunca foram decisivamente enfrentados pelas autoridades econômicas dos países membros.

Em face do esgotamento dos mecanismos tradicionais de integração, diferentes grupos de países da região decidiram implementar, muitas vezes de maneira paralela ou superposta, esquemas concertados de liberalização comercial, geralmente tendentes ao estabelecimento de zonas de livre comércio (ZLCs), dentro e fora da área coberta pela Aladi.13 13 Para uma primeira análise das novas realidades da integração regional, na qual se sobressai, como um dos elementos mais marcantes, a subregionalização, v. o documento Aladi SEC/dt 248, 22/02/91, “Elementos comunes de los acuerdos subregionales y bilaterales de integración”. Esse é o caso do já citado Grupo Andino, do Mercado Comum do Sul, do G-3 (grupo composto por Colômbia, México e Venezuela) e, mais recentemente, da ZLC integrada pelo México e cinco países da América Central. O próprio conceito, que tinha adquirido renovado vigor com o acordo de livre comércio entre os EUA e o Canadá em 1987, está mais atual do que nunca, em face da decisão mexicana de aderir à ZLC da América do Norte e da própria “Iniciativa para as Américas” do presidente Bush, tendente a constituir uma imensa ZLC, do Alasca à Terra do Fogo.

Parece, pois, ter chegado a hora de reavaliar o esquema integracionista em vigor e partir para uma nova etapa de negociações nos mais diversos níveis do relacionamento regional (bi, pluri ou multilateral), com redobrada vontade política de abandonar definitivamente a retórica em favor de ações concretas.

Os novos esquemas regionais de liberalização14 14 Para um exame comparativo dos diferentes subgrupos regionais, ver o documento Aladi SEC/dt 241, 28/11/90, “El TM-80 y los nuevos escenarios de la integración latinoamerieana”.

O que caracteriza, antes de mais nada, os vários esquemas integracionistas em curso no continente é, além da relativa rapidez de sua implementação, o caráter de automaticidade impresso aos esquemas de desgravação alfandegária: como se, subitamente conscientes do enorme tempo perdido em reduções simbólicas e ineficazes, os países decidissem avançar a passos largos no caminho da abertura total. O exemplo, real ou idealizado, dos compromissos cronológicos firmados no continente europeu pode ter produzido um efeito-demonstração não desprezível.

Outra característica dos novos compromissos engajados no terreno da liberalização tarifária é a de que ela passa a cobrir praticamente todo o universo alfandegário, com poucas exceções, elas mesmas submetidas a um ritmo gradual- muitas vezes automático - de redução ulterior.

Esses elementos são comuns tanto aos esquemas de constituição de zonas de livre-comércio, negociados recentemente em diferentes âmbitos subregionais (Grupo Andino, Grupo dos Três) como aos acordos de nova geração, envolvendo sobretudo o México, Venezuela e Chile, mas também a Argentina e países latino-americanos não membros da Aladi, e aos dispositivos acordados entre o Brasil e a Argentina na fase de transição para o Mercado Comum. Existem, é verdade, diferenças de ritmo nos diversos esquemas subregionais ou plurilaterais, o que não compromete a similitude fundamental dos mecanismos utilizados.

A disposição de estabelecer esquemas de harmonização de políticas macroeconômicas é igualmente uma constante nos esquemas celebrados por pares (Brasil-Argentina) ou grupos de países (Grupo Andino), o que indica uma saudável preocupação com a boa marcha do processo, já que dificuldades técnicas ou políticas nos setores de transportes e comunicações, normas e regulamentos, taxas cambiais, medidas fiscais e impositivas, além de outras, sempre tiveram um impacto extremamente negativo sobre a marcha do processo integracionista a nível multilateral.

O estabelecimento de uma tarifa externa comum também aparece em todos esses esquemas. As bases para sua definição encontram-se hoje em discussão.

O Mercado Comum do Sul

Por que foi possível apenas agora, e não antes, lograr a aplicação do princípio da desgravação linear, automática e universal no âmbito da Aladi, se bem que limitado, até o momento, ao Acordo de Complementação Econômica Brasil-Argentina?

A decisão tendente à liberalização geral do intercâmbio comercial bilateral Brasil-Argentina corresponde, como assinalado anteriormente, a um ato de vontade política dos governos dos dois países e está longe de ser uma medida improvisada. Ao contrário, vem coroar uma longa série de esforços, desenvolvidos desde 1985, pelas máximas autoridades de ambos os países, em prol de uma aproximação integral - política, econômica, diplomática, cultural - entre as duas nações irmãs.

Cabe recordar, nesse particular, que os primeiros acordos de integração e de cooperação Brasil-Argentina, embora concebidos para implementação gradual, já previam os instrumentos agora materializados, particularmente a universalização das listas. Nesses cinco anos de aproximações sucessivas, os dois governos se esforçaram particularmente em preservar uma expansão equilibrada do intercâmbio comercial, dotando os acordos de flexibilidade suficiente para comportar mecanismos automáticos de correção de desequilíbrios (mediante a cláusula do “gatilho”, por exemplo), agora superados e extintos com o ACE-14.

Deve-se, contudo, reconhecer que o aprofundamento e a aceleração do processo de integração bilateral foram, em grande medida, estimulados pelo novo clima de liberalização econômica e de abertura externa observado em ambos os países no período recente. Mas é preciso notar também que o processo de negociação da integração ocorre num momento particularmente difícil nos cenários interno e externo, marcado por ensaios sucessivos de ajuste econômico anti-inflacionário e por uma conjuntura internacional especialmente severa com a América Latina. Às incertezas derivadas de uma longa e penosa renegociação da dívida externa se adicionaram as indefinições suscitadas por um longo (mais de quatro anos) processo de negociações comerciais multilaterais -no âmbito da Rodada Uruguai do GATT, resultando no que talvez tenha sido o maior desafio da história econômica e política dos dois países desde a crise dos anos 30, ademais de preocupações conjunturais de recessão nos países desenvolvidos, agravadas pela guerra no Golfo.

Registre-se como positivo o maior envolvimento, em ambos os países, de uma classe empresarial mais dinâmica e aberta (o que permitiu, entre outras medidas, uma reforma significativa no setor tarifário), o apoio da sociedade em geral a um projeto ousado de reforma do setor público e de modernização do Estado, bem como uma atitude de franca simpatia e de clara sustentação ao projeto integracionista por parte dos meios de comunicação de massa, dos acadêmicos e intelectuais e da opinião pública como um todo. No setor produtivo, em particular, se logrou superar o falso dilema que contrapunha a “inserção competitiva” de cada país no sistema econômico internacional aos progressos da integração na região.

Graças a esses diversos elementos, de caráter político, econômico e social, foi possível vencer, em cada um dos lados, a tradicional resistência a uma negociação bilateral, implicando claramente a diminuição relativa da margem de autonomia das políticas econômicas domésticas que acompanha, inevitavelmente, todo processo de integração econômica. Não resta dúvida de que muitas dificuldades - e não apenas de ordem ad­ministrativa ou burocrática - se antepõem ainda à completa harmonização das políticas macroeconômicas dos dois países (sobretudo nos campos monetário, cambial e fiscal, mas também nos setores agrícola e industrial), mas o elemento essencial de seu encaminhamento satisfatório continua presente: a vontade política.

Em qualquer hipótese, os governos estão dispostos a envidar grandes esforços para a necessária compatibilização e uniformização das políticas macroeconômicas, e o fato de as autoridades econômicas atuarem numa mesma direção e partilharem, grosso modo, os mesmos objetivos econômicos - luta anti-inflacionária, abertura econômica, modernização industrial e tecnológica, redução da esfera do Estado etc. - deve facilitar a convergência, numa etapa ulterior, das políticas econômicas nacionais, inclusive em seus aspectos mais sensíveis (fiscal, cambial, monetário, tributário etc.).

Esses mesmos fatores estão presentes igualmente no caso do Tratado Quadripartite de Integração entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai e do processo de formação de um Mercado Comum na América do Sul. Os mesmos princípios de gradualismo, flexibilidade e equilíbrio, observados na experiência brasileiro-argentina de integração, encontram-se também aqui em escala ampliada, muito embora se considerassem diferenças pontuais de ritmo em algumas áreas, conforme ficou fixado no Tratado de Assunção, firmado em março passado.

No plano conceitual, como no caso do processo de integração bilateral Brasil-Argentina, uma das bases da formação do mercado comum subregional é a plena reciprocidade de direitos e obrigações, com as ressalvas indicadas acima. A afirmação desse princípio destina-se fundamentalmente a afastar os fatores de entorpecimento que, no âmbito da Aladi, afetaram tradicionalmente os diversos mecanismos de integração. Em todo caso, dentre os instrumentos previstos para serem acionados no período transitório estão as cláusulas de salvaguarda, que objetivam precisamente determinar danos sensíveis, suscetíveis de afetar um país em seu nível de emprego, de produção e de comércio exterior e remediar seus efeitos.

Por outro lado, no período de transição entre 1991 e 1994, os instrumentos de liberalização do intercâmbio bilateral (ACE-14, Pec, Cauce) devem continuar a existir dentro do marco referencial do futuro tratado quadripartite. No mesmo período, prosseguirão os trabalhos dos dez grupos encarregados de criar as condições para harmonizar as políticas setoriais e macroeconômicas, com vistas a permitir o efetivo funcionamento do Mercado Comum em 1o de janeiro de 1995. Da mesma forma, prosseguirão tanto a desgravação semestral como a redução anual das listas de exceção, enquanto o subgrupo encarregado da tarifa externa comum definirá o nível incidente para terceiros países.

A posição do Brasil15 15 O texto oficial público mais abrangente sobre a visão brasileira do processo de integração é o discurso “O Brasil e a integração regional”, da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, pronunciado em seminário comemorativo do décimo aniversário do TM-80, em 13/08/90, na Aladi. Para um exame estritamente econômico, que fundamentou desde o começo a posição brasileira, v. ARAÚJO JR., José Tavares. “Os fundamentos econômicos do programa de integração Argentina-Brasil”, mimeo, abril 1987; o autor teve importante papel como formulador e como negociador do processo durante o período em que exerceu a presidência da então Comissão de Política Aduaneira do Ministério da Fazenda. Os fundamentos políticos da posição brasileira encontram-se em discursos oficiais, cm especial dos presidentes José Sarney e Fernando Collor e dos ministros Olavo Setúbal, Roberto de Abreu Sodré e Francisco Rezek.

A ênfase crescente da política externa brasileira em relação à América do Sul, observada a partir de 1985 e aparentemente ainda não captada de todo pelos países da região, começa a produzir efeitos concretos. Por isso, talvez, muito se tem indagado sobre a participação do Brasil no processo de integração regional e na constituição do mercado comum subregional, à luz de seus interesses permanentes e de seu relacionamento político e econômico no imediato entorno geográfico.

Como é muitas vezes lembrado, dotado de um imenso potencial econômico e graças a uma grande diversidade geográfica e qualitativa em suas pautas de intercâmbio, mantendo intensas relações comerciais com quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Brasil poderia dispensar-se - como fez até recentemente - da obrigação de manter vínculos privilegiados com seus vizinhos ou algum parceiro em especial. E, de fato, a participação dos países do Cone Sul no conjunto dos mercados externos é relativamente modesta: eles absorvem apenas 6% das exportações brasileiras, contra percentuais muito mais significativos no sentido inverso. Apenas como comparação, os EUA e a CEE concentram hoje 65% das exportações brasileiras.

Necessitaria o Brasil, nessas condições, engajar recursos e esforços de natureza diversa - administrativa, diplomática, empresarial - para estabelecer mecanismos e instrumentos adicionais de liberalização econômica e comercial, realizar concessões de diversos tipos, coordenar diretrizes governamentais e alinhar políticas no campo econômico e social? Uma vez mais, as respostas a todas essas questões não podem ser de caráter exclusivamente econômico, embora não se deva descartar, de imediato, os benefícios que também nesse campo - espera-se - o Brasil retirará do processo integracionista subregional e, posteriormente, continental.

Na realidade, para o Brasil, até o momento a integração regional não tem sido um projeto nacional autônomo, no sentido de que não está necessariamente presente nas grandes decisões econômicas, como abertura e liberalização da economia, reforma do sistema tarifário e negociações comerciais multilaterais, no âmbito do GATT. O interesse básico pela efetivação do processo vem, de maneira pouco articulada, das áreas fronteiriças do Norte (Roraima), Noroeste/Sudoeste (Acre, Rondônia, Mato Grosso) e, de forma mais nítida, do Sul (do Rio Grande do Sul a São Paulo).

Além dos fatores geoestratégicos que possam desempenhar, embora de forma limitada, um papel de realce nesse processo, cabe salientar que as motivações do engajamento do governo brasileiro são fundamentalmente de ordem política (como, aliás, parecem ser igualmente as razões dos demais vizinhos). Essas motivações de natureza política resumem-se basicamente em duas, sintetizadas numa proposta interna de desenvolvimento nacional (reestruturação industrial e ampliação do mercado interno) e num projeto externo de adequação a um mundo em rápida mutação.

Numa conjuntura internacional marcada por grandes transformações nos cenários econômico e político regionais e num contexto continental caracterizado por um renovado esforço de construção democrática, a decisão pela integração, com plena consciência de suas limitações, em complemento ao esforço para ampliar a cooperação comercial, financeira e tecnológica com os países desenvolvidos - onde se situam nossos maiores interesses-, parece ser a mais natural possível. A ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais, requisito para a chamada “inserção competitiva nos mercados internacionais”, passa necessariamente pela integração e constitui uma condição fundamental para acelerar o processo de desenvolvimento econômico com equidade, modernização da economia, competitividade externa e, assim, lograr maior justiça social e níveis ampliados de bem-estar para a população.

A consolidação de grandes espaços econômicos, bem como a evolução política e ideológica observada em escala planetária nesta última década do século XX, alterou radicalmente o entendimento tradicional que se tinha do conceito de soberania política e suas projeções materiais. O “mito” da soberania exclusiva, já contestado seriamente desde há muito, não é mais suscetível de fundar uma ordem internacional adequada às necessidades das coletividades humanas do século XXI; considerando-se a crescente aproximação do meio ambiente planetário, esse conceito tende a ser ainda menos rígido no contexto das regiões naturalmente interdependentes, socialmente homogêneas e culturalmente próximas, como é o caso do Cone Sul-americano.

A partir dessas constatações, impõe-se a necessidade de uma coordenação política dos esforços materiais e de políticas setoriais, seja em relação a grandes projetos de desenvolvimento econômico, seja no que concerne a posição a assumir em face dos grandes desafios políticos e estratégicos no cenário internacional. A interligação praticamente automática entre os diversos problemas econômicos e políticos que afetam atualmente a comunidade internacional obriga à coordenação de posições em foros econômico-comerciais e organizações internacionais diante de terceiros países e agrupamentos regionais.

Estas são, em essência, as razões que levaram o Brasil, no exercício de seu mais estrito interesse nacional, a reafirmar a decisão política de estreitar as relações de toda ordem com as nações vizinhas e de construir o edifício integracionista cujos fundamentos hoje se encontram razoavelmente alicerçados.

Desafios do momento

Persistem, evidentemente, ceticismos de diversos matizes quanto à possibilidade de concretizar o projeto de integração quadripartite, em especial a partir de dúvidas quanto às reais possibilidades de coordenar políticas macroeconômicas entre os países do Cone Sul, justamente por causa das restrições internas e externas impostas pelos obstáculos políticos e sociais, pelo alto grau de instabilidade econômica e pela carga latente do endividamento. Sobretudo, há uma forte desconfiança no que se refere à capacidade dos governos de abrir mão de graus de liberdade na formulação das políticas econômicas e de coordenar objetivos que atendam a um mínimo de prioridades comuns.

As resistências na sociedade, mesmo as residuais, ainda são importantes, sobretudo em diversos subsetores industriais ou agropecuários, em bolsões empresariais atrasados e nos meios sindicais, de uma forma geral, contaminando em consequência uma determinada fração da classe política e pequena parcela da intelligentsia. Esses obstáculos são, de certo modo, “naturais”: também na Europa e em outras regiões, a integração enfrentou, nas etapas iniciais, uma notável falta de apoio por parte de grupos sociais armados de expectativas pessimistas: setores econômicos defasados, políticos provincianos, acadêmicos pseudo-nacionalistas etc.

As barreiras se tornam ainda mais encarniçadas à medida que se constata que os programas de reconversão são necessariamente lentos e não isentos de custos humanos e sociais, que a realocação dos recursos colocados em disponibilidade é frequentemente aleatória, que a possibilidade de medidas compensatórias nem sempre existe e que os benefícios da nova situação tardam a emergir.

Sobretudo em pequenos países, ou naqueles de menor desenvolvimento relativo, a restrita dimensão da base instalada nacional e a escassez de recursos para investimento, além de outros fatores, atuam numa fase inicial em detrimento das possibilidades de expansão que mercados integrados normalmente costumam propiciar. Vencidos, porém, os primeiros traumas acarretados pelos custos econômicos e políticos derivados da integração - deslocamento de empresas, diminuição da soberania administrativa, o país também terá eliminado, com a queda das barreiras políticas e administrativas ao livre fluxo de homens e mercadorias, os principais obstáculos ao dinamismo econômico e ao desenvolvimento social: as incertezas derivadas de políticas econômicas sempre mutáveis, as restrições de acesso aos fatores de produção e a ausência de garantias de regras estáveis num cenário político instável.

Do ponto de vista estritamente econômico, por exemplo, a estabilidade de acesso a mercados ampliados torna-se um poderoso fator de racionalidade econômica. O aumento da produtividade, propiciado por economias de escala, permite encetar programas de reestruturação industrial com configurações setoriais mais adequadas a novos estágios no binômio tecnologia/dimensão de mercado. A maior competitividade também beneficia, em qualquer hipótese, os setores produtivos mais dinâmicos em cada país e os consumidores, de um modo geral.16 16 V. ARAÚJO JR., José Tavares. “A política comercial brasileira e a integração latino-americana”, Instituto de Economia Industrial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, texto para discussão n. 233, março, 1990, e “Integração econômica e harmonização de políticas na América do Norte e no Cone Sul”, texto para discussão interna n. 32, Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).

Atualmente, a dimensão verdadeiramente estratégica e as implicações econômicas e políticas da integração subregional parecem estar bem claras aos olhos de todos os dirigentes políticos e líderes empresariais da região.17 17 O papel decisivo do empresariado para dar corpo à decisão política dos governos está claro desde o começo do processo, como assinala Mario Laviola em “A integração regional e a atuação do setor privado”, O Estado de São Paulo (30/10/84). Como presidente do Comitê de Representantes da Aladi, em “Mensagem aos empresários” (Âmbito Empresarial Aladi, 12/89), tive oportunidade de ressaltar esse fato. Mais uma vez, o condicionante maior é apenas a vontade política. Como na CEE, passado o choque inicial, o setor privado - moderno e atuante - será o fator do aprofundamento do processo de integração e o motor das transformações internas nos Estados membros.

O desafio é grande, mas a velocidade das transformações no cenário internacional não permite hesitações ou atrasos nas decisões que devem ser tomadas.

  • 1
    V. “La integración de America Latina en la Etapa Actual” (BID/Intal/PN88, doc. N. 306, Buenos Aires, março 1988), excelente análise das limitações da América Latina na década de 80 e das perspectivas para a região. V. também o trabalho apresentado por Javier Villanueva, “America Latina: el desafio del crescimiento económico en el fin del siglo”, no seminário internacional “El nuevo contexto de las politicas de desarrollo cientifico y tecnologico”, Montevidéu: 6/8, dezembro 1990 (OEA/IDRC).
  • 2
    A Aladi-Associação Latino-Americana de Integração, por encomenda dos países membros, no quadro de um amplo processo de avaliação do Tratado de Montevidéu-80 e do funcionamento do organismo, preparou uma série de trabalhos técnicos sobre os instrumentos de liberalização previstos no TM-80 e seu grau de eficácia para o incremento do intercâmbio interregional. Os dados contidos neste capítulo baseiam-se nesses estudos, que serão citados especificamente adiante.
  • 3
    V. documento Aladi/SEC/di 34, 2/02/90, “Estructura y Evolución del Comercio Intrarregional Negociado, 1981-88”.
  • 4
    V. documento Aladi/SEC/dt 243, 30/11/90, “Evaluación del comercio amparado por la Preferencia Arancelaria Regional
  • 5
    V. documento Aladi/SEC/dt 247, 13/02/91, “Análisis y evaluacíón del comercio y de las concessiones registradas en los Acuerdos de Alcance Parcial”.
  • 6
    O Prec foi ratificado apenas pela Argentina, Brasil, México e Chile. Não foi, por isso, posto em vigência, não tendo qualquer efeito sobre a evolução do intercâmbio comercial regional. É mais um exemplo de retórica grandiloquente latino-americana, que a realidade concreta dos fatos arquivou sem maiores lamentações.
  • 7
    V. documento ALADI/SEC/dt 238, 26/11/90, “El sistema de apoyo en favor de los PMDRs: su instrumentaci6n y resultados alcanzados”.
  • 8
    Sobre esse tema, já há razoável bibliografia. Para um correto exame do processo de aproximação entre os dois países e referências mais detalhadas sobre os documentos e eventos a partir de 1985, v. o documento do Sela “El Programa Brasil-Argentina: Una Nueva Experiencia en Integración”, serie Estudos sobre Desarrollo, setembro, 1989; e também Monica Hirst, “El Programa de Integración Argentina-Brasil: De la Formulación a la Implementación”, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. julho, 1988.
  • 9
    Para um exame crítico da participação do Uruguai em todo o processo, desde 1986, ver o trabalho de Gustavo Magariños, “Integración Argentino-Brasileña e lntegración Tripartita”, apresentado no seminário “Inestabilidad Macroeconómica Regional e Integración”, Fesur, Montevidéu: 10/11 outubro 1990.
  • 10
    Este capítulo resume os principais aspectos do Acordo de Complementação Econômica (ACE-14) entre o Brasil e a Argentina, base jurídica cm que está fundado o comércio bilateral. Os temas desse acordo terão relevância dentro de uma perspectiva histórica, já que foi a base em que se fundamentou o tratado constitutivo do Mercado Comum do Sul, assinado em Assunção, Paraguai, em 26 de março de 1991.
  • 11
    V. QUIJANO, José Manuel, “Integración: objetivos y coordinación de políticas”, apresentado no seminário “Inestabilidad Macroeconómica Regional e Intcgración”, Fesur, Montevidéu, 10/11, outubro, 1990.
  • 12
    Existem importantes trabalhos conceituais sobre o futuro da integração regional. Dentre eles merecem referência especial: PENA, Felix, “En los umbrales de los 90: integración latinoamericana y cambios internacionales”, apresentado no VI Simpósio Internacional “América Latina Frente a Las Nuevas Tendencias del Sistema Internacional”, organizado pelo Centro Peruano de Estudios Internacionales, Lima, 28/11/88; V ACCHINO, Juan Mario. “La integración latinoamericana: los desafios de la proxima década”, apresentado no colóquio franco-latino-americano sobre integración (Ilpes, Aladi, Iiap), dezembro 1989; Relatório apresentado pelo BID/Intal, “Situación, Problemas y Perspectivas de la Integración en America Latina”, documento Aladi/SEC/di 325.1, 14/08/89; CAPUTO, Dante e SABATO, Jorge. “Perspectivas de la integración político-económica continental”, apresentado na Conferência “Cultura Democratica y Desarrollo: Hacia el Tercer Milenio en America Latina”, Montevidéu, novembro 1990. V. igualmente BARBOSA, Rubens Antonio. “As novas perspectivas da integração regional: o papel da Aladi”, apresentado no X Encontro Nacional de Empresas de Comércio Exterior (Enaex), 25/09/90.
  • 13
    Para uma primeira análise das novas realidades da integração regional, na qual se sobressai, como um dos elementos mais marcantes, a subregionalização, v. o documento Aladi SEC/dt 248, 22/02/91, “Elementos comunes de los acuerdos subregionales y bilaterales de integración”.
  • 14
    Para um exame comparativo dos diferentes subgrupos regionais, ver o documento Aladi SEC/dt 241, 28/11/90, “El TM-80 y los nuevos escenarios de la integración latinoamerieana”.
  • 15
    O texto oficial público mais abrangente sobre a visão brasileira do processo de integração é o discurso “O Brasil e a integração regional”, da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, pronunciado em seminário comemorativo do décimo aniversário do TM-80, em 13/08/90, na Aladi. Para um exame estritamente econômico, que fundamentou desde o começo a posição brasileira, v. ARAÚJO JR., José Tavares. “Os fundamentos econômicos do programa de integração Argentina-Brasil”, mimeo, abril 1987; o autor teve importante papel como formulador e como negociador do processo durante o período em que exerceu a presidência da então Comissão de Política Aduaneira do Ministério da Fazenda. Os fundamentos políticos da posição brasileira encontram-se em discursos oficiais, cm especial dos presidentes José Sarney e Fernando Collor e dos ministros Olavo Setúbal, Roberto de Abreu Sodré e Francisco Rezek.
  • 16
    V. ARAÚJO JR., José Tavares. “A política comercial brasileira e a integração latino-americana”, Instituto de Economia Industrial, Universidade Federal do Rio de Janeiro, texto para discussão n. 233, março, 1990, e “Integração econômica e harmonização de políticas na América do Norte e no Cone Sul”, texto para discussão interna n. 32, Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).
  • 17
    O papel decisivo do empresariado para dar corpo à decisão política dos governos está claro desde o começo do processo, como assinala Mario Laviola em “A integração regional e a atuação do setor privado”, O Estado de São Paulo (30/10/84). Como presidente do Comitê de Representantes da Aladi, em “Mensagem aos empresários” (Âmbito Empresarial Aladi, 12/89), tive oportunidade de ressaltar esse fato.
  • 19
    JEL Classification: F15.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1993
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