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Diretrizes gerais de política econômica: Notas para o 1º PND da Nova República maio - 1985

General guidelines for economic policy: Notes for the 1st DNP of the New Republic, May - 1985

RESUMO

Reprodução de discurso do ministro do Planejamento João Sayad sobre os compromissos políticos do primeiro governo civil da nova república do Brasil.

PALAVRA-CHAVE:
Política econômica

ABSTRACT

A reproduction of a speech by minister of Planning João Sayad on the policy commitments of the first civil government of Brazil’s new republic.

KEYWORD:
Economic policy

“Retomar o crescimento é criar empregos. Toda política econômica de meu Governo estará subordinada a esse dever social. Enquanto houver neste País um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda prosperidade será falsa”.

Tancredo Neves, 15 de janeiro de 1985.

INTRODUÇÃO

O Governo da Nova República tem compromisso prioritário com a Nação e o Congresso Nacional: o compromisso de mobilizar todos os seus esforços no combate à pobreza e ao desemprego. As Diretrizes Gerais de Política Econômica que aqui se apresentam parte do pressuposto de que a miséria, a marginalidade e as disparidades no nível de renda entre brasileiros e as regiões onde moram constituem grave ameaça à estabilidade da sociedade e, em especial, da democracia recém-conquistada. A liberdade e os direitos do cidadão não vicejam quando não se garante o acesso dos indivíduos aos benefícios sociais básicos: saúde, educação, alimentação, segurança, habitação e emprego.

Estas Diretrizes Gerais resumem a orientação essencial deste Governo e as correspondentes linhas de ação administrativa, num horizonte de planejamento de quatro anos. Constituem, portanto, o ponto de partida no processo de elaboração dos próximos orçamentos do Governo do presidente José Sarney, e inauguram os debates para a preparação do 1º. Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República.

A necessidade deste documento - no qual o Governo declara suas prioridades - decorre de vários fatores. Em primeiro lugar, porque na economia brasileira o desequilíbrio financeiro do setor público e o modo pelo qual se pretende corrigi-lo determinam as condições de atuação do setor privado. Depois, porque o Governo coordena políticas econômicas, monetárias e tributárias que têm impacto direto sobre as atividades industriais e agrícolas. E finalmente, porque o Governo é responsável por um volume significativo dos investimentos da economia brasileira.

A informação sobre as Diretrizes é, portanto, matéria-prima essencial para toda ação econômica do setor público e privado. A obrigação do Governo de prestar essa informação corresponde o direito do cidadão e do contribuinte de conhecer antecipadamente as metas visadas e os meios que o Governo pretende aplicar.

De outro lado, as Diretrizes são essenciais para os fins internos do próprio Governo. Máquina complexa, espalhada por todo o País, o sistema governamental requer uma orientação clara para a ação e o planejamento de seus diversos segmentos. Temos aqui, portanto, um documento administrativo e orientação.

Cabe uma ressalva nesta introdução. É forçoso reconhecer que a crise atual da economia brasileira é um constrangimento à formulação de qualquer tipo de orientação de médio e longo prazo.

O desemprego alcançou níveis inéditos. A taxa de inflação não tem precedente na história econômica brasileira. O desequilíbrio do setor externo representa enorme obstáculo à recuperação do crescimento econômico.

Nestas condições, não faz sentido formular políticas de longo alcance de forma dissociada do ataque imediato à crise atual. Assim, estas Diretrizes começam obrigatoriamente pela discussão dos gravíssimos problemas do déficit público, inflação e dívida externa. Propõe-se uma Política de Estabilização.

Em seguida, o documento apresenta as Diretrizes Econômicas de Governo, base para os Orçamentos e o 1º. PND da Nova República. As políticas de desenvolvimento industrial e agrícola, assim como as propostas de Planejamento Democrático, completam o presente documento.

A POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO

A retomada sustentada do crescimento econômico só será possível com a estabilidade da economia, a redução da inflação e a correção dos graves desequilíbrios do setor público. Somente uma política de estabilização bem-sucedida poderá propiciar aumentos contínuos dos salários reais dos trabalhadores. O êxito da política de estabilização depende, por sua vez, do apoio de todas as classes e segmentos da sociedade. O Governo não deve, no entanto, solicitar tal apoio sem antes exemplificar, por sua própria conduta, a postura que aspira obter da sociedade. É necessário esclarecer a opinião pública sobre a natureza das dificuldades que o Governo enfrenta, apontar os equívocos que têm impedido o equacionamento dos problemas e estabelecer uma estratégia sólida que, socialmente respaldada, permita retomar o crescimento econômico.

Este capítulo está dividido em quatro seções. Na primeira, expõe-se o grave descontrole administrativo do setor público. Na segunda, ressalta-se a importância fundamental da redução do déficit público para a política de estabilização. Mostra-se, igualmente, o caráter predominantemente financeiro do déficit e, em particular, sua conexão com a dívida externa. Na terceira, critica-se a estratégia utilizada nos últimos anos para o controle dos gastos públicos. Na quarta e última seção, delineiam-se as três etapas do programa de estabilização, que se inicia com o esforço do setor público, consolida-se com o amplo acordo de classes e segmentos da sociedade e culmina com uma reestruturação efetiva das condições de pagamento da dívida externa brasileira.

O Descontrole Administrativo

O Governo Federal não dispõe de um sistema de controles que lhe permita prever ou mesmo acompanhar a evolução do déficit público com grau de precisão desejável. A precariedade das estimativas deve-se à vasta gama de artifícios contábeis e contas em aberto que permitem ligações entre os vários orçamentos. A contabilidade dos subsídios é propositadamente mascarada e o cálculo orçamentário é feito em cruzeiros correntes, utilizando-se ainda estimativas irrealistas de taxa de inflação. Assim, o Congresso Nacional aprova um Orçamento Fiscal ilusoriamente equilibrado, que mascara um déficit. O Governo, de sua parte, sequer tem condições para informar com grau razoável de precisão a magnitude de seu déficit.

Na verdade, é impossível, hoje, calcular o déficit de acordo com a sua correta conceituação orçamentária. Resta-nos apenas a medida do déficit de caixa, em cruzeiros do mês. No entanto, até mesmo este déficit não pode ser previsto adequadamente, pois o Governo não dispõe de um fluxo de caixa consolidado para o conjunto do setor público.

A diferença entre déficit orçamentário e déficit de caixa deixa várias dificuldades. Uma elevação da taxa de juros, por exemplo, não afeta o déficit de caixa imediatamente. Todavia, afeta de modo decisivo o déficit orçamentário, pois neste caso é preciso levar em conta o impacto do aumento da taxa de juros sobre os encargos financeiros governamentais com vencimentos no presente e no futuro. É necessário, portanto, um trabalho de desfazer armadilhas para se mensurar o déficit público de modo transparente e rigoroso.

Dificuldades igualmente graves aparecem na mensuração da própria dívida do setor público descentralizado. O Governo não dispõe de sistema de acompanhamento que lhe permita saber qual o montante efetivo da dívida consolidada do setor público em dezembro de 1984. Além disso, várias vezes o Governo é chamado a responder por dívidas, tanto internas quanto externas, que não são de sua responsabilidade nem direta, nem por avais.

Dívida e déficit são relacionados. O déficit da União de um dado ano consiste nos gastos em consumo e investimentos menos suas receitas mais o pagamento dos juros sobre as dívidas externa e interna. O conceito orçamentário do déficit não deve incluir as amortizações sobre a dívida do passado; mas deve incluir os juros reais sobre esta dívida. Com efeito, se o Governo não apresenta déficit ano após ano, é capaz de manter inalterada sua dívida. Se o Orçamento Global apresenta déficit, este deve ser financiado ou pela emissão de moeda ou por um aumento da dívida. Entretanto, sem que se saiba o valor efetivo da dívida não será possível calcular o montante correto do déficit.

Constitui, portanto, prioridade administrativa do Governo a reestruturação das contas do setor público, a imposição de normas claras e limites definidos aos subsídios julgados imprescindíveis, tanto ao setor produtivo quanto ao setor financeiro, e a delimitação legal e legitima das responsabilidades da União. A sociedade brasileira não pode, contudo, aguardar a implementação, necessariamente lenta, de um sistema de controle eficaz sobre as finanças da União. É necessário articular, imediatamente, uma política de estabilização consistente.

O Déficit Público

O déficit público brasileiro ultrapassou todos os limites razoáveis. Esse déficit é hoje o nó górdio da estabilização da economia nacional.

O Governo tem despesas com projetos de retorno econômico incerto ou negativo, e que precisam, portanto, ser descontinuados. Há projetos cujas obras foram precocemente iniciadas e que precisam ser ou descontinuados ou hibernados. Existem ainda despesas conhecidas, mas sem limites no Orçamento, como os gastos com o sistema Sinpas e com os subsídios do açúcar e álcool. E, finalmente, aparecem despesas que não estão no Orçamento nem são limitadas, como os avais que a União é chamada a honrar subitamente.

O primeiro passo, portanto, na contenção do déficit público resume-se a cortar e controlar gastos significativos. É necessário interromper projetos inviáveis. Em seguida, será preciso propor uma reformulação definitiva do sistema previdenciário. Finalmente, reformular e reduzir os subsídios que não beneficiam as populações de baixa renda. Sem este controle de gastos, qualquer política de redução do déficit público está condenada ao fracasso.

O déficit público para 1985 está estimado em 84 trilhões de cruzeiros. Mas, estes 84 trilhões não significam apenas que os gastos do Governo em consumo e investimento superem suas receitas nesse montante. Uma característica fundamental do déficit reside no fato de que o pagamento de juros ultrapassa, segundo estimativas preliminares, 91 trilhões de cruzeiros. Ou seja, o setor público não está em desequilíbrio apenas porque gasta em investimento e consumo mais do que arrecada; está em desequilíbrio porque o volume arrecadado, embora suficiente para financiar suas despesas de investimento e consumo, está aquém do necessário para pagar os juros sobre as dívidas herdadas do passado.

O desequilíbrio do setor público apresenta assim uma dimensão financeira crucial. Os pagamentos de juros, conforme estimativas atuais, absorvem nada menos que 20,5% da receita global do setor público, isto é, das receitas somadas da União, Estados, Municípios, das autarquias e estatais. Dos 91 trilhões de cruzeiros de juros, 65% devem-se à dívida externa e 35% à dívida interna. Essa conta de juros supõe a renovação automática das amortizações. Em outras palavras, é o encargo necessário a ser pago para não aumentar a dívida real do Governo.

Quatro pontos fundamentais devem ser aqui fixados. Primeiro: a solvência do setor público depende do crescimento da dívida e da taxa de crescimento das receitas tributárias. Se não houver superávit fiscal suficiente para pagar qualquer fração da conta de juros, a dívida crescerá pelo menos 14% ao ano, que é a taxa de juros. Neste caso o Governo precisará, portanto, ter receitas crescendo pelo menos 14% ao ano, o que é improvável no atual horizonte de planejamento.

Como se observa, não só o déficit em si mesmo é exageradamente elevado, ascendendo, segundo a estimativa preliminar, a 6% da renda nacional, como tende a crescer velozmente, em termos reais, no futuro.

Segundo ponto: os problemas da economia brasileira apresentam uma relação múltipla e circular. Boa parte do déficit público no presente é causado pelos juros da dívida externa contraída no passado; emitir moeda para cobrir o déficit causa inflação; a inflação prejudica, por sua vez, as condições de renegociação da dívida externa. Se o déficit for financiado por mais títulos, pressiona-se a taxa de juros interna, e, portanto, o déficit no futuro. E isso, finalmente, levaria à emissão ou de moeda ou de novos títulos. Dívida externa, inflação, juros e déficit estão, assim, perversamente correlacionados num círculo vicioso. Mas, a variável de controle direto por parte do Governo é o déficit. Se o Governo perder o controle sobre esta variável, de sua responsabilidade exclusiva, não pode almejar atingir as metas de renegociar efetivamente a dívida externa, reduzir a inflação e os juros.

Terceiro ponto: tanto a magnitude do déficit quanto sua dimensão predominantemente financeira tornam ilusória a perspectiva de obter equilíbrio fiscal exclusivamente pela via do corte de gastos e aumento da receita. Para compensar inteiramente uma conta de juros estimada em 91 trilhões de cruzeiros este ano seria necessário que a receita superasse gastos em consumo e investimento nesse mesmo montante. Isto equivale a um superávit fiscal, exclusive juros, de 6,6% do produto nacional. Tal superávit, nas condições atuais, seria fortemente recessivo. Além disso, o esforço teria que ser repetido ano após ano - pois tudo o que se pode obter com o pagamento da conta de juros é evitar o crescimento real da dívida do setor público. Como se vê, soluções unilaterais para o desequilíbrio financeiro do setor público não são factíveis. É necessário atuar sobre todos os seus componentes, a saber: em primeiro lugar, anunciar e tomar efetivo o corte de gastos no setor público. Depois, reduzir a taxa interna de juros, renegociar as condições de pagamento da dívida externa e aumentar a arrecadação. Por último, deve-se escolher cuidadosamente como financiar a parcela eventualmente remanescente do déficit, para evitar que o desequilíbrio existente hoje venha a ser magnificado no futuro.

Quarto ponto: a dívida externa pressiona o déficit público. O Governo é o maior devedor em dólares, e assim necessita adquirir dólares para pagar parcelas dos juros da sua dívida externa. Esses dólares são gerados pelo setor exportador da economia brasileira, que precisa, portanto, continuar tendo apoio. Mas para adquirir esses dólares do setor exportador o Governo precisa de cruzeiros equivalentes. A necessidade de gerar cruzeiros para adquirir os dólares é fonte de pressão sobre o déficit público. Pressão tanto maior quanto maior for a necessidade de pagamentos externos.

Além disso, é necessário destacar o impacto, na dívida externa, da inflação sobre o dólar. A inflação externa é da ordem de 4%, aproximadamente. Isto significa que o valor real da dívida externa brasileira só ficaria constante se o valor nominal dessa dívida crescesse 4%.

Para uma dívida de 100 bilhões de dólares, poderia o Governo pleitear um novo empréstimo de 4 bilhões para manter constante o valor real de sua dívida, obtendo assim 24,8 trilhões de cruzeiros em recursos adicionais para o ano de 1985. Ou seja, 29% do déficit de 84 trilhões de cruzeiros poderiam ser financiados, sem exigir sacrifício imediato ao País, apenas mantendo-se a dívida externa constante, em termos reais.

O Controle do Déficit

Têm sido tentadas, nos últimos anos, medidas para corrigir o desequilíbrio do setor público. Foram ineficazes, contudo. Cabe refletir sobre a experiência recente, para evitar a repetição dos mesmos erros.

O primeiro é a contenção dos gastos através de atrasos indiscriminados nas liberações de recursos e desembolsos, Tal prática não é condizente com uma postura responsável. E propicia ganhos muitas vezes ilusórios: ao ver-se impossibilitada de saldar determinado compromisso, por falta de liberação de recursos, a empresa estatal deixa de pagar hoje parte de sua dívida. Resultado: aumenta-se a dívida da estatal, com novos juros e encargos. Aquilo que se “economizou” retendo a liberação de recursos para a estatal reaparece mais à frente como um déficit maior. Quando o credor do Governo é do setor privado, a prática de atrasar pagamentos significa uma tributação implícita e não prevista no contrato original. Assim, o atraso de pagamento penaliza severamente o setor privado e é de pouca valia para o setor público. Faz parte dos compromissos do Governo do presidente José Sarney a valorização do Orçamento, com reformas que permitam gerir mais eficientemente as despesas públicas. O corte do déficit será então mais eficiente.

Um segundo erro consiste na prática de cortar gastos de forma linear e genérica. Como os gastos do setor público são de natureza complexa e diferenciada, o corte linear termina por reduzir menos intensamente os gastos supérfluos, e tende a sacrificar desproporcionalmente os gastos essenciais. Na realidade, cortes lineares são facilmente evadidos por grupos de interesses politicamente poderosos, mas tendem a incidir pesadamente sobre os gastos sociais, uma vez que o poder político dos desprivilegiados tem se mostrado menor. Impõe-se a análise qualitativa e diferenciada dos cortes orçamentários.

Um terceiro erro consiste em financiar o déficit público através de políticas monetárias exageradamente restritivas. Tais políticas elevam a taxa real de juros e, portanto, aumentam o custo da dívida do Governo. Aumentam o déficit. Assim, ao se evitar emissão de moeda, hoje, acaba-se por aumentar o próprio déficit, no futuro. As pressões para emissão de moeda não desaparecem; são adiadas para o futuro.

A Estratégia de Estabilização

A estratégia de estabilização aqui proposta precisa ser explicitada e submetida a debate, pois só terá legitimidade se contar com o apoio da sociedade brasileira.

A proposta tem três fases consecutivas.

A primeira consiste em políticas que visem a reduzir a taxa de juros interna. Os juros elevados criam dificuldades ao setor financeiro, e são o grande obstáculo à recuperação do setor privado. É preciso corrigir os artificialismos que elevam o custo da intermediação financeira. O Governo agirá para remover impostos que incidem sobre o sistema de intermediação e sobre o custo do dinheiro. O objetivo é equalizar a taxa de juros real interna à externa. Deve-se insistir neste ponto: a redução dos juros é condição imprescindível à estabilidade do sistema financeiro e do setor privado. Ao mesmo tempo, o Governo atuará de modo decisivo sobre gastos não-financeiros que pressionam o déficit público. Há gastos conhecidos e previstos no Orçamento, porém supérfluos ou incompatíveis com as normas de austeridade. Há gastos colocados no Orçamento, previstos, portanto, mas cuja magnitude escapa ao controle. É o caso do déficit exponencial do Sinpas, e dos subsídios ao trigo e açúcar, e de outras contas em aberto no Orçamento Monetário. E há ainda os gastos desconhecidos, não-orçados e imprevisíveis. É o caso dos estouros no mercado financeiro, e dos avais, regulares ou não, referentes a dívidas externas e internas que a União tem sido levada a honrar.

No que se refere aos projetos de investimentos, em geral nas empresas estatais, o Governo imporá um limite: terão continuidade os que forem economicamente viáveis, eficientes e complementares à iniciativa privada. É preciso que cada Ministério avalie imediatamente o custo para concluir cada projeto, face ao retorno a ser gerado quando de sua concessão. Será necessário postergar ou interromper projetos de longa maturação cujo retorno econômico seja duvidoso. Cortes serão inevitáveis.

Complementarão a primeira fase do programa de estabilização medidas imediatas no sentido de aumentar a arrecadação do Tesouro, através de um grande esforço de combate à sonegação e revisão dos prazos de recolhimento, das isenções e dos incentivos.

O objetivo desta primeira etapa é deixar explícito para a sociedade que o compromisso do Governo é reduzir, de forma consequente e com reflexos positivos e permanentes sobre o futuro, o déficit público. Do corte de gastos serão preservados apenas os recursos com prioridade social; mas, o Governo não tolerará que, a pretexto do interesse social, se mantenham ineficiências e se perpetuem descontroles. O Programa de Prioridades Sociais permanecerá inalterado.

Já no horizonte da Assembleia Constituinte, é imperiosa a Reforma Tributária, com vistas à recomposição da carga tributária, à equidade fiscal e à harmonização de receitas e encargos entre União, Estados e Municípios.

A segunda etapa do programa de estabilização é a concertação de amplo acordo entre grupos e classes da sociedade. Ao controlar o déficit público e reduzir as taxas de juros, o Governo consegue eliminar algumas fontes importantes da inflação brasileira. A queda na taxa de juros, em particular, contribuirá decisivamente para diminuir a inflação, ao atenuar o custo financeiro das empresas e propiciar a formação de estoques privados. Isso, entretanto, não bastará para romper a inércia inflacionária.

A razão desse processo de realimentação da inflação é bem conhecida. Todos os preços e salários são periodicamente reajustados. Cada vez que ocorre um reajuste de preços ou salários, este reajuste reflete, em grau maior ou menor, a inflação dos últimos meses. O reajuste obtido, por sua vez, leva a outros reajustes, ao pressionar o custo de produção de bens e serviços. A inflação herdada do passado logra, assim, perpetuar-se no futuro. Para romper esse círculo vicioso, é necessário amplo acordo social.

Três princípios norteiam uma proposta de acordo. Primeiro, não se pode sacrificar os trabalhadores. O Governo não pretende romper a espiral inflacionária através da imposição de limites irrealistas ao processo de reposição salarial. São compromissos imediatos do Governo a estabilização do salário real e a recuperação progressiva, porém segura, do poder aquisitivo do salário-mínimo e dos salários de base. Segundo, não se pode desestabilizar o próprio setor público, sob pena de se agravar o déficit. Terceiro, deve-se limitar os aumentos de preços concedidos ao setor privado à variação de custos, extinguindo-se a prática de reajustes automáticos baseados no índice Geral de Preços.

O sucesso da segunda etapa da estratégia de estabilização depende da harmonização dos processos de reajustes de preços e salários. O rompimento da inércia inflacionária através da interdição imposta a determinados grupos ou setores da sociedade de reporem seus rendimentos acarretaria grandes perdas. ·Para evitar que o combate à inflação se traduza em desorganização da atividade produtiva ou em piora da distribuição de renda é necessário evitar controles unilaterais. O acordo negociado entre os vários grupos e setores da sociedade deve ser o caminho para a necessária harmonização dos processos de reajustes.

O programa de estabilização tem, portanto, duas etapas iniciais: o controle do déficit público e a política de preços e rendas. A terceira é a renegociação efetiva da dívida externa.

Com uma inflação substancialmente reduzida pelo corte do déficit público, efetivado na primeira etapa, será possível exigir dos credores externos condições que possibilitem equilibrar de vez o déficit. O Governo não deve concordar com condições de renegociação da dívida externa que imponham sobre a sociedade brasileira o ônus exclusivo do ajuste. Uma vez obtido o resultado das políticas internas de estabilização, o Governo brasileiro poderá demandar dos credores sua parcela no processo de ajuste.

Vários são os esquemas de renegociação possíveis. Importa, entretanto, obter uma redução expressiva nos encargos financeiros de nossa dívida externa. Qualquer redução ou na taxa externa de juros ou nos “spreads” ou “fees” cobrados pelos credores abre espaço para uma redução na taxa interna de juros. Cada redução de um ponto percentual nos encargos financeiros da dívida externa propicia ao Governo uma economia direta e indireta de 6 trilhões de cruzeiros, equivalente ao déficit previsto do sistema previdenciário ou no subsídio do trigo.

No setor externo, há ainda dois pontos a observar. Primeiro, o Governo precisa manter a política de incentivos à exportação, fonte essencial de divisas e de crescimento. Nesse sentido, será preciso cuidar, nos foros internacionais, da questão do protecionismo.

Em segundo lugar, não se deve esquecer que as taxas externas de juros são, em boa medida, reflexo da política macroeconômica dos Estados Unidos. Parte substantiva do desequilíbrio financeiro dos países em desenvolvimento endividados decorre do aumento da taxa de juros nesse país.

Assim, a questão da dívida externa só poderá ser corretamente equacionada no contexto de uma ampla negociação internacional, que leve em conta os aspectos políticos preponderantes.

Estas são as bases da Política de Estabilização. Abre-se aqui espaço para a reorientação dos gastos públicos e a mudança na estratégia de desenvolvimento.

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    Este documento inclui também, além de A política de estabilização, quatro outras partes: Diretrizes Econômicas de Governo, Orientações para o Governo, Políticas de Desenvolvimento Industrial e Agrícola, e Planejamento Democrático.
  • JEL Classification: E60.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1985
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