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Política de dividendos: a mediação entre controle gerencial e propriedade acionária*

Dividend policy: the mediation between managerial control and shareholding

RESUMO

Este artigo discute a política de dividendos e seus efeitos na relação e dependência entre administradores e acionistas. A propósito, partindo da visão do economista clássico sobre a divisão do excedente entre lucros e juros, e da visão de Hilferding dos dividendos como uma forma específica de auferir rendimento do capital-propriedade, analisa alguns estudos de economistas financeiros sobre a importância da política de dividendos. Conclui com uma observação sobre as vantagens proporcionadas pelos acionistas que detêm a maioria do capital.

PALAVRAS-CHAVE:
Dividendos

ABSTRACT

This paper discusses the dividend policy and its effects on the relationship and dependency between managers and shareowners. By the way, starting from the classic economist’s view about the split of surplus between profits and interests, and from Hilferding’s view of dividends as a specific form of earning yield from property-capital, analyses some studies of finance economists about the importance of dividends policy. It concludes with a remark about the advantages yielded by the shareowners who own the majority of capital.

KEYWORDS:
Dividends

No debate realizado sobre as características do capitalismo moderno, a separação entre a propriedade acionária e gestão das grandes empresas é um dos aspectos mais controversos.

O confronto entre as principais correntes que discutem este tema (os partidários da continuidade do controle pelos grandes acionistas, da teoria do capital financeiro e do domínio dos gerentes profissionais) gerou uma extensa bibliografia, cujo exame foge aos objetivos deste trabalho.

Pretende-se, ao invés disso, discutir a relação entre gestão e propriedade de forma a salientar a interação entre estes dois polos e as características de cada um deles. Ficando, portanto, em segundo plano, inicialmente pelo menos, a natureza do corpo de acionistas, sejam eles instituições financeiras, grandes proprietários ou uma miríade de pequenos investidores.

O ponto de partida para esta abordagem é o exame das contraposições entre capital financeiro/capital industrial e capital-ativo/capital-propriedade analisadas pela escola marxista.

CAPITAL INDUSTRIAL E CAPITAL FINANCEIRO

Marx1 1 Veja-se de Marx, Karl, O Capital, t. 2, n, 3 e t. 3, n. 5, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974. inicia seu estudo das formas do capital examinando a mais completa, o capital industrial, gerador do excedente que se manifesta como lucro, juros e renda da terra. Estabelece, também, uma relação de domínio do capital industrial sobre o mercantil e o produtor de juros, embora estas duas espécies sejam anteriores a ele cronologicamente, precedendo o próprio surgimento do capitalismo. Entretanto, no decorrer de seu desenvolvimento, o capital industrial busca submeter as formas antigas de capital, como bem o demonstra a luta e destruição dos monopólios comerciais e igualmente o combate ao capital usurário e seus juros extorsivos, surgindo daí o moderno sistema de crédito.

É, portanto, uma compreensão oposta à de Hilferding,2 2 Hilferding, Rudolf, EI Capital Financiero, Madri, Tecnos, 1963. onde o domínio do capital-dinheiro por parte do sistema bancário permitiria a este a hegemonia sobre o capital social global.

Esta visão de Marx não significa o menosprezo do papel desempenhado pelo crédito no desenvolvimento capitalista. Ao contrário, mostra o seu papel potencializador do crescimento econômico, ao colocar a serviço do capital industrial os fundos monetários acumulados pela sociedade. A análise da relação entre capital industrial e financeiro tem como origem, nesta concepção, o ciclo. do capital-industrial. A partir daí é que se gera o excedente global, apropriado pelo capital em qualquer de suas formas. E é a transformação do próprio capital em mercadoria que permite a existência do capital produtor de juros. Desta maneira, o excedente se divide em lucro de empresário e juros, o primeiro correspondendo ao ganho do capital ativo e o segundo à propriedade do capital, constituindo duas esferas separadas de acumulação. Igualmente, criam-se as condições para a gênese do capital fictício, que consiste apenas em um rendimento capitalizado. São incluídas no capital fictício as ações das sociedades anônimas, que representam, antes de mais nada, um direito sobre os lucros gerados pelo empreendimento.

Mas, como nota Hilferding, o capital produtor de juros diversifica-se em mais de um espécie. Para comprovar, primeiramente distingue a figura de empresário (dirigente industrial), do capitalista industrial (proprietário da ações). Depois, como exemplo das diferenças entre os diversos tipos de capital produtor de juros, separa o capitalista industrial dos outros capitalistas monetários, pois sua receita (dividendos) não é determinada a priori, dependendo do desempenho da empresa em que o capital está investido. Acrescenta a isto o fato de que as ações ordinárias têm direito a voto e, portanto, permitem aos capitalistas industriais pertencerem ao conselho de administração das empresas em que detenham parcela apreciável do capital votante.

Podemos, então, até aqui, apresentar os seguintes resultados:

  1. A constituição de duas esferas autônomas de acumulação, industrial e financeira, correspondendo ao capital-ativo e ao capital-propriedade, respectivamente;

  2. A diferenciação interna ao próprio capital produtor de juros, onde o capital investido em ações não tem seus rendimentos fixados a priori, e o seu próprio valor, por ser capital fictício (renda capitalizada), depende destes rendimentos.

A relação entre as duas formas de capital, industrial e produtor de juros, é ao mesmo tempo de integração (unidade) e de conflito. É unidade no sentido que ambas provêm do mesmo ciclo do capital produtivo e que cada uma delas pressupõe a existência da outra, pois não há acumulação sem o capital-dinheiro necessário à compra das condições de produção, e esse capital inicial não se valoriza se não for posto em funcionamento. Ao mesmo tempo, são antagônicas em sua disputa pelo excedente. É o lucro de empresário que permite ao capital-ativo expandir seu controle sobre o trabalho, aumentar a produtividade, conquistar novos mercados, ao ser reinvestido. Gera, também, a renda que é apropriada pelos dirigentes industriais, agentes sociais que comandam este processo.

Por outro lado, o juro, determinado por oferta e demanda de crédito, é a parcela do excedente retida pelo capital produtor de juros em sua função de adiantar capital-dinheiro para as diversas aplicações do capital produtivo.

Quando consideramos também o capital fictício, como ações, títulos da dívida pública etc., a situação complexifica-se, pois estes títulos também se tornam campo de investimento financeiro, concorrendo com o capital produtivo pelos fundos disponíveis. O surgimento das sociedades anônimas, por sua vez, possibilita que a distinção entre capital-ativo e capital-propriedade alcance uma situação extrema, onde a figura do dirigente industrial não possui nenhuma parcela da propriedade, e os acionistas não têm nenhuma função no processo real de produção.

Entretanto, mesmo nesta situação extrema a interdependência entre capital-ativo e propriedade continua, pois ainda que os administradores profissionais sejam responsáveis pelo controle operacional e estratégico da empresa, como querem Berle & Means e Baran & Sweezy,3 3 Berle, Adolf A. & Means, Gardiner, C., The Modem Corporation and Private Property, Nova Yorque, Harcourt, Brace & World Inc., 1968; e Baran, Paul & Sweezy, Paul, Capitalismo Monopolista, Rio de Janeiro, Zahar, 1978. a própria existência do capital-ativo enquanto unidade autônoma de capital, depende da anuência dos acionistas, ou seja, do capital-propriedade.

Supondo os acionistas como meros capitalistas financeiros, interessados em dividendos e ganhos de capital, a política de dividendos realizada pelas empresas influirá decisivamente em seus interesses. Então, para discutir tanto o enfrentamento pela distribuição do excedente entre lucro de empresário e dividendos, como os interesses de acionistas em manter uma fiscalização sobre a administração, e pelo lado oposto, dos administradores em obter autonomia em relação aos acionistas, é necessário discutir a política de dividendos, e de que maneira a distribuição da propriedade afeta esta política.

A POLÍTICA DE DIVIDENDOS

Adam Smith, ao construir sua teoria do valor, estabelece que o “preço natural” de uma determinada mercadoria é formado pela adição do “preço natural” dos diversos fatores utilizados em sua produção. Assim, o juro é o preço pago pela utilização dos fundos monetários.4 4 Smith considera a taxa normal de juros como indicador da taxa natural de lucros. O juro é em geral considerado como proveniente dos lucros e variando de acordo com as mesmas causas que afetam o nível de lucros em uma nação. Veja-se a respeito de Adam Smith o cap. IX do Livro I, “Dos Lucros do Capital”, em A Riqueza das Nações (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981, p. 211-229). Posteriormente, sua teoria do valor foi criticada por David Ricardo e por Marx, no que concerne à formação do valor. Marx criticou também a existência de um “preço natural” do juro, mesmo aceitando a existência de preços naturais de salário e lucro. O juro não seria determinado diretamente por condições estruturais da economia, mas apenas por oferta e demanda de crédito. É esta taxa de juros que ao capitalizar os dividendos forma o preço das ações. Não há, todavia, maiores preocupações com a explicação da magnitude dos dividendos distribuídos.

Ao propor uma distinção entre juros e dividendos, Hilferding busca uma explicação para o nível de dividendos praticado pelas empresas. Sua teoria, baseada no “ganho do fundador”5 5 O “ganho de fundador” é a diferença obtida no lançamento de novas ações, quando o capital acionário - resultante da capitalização, à taxa de juros vigente, dos retornos de um investimento produtivo - for maior que o capital real necessário à concretização deste investimento. , leva à conclusão de que quanto maior for a parcela do lucro de empresário transformada em dividendos, maior será o valor capitalizado na forma de preço de ações, maximizando o “ganho de fundador”. Daí a tendência de transformar todo o lucro do empresário em dividendos.

Quem mais pesquisou a relevância da política de dividendos e seus efeitos sobre a empresa e os acionistas foram os economistas neoclássicos da área de finanças. Mesmo considerando que suas teorias se desenvolvem sobre a base de “decisões de indivíduos racionais”, suas pesquisas empíricas e interpretações subsequentes permitem alcançar uma boa visão sobre este tema.

O trabalho de Ancelevicz6 6 Alcelevicz, Relevância dos Dividendos, São Paulo, s.c.p., 1973. procura discutir os diversos modelos financeiros sobre a relevância da política de dividendos. Sua distinção mais geral, no que concerne aos modelos, é separá-los conforme o papel assumido pela política de dividendos, ativo ou passivo. Este papel é considerado passivo se for determinado unicamente pelas decisões de financiamento das empresas. Neste caso, existe apenas uma comparação de custo de oportunidade entre investir e reter lucros, dependendo da taxa de retorno de investimento. Aqui, só existe distribuição de dividendos quando os recursos da empresa não têm outro destino rentável. A outra posição é de considerar o papel da política de dividendos como ativo, isto é, independente da decisão de financiamento, possui necessidades próprias, pois afeta os acionistas.

Entretanto, dentre os que consideram a política de dividendos como ativa, existem dois grupos: os que consideram irrelevante a distribuição de dividendos, como James E. Walter e Miller & Modigliani; e os que consideram o oposto, como Myron Gordon.7 7 Para maiores detalhes sobre a construção destes modelos, veja-se James E. Walter, “Dividend Policies and a Common Stock Prices” (Journal of Finance, março, 1956, vol. XI, p, 29-41); Miller, Merton H. e Modigliani, Franco, “Dividend Policy, Growth and the Voluation of Shares” (Journal of Business, October, 1961, vol. XXXIV, n. 4, p. 411-33); Gordon, Myron J., “Dividends, Earnings and Stock Prices” (Riview of Economics and Statistics, maio, 1959, vol. 41, p. 99-105).

Para os que advogam a irrelevância, duas afirmativas básicas devem ser consideradas:

  1. Enquanto houver possibilidades de investimentos com retomo sobre o investimento (R.O.I. daqui para a frente) maior do que o custo de capital, haverá reinvestimento.

  2. O retorno de novos investimentos compensará para os acionistas a redução dos dividendos correntes. O que significa que os acionistas são indiferentes a rendimentos provenientes de dividendos, ou de ganhos de capital.

O modelo de James E. Walter supõe que a taxa de dividendos depende apenas da lucratividade dos investimentos.

O seu modelo é representado por:

P = D + r p · E - D / p ;

onde “P” é o preço das ações, “D” os dividendos, “r” é o R.O.I., “E” é lucro por ação e “p” é a taxa de capitalização. Se maximizarmos P, teremos as seguintes situações:

  1. r > p - D = zero

  2. r = p - D é indeterminado

  3. r < p - D = lucro total

Isso significa que, para cada caso, o rendimento máximo dos acionistas supõe combinações diferentes entre dividendos e ganhos de capital.

Modigliani & Miller partem dos seguintes pressupostos:

  • o valor da empresa depende somente do seu “potencial de lucratividade”. As políticas de financiamento e dividendos não mudam a valorização da empresa;

  • é indiferente a utilização de capital próprio ou de terceiros, para o financiamento da empresa.

As conclusões a que chegam são semelhantes às de James Walter, quais sejam:

  • a) dado o retorno sobre o investimento e os lucros iniciais, a taxa de crescimento dos lucros depende da taxa de investimento em relação aos lucros totais para o período e do número de períodos.

  • b) a política de dividendos depende da relação entre a taxa interna de retomo da empresa (p*) e da taxa de capitalização de mercado (p). Maximizando os rendimentos dos acionistas, temos:

  • p* ≤ p - D = lucro total

  • p* > p - D = zero

  • c) princípio da racionalidade simétrica do mercado. Não existe influência da incerteza para avaliação das empresas no mercado. Os acionistas são indiferentes a dividendos e/ou ganhos de capital.

Já a perspectiva que entende como importante a distribuição de dividendos levanta os seguintes argumentos:

  1. A versão do risco. Como o retorno esperado pelos investidores depende do preço da ação e dos dividendos, a não distribuição destes aumenta o risco dos acionistas. Este risco tende a crescer com tempo, quando os dividendos não são distribuídos. Portanto, dada a aversão ao risco dos investidores, o montante e a época dos dividendos interferem na determinação dos riscos oferecidos pelas ações e, portanto, em seu preço;

  2. Conteúdo informacional. Embora o valor da ação sofra mais influência das expectativas que dos dividendos correntes, estes são indicadores do desempenho da empresa;

  3. Preferência por renda corrente. O fator desconto faz com que o valor presente dos dividendos diminua à medida que o prazo se distancia.

O modelo de Myron Gordon, que defende a relevância dos dividendos, pressupõe que:

  • a compra de ações é motivada pelo recebimento ad infinitum de dividendos. O preço da ação é função deste fluxo contínuo;

  • o preço da ação é, portanto, resultado dos seguintes fatores: lucro corrente, taxas de retenção e de investimento, R.O.1. e taxa mínima de lucratividade por ação;

  • a incerteza das expectativas de dividendos depende de: taxa de crescimento da expectativa de investimentos, instabilidade dos lucros da empresa sem alavancagem, índices de débitos das empresas, liquidez do ativo operacional e da estrutura dos prazos de débito.

Daí se chega à conclusão que existe uma relação entre a taxa de lucratividade mínima e a taxa esperada de crescimento nos dividendos.

A formalização do modelo parte de:

P = D 1 1 + K 1 + D 2 1 + K 2

  • para deduzir que P=D1K+b·r

  • onde: P = preço da ação

  • Dt = dividendo no período t

  • K = taxa de retorno sobre o capital próprio

  • b = taxa de lucros retidos

  • r = R.O.I.

Logo, o preço da ação depende tanto dos dividendos distribuídos e do retorno do capital próprio, como dos fatores que determinam novos investimentos, R.O.1. e retenção de lucros.

A apresentação destes modelos permite alguns comentários sobre a política de dividendos e lançamento de ações.

Consideraremos os modelos que atribuem um caráter ativo à política de dividendos, pois não parece razoável que, dada a dependência que as empresas apresentam em relação aos acionistas, a distribuição de dividendos seja um resíduo decidido pelo livre arbítrio da administração, como querem os defensores do papel passivo dos dividendos.

De qualquer forma, todos os modelos imputam ao R.O.1. papel fundamental na determinação da política de dividendos, mesmo quando estes são apenas um resíduo. Esta colocação serve para delimitar melhor o conceito de “ganho de fundador” de Hilferding, pois inverte a prioridade quando do lançamento de novas ações. Se consideramos o retorno do investimento como variável-chave, o lançamento de novas ações passa a ser uma decisão de financiamento, onde se escolhe a alternativa em que o custo do capital é o mais baixo possível. Já o “ganho de fundador” faz parte de um movimento autônomo para obter um ganho financeiro na criação de capital fictício. E mais ainda, que transforma todo o lucro de empresário em dividendos. Aliás, Hilferding só chega a estas conclusões na medida em que entende que as sociedades anônimas, apoiadas pelos bancos, teriam acesso fácil ao crédito, prescindindo de fontes internas de financiamento (lucros retidos), podendo por isto distribuir todo o lucro de empresário.

As evidências, pelo contrário, mostram a importância que os fundos internos têm tido no financiamento das empresas. Por outro lado, embora as empresas possam lançar ações para obter ganhos financeiros, este não parece ser o motivo mais importante para esta decisão. Neste caso, o motivo de financiamento é mais forte, pois os recursos são levantados de acordo com a rentabilidade dos projetos, ou para melhorar a estrutura de capitais, substituindo recursos mais caros por outros mais baratos para a empresa.

Desta forma, voltamos à indeterminação da política de dividendos. Pode nos auxiliar a pesquisa de John Lintner8 8 Lintner, John. “Distribution of Incomes of Corporation Among Dividends, Retained Earnings and Taxes”, American Economic Review, vol. XLVI, May, 1956, p. 97-113. nos Estados Unidos, que envolveu uma população de 600 empresas, das quais utilizou uma amostra de 28, cujas políticas foram seguidas durante sete anos. Os dois determinantes mais importantes para a constituição da política de dividendos conforme este estudo foram: o nível corrente de lucros em primeiro lugar; e uma “taxa ótima de dividendos” (em relação aos lucros) estabelecida como alvo pelas empresas. Mas, para definir o nível de dividendos a cada ano, considera-se além do dividendo-alvo, dado pela taxa ótima de dividendos e pelos lucros correntes, o nível de dividendos distribuídos no ano anterior, procurando não ocasionar mudanças bruscas nos dividendos pagos, de um ano para outro. As mudanças no nível de dividendos ocorrem lentamente, sendo distribuídos por vários anos, mesmo se o nível de lucros varia com maior intensidade.

E, ao considerarmos as ações como renda capitalizada, os resultados da pesquisa de Lintner, onde as empresas tendem pelo menos a manter o nível de dividendos (apesar de levar em conta uma hipotética taxa ótima de dividendos), conduziriam a uma situação de maior estabilidade do preço das ações.

Neste sentido, é difícil concordar com os modelos que advogam a indiferença em relação à distribuição de dividendos, que seriam compensados por ganhos de capital. Na medida em que o potencial de lucratividade de uma empresa não se realize a nível de distribuição efetiva de resultados, é difícil crer que os acionistas possam durante vários períodos sustentar um título, baseado apenas em expectativas.

A pesquisa de Lintner avança no sentido de mostrar a importância da manutenção do nível de dividendos por parte das empresas, pois quedas neste nível desagradam os acionistas, provocando reações contrárias à administração. O que determina um nível específico de dividendos, entretanto, fica ainda inexplicado. Certamente depende do nível de lucros, mas, ao se agregar o conceito de “taxa ótima de dividendos” retirado acriticamente do discurso empresarial, como um objetivo perseguido pelos administradores, apenas se transfere a dificuldade em vez de resolvê-la.

Para explicar como se resolve qual o nível de dividendos praticado, é importante a contribuição de Van Horne9 9 Veja-se a este respeito Van Horne, James C., Financial Management and Policy (Prentice Hall Inc., Londres, 1972), e Política de Dividendos (São Paulo, s.c.p., 1974) de Luciano de Carvalho Ventura. que coloca os fatores que influenciam decisivamente a política de dividendos, quais sejam:

  1. Projetos onde o retorno do investimento é maior do que o custo do capital;

  2. Preferência dos acionistas por dividendos correntes;

  3. O custo de capital de retenção de lucros é menor que o custo de capital de emissão de novas ações;

  4. Os níveis históricos de pagamento de dividendos.

O primeiro e terceiro fatores derivam diretamente da necessidade da empresa, enquanto unidade de capital produtivo, expandir-se e aumentar seus lucros. Aí se incluem os investimentos rentáveis e a retenção de lucros como fonte para estes investimentos.

Já o segundo e quarto fatores são a garantia para os acionistas que os rendimentos serão realizáveis monetariamente, e que os preços das ações não devem cair, se a taxa de juros permanecer constante, pois os dividendos permanecem em níveis históricos.

A não observância dos interesses dos acionistas somada à queda geral do preço das ações, que ocorreram nos Estados Unidos no início dos anos 1980, levaram ao surgimento de especuladores, que, com apoio de bancos e/ou pequenos acionistas, substituíram ou chantagearam as diretorias de várias empresas com propriedade acionária dispersa.10 10 Veja-se o artigo “The Raiders”, in Business Week, Nova Iorque, n: 2883-213, março, E, 1985, p, 72-81.

Estes fatos têm a propriedade de reforçar as conclusões sobre a importância da política de dividendos, e a continuidade da interdependência entre capital acionário e capital-ativo. Os dirigentes industriais, capitalistas ativos, continuam a depender dos proprietários, mesmo quando as ações são dispersas, pois o caráter instável dos dividendos que diferencia os acionistas de outros capitalistas monetários também os coloca na situação de sancionar, ou não, os resultados obtidos pela empresa.

O conflito entre lucro de empresário e dividendo é, portanto, uma constante na sociedade anônima desenvolvida, e se resolve a cada período, numa espécie de modus vivendi, onde embora possa haver o primado da acumulação produtiva, se procura no mínimo manter o nível de dividendos e, portanto, o preço das ações, e elevá-lo de acordo com o crescimento da lucratividade.

O DIVIDENDO DE CONTROLE

Posta a relação mais geral entre proprietários e gestores, podemos ver a participação dos grandes acionistas na cúpula administrativa das empresas e qual o caráter desta participação. Primeiro, se ela influi realmente nos negócios da empresa, ou serve apenas como fonte de prebendas? Segundo, admitindo a existência da participação dos grandes acionistas na gestão, esta ocorre por canais formais como participação na diretoria e conselho de administração, ou por intermédio de canais informais de comunicação?

Na linha de raciocínio que viemos desenvolvendo até aqui, separando o capital-função do capital-propriedade, distinguimos como caso extremo dois papéis sociais, o de dirigente industrial, responsável pela atividade administrativa, inclusive a estratégica, e o acionista, independente da importância de sua participação, como um tipo de capitalista financeiro cuja peculiaridade permite julgar os resultados obtidos pela administração.

Por enquanto, vimos o acionista genérico, sem levar em consideração os efeitos da concentração de propriedade. Note-se que a própria existência do capital já pressupõe a separação entre assalariados e proprietários dos meios de produção. Mas, mesmo quando se considera a distribuição dos ativos financeiros, verifica-se a mesma desigualdade.11 11 Veja-se de C. Wright Mills, A Elite do Poder (Zahar, Rio de Janeiro, 1968, p. 147-8). Nos Estados Unidos em 1952, menos de 7% da população adulta possuía ações, e 42% dos dividendos destinados a indivíduos eram recebidos por aproximadamente, 0,1% da população adulta.

A existência de grandes acionistas concentra o poder derivado da propriedade, tornando mais vulnerável a posição dos administradores. Daí a capacidade destes proprietários obterem vantagens adicionais em relação ao conjunto dos acionistas.

A possibilidade da existência de duas classes de acionistas é discutida por Brito & Portela.12 12 Brito, Ney O. & Portela, Haroldo S., “Mercados Acionários: sua conceituação e a nova lei das Sociedades Anônimas”, Rio de Janeiro, Revista de Administração de Empresas, set/out 1976, 16 (5): 21-28. Eles partem das vantagens da especialização entre as administrações da propriedade e operacional a nível de eficiência econômica. A administração da propriedade, ou seja, de ações, se faz em um mercado onde o risco é negociado, e a rentabilidade dos títulos inclui um prêmio de acordo com o risco assumido. Este mercado é considerado semelhante ao mercado de seguros. Assim, uma seguradora quando segura um bem utilizado pela parte segurada, se expõe a um “perigo moral”, pois existe a possibilidade de a parte segurada não tomar o cuidado normal em relação ao bem.

Analogamente, quando os administradores operacionais também possuem uma participação que lhes garanta a maioria do capital votante, surge o “perigo moral” representado pelo “dividendo de controle”, uma espécie de dividendo que a administração atribui a si mesma sob as mais variadas formas, como por exemplo, o subfaturamento para outras empresas com propriedade integral dos administradores.

Esta possibilidade acaba permitindo maior rentabilidade aos títulos de controle em relação aos demais, pois como “o preço das ações representa a capitalização (valor atual e descontado) do fluxo de rendimentos a elas associados, os dividendos de controle, ao serem capitalizados, gerarão um prêmio de valor para qualquer transação de ações que gere controle’’. 13 13 Brito, Ney O. & Portela, Haroldo S., Mercados Acionários ... , p. 25.

A discordância principal que se pode apresentar em relação à explicação proposta por Brito & Portela diz respeito ao fato de que o dividendo de controle pode ser obtido pelos grandes acionistas, sem que eles necessariamente tenham que participar da administração das operações. Basta influenciar as decisões específicas que gerem o dividendo de controle.

A teoria de Chevalier14 14 Chevalier, Jean Marie, La Economia Industrial en Cuestión, Madri, H. Blume Ediciones, 1979. sobre a separação entre controle e propriedade também leva em consideração as “vantagens de controle”, que separa em três tipos: postos muito bem remunerados associados a vantagens especiais; transações com outras sociedades pertencentes ao grupo controlador, que podem significar transferência de recursos; e utilização de informações internas da companhia para negócios pessoais.

É a partir destas vantagens que Chevalier, baseado na teoria dos jogos, representa a situação de conflito entre grupos de acionistas, onde o grupo que detém o controle enfrenta um grupo desafiante e faz alianças com outros grupos (instituição financeira, pequenos acionistas) para atingir uma situação que lhe assegure o apoio de mais de 50% do capital votante.

Os maiores méritos deste trabalho são, primeiro, mostrar como o grupo de controle pode permanecer à testa dos negócios da empresa, mesmo com uma participação acionária ínfima ou nula; segundo, indicar como o controle depende dos acionistas, mais especificamente da correlação de forças entre eles.

Há uma diferença entre Brito & Portela e Chevalier, quando enfocam os ganhos provenientes do controle. Para os maiores, a empresa é dominada por um grupo que detém mais de 50% do capital votante, e para o segundo, o grupo de controle é “apoiado” por mais de 50% do capital votante.

Mas ambos os trabalhos colocam praticamente os mesmos ganhos como “vantagens de controle” ou “dividendos de controle”. Por isso é interessante observar mais de perto estas categorias.

Em primeiro lugar, os dirigentes industriais recebem vencimentos que dificilmente poderiam ser qualificados de meros “salários de direção”. Pesquisa realizada por Business Week15 15 Veja-se o artigo “Executive Pay: who made the most - The average compensation of a CEO has passed S 1 million”, in Business Week, Nova Iorque, n. 2893-223, maio, 1985, p. 46-63. analisa os rendimentos anuais de executivos de 259 empresas de capital aberto (que incluem as maiores companhias norte-americanas) e mostra que, somados salários, bônus e compensações de longo termo, a média de recebimento de presidentes e vice-presidentes destas companhias é superior a US$ 1 milhão. Sendo que, entre os 25 mais bem pagos, a remuneração varia entre US$ 2,340 e 22,823 milhões. Ou seja, uma parcela do lucro é distribuída aos executivos sob a forma de “salários e bonificações”.

Por isso, separamos, nos itens citados por Chevalier, a remuneração dos altos postos, das outras operações, como a transferência de recursos, através do subfaturamento, para sociedades que pertençam totalmente ao grupo controlador. Existe uma total diferença quanto à legitimidade destas operações. E, considerando que Chevalier faz o grupo controlador depender da aquiescência dos acionistas, é difícil crer que estes apoiassem o segundo tipo de operação, ilegítimo e lesivo aos seus interesses. Assim, se consideram como “vantagem de controle” apenas os rendimentos recebidos pelos executivos, ao passo que as operações ilegítimas, devido à vigilância dos acionistas, tenderiam a ser minimizadas, ou mesmo, desaparecer.

É totalmente diferente a situação quando o grupo controlador detém mais de 50% do capital votante, pois aí não há dependência direta do julgamento dos acionistas. Portanto, mesmo as operações ilegítimas não enfrentariam o mesmo poder de resistência por parte dos acionistas. É por isso que se considera o “dividendo de controle’’ um subproduto de controle acionário majoritário e que tende a desaparecer com ele.

Desta forma, a ação dos grandes acionistas (separados da atividade administrativa), realizada de maneira formal (cargos de burocracia) ou informal, tende, quando o controle majoritário se dilui, a identificar-se mais e mais com os objetivos de um acionista genérico, onde o acompanhamento do desempenho da empresa está fortemente ligado à distribuição de dividendos e ganhos de capital.

CONCLUSÃO

As proposições básicas que podem ser extraídas desta discussão devem ser colocadas em dois planos.

O primeiro deles refere-se à relação entre acionistas e administração. Salientamos a interdependência existente entre eles. Neste sentido, dissentimos das teses de “controle gerencial”, que reduzem os acionistas a meros rentistas. Mesmo em situação de dispersão da propriedade, o direito que “potencialmente”, pelo menos, está associado às ações comuns influencia as decisões da administração.

Já se disse certa vez que as situações de poder têm “horror ao vácuo”. Ou seja, os vazios de poder tendem a ser ocupados por algum dos participantes do jogo. No caso dos acionistas, o próprio desenvolvimento das Bolsas de Valores cria todo um aparato institucional que auxilia os investidores na avaliação do desempenho das empresas. A penalidade para uma má administração é a queda da cotação de suas ações. Esta, por sua vez, pode levar às proxy frights ou ao fenômeno dos raiders mencionados acima, que muitas vezes têm como resultado a substituição de diretorias.

O segundo plano é aquele da relação entre acionistas majoritários e administração. Neste caso, a existência do “dividendo de controle” pode ajudar a explicar a resistência à separação de funções entre gestão e propriedade. Assim, apenas em situações onde o ritmo de acumulação seja muito intenso, e a concentração de capital tenha adquirido determinada magnitude, é possível vencer as resistências dos grupos que detêm a maioria do capital votante e obrigá-los à emissão de novas ações, dispersando a propriedade acionária.

* Agradeço as críticas e sugestões dos professores Gerald D. Reiss, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano. Desnecessário dizer que as conclusões e eventuais falhas são de minha exclusiva responsabilidade.

  • 1
    Veja-se de Marx, Karl, O Capital, t. 2, n, 3 e t. 3, n. 5, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1974.
  • 2
    Hilferding, Rudolf, EI Capital Financiero, Madri, Tecnos, 1963.
  • 3
    Berle, Adolf A. & Means, Gardiner, C., The Modem Corporation and Private Property, Nova Yorque, Harcourt, Brace & World Inc., 1968; e Baran, Paul & Sweezy, Paul, Capitalismo Monopolista, Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
  • 4
    Smith considera a taxa normal de juros como indicador da taxa natural de lucros. O juro é em geral considerado como proveniente dos lucros e variando de acordo com as mesmas causas que afetam o nível de lucros em uma nação. Veja-se a respeito de Adam Smith o cap. IX do Livro I, “Dos Lucros do Capital”, em A Riqueza das Nações (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981, p. 211-229).
  • 5
    O “ganho de fundador” é a diferença obtida no lançamento de novas ações, quando o capital acionário - resultante da capitalização, à taxa de juros vigente, dos retornos de um investimento produtivo - for maior que o capital real necessário à concretização deste investimento.
  • 6
    Alcelevicz, Relevância dos Dividendos, São Paulo, s.c.p., 1973.
  • 7
    Para maiores detalhes sobre a construção destes modelos, veja-se James E. Walter, “Dividend Policies and a Common Stock Prices” (Journal of Finance, março, 1956, vol. XI, p, 29-41); Miller, Merton H. e Modigliani, Franco, “Dividend Policy, Growth and the Voluation of Shares” (Journal of Business, October, 1961, vol. XXXIV, n. 4, p. 411-33); Gordon, Myron J., “Dividends, Earnings and Stock Prices” (Riview of Economics and Statistics, maio, 1959, vol. 41, p. 99-105).
  • 8
    Lintner, John. “Distribution of Incomes of Corporation Among Dividends, Retained Earnings and Taxes”, American Economic Review, vol. XLVI, May, 1956, p. 97-113.
  • 9
    Veja-se a este respeito Van Horne, James C., Financial Management and Policy (Prentice Hall Inc., Londres, 1972), e Política de Dividendos (São Paulo, s.c.p., 1974) de Luciano de Carvalho Ventura.
  • 10
    Veja-se o artigo “The Raiders”, in Business Week, Nova Iorque, n: 2883-213, março, E, 1985, p, 72-81.
  • 11
    Veja-se de C. Wright Mills, A Elite do Poder (Zahar, Rio de Janeiro, 1968, p. 147-8). Nos Estados Unidos em 1952, menos de 7% da população adulta possuía ações, e 42% dos dividendos destinados a indivíduos eram recebidos por aproximadamente, 0,1% da população adulta.
  • 12
    Brito, Ney O. & Portela, Haroldo S., “Mercados Acionários: sua conceituação e a nova lei das Sociedades Anônimas”, Rio de Janeiro, Revista de Administração de Empresas, set/out 1976, 16 (5): 21-28.
  • 13
    Brito, Ney O. & Portela, Haroldo S., Mercados Acionários ... , p. 25.
  • 14
    Chevalier, Jean Marie, La Economia Industrial en Cuestión, Madri, H. Blume Ediciones, 1979.
  • 15
    Veja-se o artigo “Executive Pay: who made the most - The average compensation of a CEO has passed S 1 million”, in Business Week, Nova Iorque, n. 2893-223, maio, 1985, p. 46-63.
  • 16
    JEL Classification: G35.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1987
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