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O sistema financeiro argentino após o Austral

Argentinean financial system after the Austral Plan

RESUMO

Este artigo analisa a evolução recente do sistema monetário e financeiro da economia argentina, particularmente a partir da implantação do “Plano Austral”, em 15 de junho de 1985. O sistema financeiro é apresentado sob uma perspectiva de longo prazo, como resultado da duas reformas financeiras (1977 e 1982) cujas principais características determinaram a atual situação de fragilidade. O sistema monetário é analisado através do comportamento das principais agregações monetárias observando particularmente o caso da evolução dos diferentes tipos de ativos nas mãos das pessoas. Segundo o autor, o impacto inicial do plano de estabilização (“Plano Austral”) teve dois elementos que se destacaram: o aumento da demanda por recursos monetários e a redução do déficit fiscal.

PALAVRAS-CHAVE:
Plano Austral; inflação; estabilização

ABSTRACT

This paper analyzes the recent evolution of the monetary and financial system of the Argentine economy, particularly from the implementation of “Plano Austral”, on June 15, 1985. The financial system is presented through a long-term perspective, as a result of two financial reforms (1977 and 1982) whose principal features have determined the present fragile situation. The monetary system is analyzed through the behaviour of the principal monetary aggregations particularly observing the case of the evolution of different kinds of actives in the hands of the people. According to the author, the initial impact of the stabilization plan (‘’Plano Austral”) had two elements that were emphasized: the increasing of the demand for monetary resources, and the reduction of the fiscal deficit.

KEYWORDS:
Austral plan; inflation; stabilization

O sistema financeiro argentino apresenta atualmente claros traços herdados da maior crise que tenha suportado neste século. Esta crise estourou em 1980 e está situada, no tempo, entre duas reformas financeiras.

Em 1977, um ano depois da instauração do último governo militar, uma reforma de sentido liberalizante preparou as condições para uma decidida abertura financeira da economia, que veio a ocorrer a partir de 1978.

A reforma seguinte de meados de 1982, posterior à crise financeira e adotada imediatamente após o conflito bélico das Malvinas, acabou de fechar o ciclo iniciado em 1977; o sistema financeiro tinha já então uma fisionomia bem diferente da desenhada na estratégia liberalizante. O mercado de divisas tinha sido fechado em abril de 82 (nos dois anos anteriores haviam acontecido as grandes fugas de capitais, estimando-se em 20 a 25 bilhões de dólares os ativos em moeda estrangeira de argentinos no exterior), e em junho desse ano foram reintroduzidas regulações de taxas de juros e criados diversos mecanismos para melhorar a situação das firmas endividadas. O sistema apresentava uma situação de grande fragilidade e o banco central era fortemente exigido como banqueiro de última instância, a fim de evitar novas quebras de empresas, adicionais às numerosas acumuladas até então.

Na década passada, a temática financeira veio, por estas razões, a ocupar um lugar central nas análises da evolução da economia argentina, assim como de outras da região. O extraordinário desenvolvimento dos mercados internacionais de capitais e dos fluxos para a área no início dos anos 70 deram lugar, quando tais fluxos se retraíram, no começo dos 80, ao complexo processo de ajustamento do setor externo das nações endividadas.

Vários países latino-americanos haviam atravessado, nos anos anteriores, períodos de expansão vinculados em maior ou menor medida à entrada de capitais externos. A reversão dessa tendência foi, na generalidade dos casos, traumática. No caso argentino, a valorização cambial ao longo de 1978/80 e as crescentes expectativas de desvalorização do peso associadas à deterioração da conta corrente do balanço de pagamentos em tal período criaram as condições para as maciças fugas de capitais mencionadas. O sistema financeiro doméstico, que no período de liberalização começado em 1977 havia se expandido aceleradamente, tornando-se ao mesmo tempo mais frágil, entrou num período de crise cujas consequências se alastram até o momento atual, sendo observáveis em diversos caracteres do sistema que são comentados adiante no presente texto.

Tanto os aspectos externos quanto os internos de tais transformações financeiras recentes associadas à crise externa são de grande relevância para explicar o curso que tomou a economia argentina nos últimos anos. Monetização, dolarização, a carga dos serviços da dívida externa sobre a economia e as consequências da crise financeira são elementos que limitam os graus de liberdade da política econômica, o que implica, portanto, serem levadas particularmente em consideração as análises das políticas de estabilização aplicadas atualmente.

Tomando como quadro de referência análises prévias do referido período de expansão seguida de crise financeira1 1 Para a análise da gênese e do desenvolvimento da crise financeira e de seus efeitos sobre o setor real, cf. Damill, M. e Frenkel, R. (1985), “De la apertura a la crisis financiera. Un análisis de la experiencia argentina de 1977-82”, Ensayos Económicos, n. 37; Fanelli, J. M. (1984), “Ahorro, Inversión y Financiamiento. Una visión macroeconómica de la experiencia argentina”, Ensayos Económicos, n. 31; Feldman, E. e Sommer, J. (1983), Crisis Financiera y endeudamiento externo, CET/IPAL. e suas consequências, este trabalho focaliza a evolução monetária e financeira recente da economia argentina, em particular a partir da implementação do chamado plano austral, em junho de 1985.

Na primeira seção são comentados alguns aspectos da evolução do sistema financeiro com uma perspectiva de longo prazo, para melhor situar determinadas características importantes de sua atual estrutura, que são também comentadas.

A seguir é analisado o comportamento dos principais agregados monetários no último ano, observando em particular a evolução dos distintos tipos de ativos em poder do público. Mais adiante é analisada a contribuição das distintas fontes de emissão ao crescimento da quantidade de moeda. Focaliza-se a relação entre a expansão pela via de redescontas do banco central ao sistema financeiro e a absorção pela via de colocações compulsórias das entidades financeiras no banco central, e comentam-se alguns problemas, assim como certas razões da utilização de tais mecanismos de criação monetária e absorção simultânea, que se relacionam com determinadas necessidades do sistema financeiro e dos setores produtivos.

Alguns aspectos da atual conjuntura. As dificuldades enfrentadas no momento presente pelas políticas de estabilização em aplicação na Argentina, a partir do início da chamada “flexibilização” do austral, em abril de 1986, mas particularmente desde o começo do segundo semestre de 1986, têm-se refletido também numa paulatina modificação do comportamento dos principais agregados monetários.

O início do descongelamento de preços, há nove meses do lançamento do plano, produziu uma subida previsível do ritmo inflacionário. No primeiro trimestre desta fase, a inflação se manteve num nível superior ao prévio, mas estável. Logo em seguida apareceram, entretanto, visíveis sinais de aceleração. No trimestre julho-setembro de 1986, a taxa mensal média de variação do IPC foi de 7,6%, enquanto no período junho/1985-junho/1986 tinha sido de 3,4%.

Este reavivamento das pressões inflacionárias (cuja análise não será efetuada neste trabalho) contribuiu para a queda observada nos ativos monetários privados em termos reais, que foi mais acentuada, no caso dos depósitos em conta corrente.

Se se observa o comportamento de um agregado monetário amplo, como M5-privado dessazonalizado, por exemplo, pode-se ver que o mesmo cresceu sistematicamente, mês a mês, desde junho de 1985. No entanto, em julho e agosto de 1986 produziram-se, pela primeira vez desde o lançamento do austral, movimentos de signo negativo, acumulando uma queda de 4% no bimestre.

A isto, que constituiu em parte um efeito do reavivamento da inflação, somou-se, a partir de setembro, uma ativa política monetária, que inicialmente contribuiu para frear e reverter parcialmente o aumento da brecha entre o dólar paralelo e o oficial que se deu após a difusão dos índices de preços de julho. Uma política monetária mais “dura” faz parte do conjunto de ações dirigidas a conter o referido reavivamento inflacionário. Estas ações têm como eixo um reajustamento da política de preços (controles, tetos ou pautas para o ajustamento dos mesmos, preços máximos para certos produtos), sem afetar os acordos salariais pactuados para o semestre por numerosos sindicatos em meados do ano e sem comprometer pautas em matéria de taxa de câmbio, a qual segue de fato um crawling peg passivo.2 2 A política de pautas de preços reforçada por uma política monetária ativa tem se revelado eficaz, no último quartel de 1986, para conter a aceleração inflacionária e reconduzir o ritmo de reajustamento de preços a níveis comparáveis aos do início da flexibilização. Entretanto, perto do fim do ano, no período de definição das pautas para 1987 e de retomada das negociações com o FMI e com os credores externos, a brecha cambial tem tendido a crescer.

Até setembro último, entretanto, os episódios de “ativismo” monetário desde junho de 85 tinham sido muito poucos. Pode-se dizer que a política monetária tem sido essencialmente passiva durante a maior parte do período transcorrido até então.

Parece razoável supor que este comportamento passivo das variáveis monetárias, que acompanhou as políticas de rendas (o núcleo do austral), teve de fato o rol, favorável para a estabilização, de facilitar o ajustamento do setor privado num período de importantes recomposições das carteiras e de alterações de fluxos reais inter e intrasetoriais (impostos, transferências de riqueza associadas às variações dos preços nominais) vinculados aos câmbios iniciais de preços relativos e à posterior queda da taxa de inflação. Uma política monetária dura num período de tão importantes mudanças nos sinais transmitidos aos agentes econômicos e gerados também por estes, tornaria mais difícil a realocação dos recursos privados, destinada a produzir uma adaptação mais adequada à nova situação. As taxas de juros reguladas e não reguladas pelo banco central resultaram positivas, e inclusive fortemente positivas, em termos reais, na maior parte do período considerado. Porém o crédito cresceu muito acima da dívida de juros, como se analisa adiante.

A expansão do crédito ocorrida permitiu também satisfazer necessidades localizadas em certos segmentos do setor público, já que, como é natural, apesar da forte redução do déficit global do setor, alguns segmentos do mesmo mantêm uma situação deficitária. A participação do setor oficial no total do crédito doméstico em “australes”, no entanto, reduziu-se levemente.

O crescimento da quantidade de moeda teve origem, no primeiro ano do austral, fundamentalmente no setor externo e nos redescontas outorgados pelo banco central ao sistema financeiro. O compromisso inicialmente assumido pelo governo, no sentido de não emitir para financiar o Tesouro, foi cumprido.

MOEDA E CRÉDITO NA ESTABILIZAÇÃO

Monetização e sistema financeiro. O processo de estabilização que está tendo lugar na economia argentina tem permitido conter e, parcialmente, reverter um acentuado processo de desintegração das relações monetárias.

Se as possibilidades de se “fazer política monetária” têm aumentado apreciavelmente, em particular pela recuperação das contas fiscais, a situação que vem arrastando o sistema financeiro introduz algumas restrições ao manejo monetário e condiciona em certa medida seus efeitos sobre, por exemplo, as taxas de juros de mercado.

Alguns dos problemas do sistema constituem manifestações acentuadas de caracteres observáveis desde longo tempo atrás, como a sobre expansão das entidades (crescimento do número das mesmas, sucursalismo, forte aumento do emprego) e, consequentemente, os elevados custos operacionais médios, associados a graus de monetização da economia e de intermediação financeira relativamente reduzidos. Outros são resultado do prolongado período de alta inflação atravessado pela economia (com a consequência de uma elevadíssima concentração das operações financeiras a curtos e curtíssimos prazos e a desaparição de praticamente todo tipo de operação intraprivada de médio e longo prazos, exceção feita às apoiadas em redescontos do banco central) e da crise financeira e real já mencionada, iniciada em 1980 e seguida pelo período de “ajustamento caótico” da economia à restrição externa implantada no início dos anos 80.3 3 Para uma análise do período de “ajustamento caótico”, ver, por exemplo, Frenkel, R. e Fanelli, J. M. (1986). Del ajuste caótico al plan austral. CEDES, mimeo.

No período de ajustamento caótico, a aceleração inflacionária impulsionada pelas maciças desvalorizações cambiais de 1981-1982, com sua sequela de desmonetização, num quadro de forte queda no nível de atividade (o que comprometia ainda mais a solvência das firmas endividadas), levou ao agravamento da situação do sistema financeiro.

O presente trabalho focaliza os desenvolvimentos monetários e financeiros recentes da economia argentina; no entanto, pode ter utilidade construir o quadro de referência com uma perspectiva de prazo maior.

O Quadro 1 permite observar alguns dados relevantes relativos a evolução do sistema.

Quadro 1

As duas últimas décadas apresentaram, na Argentina, caracteres marcadamente contrastantes no que diz respeito a certas variáveis econômicas de significação.

No período 1964-1974 se observa, por exemplo, uma relativa estabilidade dos preços relativos básicos da economia, taxas de inflação moderadas (em particular se são comparadas com as do período seguinte) e uma tendência expansiva sustentada que arrojou uma taxa de crescimento do PIB de 4,4% anual em média para o referido período. No decênio seguinte, 1975/84, os preços relativos mostram fortes oscilações, acompanhando as diversas mudanças de políticas: a inflação, medida pelas variações do IPC, mantém-se sempre acima de 100% ao ano e a taxa de crescimento média do produto está próxima de zero. Pode-se ver nos indicadores monetários certo paralelismo com esses comportamentos dessemelhantes. Com efeito, após a forte queda dos ativos monetários reais no limiar dos anos 60, associada a aceleração inflacionária do período 1956-1959 - em particular deste último ano e apesar da persistente negatividade das taxas de juros reais passivas, os depósitos no sistema financeiro e os ativos monetários em relação ao PIB tendem a crescer, ainda que moderadamente, e a partir de níveis que são baixos se comparados com padrões internacionais.

Se se comparam, por exemplo, os valores médios do quinquênio 70/74 com os de 60/64 do quadro, pode-se ver que os depósitos bancários crescem 94,6% em termos reais, o que equivale a uma média anual de 6,9%. O quociente entre moeda - em sentido amplo - e PIB, entretanto, também se incrementa.

A existência de regulações financeiras, em particular de taxas de juros nominais, e inclusive a negatividade das mesmas em termos reais, não produziu nessa década um processo de sustentada desmonetização e desintermediação, ainda que os agregados monetários em relação ao produto tenham-se mantido em níveis inferiores aos de começos dos anos 50. A relação depósitos/trabalhadores empregados cresceu também, em quase 30%, entre 1960-1964 e 1970-1974, apesar do sustentado crescimento da ocupação no sistema (a relação referida se manteve, de qualquer maneira, muito abaixo dos valores de 1950, tal como acontece com os agregados monetários em relação ao PIB).

Os agregados monetários reais caíram nos períodos de aceleração inflacionária, em particular a causa do choque de 1959, mas isto pode ser visto fundamentalmente como resultado da liquidação de ativos e passivos monetários pela inflação mais que como um efeito de “fuga” do dinheiro, tal como é sugerido pela relativa estabilidade que nesses anos (em torno de 1960) mostra a relação entre MI e os ativos financeiros totais de particulares. Esta última relação modifica-se lentamente ao longo dos anos 60.

O comportamento dos agregados monetários e das taxas de juros muda significativamente no decênio de alta inflação que se segue ao choque de 1975 (as maciças desvalorizações cambiais do fim do último governo peronista) e em particular após a reforma financeira de 1977. A liberação das taxas de juros a partir desse ano deu lugar a um forte crescimento do grau de monetização, que atingiu um máximo em 1980, quando a relação M4/PIB superou os 32%.

Esse processo reverteu de forma muito acelerada a partir do segundo trimestre de 1981 e particularmente após a reforma financeira de 1982, por meio da qual, através da reimplantação de regulações de taxas de juros num período de forte aceleração inflacionária, procurou-se a liquidação das dívidas em pesos acumuladas pelos setores produtivos no período precedente (foi liquidada também a dívida pública em pesos, após o resgate, em meados de 1982, dos “Valores Nacionales Ajustables” então em circulação).

A reforma de 1982 restabeleceu um sistema de reservas bancárias de 100% para a maior parte dos depósitos (o qual foi progressivamente reduzido), mantendo-se um segmento em que as entidades podiam operar a taxas não reguladas, com reservas mínimas muito baixas, mas com limites de captação relativamente estreitos. À forte liquidação das dívidas adicionou-se, no período, uma importante reestruturação dos preços das dívidas privadas, tarefa assumida pelo Banco Central, já que o sistema a cumpria de maneira inadequada.

O crédito ao setor privado passou a apoiar-se fundamentalmente em redescontos, outorgados a prazos muito superiores aos dos depósitos colocados pelo público nas entidades. O crédito do Banco Central ao governo e os redescontos ao setor financeiro eram financiados por meio das elevadas reservas bancárias em vigência, sobre uma parte das quais (as correspondentes a depósitos remunerados do público) o Banco Central pagava as entidades, por sua vez, certa remuneração, de maneira que parte das reservas bancárias constituíam-se em colocações compulsórias remuneradas das entidades no Banco Central. (Com diversas mudanças no tempo, esse é o esquema básico em que o sistema continua operando até hoje.)

As taxas médias recebidas pelos redescontos, inferiores às pagas pelos diferentes tipos de reservas compulsórias - em média - , tiveram efeitos significativos sobre as contas do Banco Central, na forma do chamado “déficit quase-fiscal”. (Por outra parte, o déficit quase-fiscal de caixa resultou superior, sistematicamente, ao déficit registrado, devido ao descalço de prazos. Enquanto os redescontos, outorgados a prazos médios e longos, derivam juros que são registrados nas contas do Banco Central, as reservas compulsórias correspondem a depósitos a prazos muito curtos, pelo qual se gera um fluxo de caixa persistentemente negativo.)

As regulações restabelecidas em 1982 facilitaram, por outro lado, o desenvolvimento (particularmente numa economia com elevado grau de dolarização, como consequência das fugas de capitais dos anos precedentes) de circuitos financeiros informais, às margens do sistema institucionalizado.

A concorrência dos circuitos marginais favoreceu o aumento dos já elevados custos operacionais médios do sistema, atribuíveis basicamente a quatro tipos de fatores: a) o baixo grau de monetização e de intermediação; b) a concentração das operações em prazos muito curtos; c) o excessivo número de entidades financeiras; e d) a excessiva expansão de sucursais e do emprego.

Atualmente os custos operacionais médios (custos operacionais em relação com os ativos totais das entidades) são quatro ou cinco vezes superiores às médias dos países da OECD, ainda que haja uma grande dispersão entre entidades. Estes custos, por outra parte, aumentaram muito nos últimos anos, já que, apesar de a demanda de ativos financeiros ter se reduzido significativamente, o número de sucursais e de empregados bancários continuou crescendo. Ainda que o grau de monetização retornasse aos níveis máximos de 1980, os custos operacionais médios seriam atualmente significativamente superiores aos padrões internacionais.

O aumento do grau de monetização sob o austral produziu uma importante redução dos custos operacionais do sistema em relação com os depósitos. A relação “custos operacionais totais/depósitos totais” para o sistema na sua totalidade baixou, em um ano, de 2,12% a aproximadamente 1,5% mensal.

Desmonetização, dolarização, desintermediação e “curto-prazismo” eram, como se assinalara, caracteres da situação monetário-financeira no início da gestão do governo democrático, em 1983. A mesma tendeu a se agravar em fins do primeiro ano, quando uma política monetária severamente contrativa, aplicada no contexto de um acordo stand-by subscrito com o FMI, provocou, ao coincidir com um período de aceleração inflacionária, uma forte queda adicional dos saldos reais em poder do público. Isto causou subidas pronunciadas das taxas de juros e dificuldades financeiras em diversas empresas, contribuindo para incrementar também a fragilidade do sistema financeiro.

Um ano depois, em dezembro de 1985, os créditos em condições irregulares (mora, com atrasos nos pagamentos etc.) eram de aproximadamente 10% da carteira total dos bancos privados e 35% da carteira dos bancos oficiais das províncias (afetados por problemas das economias regionais e receptáculo também das demandas de crédito dos governos provinciais, num período de fortes esforços do governo central dirigidos à redução do déficit público).

Por outra parte, ao redor de 75% do capital dos bancos achava-se, no fim de 1985, investido em ativos físicos (sobrevalorizados nos livros contábeis, nos quais seu valor é ajustado pela inflação, enquanto seu preço de mercado é inferior ao que resulta de tal procedimento).

A situação de fragilidade do sistema financeiro tem sido um dos elementos de importância por trás da expansão monetária registrada sob o austral. Contribuiu para tal expansão a necessidade, assumida pelo Banco Central, de preservar a estabilidade do sistema, o que adquiriu a forma de apoio financeiro a entidades em dificuldades.

Nesta linha se inscrevem os redescontos por iliquidez e, especialmente, os redescontos por queda de depósitos ajustáveis por inflação, outorgados na sua maior parte no segundo semestre de 1985 (em que a mudança das expectativas de inflação fez com que tais colocações do público praticamente desaparecessem).

É de se notar, entretanto, que em algumas oportunidades em que se intentou endurecer a política monetária, a tentativa resultou frustrada (excetuando em parte a experiência iniciada em setembro 1986) pela indisciplina dos intermediários financeiros, que deixavam de cumprir os requerimentos em matéria de reservas compulsórias, por exemplo. O caso mais notório foi o dos bancos oficiais das províncias, que culminou com uma reforma, em março de 1986, pela qual ficou proibida a tais entidades a captação de depósitos a taxa de juros não regulada.

A evolução recente dos ativos monetários. A reforma monetária que integrou o conjunto de medidas do plano austral teve como núcleo, inicialmente, os seguintes elementos:4 4 Para uma análise detalhada das medidas que integraram o plano, cf. Frenkel, R. e Fanelli, J. M. (1986), op. cit a) a redução das taxas de juros reguladas, de 30% a 4% mensal (as passivas); b) a mudança do signo monetário, o peso, pelo austral; c) uma tabela de conversão da velha moeda na nova, para contratos estabelecidos antes da reforma e com vencimento posterior à mesma (a tabela predeterminava o valor da velha moeda em termos da nova, dia por dia, para um período prolongado. A taxa de desvalorização da velha moeda era de aproximadamente 30% ao mês, simulando a continuidade das taxas de inflação prévias ao austral); e d) o compromisso de não emitir moeda para financiar o Tesouro.

O impacto inicial do plano de estabilização sobre a rede de relações financeiras da economia teve, como elementos de maior destaque, o incremento da demanda de recursos monetários (vinculado ao êxito do plano em matéria anti-inflacionária), por um lado, e a redução do déficit fiscal e suas consequências sobre o processo de criação de moeda, por outro.

No que diz respeito à demanda de ativos o impacto foi visível, o plano se revelou exitoso em melhorar a confiança nos ativos domésticos. Durante os primeiros seis meses do austral, MI-privado aumentou mais de 115% (e aproximadamente 80% em termos reais), pelo qual a relação Ml/PIB passou de 3,4% a 7,7% entre o segundo trimestre de 1985 e o primeiro do ano seguinte. Este incremento significou para o setor público a possibilidade de beneficiar-se em medida importante com a utilização do direito de senhoriagem. Durante a primeira metade de 1986 os ativos monetários continuaram crescendo, ainda que a taxas menores, especialmente em termos reais, devido à elevação do piso inflacionário em dito período. Finalmente, no bimestre julho-agosto os agregados monetários privados começam, como foi assinalado mais acima, a decrescer em termos reais.

O Quadro 2 permite observar, entretanto, o persistente incremento da participação dos depósitos a taxas de juros não reguladas no total dos recursos monetários. A mesma estava em junho de 1986, além de 37% e continuava crescendo após essa data. Comparando junho/1986 com junho/1985 pode-se ver que esse segmento tem crescido às custas dos depósitos ajustáveis por inflação, que praticamente desapareceram, e dos depósitos a taxas reguladas.

Quadro 2:
Estrutura dos recursos monetários(% do total)

As contas fiscais e o compromisso de não emitir. No que diz respeito à situação fiscal, a melhoria produzida a partir do austral tem sido altamente significativa. Antes do plano as contas do setor público consolidado refletiam um déficit da ordem de 8 pontos do Produto e uma poupança corrente negativa da ordem de 3 pontos do PIB. No segundo trimestre de 1986, entretanto, o setor registrava uma poupança corrente positiva de 2,6% do PIB e um déficit de somente 1,8 pontos. A tendência à queda seria posteriormente confirmada pelos dados do terceiro trimestre de 1986.

A esta melhoria contribuiu de forma decisiva o incremento da arrecadação tributária, a qual cresceu num montante equivalente a 5 pontos do Produto aproximadamente, devido, em parte - mas não exclusivamente - - à menor importância do efeito de liquidação produzido pela inflação sobre a arrecadação, no período entre a geração e o efetivo recebimento dos tributos.

Também aumentaram em aproximadamente 1% do Produto os recursos de capital entre os quais se registra a arrecadação da contribuição especial denominado “poupança obrigatória”, que devem atingir os setores de maiores rendas. Atualmente os recursos totais do setor público consolidado oscilam em torno de 27,5% do PIB e as obrigações atingem um nível de aproximadamente 29,5% do Produto, em média.

É interessante assinalar que se tem produzido uma melhoria na situação financeira das empresas públicas desde o início do plano de estabilização. O déficit agregado das mesmas passou de 2,8% do PIB no primeiro semestre de 1985 a 0,6% na segunda metade desse ano, registrando um aumento para 1% do Produto no primeiro semestre de 1986.

O comportamento das contas fiscais permitiu ao governo cumprir com o compromisso de não emitir para financiar o setor oficial. A dívida do Tesouro com o Banco Central em moeda doméstica manteve-se estável desde junho de 1985. A variação registrada nos saldos credores do banco em relação ao setor público produziu-se pela imputação de operações realizadas anteriormente à implementação do plano, em moeda estrangeira, e por novos financiamentos em moeda estrangeira.

O crescimento da base monetária no primeiro semestre do austral deveu-se principalmente à expansão via setor externo (as reservas de divisas cresceram por quase dois bilhões de dólares no período) e aos redescontos outorgados pelo Banco Central às entidades financeiras, que se incrementaram em mais de 1,9 bilhão de “australes” no mesmo período (equivalentes a 2,4 bilhões de dólares à taxa de câmbio oficial então vigente).

Em dois episódios de claro ativismo monetário o Banco Central agiu para controlar o efeito expansivo provindo das duas fontes assinaladas. No fim de junho de 1985 atuou para frear a expansão originada no setor externo (que tinha atingido 700 milhões de dólares em 10 dias). Os prazos mínimos de permanência de capitais financeiros internacionais foram ampliados de 180 para 360 dias, enquanto os prazos para os pré-financiamentos de exportações tradicionais eram encurtados, de 180 para 90 dias. Por outro lado, a partir de novembro de 1985 o Banco Central procurou esterilizar o efeito monetário expansivo das linhas de redescontos outorgadas às entidades financeiras por queda de depósitos ajustáveis por inflação e para pré-financiamento de exportações, por meio da colocação compulsória de bônus.

Taxas de juros e evolução do crédito. Como foi assinalado acima, o mercado financeiro argentino mostra atualmente um elevado grau de segmentação. No presente, os recursos fluem através de três segmentos principais: 1) um segmento financiado por depósitos a taxas reguladas (contas correntes, que não pagam juros, e depósitos a prazo); 2) um segmento financiado por depósitos a taxas de juros não reguladas; 3) redescontos financiados principalmente através de reservas compulsórias sobre os depósitos captados a taxas reguladas e não reguladas.

As proporções relativas destes segmentos resultaram alteradas no percurso do último ano, em função das mudanças das carteiras privadas em favor dos depósitos a taxas não reguladas, acima assinaladas.

Cada tipo de depósito tem um regime diferente de reservas mínimas, que não são remuneradas, e de colocações compulsórias, que são remuneradas. No segmento regulado as reservas de ambos os tipos montavam, no início do último trimestre de 1986, praticamente a valores similares ao total de depósitos, enquanto no segmento a taxas não reguladas constituíam aproximadamente 60% dos depósitos.

Pode-se observar uma ampla dispersão de taxas de juros pagas sobre as diferentes colocações. Naturalmente, o mesmo acontece com as taxas ativas. As taxas de juros dos redescontos são, em média, aproximadamente iguais às que são pagas pelos depósitos a taxa regulada.

As taxas nominais reguladas, não reguladas, e a “interempresarial” (taxa nos mercados marginais) declinaram no segundo semestre de 1985, moderadamente. A ativa regulada foi no último trimestre desse ano, em média, de 4,5% ao mês, e a não regulada de 6,6%. Essa tendência mudou no segundo trimestre de 1986, quando os juros nominais começaram a subir. Porém, devido ao aumento das taxas de inflação, na etapa de flexibilização do austral, as taxas reais caíram visivelmente. As reguladas ativas foram de 1,2% real em média no segundo trimestre de 1986, e resultaram negativas em julho e agosto. As não reguladas também foram negativas neste último mês. Estas últimas se mantiveram ao longo de todo o período entre dois e três pontos mensais acima das reguladas, e também acima das taxas interempresariais. Estas últimas, devido aos baixos custos operacionais das “mesas de dinheiro” nas que se realizam as operações, chegaram a situar-se inclusive abaixo, em certos períodos, das taxas do segmento regulado. (Neste trabalho não é analisado o período mais recente, iniciado em setembro/1986, mas pode-se salientar que, enquanto a política monetária se tornava mais dura, as taxas de juros passaram a ser generalizada e fortemente positivas.)

O elevado custo real do crédito no segundo semestre de 1985, com uma taxa real mensal média superior a 4% no segmento regulado, não foi impedimento para a forte recuperação do nível de atividade industrial iniciada no quarto trimestre desse ano, ainda que possa ter desalentado a recomposição de estoques.

Os elevados juros têm sido um efeito negativo mais pronunciado sobre a situação patrimonial das entidades financeiras que sobre as empresas do setor real, em termos gerais. Através de uma maior insolvência potencial e da deterioração patrimonial de entidades fortemente imobilizadas em ativos fixos (que se valorizam a uma taxa igual à de inflação, enquanto os passivos das entidades crescem a uma taxa próxima à taxa de juros nominal média, que é superior àquela), as elevadas taxas reais aprofundaram a fragilidade do sistema financeiro.

Entretanto, a dispersão de taxas de juros mencionada implica a necessidade de distinguir entre o custo do dinheiro “novo” e a carga que significa o custo do endividamento anterior sobre a estrutura financeira das firmas privadas.

Em primeiro lugar deve-se lembrar que o grau de endividamento do setor produtivo era, ao lançamento do plano, extremadamente baixo, em média. A dívida em pesos das firmas foi liquidada numa proporção substancial, da ordem de 40%, no segundo semestre de 1982 e no começo de 1983, e a liquidação continuou, ainda que a menor ritmo, nos períodos subsequentes. No período imediatamente anterior ao austral, de aceleração inflacionária, as taxas reguladas, a que está submetida a principal fração do endividamento privado em moeda doméstica (78% do mesmo, em agosto de 1985, 63% em março de 1986), foram persistentemente negativas, com a exceção do último quartel de 1984 .

Uma dívida à taxa regulada de A 100 no começo de 1985, renovada mês a mês, teria sido de A 97 (a preços de começo do ano) no fim de 1985, e seria de A 113 no fim de julho de 1986, o que equivale a uma taxa real anual de 8,5% (deflacionando por preços ao atacado) para todo o período, se bem que muito maior no primeiro semestre de 1986. Por outro lado, as taxas não reguladas mantiveram-se, como foi assinalado, acima das reguladas. O custo para as firmas de renegociar ao menos uma parte das velhas dívidas e negociar uma fração muito importante das novas à taxa não regulada teria sido muito elevado. Por isso foi necessário preservar o estoque de dívidas a taxas reguladas, refinanciado quase na sua totalidade, enquanto as firmas obtinham novos recursos no segmento não regulado, mas também por meio de redescontos. Estes constituem em parte uma forma de subsídio, devido às taxas fixadas aos mesmos; mas também cumprem o rol de suprir a ausência de crédito de médio e longo prazos, dado que o sistema continuou operando com uma concentração muito elevada em prazos curtos e muito curtos. A queda das taxas de inflação não levou a uma modificação desse traço do sistema numa magnitude visível (ainda que, na esfera do comércio, tenha havido uma perceptível reaparição das vendas a prestações, por exemplo).

Por outra parte, os dados relativos a volumes de crédito mostram que a política seguida na matéria tem sido o suficientemente flexível para permitir que o setor privado ajustasse à nova situação sem maiores problemas no que diz respeito à liquidez.

O crédito doméstico ao setor privado cresceu em 46,7% no ano que vai de junho/1985 até junho/1986 inclusive. Essa percentagem é muito semelhante à inflação “no varejo” no período (50%), mas é muito superior à inflação medida pelo índice de preços ao atacado, que foi de 17,2% no referido ano. Em termos dos preços ao atacado, o crédito total ao setor privado cresceu mais de 25% em termos reais. O crédito em moeda doméstica (capitais, sem incluir juros derivados) aumentou mais de 130%, também em termos reais. Deve-se salientar que, em junho de 1985, uma fração importante da dívida privada com o sistema financeiro doméstico era dívida contabilizada como “em moeda estrangeira” (47% da dívida por conceito de capital; sem incluir juros derivados). Essas dívidas em moeda estrangeira, submetidas a taxas de juros baixas, mantiveram seu valor estável durante 9 meses, pelo congelamento da taxa cambial, e tenderam a se reduzir, caindo 11,5% no ano sob análise. Entretanto, o crédito total em moeda doméstica (incluindo juros derivados) incrementou-se no referido período em 171% - em termos nominais - , a uma taxa média de 8,7% mensal, muito acima das taxas de juros nominais médias.

É interessante observar que duas das mais importantes linhas de redescontos tomadas conjuntamente (“para promoção de exportações” e “redescontos estacionais, especiais e outros”) acumulam incrementos, entre junho/1985 e junho/1986, equivalentes a aproximadamente 42% do aumento do crédito ao setor privado em moeda doméstica (em ambos os casos sem considerar os juros devidos). Uma importante parcela do novo crédito, em consequência, foi concedida a taxas bem menores que as determinadas no mercado.

REDESCONTOS E BÔNUS

Como foi assinalado acima, desde o lançamento do austral, o Banco Central não tem provido o governo de crédito adicional em moeda doméstica. Este financiou seus déficits, significativamente reduzidos em comparação com os de períodos prévios, principalmente por meio do recurso a fontes externas. No entanto, o Banco Central teve que manter um elevado nível de reservas e colocações compulsórias das entidades financeiras, para financiar o estoque preexistente desse tipo de dívida pública e para financiar, assim mesmo, o incremento de seus ativos externos, como também dos redescontos. Na inexistência de um mercado de capitais que permita a realização das operações típicas de mercado aberto, o Banco Central realiza este tipo de operação por meio de variações das reservas das entidades, principalmente das remuneradas. O problema adicional que se apresentou nos últimos meses tem sido o de que, como foi visto acima, o incremento da demanda de ativos monetários deu-se principalmente, após a fase inicial de forte aumento da demanda de notas e depósitos em conta corrente, pela via da expansão das colocações a juros não regulados, cuja colocação compulsória correspondente paga uma taxa de juros normalmente algo superior a passiva não regulada. Entretanto, os redescontos são estendidos a taxas inferiores às mesmas, o que significa que, com este jogo de expansão/absorção simultâneas, o Banco Central sofre uma quebra.

Atualmente, as reservas mínimas e as reservas remuneradas adicionadas representam aproximadamente 75% do total dos depósitos; porém, subtraídos os redescontos do Banco Central ao sistema bancário, as reservas efetivas ficam reduzidas a aproximadamente 25% do total de depósitos. A tabela que segue mostra a folha de balanço consolidada do sistema bancário, em termos de proporções do total de depósitos:

O Banco Central não somente absorve recursos para financiar o governo (ou, mais precisamente, a dívida preexistente do governo) mas também, é claro, para sustentar redescontos outorgados em termos e condições especiais a empresas privadas. Os redescontos equivalem a 50% do total de depósitos e representam aproximadamente 65% do crédito bancário em moeda doméstica ao setor privado. Um montante tão significativo reflete, em parte, as dificuldades experimentadas por diversos setores da economia, pelas economias regionais e pelo próprio setor financeiro nos últimos anos. Na diversidade de situações especiais atendidas acha-se a razão principal da diversidade de propósitos, condições e taxas de juros do estoque corrente de redescontos. De fato, cada linha tem sido instrumentada para atender uma situação particular, que acharia provavelmente dificuldades para ser satisfeita espontaneamente pelo mercado.

Estas situações críticas têm persistido e persistem ao longo do tempo dando lugar a uma muito importante atividade de intermediação por parte do Banco Central. Apesar dos esforços para superar estas situações, tem-se mostrado necessário fornecer assistência financeira em novas circunstâncias - tal foi o caso, por exemplo, da referida queda dos depósitos ajustáveis por inflação - razão pela qual o mecanismo de incrementar os redescontos financiados com reservas dos bancos no Banco Central e com colocações compulsórias remuneradas tem sido persistentemente recriado.

O Banco Central acumula importantes perdas neste rol de intermediação, como tem sido assinalado acima. A taxa média de juros sobre as colocações compulsórias tem sido sustentadamente mais elevada que a estabelecida sobre os redescontos. Por exemplo, em dezembro de 1985 a diferença entre essas duas taxas promédio era de aproximadamente 1,5% por mês. A perda resultante era e ainda é causa principal do déficit quase-fiscal, estimado em 1% do PIB no último trimestre de 1985 e em aproximadamente 1,4% do PIB no primeiro trimestre de 1986.

Entre os resultados do elevado nível de reservas e de colocações compulsórias por um lado, e de redescontos por outro, encontram-se as altas taxas de juros de empréstimos bancários no segmento não regulado, e baixos ou negativos retornos dos bancos. O elevado montante de reservas requeridas e de colocações compulsórias reduz a capacidade de empréstimos das entidades financeiras. Esta redução gera pressões sobre o spread entre taxas passivas e ativas no segmento não regulado (que se adicionam, em consequência, aos elevados custos médios operacionais). Por outro lado, o Banco Central tem concedido redescontos a bancos em situação relativamente precária, contribuindo para dilatar no tempo os ajustamentos setoriais necessários.

Como um efeito secundário de importância, a situação descrita tem favorecido a expansão do já mencionado mercado interempresário, não regulado, que concorre com o sistema institucionalizado. Este sistema, que não tem, naturalmente, requerimentos de reservas mínimas, absorve parte das operações de intermediação, afetando negativamente a rentabilidade do sistema institucionalizado é, ao mesmo tempo, incrementando em certa medida o risco de crise financeira, já que esse segmento foge às regulações do Banco Central.

Os redescontos, após sua importante expansão do segundo semestre de 1985, moderaram, porém, visivelmente seu ritmo de crescimento na primeira metade de 1986, ainda que tenham crescido a uma taxa algo maior do que a base monetária. A dívida remunerada do Banco Central com as entidades financeiras, entretanto, aumentou muito mais aceleradamente no período mais recente, em particular pela expansão do “Ativo Financeiro à taxa não regulada”, que constitui a colocação compulsória vinculada à captação, pelos bancos, de depósitos do público à taxa não regulada.

Em consequência, esta expansão reflete em parte, as mudanças nos portfólios dos possuidores de ativos, e faz com que o montante total da dívida remunerada do Banco Central se aproxime muito ao montante dos redescontos.

Entretanto, ao problema da transformação de prazos associado a estas operações de expansão e absorção (o prazo médio dos redescontos, de aproximadamente 60 meses, é muito maior que o dos depósitos, que é de 19 dias), soma-se o fato de que a posição de diversas entidades ou grupos de entidades é desigual. Um grupo de bancos privados mantém posições credoras líquidas em relação com o Banco Central, enquanto outro grupo de entidades, oficiais, além de um setor dos bancos privados, mantém posições devedoras. Isto cria dificuldades para se conseguir uma redução acelerada do déficit quase-fiscal pela via da redução simultânea das referidas posições devedoras e credoras em relação com o Banco Central.

  • 1
    Para a análise da gênese e do desenvolvimento da crise financeira e de seus efeitos sobre o setor real, cf. Damill, M. e Frenkel, R. (1985), “De la apertura a la crisis financiera. Un análisis de la experiencia argentina de 1977-82”, Ensayos Económicos, n. 37; Fanelli, J. M. (1984), “Ahorro, Inversión y Financiamiento. Una visión macroeconómica de la experiencia argentina”, Ensayos Económicos, n. 31; Feldman, E. e Sommer, J. (1983), Crisis Financiera y endeudamiento externo, CET/IPAL.
  • 2
    A política de pautas de preços reforçada por uma política monetária ativa tem se revelado eficaz, no último quartel de 1986, para conter a aceleração inflacionária e reconduzir o ritmo de reajustamento de preços a níveis comparáveis aos do início da flexibilização. Entretanto, perto do fim do ano, no período de definição das pautas para 1987 e de retomada das negociações com o FMI e com os credores externos, a brecha cambial tem tendido a crescer.
  • 3
    Para uma análise do período de “ajustamento caótico”, ver, por exemplo, Frenkel, R. e Fanelli, J. M. (1986). Del ajuste caótico al plan austral. CEDES, mimeo.
  • 4
    Para uma análise detalhada das medidas que integraram o plano, cf. Frenkel, R. e Fanelli, J. M. (1986), op. cit
  • 5
    JEL Classification: F34; E31; E52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1987
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