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Expectativas, incerteza e instabilidade no capitalismo: uma abordagem a partir de Keynes

Expectations, uncertainty, and instability in capitalism: an approach from Keynes

RESUMO

Este artigo trata de alguns aspectos cruciais encontrados na contribuição teórica de Keynes. Pretendemos mostrar a importância do tempo, das expectativas e da incerteza em seu esquema analítico e como ele explica a existência da instabilidade do capitalismo levando em consideração esses elementos como constitutivos do sistema capitalista. Além disso, fazemos algumas digressões filosóficas sobre a natureza e importância das decisões num contexto de tempo e incerteza sobre o futuro que envolve necessariamente toda a ação humana.

PALAVRAS-CHAVE:
Keynes; história do pensamento econômico; tempo; expectativas; incerteza

ABSTRACT

This paper deals with some crucial aspects found in Keynes theoretical contribution. We intend to show the importance of time, expectations, and uncertainty in his analytical scheme and how he explains the existence of capitalism instability taking into account these elements as constitutive of the capitalistic system. Furthermore, we make some philosophical digression on the nature and importance of decisions in a context of time and uncertainty about the future that necessarily surrounds all human action.

KEYWORDS:
Keynes; history of economic thought; time; expectations; uncertainty

“O melhor seria que conhecêssemos o futuro.”

Keynes (1936Keynes, J. M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, Londres, MacMillan , reirnpr., 1970., p. 172)

... quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro. E há ainda uma outra dificuldade: a de que· precisamente num juízo desse tipo as expectativas subjetivas do indivíduo desempenham um papel difícil de avaliar, mostrando ser dependentes de fatores puramente pessoais de sua própria experiência, do maior ou menor otimismo de sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada por seu temperamento ou por seu sucesso ou fracasso. Finalmente, faz-se sentir o fato curioso de que, em geral, as pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, por assim dizer sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo; têm primeiro de se colocar a certa distância dele: isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos de observação a partir dos quais elas julguem o futuro.

Dessa maneira, qualquer pessoa que ceda à tentação de emitir uma opinião sobre o provável futuro de nossa civilização fará bem em se lembrar das dificuldades que acabei de assinalar, assim como da incerteza que, de modo bastante geral, se acha ligada a qualquer profecia.

1.

A importância das expectativas, do tempo e da incerteza enquanto elementos determinantes das ações de qualquer natureza que envolvem a conduta humana, e que por isso mesmo cercam as decisões que os indivíduos ou grupos tomam ou são instados a tomar, está igualmente presente na obra de Sigmund Freud (1927Freud, S. (1927), O Futuro de uma Ilusão, São Paulo, Abril Cultural, Col. “Os Pensadores”, 1978. , p. 87). Em outras palavras, significa isto que a ideia das expectativas, da incerteza e do tempo, é mais ubíqua do que puderam imaginar os economistas que corretamente apontaram para esse aspecto relevante e sempre atual da contribuição teórica de Keynes. Vale dizer, é a partir dos mesmos que Keynes apreende, tendo em vista alguns elementos cruciais para se entender uma dimensão possível de análise do movimento real do capitalismo, o mecanismo básico da instabilidade desse sistema econômico baseado na apropriação privada da riqueza social.

Quase dez anos após esta obra de Freud, Keynes escrevia sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro procurando dar conta de que forma expectativas individuais e coletivas, que devem necessariamente ser formadas sob o aguilhão do metabolismo capitalista, influem sobre as decisões especificamente capitalistas de investir e de produzir e, consequentemente, sobre o nível do emprego e da renda, e como estas expectativas, uma vez adentradas na zona de incerteza onipresente quanto ao futuro sombrio, volta e meia geram, condicionam e traçam os limites pelos quais têm lugar as instabilidades sistêmicas do capitalismo.1 1 “... a explicação da instabilidade sistêmica, muito mais do que uma tendência em direção a um equilíbrio estável, tornou-se um problema chave para a análise econômica” (Minsky, 1977, p. 297).

A partir disto, acreditamos na necessidade de entender as amplas implicações da existência das expectativas, da incerteza e do tempo. Adiantamos, ademais, que a radiografia do capitalismo aqui buscada vai lançar mão, fundamentalmente, desses conceitos de incerteza e de expectativas, os quais, dentre outros elementos fundamentais que são igualmente importantes, mas que fogem ao escopo da investigação teórica aqui desenvolvida, vão se constituir no leitmotiv que recorrentemente aparecerá para evidenciar o universo instável da produção capitalista.2 2 A ideia de tempo subjacente às nossas proposições pode ser resumida como segue: “A noção teórica do tempo ... envolve ... três tipos de considerações ... : a ação dos acontecimentos passados sobre as decisões presentes; o efeito, por interação do sistema econômico, das decisões presentes sobre as decisões futuras, no futuro; e o efeito das expectativas acerca dos acontecimentos futuros sobre as decisões presente. Em forma esquemática: a influência do passado sobre o presente, do presente sobre o futuro e do ‘futuro’ (esperado) sobre o presente ... O terceiro efeito reflete a presença de expectativas, em princípio, em quaisquer decisões tomadas; o que introduz inevitavelmente um componente de incerteza, em maior ou menor grau, nas decisões econômicas” (Possas, 1983, pp. 9-10).

2.

É importante, para a finalidade aqui propugnada, fazer a distinção entre risco e incerteza, com o que se evitarão diversos equívocos que estão presentes nas obras de alguns teóricos (ver, a este respeito, Weisman, 1984Weisman, D. L. (1984), “Tobin on Keynes: A Suggested Interpretation”, in Journal of Post-Keynesian Economics, primavera, vol. VI, n. 3, 1984. ). O princípio da incerteza poderia ser visto como “a influência de um corpo desconhecido de informações sobre os eventos econômicos que têm de ser prognosticados” (Weisman, 1984Weisman, D. L. (1984), “Tobin on Keynes: A Suggested Interpretation”, in Journal of Post-Keynesian Economics, primavera, vol. VI, n. 3, 1984. , p. 416). Ou ainda, pode-se afirmar que “sempre haverá um conjunto relevante de informações que não são cognoscíveis no ponto do tempo em que as expectativas são geradas” (ibidem, p. 417).

O primeiro teórico a pensar esta distinção entre risco e incerteza foi Knight em Risk, Uncertainty and Profit (1921): “A diferença prática entre as duas categorias, risco e incerteza, é que na primeira a distinção dos resultados num grupo de casos é conhecida (seja através do cálculo a priori ou seja por meio de estatística da experiência passada) enquanto que no caso da incerteza isto não se aplica, e a razão geral é a impossibilidade de formar grupos de casos, pois a situação com a qual lidaremos é em alto grau única” (citado por Weisman, p. 414).

Em Keynes, a noção de incerteza aparece claramente colocada: “Desejo explicar que por conhecimento ‘incerto’ não pretendo apenas distinguir o que é conhecido como certo, do que apenas é provável. Neste sentido, o jogo da roleta não está sujeito à incerteza, nem sequer a possibilidade de se ganhar na loteria. Ou ainda, a própria esperança de vida é apenas moderadamente incerta. Até as condições meteorológicas são apenas moderadamente incertas. O sentido em que estou usando o termo é aquele segundo o qual a perspectiva de urna guerra europeia é incerta, o mesmo ocorrendo com o preço do cobre e a taxa de juros daqui a vinte anos, ou a obsolescência de uma nova invenção, ou a posição dos proprietários particulares de riqueza no sistema social de 1970. Sobre estes problemas não existe qualquer base científica para um cálculo probabilístico. Simplesmente, não sabemos nada a respeito” (Keynes, 1937aKeynes, J. M. (1937a), “A Teoria Geral do Emprego”, in John Maynard Keynes, (org. T. Szmrecsányi), São Paulo, Ática, 1978. , p. 171).

3.

O pensamento neoclássico, em geral, pouco ou quase nada nos legou em relação ao manuseio teórico do conceito de expectativas, tal como aparece em Keynes. Pelo contrário, a virulência do ataque contra a economia ortodoxa, inicialmente nos anos 60 com Joan Robinson e Shackle (1967), e posteriormente na década de 70 com os importantes trabalhos de Davidson (1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. ), Kregel (1973Kregel, J. A. (1973), The Reconstruction of Political Economy, Londres, MacMillan , 1973. ), Minsky (1975Minsky, H. P. (1975), John Maynard Keynes, Nova Iorque, Columbia Univ. Press, 1975. ), entre outros, mostra-nos o quanto o pensamento de inspiração neoclássica, que foi um dos alvos preferidos de Keynes na sua Teoria Geral, está totalmente dissociado da realidade econômica e daquilo que Keynes alegava ser necessário pensar ao lidar com os fenômenos da economia capitalista, isto é, uma “teoria monetária da produção como um todo” (Keynes, 1936Keynes, J. M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, Londres, MacMillan , reirnpr., 1970., pp. VI e VIl),3 3 “... tão Jogo passemos ao problema do que determina a produção e o emprego como um todo, nós necessitamos a teoria completa de uma economia monetária” (Keynes, 1936, p. 293). onde o papel do dinheiro e das instituições financeiras são de fundamental importância para a análise do comportamento da atividade produtiva capitalista.4 4 “...a importância da moeda decorre essencialmente do fato de constituir ela um elo entre o presente e o futuro” (Keynes, 1936, p. 293). “A moeda, considerada em seus atributos mais significativos, é sobretudo um processo sutil de ligar o presente ao futuro, e sem ela nem sequer poderíamos iniciar os estudos dos efeitos das expectativas mutáveis sobre as atividades correntes. Não há meios para nos libertarmos da moeda, mesmo abolindo o ouro, a prata e outros meios legais de pagamento. Enquanto subsistir algum bem durável, ele poderá possuir os atributos monetários e, consequentemente, dar origem aos problemas característicos de uma economia monetária” (Keynes, 1936, p. 294). Felizmente, os autores supramencionados foram pródigos em trazer à baila o resgate de uma das mais importantes e vitais contribuições teóricas de Keynes para o âmbito do estudo da economia, a saber, o papel das expectativas e da incerteza, e que o Economics Establishment (Davidson, 1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. , p. 4) fez por obscurecer durante um bom tempo.5 5 Para Garner (1982, p. 418), “Shackle e Keynes concordaram acerca da natureza fundamental da incerteza e da irrelevância do cálculo probabilístico para a maioria das decisões. econômicas ... As visões de Shackle também se parecem com a de Keynes ao enfatizar os aspectos psicológicos do processo de escolha. O grande sucesso de Shackle repousa não só no seu aparato analítico, mas principalmente em sua inquietação penetrante em relação à imaginação (quanto ao que poderá acontecer), às decisões e quanto ao papel do tempo”. A análise de Davidson (1972) é desenvolvida, corno ele mesmo frisa (p. 7), tendo por base as hipóteses de que “no mundo real: 1) o futuro é incerto; 2) a produção leva tempo e que, portanto, se a produção ocorre numa economia especializada, as pessoas devem fazer compromissos contratuais no presente envolvendo o desempenho e o pagamento no futuro incerto; e 3) as decisões são feitas à luz de um passado inalterável e que se movem em direção a um futuro pérfido”. Segundo Kregel, é de mister importância recuperar as principais questões levantadas por Keynes e que ainda hoje são de serventia teórica realista, quer dizer, “a ênfase é sobre a utilização de recursos físicos no contexto de um sistema monetário muito mais do que ater-se às forças reais que dizem existir escondidas atrás de um ‘véu monetário’” (Kregel, 1973, p. 157). Ainda segundo ele, o sistema capitalista “é um sistema monetário, mas a ênfase permanecia sobre a utilização e alocação dos recursos físicos do sistema. As relações monetárias são cruciais na teoria para: 1) assegurar a provisão dos recursos físicos para o investimento, e 2) fornecer crédito (finance) aos empresários de maneira que o investimento não seja limitado pelas decisões individuais de poupança” (Kregel, ibidem, pp. 157-158). Finalmente, o Professor Minsky propõe-se a “1) recuperar o papel da incerteza e da instabilidade na visão de Keynes sobre o capitalismo; 2) colocar o conceito de liquidez e sua influência sobre a decisão de investir numa perspectiva teórica adequada; 3) demonstrar a importância das relações financeiras e do estado de liquidez do sistema para a explicação do ciclo econômico” (Amadeo, 1984, p. 20). Segundo ele “o que é essencial, mesmo fundamental, para qualquer interpretação de Keynes é reconhecer que ele tratou de problemas de escolha econômica que envolvem tempo (e, portanto, incerteza), e o comportamento de uma economia na qual tais escolhas são importantes, com uma estrutura filosófica sofisticada para examinar as decisões que são feitas a partir de conhecimento imperfeito, e que esta estrutura intelectual permeou seus trabalhos econômicos. Em adição, Keynes assegurou que não há maneira de substituir esta incerteza por equivalentes de certeza e além disso que as proposições probabilísticas relevantes e o peso atribuído a tais proposições mudam, não de um modo imprevisível ou ao acaso, mas de um modo consistente em resposta aos eventos” (Minsky, 1975, pp. 65-66).

Tendo tal quadro em perspectiva, podemos afirmar que o processo capitalista de produção e de circulação como um todo pode ser também compreendido em toda a sua totalidade e dinâmica se visualizado à luz de mudanças que ocorrem ao longo do tempo, isto é, a partir da ótica de uma temporalidade histórico-teórica que lhe é inerente.6 6 “ ... time is the key” (Chick, 1983, p. 11). Ou ainda, conforme a mesma autora, na verdade, o que causa um grande problema para o capitalismo “é o tempo - o fato absoluto de que os compromissos estão baseados em preços, custos e demandas futuros. Eles não podem ser conhecidos com certeza, mas os compromissos devem ser efetuados sem considerar isto” (Chick, ibidem, pp. 10-11).

Neste aspecto, um sistema em permanente mutação é incompatível com a ideia de equilíbrio estável, tal qual apregoam os adeptos da escola neoclássica. O paradigma de equilíbrio não se sustenta e nem pode se sustentar se o paradigma da mudança ao longo do tempo é demandado por alguma análise, visto que um processo cambiante jamais levaria, por sua própria natureza, a um estado de equilíbrio o qual tenderia a permanecer indefinidamente - ad infinitum - se nenhuma força exógena (por exemplo, o Estado ou os sindicatos) viesse perturbar essa situação de estabilidade. Marx, por exemplo, seguindo uma tradição inteiramente distinta, já havia superado essa camisa de força teórica (ou melhor, nem precisou se preocupar com ela), visto que para ele era necessário pensar a economia em termos de história e não de equilíbrio.

Se, por um lado, os modelos de equilíbrio neoclássico possuem as tão propaladas elegância formal e sofisticação matemática necessárias à concatenação da construção modelística, por outro lado, a sua validade e a sua relevância são altamente contestáveis quando confrontadas com um esforço de compatibilização com o objeto mais razoável do que se costuma fazer. Não basta apenas consistência interna se as hipóteses do modelo são irrealistas e não se sustentam ao simples exame da verdadeira operação do capitalismo. Afirmações tais como as de que a moeda é um mero numerário que visa facilitar as trocas do setor real da economia; que as informações que os agentes econômicos possuem quanto ao comportamento futuro da economia são perfeitas e que por isso mesmo as previsões são perfeitas e exatas, quer dizer, não há lugar para o “mundo penumbroso da incerteza” e que a ideia de mudança ao longo do tempo é suprimida; que a concorrência no mercado é perfeita e que o sistema tende a um ponto de equilíbrio de pleno emprego, no qual todos os fatores são alocados otimamente de forma a maximizar as satisfações de todos os agentes envolvidos, são, no mínimo, problemáticas e pouco esclarecedoras. A cibernética do mercado - ou, em outras palavras, o auctioneer (leiloeiro) walrasiano, mero travestimento neoclássico da ideia de mão invisível de Smith -, garantindo a alocação ótima e eficiente dos recursos escassos, só funciona mesmo no mundo mítico que a fértil imaginação dos economistas neoclássicos veio a inventar, já que o simples passar de olhos pela realidade corrente das economias capitalistas contemporâneas indica-nos, com clareza incontestável, o pesado desemprego generalizado tanto do “fator” trabalho quanto do capital. Homens sem ter onde trabalhar, mesmo por um salário mais baixo, e capacidade produtiva ociosa por toda a parte. Como regra geral, o capitalismo tende a subutilizar os seus recursos, quer dizer, em termos agregados, não só os recursos tendem a ser abundantes como permanecem frequentemente ociosos. O que não impede que, episodicamente, observem-se, em algumas fases atípicas do desenvolvimento capitalista, certos momentos de quasi-plena ocupação setorial de capacidade produtiva e de força de trabalho. O ilusionismo verbal, os malabarismos gráfico-algébricos e o otimismo panglossiano que costumam acompanhar os modelos de formato neoclássico não resistem ao confronto com o curso real dos acontecimentos econômicos, pois os mesmos são realizados em um mundo da Economics of Tranquility and Serenity (Davidson, 1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. , p. 16), a saber, um mundo não-monetário, onde não há lugar para o dinheiro em sua função de reserva de valor, e da troca direta (barter), no qual não existe a possibilidade de crises, já que a Lei de Say garante que tudo o que é produzido (oferta) gera um correspondente poder de compra (demanda), exatamente na mesma medida necessária para absorver esta produção. Ipso facto, um mundo em que as expectativas quanto a um futuro incerto, portanto, a abertura de um campo potencial para a objetivação da instabilidade capitalista, são banidas da convivência com os agentes e classes presentes no sistema, sendo substituídas pela normalidade e harmonização atemporais da geometria walrasiana, bastarda, monetário-quantitativista, etc. Há sempre um Merlin neoclássico de plantão, prestes a explicar os mistérios de suas teorias platônicas.7 7 Para Shackle, a idealização neoclássica parte da crença “em um sistema econômico autorregulável, inerentemente e naturalmente auto-otimizador, estável e coerente” (Shackle, 1967, p. 5). “Em um mundo neoclássico de certeza perfeita e mercados perfeitos, com um leiloeiro walrasiano assegurando equilíbrio simultâneo em um dado ponto do tempo, seria naturalmente irracional reter moeda como reserva de valor enquanto outros ativos fornecem um rendimento certo e positivo. Na ausência da incerteza, não há lugar na teoria neoclássica para a função de reserva de valor em sua definição de moeda; a moeda tem; no mundo neoclássico, um papel tão importante quanto os amendoins. O processo tatônnement implica que as transações não ocorrem até que o equilíbrio seja obtido; em consequência, reter moeda durante o leilão ou até o próximo período de mercado é um procedimento irracional” (Davidson, 1972, pp. 140-141). “A prova neoclássica do equilíbrio repousa na hipótese do conhecimento perfeito, isto é, o sistema de preços sinaliza os vendedores e os compradores na direção do equilíbrio. Isto ... é sempre assumido, nunca provado” (Kregel, 1973, p. 39). “O paradigma relevante para a análise de uma economia capitalista não é a economia baseada na barter; o paradigma relevante é um sistema com uma City londrina ou uma Wall Street onde a retenção de ativos como também as transações correntes são financiadas por débitos” (Minsky, 1975, pp. 72-73). “Uma vez que admitimos que uma economia existe no tempo, que a história segue por um único caminho, do passado irrevogável em direção ao futuro desconhecido, o conceito de equilíbrio baseado em uma analogia mecânica de um pêndulo oscilando de um lado para outro no espaço torna-se insustentável” (Robinson, 1980, p. 172). “No mundo do processo histórico, as ideias nas mentes comerciantes em qualquer dia serão em relação aos dias e anos que hão de vir, e os preços acordados naquele dia serão formados em parte por conjeturas sobre aqueles dias e anos futuros. No processo histórico, todos os mercados são em essência especulativos. Tão logo os comerciantes estejam cônscios da especulação, eles não desejam um vetor imóvel de preços coordenados; suas esperanças de ganho repousam sobre movimentos esperados. O mercado livre ... não pode dizer-nos sobre o conteúdo do tempo que há de vir” (Shackle, 1984, p. 393).

4.

Para uma imensa gama de estudiosos da economia, independentemente da procedência teórica, a ideia de equilíbrio sempre acompanhou o estudo dos fenômenos da realidade econômica do capitalismo. À exceção de alguns poucos teóricos econômicos do capitalismo, que ao desenvolverem suas análises fizeram por bem passar ao largo da metodologia que se vale deste conceito (como, por exemplo, Marx e Kalecki), a grande maioria sempre se preocupou, ou sempre esteve às voltas, com alguma ideia de equilíbrio. Isso é válido, principalmente, para os teóricos do tronco analítico neoclássico, tanto no que diz respeito à sua ramificação walrasiana (que se baseia no paradigma de equilíbrio, além de tudo, geral) como no de sua prima-irmã marshalliana de equilíbrio parcial.

O conceito de equilíbrio esposado pelo neoclassicismo diz respeito à tendência indefectível, inerente ao próprio funcionamento do sistema econômico, que possui toda economia capitalista de, tangida pelas forças que operam livremente no mercado, atingir o pleno-emprego de todos os recursos econômicos disponíveis na sociedade. De acordo com a razão ortodoxa, o capitalismo é um tipo de sistema econômico que opera de forma harmônica, por meio de sucessivos ajustes automáticos, comandados pela interação de movimentos de oferta e de demanda que acabam garantindo a ampla absorção de todos os recursos escassos que existem neste sistema e que, ao assim fazer, levam inevitavelmente, em algum momento, ao chamado equilíbrio de pleno-emprego, ou, em outras palavras, à situação em que inexiste capacidade ociosa (de capital e de trabalho). Por outro lado, o equilíbrio de pleno-emprego seria obtido mediante a condição de perfeita flexibilidade de taxa de salário e inexistência de regulação estatal na economia que pudesse embotar o funcionamento correto da cibernética do mercado. Ademais, havendo perfeita substituição entre os fatores de produção (princípio da substituição) e equilíbrio no mercado de trabalho - situação produzida por contínuos deslocamentos entre a procura por mão-de-obra, determinada pela produtividade marginal do trabalho e a oferta da mesma determinada pela desutilidade marginal do trabalho. que acabariam levando a um ponto de equilíbrio entre a curva e a demanda de trabalho, que determinaria assim o nível de salário de equilíbrio e de pleno-emprego - estariam criadas as condições necessárias e suficientes que trariam o sistema ao seu ponto ótimo de operação.

Esta seria, em linhas gerais, a compte rendu da lógica do equilíbrio subjacente naquelas teorias.

Apesar de mover-se no mesmo terreno pantanoso da ideia de equilíbrio, coube a Keynes a refutação, do ponto de vista interno, da rationale neoclássica que diz estarem no equilíbrio do mercado de trabalho as condições garantidoras do equilíbrio de pleno-emprego dos fatores (o que nos faz crer que, apesar da revolução keynesiana, a persistência nos erros por parte dos economistas de hoje diz mais respeito à refratariedade das crenças econômicas, cujos dogmas são tão ou mais rígidos que a virgindade de Nossa Senhora).

Ao contrário, para Keynes a noção de equilíbrio possui um significado bastante particular e difere substancialmente do conceito propugnado pelo bastião “clássico” (de acordo com a definição do próprio Keynes). Diz respeito a um tipo de equilíbrio suscetível de se realizar, meramente eventual e incerto, pois relaciona-se com as expectativas que os empresários formam (que depois se verificarão ou não) ao decidirem produzir e empregar determinada quantidade de força de trabalho, em relação ao comportamento esperado da demanda. É um equilíbrio contingente, casual, na medida em que nada garante que as expectativas construídas pelos empresários serão satisfeitas, condição esta (de expectativas satisfeitas) que determinaria esse peculiar equilíbrio keynesiano que, como se pode ver, é sumamente distinto do equilíbrio no sentido convencional ortodoxo. Para este último, o equilíbrio é tendencial ex post, enquanto para Keynes o equilíbrio está relacionado à possibilidade ou não de que o mesmo venha a ocorrer, vale dizer, o caráter fortuito deste equilíbrio refere-se à própria essência de aleatoriedade e acidentalidade que governa o rumo das coisas do que às irreais previsões perfeitas do curso dos acontecimentos futuros.

Ao decidirem produzir e oferecer emprego, decisões estas ligadas às expectativas de curto prazo, os empresários, em conjunto, constroem sua curva de oferta agregada associada a determinado nível de emprego que seja compatível com a maximização do lucro esperado em face da projeção que os mesmos fazem do comportamento da função de demanda agregada. A intersecção dessas duas curvas dará o volume de emprego efetivo oferecido pelos empresários, num montante tal em que as expectativas de lucro por parte destes serão maximizadas. O ponto de equilíbrio assim obtido a partir dessa interação nos dá a demanda efetiva, a qual pode ou não ser o equilíbrio neoclássico de pleno-emprego; ao contrário, a experiência mostra que o equilíbrio abaixo do pleno-emprego é a realidade concreta das economias capitalistas. Assim, a formulação do princípio da demanda efetiva, vale dizer, de que o gasto determina a renda, é feita no contexto das decisões capitalistas de produzir (de curto prazo), cuja referência ao equilíbrio se faz de uma maneira especial, ex ante nada tendencial e de maneira alguma o resultado fatal de um “processo de ajustamento automático”.

5.

O fato de o mundo em que vivemos e, por conseguinte, a economia capitalista estarem permanentemente acicatados pelo decurso inexorável do tempo,8 8 O correto seria dizer: sempre estiveram e sempre estarão, a despeito do Day After. foi pouco percebido pelos pensadores que especularam a respeito dos princípios e leis que governam o universo capitalista. Quando muito, faz-se um reconhecimento por demais lacônico da existência do tempo e de sua importância, com o que, posteriormente, segue-se com o descarte efetivo do mesmo, a pretexto de uma suposta maior operacionalidade metodológica. Contudo, na maioria das vezes, passa-se ao largo dessa questão tão crucial a envolver as decisões dos atores que tecem a trama do drama capitalista, e o saldo acaba sendo a reconstituição apenas parcial da intrincada e complexa urdidura dos processos econômicos.

Dentre o seleto grupo de teóricos econômicos que se debruçaram mais detidamente sobre o “problema do tempo”, seguramente podemos destacar Keynes como o expoente que talvez mais tenha contribuído criativa e realisticamente para o tema. O manuseio da ideia de tempo é tão vital para o entendimento de alguns dos conceitos por ele formulados, a tal ponto que sua visão sobre a própria crise do capitalismo não se sustenta sem referência ao tempo. Isto é percebido quando se tem em conta que ao referir-se à discussão das causas do ciclo econômico, no capítulo 22 da Teoria Geral,9 9 Keynes, neste capítulo, embora faça referência aos mecanismos que regem o ciclo econômico, na verdade está tratando da crise, ou seja, de um momento possível do ciclo· econômico, subordinado a este (cf. Possas, 1983, pp. 22-24). considera-as como fruto do colapso da eficiência marginal do capital (EMgK) e este colapso é devido ao fato de que, por algum motivo, o estado da confiança dos capitalistas e o juízo convencional pelos quais os mesmos guiam suas decisões entraram igualmente em colapso e perderam sua credibilidade, levando a que as suas expectativas quanto ao futuro mais remoto, portanto mais incerto, sejam progressivamente pessimistas, e que as suas avaliações quanto ao fluxo de rendimentos futuros proveniente da operação de seus “ativos instrumentais” sejam tais que eles conjeturem não ser mais rentável mantê-los operando ao nível de antes, nem que ampliem a capacidade produtiva de suas plantas. Destarte, em virtude de se defrontarem com uma situação irremediável, na qual o tempo impinge a sua lei férrea, vale dizer, ao fato de que o mundo (e a realidade capitalista) trafega impotente ao sabor de um “passado irrevogável e de um futuro incerto”, os agentes econômicos (e não apenas os capitalistas, mas principalmente estes últimos), apesar disso, são obrigados a decidir e a agir.

Uma mensagem básica que podemos extrair da obra de Keynes é a de que o sistema capitalista possui um caráter intrinsecamente instável (‘ ‘instabilidade sistêmica”, diria o Professor Minsky), devido à instabilidade fundamental do investimento. Mas, em vista disso, qual a natureza da instabilidade capitalista e como ela se acha atrelada à instabilidade do investimento?

A decisão de investir produtivamente, que se refere mais de perto à lógica do cálculo capitalista, decorre de prospecções de rentabilidade calcadas em um amplo leque de alternativas para aplicação em diversos ativos (tanto produtivos como meramente financeiros) presentes na economia em determinado momento. A demanda por bens de investimento é determinada, em Keynes, por dois fatores: a EMgK e a taxa de juros (i). A EMgK depende das previsões subjetivas dos capitalistas quanto ao fluxo de rendimentos futuros de um ativo de capital, descontado o preço de oferta deste mesmo ativo (para Keynes, o custo de produção ou de reposição do ativo). Por outro lado, a i depende da preferência pela liquidez ou propensão a entesourar o ativo mais líquido correntemente e do estoque ou disponibilidade de moeda regulamentada pelas autoridades monetárias. É a comparação entre estas duas taxas que servirá de “farol” para o comportamento subsequente dos capitalistas no sentido de decidirem ou não investir no setor produtor de ativos físicos. De acordo com Keynes, se e enquanto a EMgK~i, os capitalistas estarão estimulados a investimentos adicionais.

No entanto, tanto a EMgK como a i sofrem influência decisiva das avaliações que os agentes econômicos capitalistas fazem em relação aos acontecimentos que poderão prevalecer no futuro. As expectativas empresariais, que repousam numa base de avaliação convencional quanto ao futuro extremamente precária e num estado de confiança que é, por natureza, frágil e afeito a bruscas mudanças, podem ser tais que direcionem os capitalistas à ideia de que os lucros esperados propiciados pelo novo bem de capital não sejam compatíveis com a rentabilidade desejada por eles· a partir do investimento em tela. Este mesmo fenômeno, que torna fraca a credibilidade de um dado juízo convencional e que desestimula novas inversões produtivas, faz com que haja uma busca frenética, por parte do público, do ativo de maior liquidez corrente (o dinheiro), como forma de fugir e de se defender daquelas expectativas pessimistas quanto ao futuro incerto. A migração rumo ao ativo de maior liquidez, que dá a impressão de uma maior garantia e segurança contra as forças poderosas e predadoras do “tempo e da ignorância”, leva a um aumento da preferência pela liquidez (ou da propensão a entesourar) e eleva, assim, a taxa de juros. Portanto, a mesma causa que conduz a uma queda da EMgK, a saber, a noção essencialmente vaga que possuem os agentes capitalistas em relação ao comportamento futuro da economia, após a fratura do estado de confiança, faz com que o patamar da taxa de juros suba e que se agravem e se problematizem, dessa maneira, as decisões de investir, com os já conhecidos efeitos daninhos sobre a demanda efetiva e, por conseguinte, sobre a renda e o emprego. Circunscreve-se, neste terreno, o insight de Keynes de que as expectativas atuam como elemento determinante do nível de emprego.

Uma das características do capitalismo é o fato de ele ser uma economia essencialmente monetária. Nele, o dinheiro não funciona apenas como o véu monetário (unidade de conta ou numerário) facilitador de trocas existentes nos modelos do tronco teórico neoclássico, mas também em seu atributo de reserva de valor. O dinheiro é o “refúgio do tempo”, para onde as pessoas se dirigem frêmitas, visando amparar-se das perspectivas sombrias quanto à evolução futura dos acontecimentos. O colapso do estado de confiança e a ruína da opinião média convencional faz com que a escolha intertemporal entre reter ativos de liquidez universal (o dinheiro) e entre imiscuir-se na produção de ativos de liquidez específica (bens de capital, por exemplo) descambe vigorosamente para a primeira e a caça à maior liquidez por parte dos agentes é iniciada. É neste contexto que Keynes considera o dinheiro como o elo sutil que liga o presente ao futuro, o que, em outras palavras, significa dizer que a posse do ativo mais líquido salvaguarda todos os agentes da desconfiança e do desalento quanto às possibilidades da atividade econômica ao longo do tempo e que a riqueza mantida sob a forma mais líquida possível constitui-se na melhor trincheira contra o incerto devir econômico.10 10 “É a incerteza que dá à moeda todo o caráter e competência de distingui-la de mero numerário. A moeda é o refúgio dos compromissos especializados, é a proteladora das necessidades de tomar decisões de grande alcance. A moeda é liquidez. Não é um conceito mecânico nem hidráulico, mas psicológico” (Shackle, 1967, p. 7). “O elo pode existir somente se há continuidade sobre o tempo de compromissos contratuais denominados em unidades monetárias. É a existência sincrônica de moeda e de contratos monetários sobre um futuro incerto que é a base de um sistema monetário cuja máxima é ‘A moeda compra mercadorias e mercadorias compram moeda; mas mercadorias não compram mercadorias”’ (Davidson, 1972, p. 142). “A moeda possui liquidez plena porque seu preço spot, em termos dela mesma, é certo e invariável (nenhum ganho ou perda de capital em termos nominais). Tão logo a moeda tenha a característica de reserva de valor, aliada ao fato de que é comumente usada na quitação dos contratos (meio de troca) para a compra de coisas que a maioria dos membros da economia quer, então ela será o ativo básico plenamente líquido em uma economia monetária” (Davidson, ibidem, pp, 409-410). “Para Keynes, a moeda é importante porque o futuro é incerto e imprevisível. A moeda fornece o elo correto entre o presente e o futuro incerto porque é mais líquido e o de menor risco de todos os ativos disponíveis como reserva de valor ao longo do tempo. É por esta razão que as pessoas, numa economia monetária, desejam reter moeda para propósitos de transação muito mais do que obter bens físicos, e que todos os contratos, débitos e trocas são denominados em termos de moeda” (Kregel, 1973, p. 155). “A moeda ... dá a impressão de um direito razoavelmente certo e seguro sobre os recursos. Esta ilusão de segurança ou liquidez aumenta os problemas criados pela incerteza essencial ao agir encobrindo esta incerteza, em algum grau, dos participantes do mercado” (Chick, 1983, p. 11).

Em suma, no exposto procuramos chamar a atenção para o que Keynes alega ser a fonte básica da instabilidade capitalista: o fato de que as decisões de investir assentam-se em expectativas que necessariamente têm de se reportar a um futuro longínquo e cercado de incerteza. E como o investimento é a variável estratégica do gasto agregado, ou da demanda efetiva que determina a renda e o nível de emprego, as flutuações súbitas e amplas do investimento, a partir da instabilização das expectativas, conduzirão a flutuações na renda e no emprego e, ipso facto, darão feição à instabilidade latente do próprio capitalismo.

6.

Cada momento da história é único e a tomada de decisão que envolve em consequência uma ação é, de uma vez por todas, definitivamente, um experimento crucial. Tomar uma decisão, ato que por natureza lida de perto com o abissal, cujas consequências são imprevisíveis e inimagináveis, pode constituir-se numa tarefa árdua para todos aqueles que se veem diante de tal imposição. No esquema geral das coisas do mundo no qual vivemos, não só no que diz respeito ao funcionamento do sistema econômico, mas também no universo filosófico, político e existencial da condição humana, decidir é imiscuir-se com o desconhecido.

No caso específico da vida econômica, as decisões tomadas pelos capitalistas, pelas instituições financeiras em geral, pelos proprietários dos vários ativos de capital, pelos trabalhadores e sindicatos ou pelas empresas do Estado, têm sempre que estar referidas a um passado irrevogável e a um futuro incerto, desleal e traiçoeiro. Toda atitude tomada pelas unidades decisórias envolve expectativas a respeito do que prevalecerá ou não no futuro, o qual, por isso mesmo, pelo fato de ser complementarmente indeterminado e não cognoscível, está sempre envolto pelas nuvens plúmbeas da incerteza.

Como foi assinalado anteriormente, grande importância é dada às expectativas em Keynes, principalmente se atentarmos para o fato de que o mesmo trabalha essencialmente em termos de valores esperados (e não atuais ou correntes), o que pode ser bem espelhado com o conceito de demanda efetiva, que é o ponto na curva de demanda agregada que expressa as expectativas de curto prazo dos capitalistas quanto ao comportamento futuro da demanda agregada do sistema, o qual fará com que eles decidam produzir uma quantidade tal e empreguem um número específico de trabalhadores o suficiente para fazer face àquela demanda previamente estimada.11 11 “Dentro de um contexto de uma economia produtiva às voltas com um futuro incerto, Keynes mudou a ênfase de valores correntes para os valores esperados das variáveis econômicas ... Keynes tornou o estado geral das expectativas uma variável independente explícita de todas as relações funcionais do sistema” (Davidson, 1972, p. 374).

Se o exposto é um ponto válido a partir do qual se pode confiar, é necessário concluir que, portanto, carece de fundamento a crítica que vê na incerteza e nas expectativas a grande falha analítica de Keynes a partir da ideia de que o mesmo ignora os fatores objetivos que condicionam o funcionamento do sistema capitalista, preocupando-se, ao contrário, com questões secundárias, ou mesmo desnecessárias, como os aspectos subjetivos - as incertezas e as expectativas - da individualidade humana e que de maneira nenhuma possuem influência decisiva. Do nosso ponto de vista, é a partir mesmo de fatores psicológicos e subjetivos que se pode construir uma teoria das decisões capitalistas que necessariamente se veem às voltas com os imponderáveis e imprevisíveis acontecimentos do futuro mais remoto. Querer amputar isto da análise de Keynes é querer arrancar fora uma das vigas mestras de toda a arquitetura modernista keynesiana e voltar atrás ao mundo barroco atemporal das aldeias mercantis semifeudais de artesãos, camponeses e mercadores da economia neoclássica.

7.

A aceitação de que a incerteza é um princípio que rodeia nossas decisões e nossas expectativas quanto ao futuro nos leva a inquirir como, em uma economia onde o objetivo precípuo dos possuidores de riqueza é buscar aumentar mais sua riqueza - Quid non mortalia pectora cogis, Auri sacra fames? -, as expectativas e a incerteza atuam sobre esses proprietários privados de riqueza e como, ao fazer isto, torna-se um dos elementos endógenos de instabilização sistêmica do capitalismo.

Uma vez com a posse de dinheiro ou de recursos financeiros para a inversão, o aplicador potencial pode seguir pelos seguintes caminhos: inicialmente, ele faz uma avaliação do mercado de ativos (físicos, financeiros, de duráveis etc.) e pondera o fluxo de rendimentos futuros que os mesmos lhe proporcionarão ao longo de sua vida útil, descontado aquele fluxo em termos do preço de oferta dos ativos em questão. Por outro lado, ele pode, igualmente, dada uma taxa de juros corrente, capitalizar o fluxo de receita dos diversos ativos em relação àquela taxa de juros e encontrar o valor presente daquela série de anuidades que os diversos ativos farão com que o inversor aufira. É a partir da comparação dessas duas operações que o aplicador escolherá em que e quanto aplicar: um bem de capital, uma casa, uma frota de ônibus, um título financeiro qualquer, em ações ou outro tipo de aplicação que, ao longo de certo período, proporcione rendimentos suficientes para que o investimento seja feito, quer produtivo ou não. Ou o detentor de dinheiro-riqueza pode vir simplesmente a entesourar dinheiro ou o ativo mais líquido correntemente (preferência pela liquidez), se as expectativas do público em geral forem tais que não se vislumbre qualquer aplicação rentável nos diversos ativos disponíveis, ao mesmo tempo em que o estado da confiança seja justamente aquele que não induza os detentores de dinheiro a emprestarem a juros pelo fato de os mesmos não acreditarem que a taxa de juros se manterá num nível que seja razoável para que eles possam se desfazer do dinheiro retido.

Seguindo o raciocínio de Keynes, e como antecipado anteriormente, a taxa de investimento é influenciada por dois fatores: a eficiência marginal do capital e a taxa de juros. A EMgK depende das avaliações subjetivas dos capitalistas quanto às suas previsões do fluxo de rendimentos futuros de um ativo de capital descontado ao preço de oferta deste mesmo ativo. Por sua vez, a taxa de juros depende da preferência pela liquidez ou propensão a entesourar - quanto maior a propensão ou desejo do público em reter moeda, ceteris paribus, maior a taxa de juros - e do estoque ou disponibilidade de moeda regulamentada pelas autoridades monetárias. Isto nos leva a considerar a importância das expectativas como um dos elementos determinantes do nível de emprego, uma vez que as mesmas estão presentes na determinação do fluxo de investimento, tanto pelo lado da EMgK como pelo da taxa de juros.

Neste contexto, Keynes diferencia dois tipos de expectativas, a saber, as expectativas de curto prazo e as de longo prazo. As primeiras dizem respeito às receitas de vendas da produção das instalações já existentes, em que o passado recente atua como um guia seguro para as decisões correntes, como a de quanto produzir, e, à luz desses resultados recentemente obtidos, age-se como se o mesmo viesse a ocorrer no futuro próximo. As expectativas de curto prazo são mais estáveis e, por isso mesmo, menos importantes no nexo de determinação do sistema de Keynes.

As expectativas de longo prazo relacionam-se às receitas da produção de um equipamento novo, ou do aumento do equipamento já existente, e dizem respeito às adições à capacidade produtiva da economia, sendo, por sua própria natureza, mais instáveis, pois que sujeitas a revisões violentas e repentinas, dada a impossibilidade de previsão probabilística ou cálculo autuaria! corretos quanto ao futuro mais remoto. É o estado das expectativas a longo prazo, “que serve de base para as nossas decisões” (Keynes, 1936Keynes, J. M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, Londres, MacMillan , reirnpr., 1970., p. 148).

8.

O investimento produtivo é a variável estratégica do gasto agregado numa economia capitalista.12 12 “A teoria pode ser resumida pela afirmação de que, dada a psicologia do público, o nível da produção e do emprego como um todo depende do montante do investimento. Eu a proponho desta maneira, não porque este seja o único fator de que depende a produção agregada, mas porque, num sistema complexo, é habitual considerar como causa causans o fator mais sujeito a repentinas flutuações. De um modo mais geral, a produção agregada depende da propensão ao entesouramento, da política das autoridades monetárias em relação à quantidade da moeda, do estado de confiança referente à rentabilidade futura dos ativos de capital, da propensão a gastar, e dos fatores sociais que influenciam o nível dos salários nominais. Mas entre esses vários fatores, os que determinam a taxa do investimento são os menos confiáveis, pois são eles que são influenciados por nossas visões do futuro, sobre o qual sabemos tão pouco” (Keynes, 1937a, p. 178). Com o desenvolvimento progressivo do capitalismo ao longo do tempo e com as consequentes transformações que o mesmo sofre, novos padrões de relacionamento entre os agentes do sistema e novos contornos institucionais reguladores vão fincando pé à medida que o capitalismo se envereda pela trilha da história. É fato que o capitalismo monopolista ou oligopolizado trouxe a separação entre a gestão da grande empresa capitalista moderna e a propriedade e seu controle patrimonial. Concomitante a isto, surgem e se desenvolvem mercados financeiros altamente sofisticados e organizados, tais como os mercados de crédito e a Bolsa de Valores que, ao concentrarem um volume gigantesco de recursos monetário-financeiros, criam uma liquidez sem precedentes para o sistema, que possibilita o afluxo necessário de fundos para as aquisições de investimento de qualquer natureza, quer produtiva, quer especulativa. A mobilização crescente de massas gigantescas de capital-dinheiro fluidifica a possibilidade da criação da riqueza nova, quer dizer, o investimento produtivo é facilitado dado o alto grau de liquidez que os mercados financeiros comportam.

O outro lado da moeda é que estas instituições financeiras trazem em si mesmas as sementes da instabilidade sistêmica do capitalismo. Os aplicadores podem preterir a criação da riqueza nova se os preços das ações (capital fictício) que representam a riqueza velha estiverem estimulando sua aquisição, isto é, se o caráter bursátil do mercado onde estas instituições financeiras operam, dado seu elemento altamente especulativo, estiver induzindo os aplicadores a avaliarem ser mais rentável a compra de ações ou títulos, que já se descolaram de sua “representação” produtiva e se autonomizaram em seus mercados específicos, do que a decisão de investir em capacidade produtiva nova geradora de emprego e de renda. O investidor procura aplicar seus recursos de maneira a obter um fluxo de rendimentos futuros o mais elevado e seguro possível e se o mesmo é conseguido, ou suas expectativas lhe estimam que venha a conseguir, quer seja com ativos produtivos de capital, com LTN, com as ações da Mannesman, quer seja com a posse de dólares, especulação com ouro ou commodities, isto é uma questão de secundária importância para ele. O objetivo final é sempre mais dinheiro, mais riqueza, independentemente dos meios para consegui-los. “Acumulai! Acumulai!”, já dizia o profeta.

Como dissemos, a Bolsa de Valores, em particular, propicia a aquisição de empresas já estabelecidas por meio da compra do lote de ações relativo ao controle patrimonial destas empresas se os investidores potenciais avaliarem que a implementação e operação de novas firmas revele não ser tão lucrativa quanto a compra das já existentes. Esse é o dilema da criação de riqueza nova versus obtenção de riqueza velha para fins de valorização do capital. Além do mais, a BV dá azo à atividade de especulação que é, segundo Keynes, um expediente perverso de que se valem algumas pessoas (“jogadores profissionais”), com o intuito de se anteciparem à opinião média (ou ao juízo convencional), na tentativa de prever adequadamente o comportamento futuro das ações, objetivando precipuamente auferir ganhos extras na venda das ações que mostrem ser mais lucrativas. Assim, se a especulação diz respeito à “atividade que consiste em prever a psicologia do mercado” e ao empreendimento na atividade que tenta “prever a renda provável dos bens durante toda a sua existência”, a prevalência da primeira sobre a última fará com que a instabilidade se agrave com o correr do tempo. Esses fenômenos anteriormente mencionados, uma vez aflorados com intensidade suficiente, desencorajam e acabam por tornar mais problemáticas as decisões de investir na esfera produtiva, dificultando sobremaneira a geração de renda e o aumento do nível de emprego.

Neste contexto, e parafraseando Kalecki, pode-se afirmar que a tragédia das instituições financeiras em geral é que elas são úteis. Elas criam as condições para o bom funcionamento da atividade produtiva capitalista, ao mesmo tempo que está presente nelas próprias o bloqueio de natureza endógena que obstaculiza o investimento.13 13 “São as facilidades ‘financeiras’, em uma extensão importante, que regulam o passo do novo investimento” (Keynes, 1937b, p. 210). “O controle dos recursos financeiros (finance) é, na verdade, um método potente, embora às vezes perigoso, de regular a taxa de investimento (contudo, muito mais potente quando usado como um freio do que como um estímulo)” (Keynes, ibidem, pp. 210-211). Por exemplo, as violentas flutuações das bolsas de valores são a objetivação dessa instabilidade sistêmica do capitalismo e da acumulação de capital em pa­ticular, visto que o terreno pantanoso de um futuro precário pode fazer que as dúvidas e esperanças quanto ao devir tornem as perspectivas das unidades decisórias extremamente frágeis e voláteis e que, ao atuar assim sobre o ritmo, a frequência e o timing da taxa de investimento, causam, via eficiência marginal do capital e taxa de juros, as sístoles e diástoles do nível do emprego e da renda que as economias capitalistas modernas já demonstraram ad nauseam ao longo de suas existências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Weisman, D. L. (1984), “Tobin on Keynes: A Suggested Interpretation”, in Journal of Post-Keynesian Economics, primavera, vol. VI, n. 3, 1984.
  • 1
    “... a explicação da instabilidade sistêmica, muito mais do que uma tendência em direção a um equilíbrio estável, tornou-se um problema chave para a análise econômica” (Minsky, 1977Minsky, H.P. (1977), “An ‘Economics of Keynes’ Perspective on Money”, in Weintraub, S. (ed.), Modern Economic Thought, Univ. Pennsylvania Press, 1977. , p. 297).
  • 2
    A ideia de tempo subjacente às nossas proposições pode ser resumida como segue: “A noção teórica do tempo ... envolve ... três tipos de considerações ... : a ação dos acontecimentos passados sobre as decisões presentes; o efeito, por interação do sistema econômico, das decisões presentes sobre as decisões futuras, no futuro; e o efeito das expectativas acerca dos acontecimentos futuros sobre as decisões presente. Em forma esquemática: a influência do passado sobre o presente, do presente sobre o futuro e do ‘futuro’ (esperado) sobre o presente ... O terceiro efeito reflete a presença de expectativas, em princípio, em quaisquer decisões tomadas; o que introduz inevitavelmente um componente de incerteza, em maior ou menor grau, nas decisões econômicas” (Possas, 1983Possas, M. L. (1983), Dinâmica e Ciclo Econômico em Oligopólio, Campinas, tese de doutoramento, UNICAMP, 1983, mimeo. , pp. 9-10).
  • 3
    “... tão Jogo passemos ao problema do que determina a produção e o emprego como um todo, nós necessitamos a teoria completa de uma economia monetária” (Keynes, 1936Keynes, J. M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, Londres, MacMillan , reirnpr., 1970., p. 293).
  • 4
    “...a importância da moeda decorre essencialmente do fato de constituir ela um elo entre o presente e o futuro” (Keynes, 1936Keynes, J. M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, Londres, MacMillan , reirnpr., 1970., p. 293). “A moeda, considerada em seus atributos mais significativos, é sobretudo um processo sutil de ligar o presente ao futuro, e sem ela nem sequer poderíamos iniciar os estudos dos efeitos das expectativas mutáveis sobre as atividades correntes. Não há meios para nos libertarmos da moeda, mesmo abolindo o ouro, a prata e outros meios legais de pagamento. Enquanto subsistir algum bem durável, ele poderá possuir os atributos monetários e, consequentemente, dar origem aos problemas característicos de uma economia monetária” (Keynes, 1936Keynes, J. M. (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, Londres, MacMillan , reirnpr., 1970., p. 294).
  • 5
    Para Garner (1982Garner, C. A. (1982), “Uncertainty, Human Judgement and Economic Decisions”, in Journal of Post Keynesian Economics, primavera, vol. IV, n. 3, 1982. , p. 418), “Shackle e Keynes concordaram acerca da natureza fundamental da incerteza e da irrelevância do cálculo probabilístico para a maioria das decisões. econômicas ... As visões de Shackle também se parecem com a de Keynes ao enfatizar os aspectos psicológicos do processo de escolha. O grande sucesso de Shackle repousa não só no seu aparato analítico, mas principalmente em sua inquietação penetrante em relação à imaginação (quanto ao que poderá acontecer), às decisões e quanto ao papel do tempo”.
    A análise de Davidson (1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. ) é desenvolvida, corno ele mesmo frisa (p. 7), tendo por base as hipóteses de que “no mundo real: 1) o futuro é incerto; 2) a produção leva tempo e que, portanto, se a produção ocorre numa economia especializada, as pessoas devem fazer compromissos contratuais no presente envolvendo o desempenho e o pagamento no futuro incerto; e 3) as decisões são feitas à luz de um passado inalterável e que se movem em direção a um futuro pérfido”.
    Segundo Kregel, é de mister importância recuperar as principais questões levantadas por Keynes e que ainda hoje são de serventia teórica realista, quer dizer, “a ênfase é sobre a utilização de recursos físicos no contexto de um sistema monetário muito mais do que ater-se às forças reais que dizem existir escondidas atrás de um ‘véu monetário’” (Kregel, 1973Kregel, J. A. (1973), The Reconstruction of Political Economy, Londres, MacMillan , 1973. , p. 157). Ainda segundo ele, o sistema capitalista “é um sistema monetário, mas a ênfase permanecia sobre a utilização e alocação dos recursos físicos do sistema. As relações monetárias são cruciais na teoria para: 1) assegurar a provisão dos recursos físicos para o investimento, e 2) fornecer crédito (finance) aos empresários de maneira que o investimento não seja limitado pelas decisões individuais de poupança” (Kregel, ibidem, pp. 157-158).
    Finalmente, o Professor Minsky propõe-se a “1) recuperar o papel da incerteza e da instabilidade na visão de Keynes sobre o capitalismo; 2) colocar o conceito de liquidez e sua influência sobre a decisão de investir numa perspectiva teórica adequada; 3) demonstrar a importância das relações financeiras e do estado de liquidez do sistema para a explicação do ciclo econômico” (Amadeo, 1984Amadeo, E. (1984), “Minsky e a Instabilidade do Capitalismo”, in Boletim IERJ, n. 28, jan.-jun. 1984. , p. 20). Segundo ele “o que é essencial, mesmo fundamental, para qualquer interpretação de Keynes é reconhecer que ele tratou de problemas de escolha econômica que envolvem tempo (e, portanto, incerteza), e o comportamento de uma economia na qual tais escolhas são importantes, com uma estrutura filosófica sofisticada para examinar as decisões que são feitas a partir de conhecimento imperfeito, e que esta estrutura intelectual permeou seus trabalhos econômicos. Em adição, Keynes assegurou que não há maneira de substituir esta incerteza por equivalentes de certeza e além disso que as proposições probabilísticas relevantes e o peso atribuído a tais proposições mudam, não de um modo imprevisível ou ao acaso, mas de um modo consistente em resposta aos eventos” (Minsky, 1975Minsky, H. P. (1975), John Maynard Keynes, Nova Iorque, Columbia Univ. Press, 1975. , pp. 65-66).
  • 6
    “ ... time is the key” (Chick, 1983Chick, Victoria (1983), Macroeconomics After Keynes, Oxford, Philip Allen, 1983. , p. 11). Ou ainda, conforme a mesma autora, na verdade, o que causa um grande problema para o capitalismo “é o tempo - o fato absoluto de que os compromissos estão baseados em preços, custos e demandas futuros. Eles não podem ser conhecidos com certeza, mas os compromissos devem ser efetuados sem considerar isto” (Chick, ibidem, pp. 10-11).
  • 7
    Para Shackle, a idealização neoclássica parte da crença “em um sistema econômico autorregulável, inerentemente e naturalmente auto-otimizador, estável e coerente” (Shackle, 1967, p. 5).
    “Em um mundo neoclássico de certeza perfeita e mercados perfeitos, com um leiloeiro walrasiano assegurando equilíbrio simultâneo em um dado ponto do tempo, seria naturalmente irracional reter moeda como reserva de valor enquanto outros ativos fornecem um rendimento certo e positivo. Na ausência da incerteza, não há lugar na teoria neoclássica para a função de reserva de valor em sua definição de moeda; a moeda tem; no mundo neoclássico, um papel tão importante quanto os amendoins. O processo tatônnement implica que as transações não ocorrem até que o equilíbrio seja obtido; em consequência, reter moeda durante o leilão ou até o próximo período de mercado é um procedimento irracional” (Davidson, 1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. , pp. 140-141).
    “A prova neoclássica do equilíbrio repousa na hipótese do conhecimento perfeito, isto é, o sistema de preços sinaliza os vendedores e os compradores na direção do equilíbrio. Isto ... é sempre assumido, nunca provado” (Kregel, 1973Kregel, J. A. (1973), The Reconstruction of Political Economy, Londres, MacMillan , 1973. , p. 39).
    “O paradigma relevante para a análise de uma economia capitalista não é a economia baseada na barter; o paradigma relevante é um sistema com uma City londrina ou uma Wall Street onde a retenção de ativos como também as transações correntes são financiadas por débitos” (Minsky, 1975Minsky, H. P. (1975), John Maynard Keynes, Nova Iorque, Columbia Univ. Press, 1975. , pp. 72-73).
    “Uma vez que admitimos que uma economia existe no tempo, que a história segue por um único caminho, do passado irrevogável em direção ao futuro desconhecido, o conceito de equilíbrio baseado em uma analogia mecânica de um pêndulo oscilando de um lado para outro no espaço torna-se insustentável” (Robinson, 1980, p. 172).
    “No mundo do processo histórico, as ideias nas mentes comerciantes em qualquer dia serão em relação aos dias e anos que hão de vir, e os preços acordados naquele dia serão formados em parte por conjeturas sobre aqueles dias e anos futuros. No processo histórico, todos os mercados são em essência especulativos. Tão logo os comerciantes estejam cônscios da especulação, eles não desejam um vetor imóvel de preços coordenados; suas esperanças de ganho repousam sobre movimentos esperados. O mercado livre ... não pode dizer-nos sobre o conteúdo do tempo que há de vir” (Shackle, 1984, p. 393).
  • 8
    O correto seria dizer: sempre estiveram e sempre estarão, a despeito do Day After.
  • 9
    Keynes, neste capítulo, embora faça referência aos mecanismos que regem o ciclo econômico, na verdade está tratando da crise, ou seja, de um momento possível do ciclo· econômico, subordinado a este (cf. Possas, 1983Possas, M. L. (1983), Dinâmica e Ciclo Econômico em Oligopólio, Campinas, tese de doutoramento, UNICAMP, 1983, mimeo. , pp. 22-24).
  • 10
    “É a incerteza que dá à moeda todo o caráter e competência de distingui-la de mero numerário. A moeda é o refúgio dos compromissos especializados, é a proteladora das necessidades de tomar decisões de grande alcance. A moeda é liquidez. Não é um conceito mecânico nem hidráulico, mas psicológico” (Shackle, 1967, p. 7).
    “O elo pode existir somente se há continuidade sobre o tempo de compromissos contratuais denominados em unidades monetárias. É a existência sincrônica de moeda e de contratos monetários sobre um futuro incerto que é a base de um sistema monetário cuja máxima é ‘A moeda compra mercadorias e mercadorias compram moeda; mas mercadorias não compram mercadorias”’ (Davidson, 1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. , p. 142).
    “A moeda possui liquidez plena porque seu preço spot, em termos dela mesma, é certo e invariável (nenhum ganho ou perda de capital em termos nominais). Tão logo a moeda tenha a característica de reserva de valor, aliada ao fato de que é comumente usada na quitação dos contratos (meio de troca) para a compra de coisas que a maioria dos membros da economia quer, então ela será o ativo básico plenamente líquido em uma economia monetária” (Davidson, ibidem, pp, 409-410).
    “Para Keynes, a moeda é importante porque o futuro é incerto e imprevisível. A moeda fornece o elo correto entre o presente e o futuro incerto porque é mais líquido e o de menor risco de todos os ativos disponíveis como reserva de valor ao longo do tempo. É por esta razão que as pessoas, numa economia monetária, desejam reter moeda para propósitos de transação muito mais do que obter bens físicos, e que todos os contratos, débitos e trocas são denominados em termos de moeda” (Kregel, 1973Kregel, J. A. (1973), The Reconstruction of Political Economy, Londres, MacMillan , 1973. , p. 155).
    “A moeda ... dá a impressão de um direito razoavelmente certo e seguro sobre os recursos. Esta ilusão de segurança ou liquidez aumenta os problemas criados pela incerteza essencial ao agir encobrindo esta incerteza, em algum grau, dos participantes do mercado” (Chick, 1983Chick, Victoria (1983), Macroeconomics After Keynes, Oxford, Philip Allen, 1983. , p. 11).
  • 11
    “Dentro de um contexto de uma economia produtiva às voltas com um futuro incerto, Keynes mudou a ênfase de valores correntes para os valores esperados das variáveis econômicas ... Keynes tornou o estado geral das expectativas uma variável independente explícita de todas as relações funcionais do sistema” (Davidson, 1972Davidson, P. (1972), Money and the Real World, Londres, MacMillan, 2a. ed., 1978. , p. 374).
  • 12
    “A teoria pode ser resumida pela afirmação de que, dada a psicologia do público, o nível da produção e do emprego como um todo depende do montante do investimento. Eu a proponho desta maneira, não porque este seja o único fator de que depende a produção agregada, mas porque, num sistema complexo, é habitual considerar como causa causans o fator mais sujeito a repentinas flutuações. De um modo mais geral, a produção agregada depende da propensão ao entesouramento, da política das autoridades monetárias em relação à quantidade da moeda, do estado de confiança referente à rentabilidade futura dos ativos de capital, da propensão a gastar, e dos fatores sociais que influenciam o nível dos salários nominais. Mas entre esses vários fatores, os que determinam a taxa do investimento são os menos confiáveis, pois são eles que são influenciados por nossas visões do futuro, sobre o qual sabemos tão pouco” (Keynes, 1937aKeynes, J. M. (1937a), “A Teoria Geral do Emprego”, in John Maynard Keynes, (org. T. Szmrecsányi), São Paulo, Ática, 1978. , p. 178).
  • 13
    “São as facilidades ‘financeiras’, em uma extensão importante, que regulam o passo do novo investimento” (Keynes, 1937bKeynes, J. M. (1937b), “Alternative Theories of the Rate of lnterest”, reimpr. in Moggridge, D. (ed.), The Collected Writings of J. M. Keynes, Londres, MacMillan , vol. XIV, 1973. , p. 210). “O controle dos recursos financeiros (finance) é, na verdade, um método potente, embora às vezes perigoso, de regular a taxa de investimento (contudo, muito mais potente quando usado como um freio do que como um estímulo)” (Keynes, ibidem, pp. 210-211).
  • 14
    JEL Classification: B22; B31; E12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1987
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