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O Estado e as empresas multinacionais* * Traduzido por Solange Ramos Esteves.

The State and the multinational enterprises

RESUMO

O objetivo principal deste artigo é deixar claro os vários! tipos de intervenção do Estado que resultam na expansão internacional das empresas. O artigo retoma o papel do Estado na teoria das empresas multinacionais. Os autores fazem um estudo das empresas públicas multinacionais, identificando-as como o caso mais notável de intervenção do Estado. O crescente número de empresas estatais e sua expansão internacional levam os autores a acreditar que é necessário fazer uma revisão teórica, colocando o Estado como o principal elemento da multinacionalização das empresas.

PALAVRAS-CHAVE:
Multinacionais; intervenção estatal; empresas estatais; papel do Estado

ABSTRACT

The main purpose of this article is to make clear the several types of State intervention that result in the international expansion of the enterprises. The article retakes the State’s role within the theory of multinational enterprises. The authors make a study of multinational public enterprises, identifying them as the most notable case of Government’s intervention. The increasing number of state enterprises and their international expansion make the authors to believe it is necessary to make a theoretical revision, putting the State as the major element of the multinationalization of enterprises.

KEYWORDS:
Multinationals; State intervention; state-owned enterprises; role of the State

A saga vitoriosa das multinacionais conquistadoras exerce um fascínio semelhante ao que excita a imaginação dos espectadores dos seriados americanos onde a ambição e o dinheiro são a lei. É a aventura do capitalismo e a história dos que sabem dominar a natureza e conduzir os homens. As teorias sobre a formação e o funcionamento das empresas multinacionais (EMN) contribuem para perpetuar e reforçar essa imagem. O Estado, este parasita segundo a teoria neoclássica, encontrou enfim um interlocutor e não lhe resta senão ofuscar-se diante do poder e dos recursos das EMN. O mercado recupera seu justo lugar, enquanto a empresa escapa às exações das políticas fiscal e monetária. Isto agrada a uns, mas alarma aos que temem e denunciam os desequilíbrios provocados por uma concentração tão forte de poder.

Se existe uma realidade nova, expressa por estas simplificações, convém assegurar que a teoria, no caso de que nos ocupamos aqui - a teoria referente à formação das EMN -, reflita e dê conta dos fatores fundamentais que constituem a substância do fenômeno. Nós sustentamos que, contrariamente ao que afirmam as teorias mais respeitadas, o Estado, em todas as épocas e em todas as etapas, desempenha um papel central no processo de multinacionalização das empresas e, por essa razão, deveria figurar, com todo direito, na teoria.

Antes de proceder à revisão teórica necessária, convém colocar em evidência, previamente, as múltiplas intervenções dos poderes públicos que resultam - direta ou indiretamente, intencionalmente ou não - na expansão internacional das empresas. Esse é o principal objetivo deste artigo.

A primeira parte é consagrada a uma retomada do status conceitual do Estado no seio das teorias sobre as EMN. Colocamos, então, as bases para a compreensão do papel dos governos na expansão internacional das empresas. A segunda seção analisa as principais intervenções estatais responsáveis pela multinacionalização das EMN. A terceira parte estuda com profundidade o caso mais notável de intervenção governamental no processo de internacionalização: o das empresas públicas multinacionais. Enfim, a volta à teoria e a apresentação dos principais resultados dessa reflexão são o objeto da conclusão.

O ESTADO NAS TEORIAS SOBRE AS EMN

A partir das contribuições fundamentais de Stephen Hymer, de Raymond Vernon e de Richard Caves, as teorias sobre as EMN assumiram firmemente uma perspectiva em termos de oligopólio, ligando-se definitivamente à teoria da concorrência imperfeita e monopolística.1 1 S. Hymer, The International Operations of National Firms (1960), Cambridge, Mass., MIT Press, 1976; R. Vernon, “International Investment and International Trade in the Product Cycle”, Quarterly Journal of Economics, maio 1966, pp. 190-207; R. Vernon, Sovereignty at Bay, Nova Iorque, Basic Books, 1970; R. Vernon, Storm over the Multinationals, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1977; R. Caves, “International Corporations: The Industrial Economics of Foreign Investment”, Economica, fev. 1971, pp. 1-27. Diversos autores tentaram, mais recentemente, unificar essas diferentes abordagens, formulando teorias sintéticas em termos de “internacionalização” ou de imperfeições de mercado.2 2 P. J. Puckley e M. Casson, The Future of the Multinational Enterprise, Londres, Macmillan, 1976; J. H. Dunning, “Trade, Location of Economic Activity and the MNE: The Search for an Eclectic Approach”; in B. Ohlin et alii. (ed.), The International Allocation of Economic Activity, Nova Iorque, Holmes & Meier, 1977; A. L. Calvet, “A Synthesis of Foreign Direct Investment Theories and Theories of the Multinational Firm”, Journal of international Business Studies, primavera-verão 1981, pp. 43-59. Graças a essas diversas contribuições, a teoria sobre as EMN começa a atingir certo consenso. Todavia, o Estado ocupa um lugar marginal nessa teoria pura das EMN. Nós acreditamos que se trata de uma lacuna muito significativa. Os raros autores que abordaram o papel do Estado na multinacionalização das empresas o fizeram, seja para sublinhar a deterioração de certas funções econômicas dos governos, em consequência do desenvolvimento das EMN, seja para prever a emergência de instituições estatais multinacionais como consequência da multiplicação das atividades internacionais das empresas e da universalização da economia. Nos dois casos, as modificações da estrutura do Estado aparecem como a variável dependente e o desenvolvimento das EMN como a variável independente. Raros autores sublinharam certos aspectos do comportamento do Estado (sobretudo os sistemas de taxação) suscetíveis de afetar o desenvolvimento das EMN. Nesta seção, vamos rever as teorias das EMN que se ocupam do Estado classificando-as em três grandes grupos: 1) teorias da deterioração das funções econômicas do Estado; 2) teorias da expansão territorial do Estado; 3) teorias do papel ativo do Estado sobre as EMN.

Teorias da deterioração do Estado

O tema do declínio relativo do Estado aparece em um bom número de autores, seguidores em maior ou menor grau da nova teoria sintética. Em vários artigos e obras, o economista trabalhista britânico Robin Murray sublinhou o enfraquecimento dos Estados-Nações, sua incapacidade crescente de executar funções macro e microeconômicas de regulamentação frente à internacionalização dos circuitos financeiros, industriais e comerciais nas EMN e nos bancos multinacionais.3 3 R. Murray, “The Internationalization of Capital and the Nation State”, in J. H. Dunning (ed.), The Multinational Enterprise, Londres, Allen and Unwin, 1971. R. Murray, Multinational Companies and the Nation States, Londres, Spokesman, 1975. R. Murray (ed.), Multinationals beyond the Markets, Londres, Harvester, 1981. Assim, a política monetária perde sua eficácia, pois essas sociedades têm um acesso tão privilegiado a fundos, tanto internos quanto internacionais, que não são atingidas pelas políticas nacionais de regulamentação: toda tentativa governamental de restringir o investimento por meio de uma redução da oferta de moeda pode ser contrariada pelas EMN lançando mão seja de seus fundos próprios seja do mercado de euro-dólares e de euro-obrigações. A política fiscal é igualmente limitada: as EMN pagam proporcionalmente menos impostos que as firmas locais, graças à manipulação dos preços de transferência, através de sua implantação nos paraísos fiscais ou graças aos abatimentos de taxas que elas obtêm antes mesmo de começar suas operações em muitos países. Quanto à balança de pagamentos, as EMN podem evitar facilmente os controles de câmbio, as variações na paridade de divisas e, quando possível, especular com vistas a modificar, a seu favor, o valor internacional de uma moeda. De modo geral, Murray acredita que os poderes econômicos do Estado-nação sofram uma acentuada queda em consequência da expansão das EMN.

Na teoria do ciclo do produto, o corolário do declínio da soberania nacional igualmente está presente. R. Vernon também pensa que os Estados estão enfraquecidos pelo aumento muito rápido do número e do porte das sociedade transnacionais. A segurança nacional, a criação de empregos, o recolhimento das taxas, o controle da poupança interna e a capacidade de manipular as taxas de câmbio também são problemas que preocupam os governos nos países avançados:

“Enquanto isso, entretanto, os governos dos países industrializados parecem cada vez mais conscientes dos aspectos debilitadores da nova situação”.4 4 R. Vernon, Storm over the Multinationals, op. cit. p. 137.

Nos países em desenvolvimento, os governos preocupam-se muito com os preços de transferência de suas exportações, com a divisão dos lucros entre os países-sede e as EMN e com o problema das patentes. Em cada um desses casos, numerosos governos assistiram à diminuição do seu poder de intervenção sobre a economia.

Os sindicatos internacionais também estão inquietos com o declínio da capacidade de intervenção do Estado. As dificuldades de aplicar políticas antitruste, fiscais ou monetárias estão entre as preocupações sindicais sublinhadas pelo dirigente Charles Levinson.

“Temos consciência de que está em curso uma verdadeira revolução do sistema econômico do Ocidente, capaz, talvez, de solapar o poder político dos Estados e sua capacidade de promover sua própria economia”.5 5 Ch. Levinson, Le Contre-Pouvoir Multinational. La Riposte Syndicale, Paris, Seuil, 1974, p. 54.

Teorias de expansão territorial do Estado

Se o tema da deterioração das funções econômicas do Estado sob a ação das· sociedades multinacionais é nitidamente dominante, o segundo, em importância, é o tema da tendência à formação de Estados supranacionais: O assunto preponderou entre os marxista, que veem a divisão do mundo em impérios coloniais, neocoloniais e em áreas de influência, como uma consequência inevitável da exportação de capitais dos países avançados para os menos desenvolvidos.6 6 V. I. Lenin, Impérialisme, Stade Suprême du Capitalisme (1916), Moscou, Ed. do Progresso, Obras Escolhidas, 1976; N. Boukharine, L ‘Économie Mondiale et l’Impérialisme (1916), Paris, Anthropos, 1970; H. Magdoff, Imperialism, from the Colonial Age to the Present; Nova Iorque, Monthly Review Press, 1978.

Uma tese semelhante aparece com Hymer, para quem as sociedades multinacionais “reduzem a capacidade do governo de controlar a economia”. Estas sociedades têm necessidade de Estados multinacionais, e estes emergirão inevitavelmente após a consolidação das EMN e o enfraquecimento definitivo dos Estados-nações. Na mesma linha de pensamento, Murray sustenta que as EMN exigem - e obtêm - funções interestatais de regulamentação econômica internacional: acordos de liberalização das trocas entre os países (pois elas exportam peças e produtos de um país para outro), conversões que regem as taxas de câmbio (para diminuir os riscos ligados à desvalorização), a liberalização dos fluxos de capital, a livre remessa de lucros, etc. A Comunidade Econômica Europeia, a Associação Europeia de Livre-Câmbio, o Fundo Monetário Internacional, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, o Acordo Geral sobre as Tarifas e o Comércio e outras instituições internacionais são apenas alguns exemplos da emergência de uma regulamentação econômica internacional que substitui a dos Estados-nações. As diversas tentativas de formular “códigos de conduta” por diversos organismos internacionais pertencem à mesma ordem de problemas.7 7 O. Hamilton, Les Entreprises Multinationales, Effets et Limites de Codes de Conduite Internationaux, Paris, PUF-IRM, 1984.

Teorias do papel ativo do Estado sobre as EMN

Em muitos escritos, o Estado aparece como um promotor direto, mas pouco eficaz, da expansão internacional das empresas. O Estado apoiou, timidamente, este desdobramento por meio das políticas fiscais e comerciais, de seguro-investimento no estrangeiro, de crédito à exportação e da balança de pagamentos.8 8 C. F. Bergsten et alii, American Multinationals and American Interests, Washington D. C., The Brooking Institutions, 1978, cap. 2. No plano fiscal, as sociedades transnacionais podem deduzir o imposto, pago no exterior, dos lucros taxáveis no seu país de origem, o que aliviou o fardo tributário das EMN e as encorajou a continuar sua expansão internacional. A maioria dos países industrializados adotou tais políticas fiscais ao longo do pós-guerra. No plano comercial, a abolição progressiva dos direitos alfandegários, negociada no seio do GATT, permitiu a numerosas sociedades americanas e europeias produzir além-fronteiras para vender no mercado doméstico, reduzindo seus custos de mão-de-obra. Os sistemas de seguro-investimento instituídos por todos os países capitalistas adiantados ao longo dos anos 60 e 70 reduziram os custos ligados aos riscos de guerra, de expropriação ou desvalorização a que se expõem as filiais estrangeiras em certos países em desenvolvimento. O crédito estatal à exportação certamente desempenhou um papel de aceleração do ciclo de certos produtos que foram mais tarde fabricados no exterior. Enfim, a liberalização dos movimentos de capitais entre os Estados membros do OCDE facilitou, sem dúvida, os investimentos entre os países capitalistas mais desenvolvidos. Somente o Japão e a Suécia teriam exercido um controle mais severo sobre as EMN de seus países e teriam utilizado, quando necessário, alavancas mais poderosas para impedir ou promover a multinacionalização das empresas locais.9 9 M. Y. Yoshino, Japan ‘s Multinational Enterprises, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1976.

Crítica e conclusão

As diferentes teorias que acabamos de recordar brevemente comportam cada uma das maiores debilidades a respeito do lugar do Estado no processo atual de multinacionalização das empresas. As teorias de deterioração do Estado são muito centradas no declínio das funções “keynesianas” que as firmas podem, efetivamente, contornar. Há mais de trinta anos, entretanto, modalidades de intervenção estatal muito mais direta estão na ordem do dia sob a forma de políticas industriais. À deterioração das antigas funções corresponde o desenvolvimento das novas capacidades de regulamentação da atividade econômica. Nós voltaremos a isso.

Quanto à tese de regulamentação supranacional, o mundo capitalista não parece, de modo algum, voltar-se para novas instituições interestatais, sejam elas de tipo colonial, de tipo hegemônico ou mais consensuais. Com efeito, não somente os impérios coloniais desapareceram progressivamente ao longo do pós-guerra, mas as fronteiras entre as diversas áreas de influência são cada vez menos nítidas. Também as instituições supranacionais originárias de Bretton Woods, que coroaram a hegemonia econômica e política americana sobre o mundo capitalista, conheceram sérias fissuras depois de 1971.10 10 R. S. Keohane, After Hegemony, Princeton, Princeton University Press, 1984; F. L. Block, The Origins of International Economic Disorder, Berkeley, University of California Press, 1977. Quanto às diversas organizações internacionais, se elas exerceram um certo impacto sobre a liberalização do comércio internacional (via GATT) ou inter-regional (CEE, Pacto Andino, Mercado Comum Centro-Americano) elas foram menos eficazes quanto à estrutura e ao comportamento das EMN. Enfim, os diferentes “códigos” promulgados a fim de enquadrar a atividade das transnacionais tiveram, na melhor das hipóteses, o efeito de produzir uma tomada de consciência internacional sobre a importância crescente destas firmas a nível do emprego, do comércio ou do investimento.

Os escritos do terceiro grupo permitem documentar a intervenção direta, mas não decisiva, do Estado no processo de internacionalização, e constatar a relativa autonomia da qual se beneficiam as EMN frente aos governos. Entretanto, eles possuem um grande defeito: o Estado não é apresentado senão como um fator externo; ele não está, de forma nenhuma, integrado à teoria. Como sublinhamos anteriormente, encaminhamo-nos para uma explicação sintética das EMN enquanto oligopólios que desfrutam de certas vantagens. Na teoria sintética, entretanto, esse processo é apresentado como sendo puramente econômico. Ora, de fato, ele sempre foi fortemente condicionado pelo Estado. Em outros termos, o Estado de origem proporciona a certas firmas nacionais vantagens que lhes permitem conquistar o mercado interno, exportar e tornar-se multinacionais. Dois tipos de casos são evidentes: as vantagens coloniais (1880-1950) e as vantagens ligadas à política industrial (desde 1960).

O ESTADO, PROMOTOR DA MULTINACIONALIZAÇÃO

O período colonial

A crítica da teoria leninista do imperialismo mostra, com o apoio de estatísticas, que os investimentos diretos no exterior tinham sido majoritariamente feitos, o tempo todo, fora dos impérios coloniais.11 11 C. Catherine Coquery-Vidrovitch, “De l’lmpérialisme Ancien à l’lmpérialisme Moderne. L’Avatar Colonial”, in A. Abdel-Malek (ed.), Sociologie de l’Impérialisme, Paris, Anthropos, 1971. Esta constatação é inegavelmente justa, e se aplica sobretudo aos Investimentos Diretos no Exterior (IDE) na indústria de fabricação dos países capitalistas avançados. Por outro lado, a tese leninista de falta de oportunidades de investimentos nestes países não é defensável.

Essa crítica é ainda menos verdadeira no que concerne às indústrias mineiras, às plantações e às finanças. Enquanto as EMN de fabricação construíam filiais nos grandes mercados, os IDE das indústrias extrativas, ao contrário, iam principalmente para os impérios coloniais. No que concerne aos investimentos diretos britânicos, Stopford afirma que:

“se os primeiros investimentos para a manufatura eram feitos sem preocupação com a existência do Império, os investimentos das empresas britânicas para controlar as fontes de matéria-prima para suas próprias fábricas eram claramente desviados para as fontes do Império”.12 12 J. Stopford, “The Origins of British-based Multinational Manufacturing Enterprises”, in Business History Review, vol. 48, n? 3, 1974, p. 323.

Philippe Chalmin enfatiza, igualmente, a importância das firmas manufatureiras de diversos países avançados que buscam, cada vez mais, as matérias-primas em possessões coloniais ou neocoloniais.

“É preciso também citar o caso dos fabricantes de pneus (Firestone na Libéria, Dunlop na Malásia, Michelin na Indochina...), das refinarias de açúcar (Tate and Lyle nas Antilhas, a partir de 1937), dos culti­vadores de banana (United Fruit, Standard Brands e Del Monte, que ocupam a América Central desde o início do século) e, enfim, das grandes empresas de mineração que participam dessa transformação nos países desenvolvidos”.13 13 P. Chamin, Négociants et Chargeurs, Paris, Economica, 1983, p. 27.

Quanto aos bancos multinacionais, eles deram seus primeiros passos no seio de seus respectivos Impérios. Assim, os bancos britânicos

“estabelecidos principalmente no Império britânico do século XIX, tinham como função original servir às necessidades dos comerciantes e de seus colonos (como seus correspondentes na África Francesa)”.14 14 R. Pringle, Banking in Britain, Londres, Methuen, 1973, p. 73.

Que espécie de vantagens o Estado fornecia aos bancos e às sociedades extrativas no seio dos Impérios? A primeira mais importante era, sem dúvida, a exclusão total ou parcial dos concorrentes de outros países industrializados. Muito frequentemente este monopólio era consagrado em lei por meio de cartas coloniais. No caso dos bancos multinacionais, a emissão de moeda em numerosas colônias e departamentos era frequentemente um recurso exclusivo das instituições financeiras do país colonial. Assim, o British Bank of West Africa obtinha, em 1893, o monopólio da emissão de moeda em possessões britânicas da África Ocidental.15 15 R. Fry, Bankers in West Africa, Londres, 1976. Em suma, a imperfeição do mercado era, aqui, obra dos governos coloniais, reduzindo a concorrência por via legal.

Outras vantagens tomavam forma de ajuda financeira direta ou de participação preferencial nas atividades econômicas do Estado colonial. Assim, por exemplo, os bancos coloniais participavam dos empréstimos das colônias e dos protetorados, empréstimos que eram frequentemente organizados ou garantidos pelo governo imperial. Numerosas sociedades transnacionais mineiras foram promovidas no todo ou em parte pelos governos colonizadores (pensemos, por exemplo, na British Petroleum, na Compagnie Française de Pétroles, ou na Union Miniêre du Haut Katanga). Em um mundo intranquilo e dividido em impérios rivais, a “internacionalização” do mercado era dupla: a nível da empresa e a nível do Estado colonial.

A redução estatal da concorrência e da ajuda financeira direta ou indireta eram certamente vantagens não negligenciáveis. Claro, era preciso ainda que as EMN do país colonizador possuíssem vantagens técnicas e administrativas sobre a concorrência local. Mas o império trazia, paralelamente, vantagens financeiras que podiam, com frequência, ser decisivas.

O declínio dos Impérios coloniais e das áreas de influência explica em parte a proporção decrescente dos investimentos diretos estrangeiros dos países desenvolvidos nos países em desenvolvimento. Assim, se as IDE americanas na América Latina representavam 49% das IDE totais dos Estados Unidos em 1897, e ainda em 1929, elas não eram mais do que 39% em 1950 e 19% em 1971.16 16 M. Wilkins, American Business Abroad, Cambridge, Mass., Harvard University Press, vol. 1, 1970, p. 110; vol. 2. 1974, pp. 55 e 330. Igualmente, a proporção dos investimentos europeus e japoneses que iam para as antigas colônias ou áreas de influência declinou a partir de 1945.17 17 L. Francko, The European Multinationals, Londres, Harper & Row, 1976; T. Ozawa, Multinationalism, Japanese Style, Princeton, Princeton University Press, 1979. Se os Estados industriais do pós-guerra jogaram um papel importante na expansão multinacional das firmas, hoje, não o fazem mais com o fornecimento de uma “concha colonial” as suas empresas extrativas e financeiras.

A política industrial

O meio político em que as firmas se inseriram no pós-guerra era bem outro. Os impérios coloniais desapareceram e as áreas de influência tornaram-se cada vez menos definidas. A concorrência industrial entre a Europa Ocidental, o Japão e a América do Norte intensifica-se progressivamente, à medida que os países destruídos e/ou arruinados pela guerra recuperam a sua capacidade de produção. Desde 1960, a emergência de muitos “novos países industrializados” (NPI, entre os quais a Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Brasil, Espanha, Grécia, Portugal, etc.) coloca desafios suplementares para os países capitalistas avançados. Os Estados sentem-se obrigados a ajudar suas grandes empresas a fazer face à nova concorrência. A política industrial nasce aí.

Sem constituir um fenômeno novo, a política industrial, que delineia o conjunto das intervenções públicas no âmbito do setor manufatureiro, generalizou-se, seu campo de atuação ampliou-se e os meios mobilizados aumentaram fortemente. Esse desenvolvimento da intervenção estatal teve lugar entre 1960 e 1975; isto é, no momento em que as multinacionais se multiplicam, época que corresponde ao período de expansão rápida das economias ocidentais.

Parece, após o exame atento dos instrumentos e das modalidades de aplicação (critérios discriminadores e distribuição), que o essencial da ajuda pública ao setor manufatureiro canaliza-se para a grande empresa. Em numerosos casos, trata-se de uma manifestação voluntária de sustentação ativa que o Estado quer dar aos seus “campeões nacionais”. Em outros momentos, a grande empresa se impõe como o interlocutor privilegiado para realização das metas governamentais. Esta constatação, na medida em que se fundamenta em fatos, nos autoriza a formular duas observações teóricas significativas. Em primeiro lugar, porque o Estado participa ativamente na concentração da estrutura produtiva e vem em auxílio, em caráter prioritário, das grandes empresas, deve-se, pela mesma razão dos fatores ligados ao modo de funcionamento dos mercados, reconhecer a responsabilidade dos poderes públicos no processo de multinacionalização. Em segundo lugar, a intervenção econômica do Estado, mesmo que ela procure sempre legitimar-se com um discurso tecnocrático que toma emprestado o vocabulário da economia, e mesmo que ela se restrinja em suas opções e em suas iniciativas pela gravidade decorrente da estrutura dos mercados, além de restrições físicas e tecnológicas, tem origem, como toda intervenção pública, no processo político. Portanto, além dos fatores econômicos e organizacionais que fundamentam o processo de multinacionalização, existe uma opção política e uma iniciativa estatal.

A ajuda à concentração

O liberalismo prevê que a intervenção do Estado na economia deve se limitar à manutenção da concorrência e à ação das práticas restritivas que chamam atenção para os interesses dos consumidores e da coletividade. É à aplicação deste princípio que devemos a existência, na maioria dos países industrializados, de regulamentações antimonopólios. Estas, fundamentadas no ideal e na teoria, mostraram-se muito impotentes diante dos imperativos que presidiram a onda de fusões no fim dos anos sessenta e no início dos anos setenta. Na época, a grande empresa era sinônimo de crescimento, o que, em um período de expansão, se manifesta pela capacidade de exercer um poder de controle sobre o mercado. Hoje, enquanto as perspectivas são cada vez mais incertas, a concentração faz ainda parte dos “mecanismos da competitividade”. Concentrando seus recursos sobre um número limitado de atividades, a empresa se especializa nas operações mais rentáveis e nas que parecem ser as mais promissoras. Fato novo, esta racionalização se produz, desde então, para os maiores grupos, em uma escala multinacional.18 18 Ch. Michalet et alii, Nationalisations et Internationalisation. Stratégies des Multinationales Françoise dans la Crise, Paris, La Découverte/Maspéro, 1983, p. 122. Neste novo contexto, as leis antimonopólios parecem ultrapassadas. A concorrência internacional acentuada torna aceitáveis, ao nível das economias nacionais, índices elevados de concentração. Esta situação incita os governos a burlar sua própria regulamentação antimonopólio.19 19 OCDE, Positive Adjustment Policies, Paris, 1983, p. 11. Uma vez que a concorrência se desdobra a nível mundial, todos os produtores e todos os países, não fosse para defender sua produção, sentem-se obrigados a fazer o jogo da internacionalização dos mercados. A concentração passa a ser, então, uma necessidade que deve ser encorajada pelos poderes públicos. E as EMN, nós o sabemos, são as grandes empresas dos mercados oligopólicos.

A penetração das firmas americanas na Europa e a criação da Comunidade Econômica Europeia levaram os Estados europeus a se engajar ativamente, ao longo dos anos sessenta na políticas que favorecem a criação de empresas de grande porte.20 20 R. Delorme e C. André, L ‘Etat et l’Économie, Paris, Seuil, 1983, p. 294. Na Europa, a Inglaterra, a França e a Alemanha aplicaram medidas nesse sentido. Em contextos econômicos diferentes, o Japão e os Estados Unidos também foram em auxílio de suas maiores empresas.

A resposta inglesa ao “desafio americano” toma, em 1967, a forma da Industrial Reorganization Corporation (IRC) cuja função principal consistia em promover a fusão de empresas de maneira a dar origem a firmas de porte internacional.

Arrastada pela derrocada da indústria britânica, a IRC (abolida pelos conservadores e depois ressuscitada em 1972 pelos trabalhistas com o nome de National Enterprise Board) destinou a quase totalidade de seus recursos (91% em 1979) à manutenção de algumas das maiores empresas (British Leyland, Rolls-Royce, Alfred Herbert).21 21 S. Young e A. V. Lowe, Intervention in the Mixed Economy, Londres, Croom Helm, 1974, p. 84; J. Zyrnàn, Governments, Markets and Growth, Nova Iorque, Cornell University Press, 1983, p. 217; I. Magaziner e R. Reich, Mindig America’s Business, Nova Iorque, Vintage, 1982, p. 303; W. Grant e S. Wilks “British Industrial Policy: Structural Change, Policy Inertia”, Journal of Public Policy, vol. 3, n. 1, fev. 1983, pp. 13-28; T. Smith; “The United Kingdom”, in R. Vernon (ed.), Big Business and the State, Cambridge, Harvard University Press, 1974, p. 93. Desde o fim dos anos sessenta a concentração, que progrediu acentuadamente ao longo dos dez últimos anos, dispara. Os empresários preferem orientar-se, dada a. incerteza da conjuntura, para a diversificação das atividades, e abandonar a concentração horizontal.

Ao sair da guerra, a França empreende a modernização de seu aparelho produtivo. Uma vez terminada a reconstrução do pós-guerra, várias crises setoriais (estaleiros, siderurgia) fazem surgir a necessidade de uma política de adaptação às condições geradas pelo Mercado Comum. É a isto que se dedicará o V Plano (1965-1970). Para atingir o limite da competitividade internacional, a constituição de grandes grupos foi diretamente estimulada. Assim, são criadas disposições fiscais e programas de subvenção para facilitar a concentração.22 22 Ch, Michalet, “France”, in R. Vernon (ed.), Big Business and the State, op. cit., p. 109.

O Estado francês toma a iniciativa de propor uma verdadeira reformulação das estruturas produtivas tanto no setor público quanto no setor privado. Grandes grupos chamados champions nationaux são criados pelo reagrupamento das principais firmas nas indústrias julgadas estratégicas (petróleo, química, informática, eletrônica...).23 23 M. Bauer e E. Cohen, Qui Gouverne les Groupes Industriels?, Paris, Seuil, 1981, p. 108. Os grandes grupos assim constituídos, CGE, Machines Bull, PUK, Rhône-Poulenc, Saint-Gobain, Thomson, etc. serão nacionalizados, em 1982, pelo governo socialista.

A partir de considerações referentes à “independência nacional”, o governo francês se engaja ativamente na realização de “grandes programas”. Entre 1966 e 1971, o Estado francês consagra perto de 12 bilhões de francos a cinco ramos de indústria: siderurgia, informática (Plan Calcul), construção naval, aeronáutica e espacial. Os mercados públicos são igualmente concentrados. A reserva de mercado concedida permite às empresas investir e modernizar-se. É assim que, em 1971, os vinte e cinco primeiros fornecedores da produção aeronáutica e espacial obtém 97% de pedidos, sendo que essa porcentagem é de 94% no setor de material de telecomunicações.24 24 R. Delorme e C. André, L’Etat et l’Économie, op. cit., p. 263.

A crise energética e uma mudança de governo levam, em 1974, a uma reorientação da política de sustentação da indústria. A abordagem setorial é abandonada em proveito de “programas de desenvolvimento”, tomando a forma de contratos entre o Estado e a empresa. Uma vez que os setores beneficiados são os mesmos do período anterior, a concentração da distribuição da ajuda não foi modificada. A aeronáutica recebe 37% da ajuda, a eletrônica e a informática 15% e a construção naval, 11% - seis grupos industriais, perfazendo menos de 10% do valor atribuído ao conjunto da indústria, recebem, assim, 50% da ajuda financeira destinada à indústria.25 25 Ibidem, pp. 281 e 298; M. Bauer e E. Cohen, Qui Gouverne les Groups Industriels? op. cit., p. 102.

Servida por uma estrutura industrial e melhor adaptada para fazer face à concorrência internacional, a Alemanha não precisou empreender uma operação de envergadura para modificar sua estrutura produtiva. Já em consequência da reconstrução do pós-guerra, a concentração avançou muito. Em 1975, 15 das 30 maiores empresas da Europa continental são alemãs e, para conquistar os mercados estrangeiros, a formação de cartéis é, senão autorizada, pelo menos tolerada. Intencionalmente, e tanto quanto a situação econômica e política o permitisse (o que se torna cada dia mais difícil), o governo alemão recusou sistematicamente a se engajar em uma política de ajuda setorial às indústrias em declínio, mesmo no caso de grandes empresas. Em contrapartida, a ajuda à pesquisa e ao desenvolvimento, atribuída pelo Ministério da Tecnologia, foi bastante concentrada. As dez primeiras firmas beneficiárias recebem 40% dos créditos.26 26 Y. Brozen, Concentration, Mergers, and Public Policy, Nova Iorque, Macmillan, 1982, p. 372; J. Zysman, Governments, Markets and Growth, op. cit., p. 252.

Se a situação da indústria se apresenta de maneira bem diferenciada no Japão, a forma de intervenção privilegiada pelo Estado se assemelha, todavia, às políticas aplicadas na França no fim dos anos sessenta. É assim que nos setores julgados prioritários, o governo autoriza a formação de cartéis, deixando, entretanto, às empresas privadas plena autoridade para a realização dos objetivos que definissem. Estes acordos reúnem, geralmente, as maiores empresas do país, tendo como consequência o fato de que os grandes grupos industriais e financeiros (zaibatsu) aumentaram seu controle sobre a economia.

Segundo Johnsons, os japoneses não fizeram senão sistematizar o tipo de relação privilegiada entre o Estado e a indústria que é aplicado nos Estados Unidos para tudo o que diz respeito à defesa e às indústrias estratégicas.27 27 C. Johnsons, MITI and the Japanese Miracle, Stanford, Stanford. University Press, 1982, pp. 310-311. Assim, a ajuda federal americana é disponibilizada às empresas com base em projetos que reúnem as maiores firmas dos setores da aeronáutica, dos semicondutores, da informática, dos equipamentos de comunicação.28 28 I. Magaziner e R. Reich, Minding America’s Business, op. cit., p. 242.

As modalidades de intervenção pública

Assegurar o crescimento é objetivo prioritário perseguido pelas políticas econômicas do Estado. As modalidades de intervenção pública mudam segundo a conjuntura internacional e a natureza dos pontos de estrangulamento identificados localmente. Assim, as tarifas, as subvenções, as isenções fiscais, os mercados públicos são, igualmente, instrumentos de ajuda à indústria. Mesmo se o Estado não visasse, através de medidas discriminatórias, favorecer diretamente a grande empresa, esta se encontraria, de maneira geral, em situação privilegiada para aproveitar-se das políticas públicas. Acontece frequentemente que esta vantagem estrutural força os governos a introduzir programas reservados às pequenas e médias empresas (PME). O viés que favorece as grandes empresas é encontrado no caso da política comercial, ao nível das subvenções aos setores de ponta, ao da fiscalização e no âmbito dos mercados públicos. Em relação ao conjunto das modalidades de intervenção mobilizadas pela política industrial, a grande empresa parece usufruir de uma vantagem estratégica determinante.

A queda das tarifas alfandegárias que se busca desde o fim da Segunda Guerra Mundial (somente as barreiras não tarifárias tiveram, recentemente, uma certa alta), ao contribuir diretamente para o desenvolvimento das trocas comerciais, favoreceu as grandes empresas, que, frequentemente exportam uma parte significativa de sua produção. A queda das barreiras tarifárias provocou a modificação da organização da produção; e as empresas procuram promover-se ou beneficiar-se dos fatores de produção aonde eles forem menos caros. É assim que uma grande parte do aumento das trocas comerciais é atribuído ao comércio “intrafirmas”. A grande empresa é duplamente privilegiada, pois ela é também a principal beneficiária de inúmeras, e frequentemente muito generosas, subvenções às exportações (particularmente na atual conjuntura, já que os grandes pedidos de equipamento são raros e que o mercado mundial se retrai).

Para os setores em expansão, ajuda pública serve principalmente para bonificar os investimentos em P&D. A escolha dos setores é aqui determinante, pois daí decorre a importância da ajuda concedida às grandes empresas. Assim, o setor aeronáutico e o nuclear são setores dominados, em escala internacional, por um número reduzido de grandes empresas onde os investimentos em P & D estão na base do processo de concorrência e para os quais a ajuda pública é, ao mesmo tempo, abundante e essencial. Como já tivemos a oportunidade de constatar, na Alemanha, nos Estados Unidos, na França e no Japão, e certamente no conjunto das economias ocidentais, as indústrias que têm aplicações militares diretas (aeronáutica, eletrônica, informática) às quais se agregam as indústrias estratégicas (energia, química) também são consideradas prioritárias. Acontece que o investimento exigido para um projeto, mesmo generosamente subvencionado, torna-se pesado para uma única empresa. É por isso que o Estado é levado a autorizar a formação de cartéis, seja unicamente para o desenvolvimento do novo produto, seja para o conjunto das operações de concepção, produção e comercialização. Esta estratégia, corrente no Japão, é atualmente aplicada nos Estados Unidos. Um cartel para a concepção e a produção da próxima geração de computadores foi autorizado recentemente pelo Ministério da Justiça.

Uma proporção importante das transferências Estado-indústria se realiza pelo viés da fiscalização. Os abrandamentos fiscais, seja sob forma de deduções, isenções ou créditos de impostos, representam, na Alemanha, nos Estados Unidos e no Canadá, a principal forma de ajuda à indústria. Aí também aparece o viés dos instrumentos de intervenção em favor da grande empresa.29 29 G. Bannock, The Smaller Business in Britain and Germany; Londres, Wilfon, 1976; A. Feld, Tax Policy and Corporate Concentration, Lexington, Heat & Co., 1982; A. Biais et alii, “Les Avantages Fiscaux du Gouvernement Fédéral à l’Industrie Manufacturiêre Canadienne”, Notes de Recherches, n. 13, Dept. de Science Politique, Université de Montréal, 1983. Com efeito, os abrandamentos fiscais sob forma de dedução bonificam o investimento, o que supõe que a empresa apresenta um balanço positivo e possui um bom nível de rentabilidade. Os créditos de impostos servem para diminuir o imposto a pagar; eles são tanto mais significativos quanto os lucros obtidos se elevarem. Estas medidas não se destinam nem às empresas em declínio nem às empresas em formação, que mais necessitariam destes auxílios.30 30 I. Magaziner e R. Reich, Minding America’s Business, op. cit., p. 244.

Na Alemanha e na França a fiscalização das empresas foi modificada para facilitar a concentração. O mesmo aconteceu nos Estados Unidos. Assim, as isenções concedidas para estimular os investimentos de capitais têm por efeito a redução do custo líquido de compra de ativos. As provisões contidas na lei americana autorizando a accelerated depreciation allowance e o investment tax credit têm efeito discriminatório que favorece as grandes empresas.31 31 B. Blueston e B. Harrison, The Deindustrialization of America, Nova Iorque, Basic Books, 1982, p. 127. Análises similares foram feitas para os sistemas fiscais inglês e alemão.32 32 G. Bannock, The Smaller Business in Britain and Germany, op. cit., p. 66.

Os mercados públicos, nós vimos, são igualmente muito concentrados. As compras do Estado são agrupadas nos setores onde dominam as grandes empresas, como a aeronáutica, a eletrônica e as comunicações. Fazer negócio com o número limitado de fornecedores apresenta, para o comprador, numerosas vantagens. Em situação monopsônica, o Estado está em boa posição para realizar uma verdadeira estratégia de desenvolvimento industrial. O controle rigoroso das especificações técnicas, a homogeneidade das series, a uniformidade da qualidade, o respeito aos prazos de entrega, a escolha dos procedimentos de fabricação e até as decisões concernentes ao ritmo dos investimentos também são restrições que o Estado comprador pode impor à empresa.

Evidencia-se, portanto, que a grande empresa, pela flexibilidade e alcance de seus meios, encontra-se em uma posição privilegiada para tirar proveito dos programas governamentais. Além disso, a grande empresa, porque parece mais eficaz e porque, no estrito plano econômico, tem melhores garantias, impõe-se ao Estado como interlocutora privilegiada. É assim que a intervenção pública não apenas beneficia principalmente as EMN, mas é, frequentemente, concebida em particular para todos os programas concernentes aos setores de ponta, de maneira a eliminar o essencial do risco financeiro associado às operações de P & D de envergadura, em função destas. Não é raro que esta bonificação do investimento pelos poderes públicos, na medida em que ela desemboca na comercialização de um produto novo, serve de trampolim para a empresa com vistas à sua expansão.

A vantagem política da grande empresa

Seria falso crer que a grande empresa recebe do Estado ajuda em proporção mais importante que sua contribuição ao produto nacional pelo simples fato representado pela sua eficácia (aliás amplamente contestada) enquanto produtor e administrador. Por outras razões - estas não mais econômicas, mas referentes à análise organizacional e política - constata-se que uma nítida convergência de interesses, entre as grandes empresas e os altos tecnocratas, tende a se instalar. No final da guerra, logo que os governantes, inquietos com a evolução econômica, anunciaram sua intenção de conservar para o Estado, mesmo em tempo de paz, um papel econômico decisivo, o setor privado, cético, mas pragmático, não tardou a reagir. Num primeiro momento, o patronato exigiu garantias com base no princípio e nas formas de exercício da liberdade de empresa. Num segundo momento, ele se mobilizou para se impor como interlocutor privilegiado do Estado e principal beneficiário de suas políticas.

Porque agrupavam o conjunto dos empresários, as associações· patronais também refletiam os interesses das pequenas empresas então majoritárias. No plano político, essas associações eram geralmente fracas. Para dialogar com o Estado e assegurar uma autonomia política maior frente ao conjunto do patronato, os empresários das grandes empresas não tardaram a formar sua própria organização, nos casos em que não haviam assumido o controle das associações nacionais existentes. Na França, em 1969, era fundada a associação das grandes empresas francesas. Nos Estados Unidos, os dirigentes das maiores empresas reuniram-se desde 1972 no seio do Business Roundtable. Na Inglaterra, as grandes firmas assumiram o controle da Confederação da Indústria Britânica, assim como elas dominam à Federação da Indústria Alemã. Enfim, nada se faz sem acordo e a participação dos grandes grupos financeiros e industriais.

Se, no nível econômico, a manutenção das condições propícias ao crescimento empurra o Estado a sustentar a atividade produtiva das grandes firmas, esta tendência é reforçada, no nível político, pela ambiguidade dos sindicatos patronais, forçados a exprimir uma posição coletiva em um contexto econômico de concorrência. Esta confusão permite às grandes empresas aparecer como os interlocutores naturais e legítimos dos poderes públicos. O jogo político, tal como ele se dá no seio dos organismos de representação, tem, portanto, o efeito de reforçar a vantagem econômica da grande empresa.

Se considerarmos a outra vertente da relação Estado-indústria, é certo que, para ser legítima, a representação dos interesses deve ser reconhecida pelo poder. Ora, para realizar seus objetivos econômicos, a burocracia tem necessidade da grande empresa, de sua perícia e da sua confiança. É a empresa que conhece o mercado, a tecnologia, os caminhos da produção e a rede de comercialização nacional e internacional. Enfim, é sobre os dirigentes da empresa que receba, em última instância, a decisão de investir; os poderes públicos não podem senão encorajar, convencer e estimular. Em raros casos, onde o Estado dá provas de voluntarismo, isto é, quando ele define de maneira extraeconômica as prioridades de investimentos (os setores estratégicos), quer isso signifique ampliação ou retraimento, é essencial que o setor privado participe do projeto. Aqui, ainda, a grande empresa tem os meios e a vantagem de jogar aberto frente aos poderes públicos.33 33 K. McGuaid, Big Business and Presidential Power, Nova Iorque, Morrow, 1983, p. 59; D. Vogel, “The Power of Business in America: A Re-appraisal”; British Journal of Political Science, n. 13, p. 34; J. Hayward, “Employers Associations and the State in France and Britain”, in S. J. Warnecke e E. N. Suleiman (eds.), Industrial Policies in Western Europe, Nova Iorque, 1975, p. 134; J. Zysman, Governments, Markets and Growth, op. cit., p. 253.

A ASCENSÃO DAS EMN DE ESTADO

O exemplo mais eloquente da atividade do Estado enquanto produtor e distribuidor de vantagens nos é fornecido pela expansão rápida, desde há alguns anos, das empresas públicas multinacionais. Estas são, com frequência, a consequência direta das políticas industriais que acabamos de descrever.

O crescimento das sociedades estatais em termos de número e de porte relativo nos países capitalistas desenvolvidos ou em desenvolvimento não deixa dúvidas. Em 1983, havia 56 empresas públicas (ou 19%) entre as 300 maiores companhias industriais fora dos Estados Unidos. Dez anos antes elas não eram mais do que 31, ou 10%.34 34 Fortune, 20.8.1984; agosto 1974. Elas são ainda mais nitidamente numerosas nas indústrias de base, como a produção de combustíveis, de metais ou nos transportes. São, também, cada vez mais frequentes em setores como o químico, automobilístico, aeronáutico e eletrônico.35 35 ONU, CST, Les Sociétés Transnationales dans le Dévoloppement Mondial, Troisiêne Étude, Nova Iorque, 1983, pp. 57-59. Hoje, de fato, nenhum setor de atividade está interditado às empresas públicas. Como já dissemos mais acima, os Estados servem-se das empresas nacionais ou sob controle governamental para reestruturar indústrias, assegurar recursos energéticos no país ou no exterior ou conquistar firmas de porte adequado para derrubar barreiras financeiras ou tecnológicas.

Mais de 40 grandes empresas públicas fora dos Estados Unidos já atingiram, ou estão em vias de atingir, o nível de multinacionalização.36 36 Por firma multinacional ou transnacional entendemos uma sociedade que produz bens ou serviços em pelo menos cinco países além do país de origem. São as empresas estatais dos países industriais avançados que são as mais transnacionais (Quadro 1). Algumas destas sociedades nasceram como empresas públicas: é o caso, por exemplo, de várias companhias petrolíferas, entre as quais a Compagnie Française de Pétrole (CPF), em 1924, Elf Aquitaine em 1965, Hispaniol em 1965 ou Pétro-Canadá em 1975. Muito frequentemente sua criação e sua expansão para além das fronteiras de seus países deveu-se à necessidade de assegurar um provisionamento de petróleo. A maioria delas, entretanto, foi nacionalizada assim que atingiu um certo grau de multinacionalização enquanto empresas privadas. É o caso, por exemplo, da Renault (nacionalizada em 1945) e British Steel (em 1976).

Quadro 1
Empresas estatais multinacionais em 1983

A tendência geral para o crescimento em número, porte e grau de multinacionalização das empresas estatais conhece significativas diferenças segundo o país. Enquanto nenhuma EMN de Estado é originária dos Estados Unidos, a França conhece mais de uma dezena delas, das quais muitas são originárias da onda de nacionalização de 1982. Assim, cinco grandes multinacionais francesas foram expropriadas em fevereiro de 1982 (a Compagnie Générale d’Electricité, St. Gobain-Pont à Mousson, Thomson-Brandt, Péchiney e Rhône-Poulenc). Além disso, o Estado francês adquiriu “amigavelmente” participações no controle de sociedades que possuem atividades internacionais não negligenciáveis (a Société Aéronautique Marcel Dassaut, Matra e a Compagnie Générale des Constructions Télêphoniques), reforçou seu controle sobre a multinacional Compagnie Internacionale d’Informatique Honeywell Bull e assumiu uma parte minoritária (“minoria de bloqueio”) na transnacional francesa sob controle alemão Roussel-Uclaf. Enfim, o Estado nacionalizou vários bancos e companhias financeiras multinacionais sob controle francês. Adquiriu o controle de dois grupos siderúrgicos domésticos (Usinor e Sacilor), transformando legalmente suas dívidas em ações.37 37 A. G. Delion e M. Durupty, Les Nacionalisations, 1982, Pris, Economica, 1982. Das vinte maiores empresas francesas multinacionais, dez pertencem, hoje, ao Estado.38 38 A partir dos dados de J. Savary, Les Multinationales Françaises, Paris, PUF-IRM, 1981, p. 46.

No extremo oposto, a Grã-Bretanha passa numerosas estatais para o setor privado após a eleição do governo conservador em 1979. Entre esta data e 1984, a administração da Sra. Thatcher reduziu seu controle sobre a British Petroleum de 49% a 32%; vendeu a parte mais rendosa da B. L. (Jaguar Cars), e se prepara para vender a British Steel, sem contar a privatização de numerosas outras empresas estatais com pouca ou nenhuma atividade transnacional.39 39 The New York Times, 7.10.1984, p. 4 F.

O controle estatal não suprime o impulso de multinacionalização. Assim, a Renault adquiriu, em 1980, o controle minoritário, mas efetivo da American Motors e, em 1981, da Mack, as duas nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, a Elf-Aquitaine comprova a multinacional americana Texas Gulf com a bênção do novo governo socialista. Em 1984, a Péchiney construiu uma gigantesca usina de alumínio em Quebec para penetrar no mercado norte-americano. Quanto às multinacionais de Estado Polysar e Pétro-Canada, buscam sua diversificação geográfica tanto sob o governo liberal quanto sob o conservador. No nível de sua estratégia de implantação, as EMN de Estado, mesmo socialistas, não diferem umas das outras.

As vantagens das sociedades estatais sobre suas concorrentes privadas foram sublinhadas tanto pelos partidários quanto pelos adversários das empresas públicas. K. D. Walters e R. J. Monsen, criticando a expansão, do seu ponto de vista excessiva, das empresas estrangeiras de Estado, enumeram seus trunfos sobre as grandes empresas privadas: as empresas públicas não têm necessidade de produzir lucro, não temem falência, não precisam pagar dividendos (e frequentemente nem impostos), desfrutam de seu acesso preferencial ao financiamento público, recebem numerosos pedidos governamentais e subsídios em produção, a elas é concedido o monopólio (total ou pelo menos uma parte dominante) sobre o mercado doméstico.40 40 K. D. Walters e R. J. Monsen: “State Owned Business Abroad: New Competitive Threat”, in Harvard Business Review, março-abril 1979, pp. 160-170; ver o mesmo tipo de análise em D. F. Lamont: Foreign State Enterprise, A Threat to American Business, Nova Iorque, Basic Books, 1979.

Os partidários das empresas públicas, mesmo reconhecendo que os governos fornecem numerosas vantagens para as estatais, afirmam que trunfos semelhantes são oferecidos às grandes empresas privadas, seja para manter o emprego, para promover exportações ou para desenvolver indústrias de alta tecnologia. Além disso, na maioria, as estatais, tanto na Europa Ocidental quanto no Canadá, são rentáveis.41 41 Y. Aharoni, “The State-Owned Enterprise as a Competitor in International Markets”, Columbia Journal of World Business, primavera 1980; para o Canadá, ver J. Niosi: La Bourgeoisie Canadienne, Montreal, Boreal Express, 1980, cap. 5.

Aharoni explicou a oposição ao crescimento e à internacionalização das·empresas públicas:

“Talvez muito da oposição ao crescimento das empresas estatais é simplesmente uma tentativa de manter a balança da indústria oligopólica - seja ela automobilística, aeroespacial, aeronáutica, mini eletrônica ou de recursos naturais - contra mudanças estruturais causadas por recém-chegados”.42 42 Aharoni, ibdem.

A ascensão das EMN de Estado não teve lugar unicamente em países industrializados avançados: elas se manifestam também nos principais NPI; (Brasil, México, Taiwan, Coréia do Sul, etc.) e semi-industrializados (Argentina, Índia, Turquia, etc.). O Quadro 2 apresenta algumas informações sobre as principais empresas estatais dos países menos desenvolvidos que estão em vias de multinacionalização. Pode-se constatar a predominância quase absoluta (9 em 14, ou seja, 64%) das empresas petrolíferas, o restante sendo de firmas dedicadas à extração e/ou de refinamento de metais, notadamente as siderúrgicas.

Quadro 2
Empresas estatais do terceiro mundo, em vias de multinacionalização

Com três multinacionais de Estado em formação, o Brasil ocupa uma categoria especial entre os países do Terceiro Mundo. PETROBRÁS, sua empresa petrolífera de Estado, explora em diversos países (China Popular, Angola, Argélia, Líbia, Guatemala, Iraque, Trinidad-Tobago e Nigéria). Entre 1972 e 1981 ela havia acumulado IDE em um valor de 550 milhões de dólares americanos, e muitas das prospecções foram bem-sucedidas e estão em desenvolvimento. As Outras empresas brasileiras em via de internacionalização são a Companhia Siderúrgica Nacional (aço) e a Companhia Vale do Rio Doce (minas de ferro), mas sua implantação estrangeira é muito menos avançada do que a da PETROBRÁS.43 43 A. Villella, “Multinationals from Brazil”; in S. Lall (ed.), The New Multinationals, Nova Iorque, Wiley, 1983. Entre as outras EMN de Estado do Terceiro Mundo, a Kuwait Petroleum se destaca nitidamente. Proprietária, desde 1981, da Santa Fé International Co., nos Estados Unidos, ela adquiriu em 1983-84 as filiais belga, holandesa, luxemburguesa, dinamarquesa, sueca e italiana da Gulf Oil e torna-se, assim, uma verdadeira EMN de Estado e a primeira a se integrar com os países industriais avançados. Além disso, a Kuwait Petroleum possui refinarias na Itália, na Dinamarca, nos Países Baixos, e uma rede muito extensa de estações de serviço que lhe permite escoar na Europa uma parte de sua própria produção petrolífera.44 44 Wal1 Street Journal, 2.2.1983, p. 4; 1.3.1983, p. 40; 11.5.1983, p. 14; 12.1.1984, p. 2. Este modelo é tão notável que as EMN do Terceiro Mundo, públicas ou privadas, têm escolhido, quase sempre, países menos avançados como local de implantação de suas filiais estrangeiras.45 45 L. J. Wells Jr. Third World Multinationals, Cambridge, Mass., MIT Press, 1983.

A vantagens das EMN de Estado do Terceiro Mundo são parcialmente semelhantes às das empresas públicas dos países desenvolvidos, e elas decorrem das mesmas políticas industriais. Outras vantagens “governamentais”, estas, sim específicas, decorrem das tentativas de colaboração entre governos do Terceiro Mundo e das preferências de certos governos-sede dos países em desenvolvimento para firmas de outros países em desenvolvimento. Assim, a maior empresa pública argentina, YPF, empresa petrolífera de Estado, tem associados locais em suas atividades estrangeiras na Bolívia, Equador e Peru.46 46 J. Katz e B. Kosacoff, “Multinationals, from Argentina”, in S. Lall (ed.) The New Multinationals, op. cit.

Sublinhamos, enfim, que a as vantagens das EMN de Estado, tanto as dos países industrializados quanto as do Terceiro Mundo, não são unicamente de tipo governamental ou externo. Para sobreviver à concorrência internacional, estas firmas, frequentemente recém-chegadas, devem possuir aparatos tecnológicos, comerciais e organizacionais próprios. O financiamento público, entretanto, tem sido o meio para que obtenham outras vantagens.

CONCLUSÃO

A síntese teórica emergente sobre as empresas multinacionais afirma que estas são capazes de gerar suas próprias vantagens graças a seus investimentos em P & D, em marketing e em administração. O Estado aparece apenas como um elemento externo, mais frequentemente modificando suas estruturas (seja para a criação de instituições estatais supranacionais, seja reduzindo suas funções econômicas) como consequência da expansão internacional das empresas.

Sustentamos que, ao lado destas vantagens “internas” ou “autogeradas”, existem outras vantagens, “externas” ou “induzidas”. As vantagens induzidas pelo Estado de origem nas empresas transnacionais estão entre as mais importantes. Quer se trate de banir legalmente a concorrência nas colônias ou de ajudar financeiramente a implantação de filiais nos territórios sob controle político antes de 1945-1950, de financiar a R & D com fundos públicos, reduzir o fardo fiscal das grandes firmas nos setores prioritários ou de distribuir subvenções após 1950-1960 sob o manto da política industrial, o resultado é o mesmo. O Estado é uma poderosa alavanca de multinacionalização, direta ou indireta.

As teorias existentes sobre as EMN observaram certos mecanismos de intervenção direta: taxação aliviada, créditos para as exportações, seguro-investimento no exterior. Estes mecanismos são, entretanto, apresentados como fatores externos e excepcionais, de eficácia reduzida. O caso do Japão, onde a utilização de auxílios diretos à multinacionalização das indústrias tradicionais (têxteis, confecções e calçados) e poluidoras (refino de metais não-ferrosos) é generalizado, é igualmente apresentado como um caso especial, exceção que não invalida a regra da não intervenção do Estado.47 47 T. Ozawa, Multinationalism, Japanese Style, op. cit. Sustentamos aqui que os mecanismos de promoção indireta de internacionalização, resumidos sob o rótulo de política industrial, no plano econômico são, no mínimo, igualmente importantes. Além disso, sua importância continua crescendo, pois a situação atual da concorrência internacional impõe aos Estados a obrigatoriedade de sustentar (ou, em sua ausência, construir), “campeões nacionais” de porte mundial. A ajuda à concentração industrial, a sustentação dos campeões nacionais, está na base de um “efeito perverso” não desejado48 48 Sobre o conceito de efeito perverso, ver R. Boudon, Effets Pervers et Ordre Social, Paris, PUF, 1983. pelas políticas industriais: uma vez solidamente implantada no plano nacional, a grande empresa se lança na produção internacional. Várias das novas multinacionais canadenses no ramo da indústria petrolífera, das comunicações e da engenharia surgiram “involuntariamente” das políticas nacionalistas regionais e federais dos anos sessenta e setenta.49 49 Niosi, “La multinacionalisation des pêtroliêres canadiennes”, L ‘Actualité Économique, vol. 60, n. 1, pp. 106-121; J. Niosi, “L’Expansion Internacionale des Mass-media Canadiens”, Communication Informatique, 1984, vol. 7, n. 1, pp. 7-29. E poderíamos, igualmente, encontrar na história das grandes empresas transnacionais, estabelecidas há mais tempo, a absorção de vantagens estatais “externas” paralelamente à geração “interna” de vantagens próprias. Mas isso seria assunto para uma outra pesquisa.

O jogo da concorrência internacional força os Estados a se enfrentarem, através de suas maiores empresas. As políticas industriais tendem, assim, a reforçar (e, quando necessário, a criar) campeões nacionais, os que exportam, que remetem os lucros para seus países de origem, que asseguram a provisão de matérias-primas e de energia. Desde que o setor privado se mostre incapaz de superar obstáculos financeiros, tecnológicos ou comerciais com o surgimento de campeões nacionais em um oligopólio internacional bem estabelecido, o Estado pode criar, peça por peça, empresas públicas primeiramente para retomar o controle do mercado interno, depois para ganhar mercados estrangeiros. As empresas públicas multinacionais representam o estado mais avançado das políticas industriais colocadas em prática. O número sempre crescente de empresas estatais e sua expansão internacional contínua nos forçam de maneira mais direta a repensar a síntese teórica, para nela incluir o Estado enquanto elemento maior da multinacionalização das empresas.

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  • 24
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  • 25
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  • 26
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  • 27
    C. Johnsons, MITI and the Japanese Miracle, Stanford, Stanford. University Press, 1982, pp. 310-311.
  • 28
    I. Magaziner e R. Reich, Minding America’s Business, op. cit., p. 242.
  • 29
    G. Bannock, The Smaller Business in Britain and Germany; Londres, Wilfon, 1976; A. Feld, Tax Policy and Corporate Concentration, Lexington, Heat & Co., 1982; A. Biais et alii, “Les Avantages Fiscaux du Gouvernement Fédéral à l’Industrie Manufacturiêre Canadienne”, Notes de Recherches, n. 13, Dept. de Science Politique, Université de Montréal, 1983.
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  • 31
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  • 32
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  • 33
    K. McGuaid, Big Business and Presidential Power, Nova Iorque, Morrow, 1983, p. 59; D. Vogel, “The Power of Business in America: A Re-appraisal”; British Journal of Political Science, n. 13, p. 34; J. Hayward, “Employers Associations and the State in France and Britain”, in S. J. Warnecke e E. N. Suleiman (eds.), Industrial Policies in Western Europe, Nova Iorque, 1975, p. 134; J. Zysman, Governments, Markets and Growth, op. cit., p. 253.
  • 34
    Fortune, 20.8.1984; agosto 1974.
  • 35
    ONU, CST, Les Sociétés Transnationales dans le Dévoloppement Mondial, Troisiêne Étude, Nova Iorque, 1983, pp. 57-59.
  • 36
    Por firma multinacional ou transnacional entendemos uma sociedade que produz bens ou serviços em pelo menos cinco países além do país de origem.
  • 37
    A. G. Delion e M. Durupty, Les Nacionalisations, 1982, Pris, Economica, 1982.
  • 38
    A partir dos dados de J. Savary, Les Multinationales Françaises, Paris, PUF-IRM, 1981, p. 46.
  • 39
    The New York Times, 7.10.1984, p. 4 F.
  • 40
    K. D. Walters e R. J. Monsen: “State Owned Business Abroad: New Competitive Threat”, in Harvard Business Review, março-abril 1979, pp. 160-170; ver o mesmo tipo de análise em D. F. Lamont: Foreign State Enterprise, A Threat to American Business, Nova Iorque, Basic Books, 1979.
  • 41
    Y. Aharoni, “The State-Owned Enterprise as a Competitor in International Markets”, Columbia Journal of World Business, primavera 1980; para o Canadá, ver J. Niosi: La Bourgeoisie Canadienne, Montreal, Boreal Express, 1980, cap. 5.
  • 42
    Aharoni, ibdem.
  • 43
    A. Villella, “Multinationals from Brazil”; in S. Lall (ed.), The New Multinationals, Nova Iorque, Wiley, 1983.
  • 44
    Wal1 Street Journal, 2.2.1983, p. 4; 1.3.1983, p. 40; 11.5.1983, p. 14; 12.1.1984, p. 2.
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    L. J. Wells Jr. Third World Multinationals, Cambridge, Mass., MIT Press, 1983.
  • 46
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  • 47
    T. Ozawa, Multinationalism, Japanese Style, op. cit.
  • 48
    Sobre o conceito de efeito perverso, ver R. Boudon, Effets Pervers et Ordre Social, Paris, PUF, 1983.
  • 49
    Niosi, “La multinacionalisation des pêtroliêres canadiennes”, L ‘Actualité Économique, vol. 60, n. 1, pp. 106-121; J. Niosi, “L’Expansion Internacionale des Mass-media Canadiens”, Communication Informatique, 1984, vol. 7, n. 1, pp. 7-29.
  • JEL Classification: H11; F23; L33; P12; L32.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1986
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