RESUMO
Basil Moore, em trabalhos recentes, desenvolve sua concepção de dinheiro endógeno. Nas implicações, entenda que sua teoria apresenta incongruências em relação a algumas partes da teoria de Keynes. Este artigo apresenta comentários sobre a visão horizontalista, focalizando a incompatibilidade entre a preferência pela liquidez e a moeda endógena, apontada por Moore
PALAVRAS-CHAVE: Oferta de moeda; endogeneidade da moeda; pós-keynesianismo; história do pensamento econômico; Basil Moore
ABSTRACT
Basil Moore at recent work develops his conception of endogenous money. Into the implications, understand that his theory present incongruencies in relation to some parts the Keynes’ theory. This paper presents commentaries about horizontalist view, focalizing the incompatibility between liquidity preference and endogenous money, aimed for Moore.
KEYWORDS: Money supply; money endogeneity; post-Keynesianism; history of economic thought; Basil Moore
INTRODUÇÃO
Uma questão muito controversa dentro da macroeconomia é a que se refere à natureza da oferta monetária. O debate iniciou-se nos anos 20, envolvendo Currency School e Banking School1 e ressurgiu nos anos 60 quando a discussão foi retomada por monetarista e pós-keynesianos.
O pós-keynesianismo apresenta como principal característica a concepção de moeda endógena. Existem basicamente dois tipos de argumentação sustentando a teoria da endogeneidade da moeda: um de ordem política e outro de ordem técnica. A teoria da endogeneidade acomodativa, tendo como principais defensores Kaldor, Moore e Weintraub, postula a oferta monetária como horizontal ao nível da taxa de juros estabelecida pelo Banco Central, como decorrência da forma de ação das Autoridades Monetárias, que não tem outra opção senão sancionar a oferta de moeda demandada pelo sistema. A teoria estrutural propõe que, via inovações financeiras, os bancos fujam do controle de reservas por parte das Autoridades Monetárias e expandam seus empréstimos, tornando inviável o controle da oferta monetária.2 São os principais proponentes dessa visão autores como Minsky e Rousseas, entre outros.
Na perspectiva da teoria acomodativa, o Banco Central acomoda a demanda e, ao sancionar o aumento das reservas não-emprestáveis, afeta o custo, mas, em sua função de “assistência financeira de liquidez”, não exerce restrições quantitativas sobre reservas dos bancos comerciais.
Em outra perspectiva, o Banco Central consegue efetivar o controle das reservas via open, o que induz os bancos comerciais a adotar técnicas inovadoras de administração de passivo, implicando a geração de reservas no âmbito da própria estrutura financeira, embora o nível das reservas fornecidas não seja necessariamente o adequado. Mesmo entre pós-keynesianos existem divergências quanto ao próprio conceito de endogeneidade. Autores como Kaldor e Moore apresentam posicionamento extremista, defendendo a moeda como totalmente endógena ao sistema3 enquanto outros postulam a moeda em parte determinada pelo crédito e em parte determinada pelas ações do Banco Central.
A teoria da endogeneidade total configura a posição horizontalista, segundo a qual uma oferta perfeitamente elástica é uma condição para o funcionamento do sistema e, por conseguinte, deve ser representada por uma curva horizontal no espaço juros-dinheiro. A taxa de juros, preço de oferta das reservas, é determinada pelo Banco Central, em uma faixa delimitada por objetivos políticos4•
Agora, debate-se nas hostes pós-keynesianas5 a suposição de incompatibilidade da moeda endógena e o princípio da preferência por liquidez: Moore (1988), Rousseas (1986) e Chick (1993) são alguns nomes que entendem como incompatíveis as duas teorias, enquanto outros pós-keynesianos como Wray (1990), Dow (1996) e Cotrell (1992) apresentam abordagens conciliando as duas teorias.
Desse modo, este paper procura comentar alguns aspectos da teoria de Moore, contribuindo com o debate acima mencionado.
A TEORIA PURA DE BASIL MOORE
A posição horizontalista
Dentre vários conceitos de oferta monetária, os relevantes nas modernas economias são aqueles em que o crédito é o principal componente, uma vez que “nosso mundo” é regido pelo dinheiro-crédito. São as necessidades do setor produtivo que geram demanda por crédito bancário, e esta por sua vez determina a magnitude do estoque monetário.
Para que ocorra o crescimento da economia é necessário que alguém aceite a troca de ativos de menor liquidez por moeda (“liquidez por excelência”). Esta é a especialidade dos bancos e, por conta disso, o balanço patrimonial dos bancos é constituído de ativos menos líquidos que os passivos.
O Banco Central necessariamente supre as deficiências de reservas e liquidez, definindo a que taxa fará, isto é, determina, de modo exógeno, a taxa de juros, segundo alguma meta da sua política, e oferece qualquer quantidade de reservas sem alterar a taxa cobrada.
Os bancos comerciais modernos são agentes vendedores de crédito que como outras mercadorias dependem da demanda para sua produção. Tanto no mercado de depósitos quanto no de empréstimos os bancos agem como “fixadores” de preços e “tomadores” de quantidade, isto é, na captação estipulam o preço sobre os depósitos e aceitam qualquer quantidade e, nos empréstimos, estipulam o preço e fornecem qualquer quantidade.
Dessa forma, aumentos da oferta monetária não decorre m de “injeções” de reservas realizadas pelo Banco Central, e os empréstimos são criados a partir da iniciativa dos agentes econômicos.
A acomodação da oferta à demanda ocorre por meio do mercado de crédito. (Moore, 1988, p. 154). Assim, o processo de criação de moeda inicia-se com o aumento na demanda de crédito de curto prazo pelas empresas, para suprir necessidades de capital instrumental (em função de aumentos no volume a ser produzido). Os bancos concedem empréstimos ou abrem linhas de crédito e, ao efetuarem depósitos em nome dos emprestadores, estão aumentando a oferta de moeda.
Posteriormente, os bancos analisam a razão entre depósitos e reservas correspondentes e, caso seja constatada uma deficiência de reservas, solicitam recursos ao Banco Central para cobrir o nível de reservas. Quanto à igualdade entre oferta e demanda monetária, o pressuposto que garante o ajuste automático entre oferta e demanda de moeda é o de que os bancos mantêm um custo mais ou menos constante no fornecimento: o custo das reservas, em curto prazo, é determinado pelo Banco Central e os bancos comerciais aplicam um markup e atendem às solicitações de crédito.
Pode haver “racionamento” de crédito6 à iniciativa dos bancos, desencadeado por aumentos no custo ou maiores exigências de garantias, ampliando as margens de segurança (Moore, 1988, p. 24). No entanto, isso não é comum.
O comportamento do Banco Central, de sancionar aumentos na demanda por crédito expandindo seu portfólio de ativos e passivos proporcionalmente, não é compatível com o controle das reservas, mas ele “dita” as regras e os agentes sujeitam-se aos termos impostos pelas Autoridades Monetárias, ao fornecer os recursos necessários.
Como mencionado em passagens anteriores, parte-se do pressuposto de que os recursos necessários para manter as reservas dos bancos comerciais sempre são fornecidos pelos empréstimos do Banco Central.
Em síntese, a “visão horizontalista” se opõe à forma convencional de se conceber a oferta monetária: de acordo com a análise econômica hegemônica, a oferta de moeda é uma função direta da base monetária. As autoridades monetárias, impondo regras ao sistema bancário, criam uma conexão entre a oferta de crédito e alguma base primária (passivo bancário, oferta de ouro, reservas cambiais estrangeiras etc.). Dessa forma, a base monetária pode ser considerada uma variável exógena ao sistema, uma vez que pode ser controlada (Moore, 1988, p. 15).
Essa descrição do comportamento do Banco Central para reduzir ou elevar a base monetária não é adequada ao modo de funcionamento das economias monetárias modernas. Nessas economias a oferta monetária responde às variações na demanda. O Banco Central estipula a taxa de juros, segundo objetivos políticos, levando em conta o impacto do nível estipulado para a taxa de juro nos movimentos da economia.
Teoria da preferência por liquidez versus moeda endógena
A taxa de juros ocupa papel de destaque na teoria monetária de Keynes, pois é o referencial que pode determinar a conversão de um projeto em um investimento efetivamente realizado, ao demarcar o limite que a eficiência marginal do capital deverá atingir para que ele seja viável; quanto mais elevada a taxa de juro, maior deverá ser o retorno esperado para que o investimento seja concretizado. Por outro lado, a taxa de juro é a variável de controle dos movimentos de oferta e demanda por fundos, uma vez que é estabelecida em um patamar tal que induza os agentes a “abrir mão” da liquidez, equalizando, assim, a demanda por saldos monetários à quantidade de moeda existente na economia. Esquematicamente:
A cada taxa de juros os agentes desejam reter certo montante de moeda; a retenção atende a três finalidades: saldos para transação, precaução (ambas estáveis, dependentes da renda) e saldos para especulação (instável, varia conforme as expectativas dos agentes); portanto, é essa terceira forma de retenção que define a taxa de juros.
Em síntese, o comportamento da taxa de juro está atrelado à “pressão” que a preferência por liquidez exerce sob a quantidade de moeda existente para satisfazer o desejo de liquidez.7
Em Moore a taxa de juro é o preço da oferta de liquidez, estipulado pelo Banco Central, instituição responsável pela estabilidade do sistema financeiro. Ao fornecer reservas para as instituições bancárias, a taxa de juros nominal, de curto prazo, é determinada observando-se limites impostos por metas políticas; a taxa nominal de longo prazo resulta das ponderações dos agentes sobre a taxa futura do Banco Central.
O grau de poder discricionário do Banco Central é delimitado pela habilidade e disposição das Autoridades Monetárias em interferir forçosamente nos mercados financeiros, o que depende das técnicas de política monetária, da sensibilidade da economia às variações na taxa de juros, do grau de abertura da economia e de mobilidade do capital, entre outros (Moore, 1988, p. 264).
O lado real da economia afeta indiretamente a definição da taxa de juros, ao impor limites: o Banco Central, ao tomar medidas que afetarão a margem mínima de empréstimos (aumentando ou diminuindo a oferta monetária), leva em conta o impacto sobre as variáveis reais (produção, emprego, renda), agindo no sentido de evitar efeitos adversos na economia (desemprego, instabilidade do nível de preços, desequilíbrios no balanço de pagamento, entre outros) (Moore, 1988, p. 269).
Ou seja, a taxa de juros nominal de curto prazo, como preço de oferta de liquidez, é estabelecida em uma faixa que reflete a sensibilidade da economia ao comportamento dela. Por conseguinte, deve-se notar que o Banco Central não manipula a taxa nominal de juros de curto prazo, em função de flutuações na demanda por crédito. Com relação à taxa de longo prazo, cabe ressaltar que ela também é um fenômeno monetário e está estreitamente relacionada à de curto prazo, uma vez que essa última é um referencial para as ações especulativas dos agentes: a taxa de juros de longo prazo reflete as expectativas formadas pelos participantes do mercado, quanto às futuras taxas de curto prazo que serão fixadas pelo Banco Central.
Portanto, as decisões referentes a quanto de poupança e investimento reais eles querem empreender estão baseadas em antecipações (previsões) das taxas reais que prevalecerão enquanto durarem seus projetos. Ou seja, os agentes nas suas decisões levam em conta as taxas reais de retorno previstas (ex ante) durante o tempo de vida do instrumento financeiro.
As decisões dos agentes interagem na determinação da taxa de crescimento da renda agregada, consequentemente em índices macroeconômicos, como desemprego, utilização da capacidade instalada e taxa de inflação e de crescimento da economia (Moore, 1988, pp. 263-265), mas não determinam a taxa de juros.
Nesta análise, a taxa de juros (preço de oferta de reservas) é a variável exógena da política do Banco Central, o instrumento da política monetária.
Em síntese, o Banco Central não estipula um nível para a taxa de juros ou para o estoque monetário, mas a taxa nominal de curto prazo, e ela acomoda toda a demanda.
Assim, contrapondo-se às visões, nota-se que em Keynes o estoque monetário é considerado determinado exogenamente pelas Autoridades Monetárias e a taxa de juros é determinada a partir da oferta e demanda por moeda (determinada em função de estoques de ativos monetários); portanto, é endógena. Na abordagem de Moore ocorre o oposto: a oferta monetária é mostrada como endogenamente determinada, concepção essa amparada pelo argumento de que a oferta responde à demanda por moeda; assim, a taxa de juros não pode ser determinada pela interseção das curvas de oferta e demanda por fundos, pois elas não são independentes.
Na avaliação de Chick (1993, p. 133), o financiamento do investimento recebe de Keynes tratamento simplificado com a hipótese de que os bancos trabalham com capacidade excessiva de empréstimos ao nível da taxa de juro estabelecida segundo a preferência por liquidez e quantidade de moeda (exógena): “(... ) If investment rises, however, the assumption of an elastic supply of funds and exogenous money do not fit well together” (Chick, 1993, p. 133).
Da vertente formada por autores pós-keynesianos que discordam desse posicionamento, Cotrell (1992, p. 599) apoia-se na constatação de que demanda por crédito bancário não é o mesmo que retenção de moeda e segue argumentando:
1) A passividade dos bancos não quer dizer necessariamente que a demanda seja igual à oferta; 2) Demanda por moeda, em função de alterações na preferência por liquidez dos agentes, é diferente daquela que se manifesta pelos pedidos de empréstimos para investimentos produtivos: ao optar por uma posição mais líquida, os agentes dificilmente recorrerão a empréstimos, pois provavelmente venderiam alguns ativos menos líquido (causando queda nos preços e elevação nos rendimentos dos ativos); isso exigiria aquiescência por parte dos bancos, comprando a um preço fixo toda a série desses ativos; essa forma de “acomodação” é pouco provável.
Disso infere-se que a concepção de oferta monetária endógena pode ser compatível com importantes elementos da Teoria da Preferência pela Liquidez, desde que moeda endógena não implique ser oferta de moeda necessariamente igual à demanda.8 (Cotrell, 1992, pp. 599-600).
Nessa mesma direção, Dow (1996, pp. 497-50 7) procura mostrar que a Teoria da Preferência pela Liquidez, ao ser aplicada ao comportamento dos bancos, é compatível com a noção de moeda endógena.
A argumentação da autora está calcada na premissa de que a preferência por liquidez afeta a “ resposta “ da demanda por crédito (p. 497). Em sua avaliação, Moore, em muitas ocasiões, enfatiza a noção de endogeneidade derivada da percepção de que “facilities overdraft” nunca se esgotam (a criação de crédito ex ante pelos bancos viabiliza-se por meio desse mecanismo). Dow “ rebate” afirmando que a própria disponibilidade de facilities pode ser alvo de uma política de racionamento (Dow, 1996, p. 497).
A autora faz uma série de considerações a respeito da avaliação de risco:
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Evidências indicam que o “ humor” das instituições bancárias segue um padrão pró-cíclico - as expectativas pessimistas associadas à fase de queda do ciclo de atividades revertem a avaliação da credibilidade dos clientes (dada a redução no valor dos colaterais e das rendas futuras);
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Supondo-se que o risco varie contraciclicamente, maior risco implica maior prêmio, encarecendo os empréstimos; ou seja, empréstimos poderiam ser racionados via preços, à medida que a crescente percepção de risco é incorporada no prêmio.
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Aceitando-se a primeira premissa, pode-se inferir que os recursos das instituições comportam-se da mesma maneira9- conforme associa-se maior risco ao portfólio, aumenta-se a exigência de capital (das instituições) em relação ao quantum de empréstimos, restringindo ainda mais o crédito.
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Também o mercado de ações parece ter comportamento pró-cíclico, fazendo aumentar o custo do capital e a disponibilidade cair, na fase de baixa, impondo mais restrições exógenas à expansão do crédito (embora o timing dos bancos para avaliar situações de risco ocorra com defasagens)10.
Dow sintetiza seus questionamentos: “It is a matter of semantics whether or not the resulting availability of credit is termed ‘rationing’ (... ). The important point is that it is no longer the case that all demand for credit is met “ (Dow, 1996 p. 499).
Compartilhando da visão de outros autores11 (p. 498), Dow afirma que Moore menciona apenas superficialmente fatores que poderiam impedir a liberalização do crédito12.
O horizontalismo comporta a ideia de racionamento na determinação da taxa de juros pelas Autoridades Monetárias. Se a proposição de que “toda a demanda é coberta” deixasse transparecer a ideia de que há uma avaliação da credibilidade do solicitante do empréstimo, poderia indicar um ajustamento da taxa de juro segundo o prêmio de risco; por outro lado, se a avaliação de risco fosse entendida como determinística, estaria justificada a ausência de maiores considerações sobre a credibilidade do cliente, na abordagem de Moore. A autora procura chamar atenção ao seguinte fato: a credibilidade resulta de um julgamento (e não do emprego de uma técnica quantitativa), justificando o aceite ou não do pedido e levando em conta que os bancos podem estar sob condições de incertezas, dificuldades de levantar o capital para atender os empréstimos, pode levá-los a recorrer à racionalização.
A autora mostra essa possibilidade recorrendo ao modelo de Minsky para o comportamento financeiro das corporações, adaptando-o aos bancos. Em seguida, cita uma passagem em Keynes13’, que evidencia a possibilidade de os bancos desejarem aumentar sua liquidez, via corte nos empréstimos, e prossegue afirmando que inserindo essa passagem no contexto do crédito endógeno a ideia da preferência por liquidez dos bancos é ainda mais nítida. Ao finalizar sua argumentação, afirma que a oferta de crédito pode ser mais ou menos horizontal durante boa parte do business cycle (salvo algumas exceções para classes individuais de tomadores), mas na fase de queda o valor dos colaterais e as perspectivas de retorno dos projetos de investimento caem, o que induziria um corte no volume de crédito em andamento, como uma tentativa dos bancos de aumentar sua posição de liquidez (mesmo que isso ocorra com certa defasagem). Essa tendência seria reforçada quando os fornecedores atacadistas de fundos e capitais para os bancos percebessem (gradualmente) a queda no valor dos colaterais dos bancos, restringindo os recursos fornecidos aos bancos (Dow, 1996, p. 503).
De acordo com Mollo (1988, p. 12) há noção de moeda endógena nos escritos finais de Keynes14, traduzida pela percepção da articulação entre atividade produtiva e moeda, e no reconhecimento de que pressões de ordem interna (forças endógenas) afetam a disponibilidade de moeda e, consequentemente, dificultam seu controle; essas pressões resultam de mudanças na preferência por liquidez. Essa noção é reiterada pela proposição de que os bancos podem “resistir” a emprestar nas mesmas condições da taxa de juros, optando pela liquidez (p. 13). No entanto, segundo a autora, no motivo finanças encontra-se uma noção mais ampla de endogeneidade, quando Keynes afirma que a preferência por liquidez dos bancos e do público pode não tornar disponíveis os recursos necessários para que a decisão de investimento se concretize (supondo que a oferta por parte dos portadores dos títulos existentes seja inelástica) (Keynes, citado por Mollo, 1988, p. 13). Essa percepção origina uma noção de endogeneidade afetada pela maior ou menor disposição dos agentes em estar mais ou menos líquidos.
Costa (1992, pp. 108-111) entende que, embora se aceite a acomodação da demanda pela oferta, não se pode disso inferir que os preços dos ativos não serão afetados.15
Excepcionalmente, quando o aumento da oferta monetária ocorre em ritmo semelhante ao aumento na preferência por liquidez, os preços dos ativos não seriam afetados; em geral, aumentos na preferência por liquidez provocam queda no preço dos títulos e elevação nas taxas de juros.
O autor interpreta a rejeição de Moore ao princípio da liquidez como resultado de uma visão equivocada dos conceitos de liquidez/moeda e/ou demanda por moeda/preferência por liquidez (Costa, 1991, p. 109).
A crítica de Moore seria cabível, supondo-se que:
a) Ex post as relações de liquidez e/ou seleção de carteira de ativos sempre são as relações desejadas; b) Ou que ajustamentos sempre podem ser efetuados até que a desejada relação de liquidez possa ser atingida imediatamente (Costa, 1991, p. 108).
CONCLUSÃO
No programa pós-keynesiano de trabalho, Moore desenvolveu sua “posição horizontalista”, argumentando tanto em termos de uma oferta monetária infinitamente elástica, quanto em termos de interdependência entre as curvas de oferta e de demanda de moeda.
A teoria de Moore fundamenta-se no modus operandi do sistema bancário, que primeiro expande o crédito e depois procura repor as reservas correspondentes.
Embora o trabalho de Moore implique uma crítica muito mais ampla à literatura econômica, aquelas relacionadas à teoria keynesiana têm suscitado amplos debates. Aqui, abordou-se uma questão que envolve um dos pilares dos desenvolvimentos teóricos de Keynes, qual seja sua teoria monetária, ou, mais especificamente, a Teoria da Preferência pela Liquidez. No decorrer do paper, procurou-se resenhar algumas das divergências entre autores pós-keynesianos, mostrando formas de reconciliação entre a moeda endógena e a teoria por liquidez, de modo que desse uma modesta contribuição ao debate pós-keynesiano.
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1
Currency School trata a moeda como variável exógena e associa a oferta monetária à inflação e Banking School trata a moeda como endógena, pois decorre de alterações na demanda por liquidez.
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2
Moore considera a existência das “quase-moedas”, embora elas não ocupem papel central, como ocorre na teoria da endogeneidade parcial.
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3
Cotrell (1992, p. 598) denomina essa teoria de endogeneidade radical, em oposição à teoria da endogeneidade parcial.
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4
Em oposição, a análise econômica hegemônica propõe o verticalismo. Com essa visão, o Banco Central altera a oferta nominal de moeda, mediante mudanças na base monetária; então, como a oferta é dada, sua curva deve ser vertical (ou, pelo menos, acentuadamente inclinada para cima). A taxa de juros, então, é determinada por flutuações na demanda por entesouramento.
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5
Apropriando-se da expressão de Costa (1992, p. 113).
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6
Esse tipo de tentativa pode ser subvertida mediante inovações, porém, Moore não as enfatiza, como faz Kaldor
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7
Na abordagem de Keynes, a expectativa de ganhos com a manutenção de saldos ociosos ao longo do tempo (que não entra no circuito da produção) é o fator que “cria” a possibilidade de deficiências na demanda efetiva.
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8
O autor concorda com a afirmação de Dow & Dow (1996, p. 149) que “with respect to some important issues at any rate, Keynes’ exogenous money assumption simplies, without altering the result of, a more holistic analysis” (Cotrell, 1992, p. 600).
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9
Dados do Radclif Comit apontam para essa direção (Dow, 1996, p. 499).
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10
Prova disto pode ser mostrado pelo tratamento dispensado às dívidas estrangeiras: embora o FED e o Banco Mundial estivessem conscientes quanto ao risco, o risco crescente somente foi absorvido com a crise do México, em 1982 (Dow, 1996, p. 499).
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11
Wojnilower (1980), Rousseas (1986, pp. 92-96).
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12
Commercial bank loan officers must ensure that loan request meet the banks income and collateral requirements. They must in general satisfy themselves as to the credit worthiness of the project and character of the borrower.” (Moore, 1988, p. 24, citado por Dow, p. 499)
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13
“Keynes” argues, the banks will seek to increase liquidity by curtailing new lending: “the banks, being aware that many of their advances are in fact ‘frozen’ and involve a larger latent risk than they would voluntary carry, become particularly anxious that the remainder of their assets should be as liquid and as free of risk as it is possible to make them. This reacts in all sorts of silent and unobserved ways on new enterprise. For it means that the banks are less willing than they would normally be to finance any project which may involve a lock-up of their resources” (Keynes, citado por Dow, 1996, p. 502).
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14
A autora divide os escritos de Keynes em duas fases: escritos iniciais seguem uma linha ortodoxa, em que a moeda tem pouca importância analítica, e escritos finais, de caráter mais heterodoxo, que apresenta a economia real como necessariamente monetária, reconhece a não-neutralidade da moeda e admite pressões de ordem interna afetando a disponibilidade de moeda e dificultando seu controle por parte das Autoridades Monetárias (Mollo, 1988, p. 13 ).
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15
Isso seria equivalente à suposição de que a preferência por liquidez é fixa; portanto, não entra na determinação da taxa de juros
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Este artigo originou-se da dissertação de mestrado, apresentada à Universidade Federal do Paraná, sob orientação do professor Dr. Francisco Paulo Cipolla.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Fev 2022 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2000