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Imposto inflacionário: uma análise para a economia brasileira

Inflationary tax: an analysis for the Brazilian economy

RESUMO

O artigo analisa as relações entre inflação, imposto inflacionário e déficit público para a economia brasileira durante os anos oitenta. Inicialmente, essas relações são descritas de forma um tanto simplista usando o chamado modelo de imposto inflacionário. As hipóteses de trabalho são (1) existe um limite absoluto para o financiamento do déficit do governo pelo imposto inflacionário; (2) um determinado montante de imposto inflacionário pode ser arrecadado com uma taxa de inflação alta ou baixa e (3) o imposto inflacionário arrecadado pelo governo depende das condições monetárias da economia. Usando este arcabouço analítico, um exercício de simulação é realizado para estimar o financiamento fiscal inflacionário do déficit público da economia brasileira durante o período 1982-88. As principais conclusões são: (1) as condições do financiamento tributário inflacionário mudam após 1986, quando o foco da política econômica se desloca da ortodoxia convencional para o que se chama de abordagem heterodoxa; (2) a aceleração da inflação enfraqueceu radicalmente a capacidade do governo de arrecadar impostos inflacionários e (3) nessas condições, o congelamento de preços e a fixação da taxa de câmbio podem ser considerados necessários para assegurar a transição de um nível de inflação alto para baixo.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; imposto inflacionário

ABSTRACT

The paper analyses the relationships among inflation, inflationary tax, and public deficit for the Brazilian economy during the eighties. Initially, these relationships are described somehow simplistically using the so-called inflation tax model. The working hypothesis are (1) there is an absolute limit to the government’s deficit financing by inflationary tax; (2) a given amount of inflationary tax can be collected at an either high or low rate of inflation and (3) the inflationary tax collected by the government depends on the monetary conditions of the economy. Using this analytical framework, a simulation exercise is carried out to estimate the inflation-tax finance of the public deficit for the Brazilian economy during the period 1982-88. The main conclusions are: (1) the conditions of the inflationary tax finance changes after 1986, when the focus of the economic policy shifts from the conventional orthodoxy to what is called the heterodox approach; (2) the accelerating inflation has radically weakened the ability of the government to collect inflationary tax and (3) under these conditions price freezes and exchange rate fixing may be considered necessary to ensure a transition from a high to a low level of inflation.

KEYWORDS:
Inflation; inflation tax

Existem, na literatura, vários mecanismos plausíveis para se estabelecer a relação entre déficit público e inflação. Um dos principais é o argumento keynesiano de que o impacto líquido das atividades orçamentárias do governo transfere-se para os preços através de pressões sobre a demanda agregada.1 1 Como uma elaboração deste argumento, tem-se destacado a importância de se analisar não apenas a magnitude do déficit, mas também a composição dos gastos públicos para se avaliar o impacto do déficit sobre a demanda agregada e preços (Tobim, 1985; Dall’Acqua e Bresser-Pereira, 1987). Este argumento perde, no entanto, sua força explicativa quando altos déficits públicos aparecem associados à economia operando com grande capacidade ociosa e experimentando altas taxas de inflação como tem sido o caso de vários países em desenvolvimento.

Um argumento alternativo é apresentado pelo chamado “Modelo do Imposto Inflacionário”. Este modelo estabelece a relação entre déficit público e inflação, privilegiando o lado do financiamento das atividades orçamentárias do governo. Dessa forma, focaliza não apenas a magnitude do déficit público, mas também a composição dos recursos adicionais à receita fiscal que o governo deve atrair do setor privado doméstico e de fontes externas para financiar suas operações. Entre esses recursos adicionais, o modelo destaca a receita com imposto inflacionário definida como a parcela do aumento nominal da base monetária que representa a simples reposição pelo público da redução da demanda inicial por encaixes reais provocada pela inflação, durante o período considerado.

É interessante notar que empiricamente esse modelo conta com ampla aceitação entre economistas. Em outras palavras, parece não existirem grandes divergências sobre o argumento de que o déficit público pode ser parcialmente financiado pelo imposto inflacionário. Mesmo porque esta é uma questão empírica passível de verificação ex post. A controvérsia, muitas vezes repleta de argumentos ambíguos, está em fechar o modelo teórico explicando como o déficit público gera a inflação que irá financiá-lo, via imposto inflacionário.

Na tradição de análise ortodoxa o fechamento teórico do modelo centra-se na formação de expectativas inflacionárias tal como segue: 1. as necessidades de financiamento do déficit público determinam a expansão monetária; 2. a expansão monetária determina a formação das expectativas inflacionárias; 3. as expectativas inflacionárias tendem a se autoconcretizar na medida em que os indivíduos comportam-se de forma consistente com suas predições de inflação. Para outras correntes de pensamento de maior ressonância no país, as explicações ainda prescindem de maior elaboração conceitual. Os neoestruturalistas, por exemplo, que após a experiência dos planos heterodoxos recentes parecem dispostos a dar maior ênfase à questão fiscal ainda devem uma explicação mais acabada sobre a relação entre déficit público e inflação.

O modelo de imposto inflacionário poderia ser avaliado segundo seus aspectos teóricos. Em outras palavras, poder-se-ia perguntar ou mesmo testar se a hipótese ortodoxa centrada sobre as expectativas inflacionárias é razoável para explicar as relações entre déficit público e inflação no Brasil. Ou, seguindo a linha neo-estruturalista, se não seria mais factível supor que o aumento do déficit público, por significar um aumento da absorção pelo governo, acirra a intensidade do conflito distributivo, fazendo subir a taxa de inflação. Uma análise desse tipo, apesar de relevante, foge aos objetivos deste trabalho. O interesse aqui limita-se à discussão empírica das relações entre inflação, imposto inflacionário e déficit público no Brasil, durante a década de 80. Não se pretende, portanto, testar ou defender qualquer teoria, mas simplesmente analisar empiricamente as condições de financiamento do déficit público via imposto inflacionário e suas implicações para a formulação da política econômica no período recente.

* * *

Se as atividades orçamentárias resultam em um déficit que o Tesouro não consegue financiar integralmente através de empréstimos internos ou externos, será necessário recorrer à emissão monetária. Este processo de “monetização do déficit” pode ocorrer informalmente, quando Tesouro e autoridade monetária funcionam como uma única unidade ou, formalmente, através da aquisição de títulos públicos do Tesouro pela autoridade monetária, como ocorre, em geral, quando se tem assegurada a independência do Banco Central. Em ambas as circunstâncias, as autoridades monetárias emitem moeda para financiar uma parte dos gastos públicos não coberta por receitas fiscais ou pelo aumento da dívida pública. Neste caso, se houver inflação, o déficit estará ao menos parcialmente sendo financiado pela receita de imposto inflacionário.

A receita de imposto inflacionário é obtida multiplicando-se a demanda inicial por encaixes reais pela inflação observada no período. Dado um estoque inicial de encaixes reais, quanto maior a inflação, maior a taxa de incidência e, consequentemente, maior a receita de imposto inflacionário para financiar o déficit público. Contudo, a aceleração da inflação aumenta o custo de oportunidade de se reter moeda, o que leva a uma redução na demanda por encaixes reais. Em outras palavras, a aceleração da inflação provoca simultaneamente um aumento na taxa e uma redução na base de incidência do imposto inflacionário.

Inicialmente, à medida que a inflação se eleve acima de zero, a receita com imposto inflacionário aumenta. O aumento desta receita permite uma redução do déficit real mantido constante o déficit operacional.2 2 Existe uma grande controvérsia e uma crescente literatura sobre conceitos de déficit público. Veja, por exemplo, Buiter (1983), Eisner (1986) e Tanzi, Blejer e Teijeiro (1987). Para o presente trabalho, os conceitos relevantes serão: 1. déficit nominal definido como a diferença entre desembolsos totais de caixa do governo (incluindo pagamentos de juros, mas excluindo pagamento de amortizações sobre o estoque da dívida pública) e as receitas totais de caixa incluindo receitas de impostos, outras receitas e doações, mas excluindo empréstimos; 2. déficit operacional que exclui do cálculo do déficit nominal as correções monetária e cambial do estoque da dívida pública ·e de empréstimos concedidos ao setor público; 3. déficit real definido como a diferença entre o déficit operacional e a receita de imposto inflacionário obtida pelo governo. Em outras palavras, se o governo deseja manter o déficit operacional a despeito do nível de inflação, poderá aumentar· a parcela financiada através de crescentes taxas de expansão monetária que seriam permitidas por uma aceleração inflacionária. Nestas circunstâncias quando a inflação se acelera (de 0 a 7r’~ na Figura 1), os limites da política econômica tornam-se mais flexíveis, tomando-se como padrão de referência a questão do financiamento do setor público. Isto porque se torna possível até mesmo aumentar o déficit operacional, sem que isto implique necessariamente um aumento do endividamento público. Da mesma forma, as autoridades econômicas dispõem de maior flexibilidade para recompor as fontes de financiamento do déficit público. A aceleração inflacionária trabalha de forma “eficiente” para substituir uma eventual perda de financiamento - por exemplo, empréstimos externos - pelo aumento da receita de imposto inflacionário.

Figura 1:
Receita de imposto inflacionário

A elevação da inflação tende, no entanto, a. provocar crescentes diminuições na demanda por encaixes reais de tal forma que, em alguma combinação dessas duas variáveis, a receita de imposto inflacionário será maximizada. A implicação deste fato é que os formuladores de política econômica enfrentarão um déficit público máximo (indicado por D* na Figura 1, pg 315) que poderá ser sustentado com a receita de imposto inflacionário a uma dada disposição do setor privado em adquirir outros tipos de débito público.

Após atingir o máximo, a situação se inverte. A taxa de inflação torna-se suficientemente elevada para reduzir a demanda por encaixes reais a um nível em que a receita de imposto inflacionário começa a declinar. A redução desta receita aumenta o déficit real mantido constante o déficit operacional. A inflação passa a atuar contra o governo, estreitando os limites para formulação da política econômica na questão do financiamento do setor público.3 3 Blejer (1987) argumenta que nestas circunstâncias o déficit público será “ineficientemente” financiado, pelo imposto inflacionário. Na expressão de Bruno e Fisher (1985BRUNO, Michael e FISHER, Stanley. (1985) Expectation and the high inflation trap, setembro. (Mimeografado). ), o governo cai em uma high inflation trap. Isto é, a aceleração da inflação significará crescentes reduções na receita de imposto inflacionário, aumentando, ao invés de reduzir, as necessidades de financiamento gerando, assim, crescentes pressões sobre o endividamento público. Em adição, as autoridades econômicas não poderão mais contar com a utilização eficiente da aceleração inflacionária para recompor as fontes de financiamento do setor público. O esforço do governo em compensar, por exemplo, uma eventual perda de financiamento externo, extraindo recursos reais do setor privado via imposto inflacionário, fará com que a oferta monetária exceda sistematicamente a demanda por moeda, de tal forma que o aumento necessário da receita de imposto inflacionário não se concretizará.

Esse modelo levanta três pontos importantes:

  1. existe um déficit público máximo que pode ser financiado com imposto inflacionário, dada uma certa disposição do setor privado em manter inalterado seu portfólio de títulos públicos. Ultrapassado este limite máximo, o governo terá de recompor a perda da receita de imposto inflacionário com outras fontes de financiamento. Se, ao contrário, o governo insistir em emitir moeda para financiar o déficit público, acabará gerando sucessivos excessos de liquidez na economia. Nessas circunstâncias, aceitando-se um certo grau de assimetria entre expansão monetária e aumento de preços, pode-se dizer que a hiperinflação estará a caminho;

  2. é possível compatibilizar um mesmo déficit público operacional e seu financiamento via imposto inflacionário a duas diferentes taxas de inflação.4 4 O argumento pressupõe determinadas formas para a dmanda por moeda. Para uma exposição detalhada a respeito, ver Holanda Barbosa (1987). Isso é exemplificado na Figura 1, onde o mesmo nível de déficit público, D1, é financiado pela receita de imposto inflacionário a uma baixa taxa de inflação 1r1 assim como a uma alta taxa de inflação 1r2. Por isso, em contexto altamente inflacionário, uma política de renda que resulte em um aumento consistente da demanda por encaixes reais torna possível obter uma brusca redução da taxa de inflação, mantendo inalterado o déficit público operacional;5 5 Esta questão tem importantes implicações para a formulação de programas anti-inflacionários. Se sob certas circunstâncias for de fato possível reduzir a inflação sem reduzir o déficit público, ou seja, mantendo inalterada a absorção do governo na economia, seria factível elaborar-se um programa anti-inflacionário não recessivo. Esta possibilidade, defendida inicialmente pelos economistas heterodoxos, parece sensibilizar a ortodoxia, que encontra, no modelo de imposto inflacionário, a racionalidade para incluir políticas de renda em programa de ajustamento. Blejer (1987), por exemplo, comenta que “a busca por medidas que cortem a inflação minimizando a redução da produção tornaram-se muito importantes e deram racionalidade para implementação de políticas tais como congelamento de salários, preços e fixação da taxa de câmbio que são consideradas necessárias para assegurar a transição de uma taxa de inflação de equilíbrio para outra”.

  3. mesmo na ausência de alterações na taxa esperada de inflação, a demanda por encaixes reais pode mudar, em decorrência de mudanças estruturais que afetem as condições monetárias na economia. Dessa forma, as relações entre déficit público, inflação e imposto inflacionário podem mudar entre países ou períodos. Ceteris paribus, quanto mais inelástica for a demanda por encaixes reais, menor será a taxa de inflação que compatibiliza os diferentes níveis de déficit público operacional com seu financiamento via imposto inflacionário.6 6 Na Figura 1, isso seria mostrado por um deslocamento da curva de receita de imposto inflacionário para cima.

Os três aspectos acima focalizarão a análise sobre a economia brasileira apresentada a seguir.

* * *

O modelo de imposto inflacionário utilizado é bastante conhecido na literatura. Define-se imposto inflacionário como a variação nominal da base monetária que representa a simples reposição, pelos indivíduos, da perda do valor real da base monetária provocada pela inflação do período considerado. Na ausência de crescimento econômico e assumindo a hipótese de expectativas perfeitas para a inflação (taxa esperada = taxa observada), a receita de imposto inflacionário será

R = π · M / P d (1)

onde R é a receita de imposto inflacionário; π é a taxa esperada de inflação e (M/P)d é a demanda por encaixes reais.7 7 A receita obtida com imposto inflacionário corresponde a uma parcela da receita total do governo com a criação de moeda. A receita total corresponde. à expansão da base monetária no período. Isto é, R T = M I - M o onde RT é a receita monetária total e Mo e Mi são, respectivamente, os estoques da base monetária no início e final do período. Se P é o nível de preço do período a expressão acima pode ser quebrada em dois componentes, tal como segue: R T = P i / P o - 1 M o + M i - P i / P o M o ou expressando de forma mais conveniente, em termos da renda nacional (Y) e da taxa de inflação (π) R T / Y = π M o / Y + M i / Y - P i / P o M o / Y O primeiro termo do lado direito desta expressão corresponde à receita de imposto inflacionário. O segundo termo refere-se a seignorage definida como os recursos levantados pelo governo, dada a disposição do público em aumentar a demanda por encaixes reais. Portanto, a receita total monetária será igual ao imposto inflacionário, apenas se a seignorage for igual a zero. Se a seignorage for positiva a receita total monetária será maior do que o imposto inflacionário arrecadado e vice-versa. O leitor deve ser alertado que a análise a seguir é parcial no sentido de que destaca apenas o imposto inflacionário. Para uma análise mais abrangente do financiamento do setor público através da receita monetária seria necessário considerar-se também a seignorage.

Para a especificação da demanda por encaixes reais, as evidências disponíveis8 8 Ver Laidler (1977) e Kahn (1977). sugerem a inclusão, como variáveis independentes, de uma medida do volume de transações reais da economia e um custo de oportunidade que meça a taxa de retorno em segurar moeda em relação a outros ativos reais ou financeiros. Tomando-se por base estas evidências e seguindo Cagan (1956CAGAN, Phillip. (1956) “The monetary dynamics of hyperinflation”. In: FRIEDMAN, M. org. Studies in the quantity theory of money. University of Chicago Press. ) e a maioria de outros estudos sobre demanda por moeda em contextos inflacionários, assume-se que a equação de demanda por moeda pode ser expressa por

M / P d = a · Y / P · e - b π (2)

Como assinala Tanzi (1978TANZI, Vito. (1978) “Inflation, real tax revenue, and the inflationary finance: Theory with an application to Argentina”. IMF staff papers, 25(3) Setembro. ), em situações de curto prazo essa equação pode ser escrita tal como segue

M / Y d = a · e - b π (3)

onde (M/Y)d é a proporção entre moeda e nível de renda que o público deseja manter em seu portfólio no período t; π é a taxa esperada de inflação no período t, utilizada como proxy do custo de oportunidade em segurar moeda.9 9 É bastante aceito que em contextos altamente inflacionários, a taxa de juros real é uma medida insatisfatória para o custo de oportunidade de segurar moeda. Assim, por razões teóricas e práticas, foi utilizada neste trabalho a taxa esperada de inflação como custo de oportunidade. Porém, para efeito de estimação da demanda por moeda, na seção seguinte, ao invés de experimentar-se exaustivamente diferentes proxies para a expectativa de inflação, assumiu-se arbitrariamente que a taxa esperada é igual à taxa observada. Este procedimento tem sido adotado em boa parte de estudos sobre demanda por moeda e, em particular, neste trabalho pode ser justificado com base na suposição de que, dada a alta taxa de inflação que prevalece na maior parte do período, as revisões no portfólio ocorrem muito rapidamente. a é o intercepto; e é a base de logaritmo natural e, finalmente, b indica a sensitividade da demanda por encaixes reais em relação à taxa esperada de inflação.

Substituindo a equação (3) em (1) e expressando a receita de imposto inflacionário em função da renda nacional obtém-se:

R / Y = π , a · e - b π (4)

Esta especificação da equação da receita de imposto inflacionário permite uma melhor elaboração dos três pontos enfatizados na seção anterior:

  1. fazendo-se [ d(R/Y) / dπ J = 0, determina-se que a receita máxima de imposto inflacionário será alcançada no ponto em que bπ = 1. Ou seja, a taxa de inflação que maximiza o déficit público passível de ser financiado via imposto inflacionário será dada por π = l/b. Enquanto a taxa de inflação for inferior a 1/b, o déficit estará sendo “eficientemente” financiado. Ultrapassado este limite, o governo cai na chamada high inflation trap, onde a aceleração da inflação provoca um contínuo aumento do déficit real, ainda que o déficit operacional se mantenha constante, dando a falsa impressão de que a política fiscal é neutra;

  2. se b < 0, existem duas taxas de inflação que permitem compatibilizar o mesmo déficit público e seu financiamento via imposto inflacionário;

  3. os valores estimados para os dois coeficientes a e b, refletem condições estruturais que determinam as relações entre déficit público, inflação e imposto inflacionário durante um certo período. O parâmetro a é o inverso da velocidade de circulação quando a taxa de inflação é igual a zero. Por outro lado, o valor absoluto do produto entre o coeficiente angular b e a taxa de inflação 1r determina a elasticidade da demanda por encaixes reais. Mudanças nas estimativas dos parâmetros a e b indicam, portanto, mudanças estruturais na economia que afetam as relações entre déficit, inflação e imposto inflacionário entre períodos. Uma redução na estimativa do coeficiente b, entre dois períodos, indica, por exemplo, que a função de demanda por encaixes reais tornou-se mais inelástica, elevando a taxa de inflação que maximiza o déficit público financiado via imposto inflacionário.

* * *

A análise apresentada a seguir concentra-se no período 1982-1988. Na história recente da economia brasileira, esse período é relevante por várias razões. Primeiro, observou-se uma grande oscilação no manejo da política fiscal, tendo o déficit público operacional variado em um intervalo de 3,1% a 7,7% do PIB. Segundo, paralisou-se o fluxo de empréstimos externos canalizados para o país, forçando o governo a recompor o financiamento do déficit público utilizando exclusivamente fontes domésticas. Terceiro, as condições de financiamento do déficit público, via imposto inflacionário, alteraram-se significativamente no período. Isto ocorreu em função de uma enorme variação na taxa de inflação, que oscilou entre 65% e 1000% ao ano, e de fortes mudanças na demanda por ativos reais e financeiros, associadas pri­cipalmente ao Plano Cruzado e ao Plano Bresser.

A análise do período 1982-1988 foi realizada com base no modelo teórico apresentado na seção anterior. Como o número de anos é limitado, e a fim de utilizar mais eficientemente as informações disponíveis, as equações foram estimadas com dados trimestrais. A série toda inclui 26 pontos, que vão do primeiro trimestre de 1982 até o segundo trimestre de 1988. Os valores para o PIB nominal no trimestre (Y) foram obtidos a partir dos índices de PIB real trimestral elaborados por Bonelli e Ardeo (1988BONELLI, Regis e ARDEO, Vagner. (1988) PIB trimestral: metodologia e estimativas para o período 1980/87 (Resultados preliminares), (Mimeografado). ). Tomou-se como base para a construção da série de PIB nominal no trimestre o valor do PIB nominal de 1982. O índice de preços utilizado foi o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, que também foi considerado como a taxa de inflação (1r) na estimação· da equação de demanda por moeda. A definição utilizada para estoque de moeda (M) foi a Base Monetária - conceito “final de mês”, publicado pelo Banco Central.10 10 Como assinalam Crockett e Evans (1980), não existem evidências empíricas nem considerações teóricas conclusivas, demonstrando qual definição (ampla ou restrita) de estoque de moeda é mais adequada para estudos sobre demanda por moeda. Neste trabalho, optou-se pelo estoque da base monetária seguindo dois princípios amplamente aceitos em estudos afins. A definição utilizada deve (1) incluir ativos entre os quais existe um alto grau de substituição e (2) ser operacionalmente útil, correspondendo, assim, a um agregado monetário que as autoridades econômicas possam controlar adequadamente.

Com base nesses dados, foi realizada uma primeira tentativa de estimar uma única equação de demanda por moeda para todo o período 1982-1988. A hipótese básica era de que as mudanças por que passou a economia brasileira na década de 80 não haviam afetado os determinantes fundamentais da demanda por moeda de forma diferenciada entre subperíodos.

Os resultados desse experimento não foram· bons. A equação não foi bem determinada (R 2 foi inferior a 10%) , o desvio padrão dos coeficientes foi muito alto, os resíduos apresentaram fortes evidências de correlação seriada e as estimativas da receita com imposto inflacionário não foram boas, quando comparadas aos valores efetivamente observados. Uma provável explicação para esses resultados insatisfatórios é que a demanda por moeda no Brasil, durante 1982-1988, não pode ser representada como uma função estável de poucas variáveis.

Uma hipótese alternativa é que condições estruturais que afetam o comportamento monetário dos agentes econômicos alteraram-se significativamente durante o período analisado, em particular, após 1986, com a edição do Plano Cruzado, do Plano Bresser e, posteriormente, com a rápida aceleração da inflação. Em razão dessas mudanças, poder-se-ia esperar que os coeficientes dos determinantes fundamentais da demanda por moeda teriam mudado ao longo da década. Em outras palavras, a demanda por moeda poderia ser representada por uma função estável de poucas variáveis, mas sua elasticidade em relação à inflação teria alterado ao longo do período 1982-1988.

A hipótese de alteração na elasticidade-inflação de demanda por moeda levou à divisão do período analisado em dois subperíodos: 1982-1985 e 1986-1988, que marca a reorientação da política econômica recente. Foram então estimadas novas equações, utilizando-se um modelo econométrico com variável dummy para captar mudanças nos mecanismos monetários, fiscais e de transações que poderiam ser responsáveis por mudanças na elasticidade-inflação da demanda por moeda durante o período analisado.11 11 Dois métodos poderiam ser utilizados para estimar a função de demanda por moeda para os dois subperíodos, através da análise de regressão linear. A primeira alternativa seria estimar regressões separadas para cada conjunto de observações referentes a um subperíodo. No presente estudo, a desvantagem crítica deste método é o reduzido número de graus de liberdade por equação, dado que se dispõe de relativamente poucas observações para cada subperíodo. Por isso, para trabalhar-se com mais graus de liberdade, o procedimento utilizado permite a combinação de séries temporais com séries seccionadas (pooling data) introduzindo variáveis dummy no modelo teórico de demanda por moeda para permitir mudanças no intercepto e na inclinação para cada subperíodo. Com esta parametrização foi inicialmente testada a hipótese de que os interceptas diferiam significativamente entre os dois subperíodos. Como falhou-se em rejeitar esta hipótese, o modelo estatístico foi especificado em uma forma mais restrita, para se testar uma segunda hipótese, de que apenas os coeficientes de inclinação diferiam significativamente. De acordo com os resultados obtidos, a equação geral estimada foi reparametrizada nas equações (5) e (6) apresentadas acima. Para o período 1982-1985, no qual a taxa de inflação apresentou uma menor instabilidade, a equação de demanda por encaixes reais estimadas foi:

M / Y d = 3 , 8 e - 2 . 36 π 35 , 6 7 , 2 (5)

Para o período 1986-1988, no qual á taxa de inflação apresentou uma forte oscilação e alcançou seu recorde histórico, a equação foi:

M / Y d = 3 , 8 e - 1 . 29 π 35 , 6 4 , 5 (6)

As equações estimadas mostraram-se bem determinadas no sentido de apresentar um poder explicativo satisfatório (R = 71%) , erro padrão dos coeficientes razoavelmente pequenos e evidência limitada de correlação seriada (a estatística Durbim-Watson mostrou-se inconclusiva, embora próxima do limite crítico). 12 12 Os números entre parênteses são os valores da estatística-t. Todos os coeficientes são significativos ao nível de 0,5%.

* * *

Os resultados sugerem que houve, de fato, uma mudança na elasticidade-inflação da demanda por moeda entre os subperíodos 1982-1985 e 1986-1988. Neste último, a sensitividade da demanda por moeda em relação à inflação caiu para quase a metade do valor observado no período anterior, como indicado por uma redução na estimativa do coeficiente b de -2,36 para -1,29 (Figura 2). Este resultado é consistente com as conclusões de outros estudos sobre imposto inflacionário para outros países durante períodos que apresentaram condições inflacionárias semelhantes às registradas no Brasil entre 1982- 1988. No caso da Argentina, por exemplo, Tanzi (1978TANZI, Vito. (1978) “Inflation, real tax revenue, and the inflationary finance: Theory with an application to Argentina”. IMF staff papers, 25(3) Setembro. ) encontrou que durante 1973-1976, com o congelamento e o posterior descontrole inflacionário, a sensitividade da demanda por moeda em relação a mudanças no nível de preços caiu drasticamente, comparada ao período anterior 1968-1972, quando a inflação permaneceu razoavelmente baixa.13 13 Para uma discussão semelhante para os EUA, ver Friedman (1988) e Poole (1988).

Figura 2:
Demanda por moeda

A provável explicação para a mudança da elasticidade-inflação da demanda por moeda é que a aceleração da inflação provocou uma substituição tão intensa da moeda por ativos financeiros indexados (moeda indexada), que significou uma mudança qualitativa no comportamento dos agentes econômicos. No período 1986-1988, com a forte aceleração da inflação, que saltou de 65% para quase 1000% ao ano, verificou-se um rápido processo de desmonetização. O recém-criado cruzado foi rapidamente substituído por ativos financeiros, que ofereciam algum tipo de proteção contra a inflação. Este aumento na velocidade de circulação ocorreu não apenas devido à perda de valor da moeda, mas também porque o clima de desconfiança e instabilidade gerado forçou o governo a melhorar a qualidade de seus instrumentos de débito.14 14 A criação após 1985 das LBCs, Fundos de Curto Prazo, Mercado Interbancário e Conta Remunerada exemplificam argumento acima. As LBCs foram importantes para reduzir o risco do mercado e os Fundos de Curto Prazo constituem-se num canal legal para aplicação de crescentes volumes de dinheiro sem origem, aumentando a demanda por títulos públicos. Por outro lado, o Mercado interbancário e a Conta Remunerada aumentaram a liquidez da “moeda indexada”, permitindo ao governo financiar mais facilmente seu déficit de caixa. Aumentou-se, assim, a rentabilidade e liquidez dos ativos financeiros indexados, tornando-os mais adequados e atraentes para substituir a base monetária, inclusive como meio de troca.

A rentabilidade e liquidez da “moeda indexada” e o aumento das incertezas da conjuntura estimularam os agentes econômicos a transferir o que Keynes chamou de demanda por precaução e especulação para aplicações de curtíssimo prazo, retendo o mínimo de moeda necessária para transações. Isto porque, apesar da sua rápida substituição pela “moeda indexada”, o cruzado foi razoavelmente preservado como unidade de conta e de troca, através do desenvolvimento de mecanismos de indexação confiáveis, que permitem capturar com razoável precisão os valores monetários de bens e serviços. Neste caso, a razão entre base monetária e renda teria caído a níveis extremamente baixos, difíceis de sofrer novas reduções, tornando, assim, a demanda por moeda mais inelástica em relação ao período anterior, quando a inflação manteve-se relativamente estável.

As mudanças nas condições monetárias da economia alteraram as possibilidades de financiamento do déficit público via imposto inflacionário. Como mostra a Figura 3, a redução na elasticidade-inflação da demanda por moeda provocou um deslocamento para cima da curva de receita de imposto inflacionário.15 15 Para facilitar a exposição, a Figura 3 foi construída anualizando-se os valores trimestrais de receita de imposto inflacionário obtido nas equações estimadas.

Figura 3:
Receita de imposto inflacionário

Entre 1982 e 1985, as possibilidades de aumentar as receitas do governo através de empréstimos do Banco Central eram limitadas. Se a inflação atingisse uma taxa anual de 320% - correspondendo a uma taxa média mensal de aproximadamente 12% - a receita de imposto inflacionário alcançaria um máximo de 2,4% do PIB (Figura 3). Nesse período, o governo operou próximo desse limite, o que demonstra que explorou intensamente os empréstimos do Banco Central para cobrir suas necessidades de financiamento após a paralisação dos empréstimos externos. Entre 1984 e 1985, por exemplo, os recursos obtidos via imposto inflacionário somaram, em média, cerca de 2,1% do PIB, correspondendo a um financiamento de aproximadamente 50% do déficit público operacional e 30% das necessidades de financiamento do Banco Central.16 16 As pressões sobre as necessidades de financiamento do governo não se limitam exclusivamente ao déficit fiscal. Existem várias outras fontes de pressão, que deveriam ser consideradas em uma análise mais abrangente sobre a execução da política monetária e evolução do endividamento do setor público. Sob este aspecto, no caso brasileiro, merecem destaque as operações do orçamento de crédito e a variação das reservas cambiais. Até 1987 o conceito de déficit público operacional (NFSP) excluía, também; certas operações quasi-fiscal das autoridades monetárias. Por todas estas razões, no período considerado, um indicador mais abrangente das pressões de financiamento do setor público sobre o setor privado é o conceito de “Necessidades de Financiamento do Banco Central” que inclui o resultado líquido dessas operações.

Após 1986, com as mudanças nas condições monetárias da economia, ampliou-se o volume de recursos possível de ser levantado com imposto inflacionário. A receita máxima aumentou mais de 50% em relação ao período anterior, atingindo cerca de 4,3% do PIB. Ampliou-se, assim, o potencial de financiamento do setor público via imposto inflacionário, ao custo, porém, de uma forte aceleração da inflação. Se no período 1982-1985 a receita máxima de imposto inflacionário seria alcançada com uma inflação anual de 320%, entre 1986 e 1988, a inflação teria que atingir uma taxa anual de aproximadamente 900% para que se maximizasse o volume de recursos de imposto inflacionário.

Esses resultados mostram que no período 1986-1988 a aceleração da inflação facilitou o financiamento do déficit público na medida em que promovia uma transferência de renda do setor privado para o governo. Esse processo pode ter alcançado, no entanto, sua exaustão em 1988, quando a taxa de inflação ultrapassou 900% ao ano. Acima deste limite, a tentativa de aumentar o financiamento do déficit público via imposto inflacionário torna-se perversa. Quanto maior a inflação, menor será a receita de imposto inflacionário e, consequentemente, maior a pressão sobre outras fontes de financiamento público. Se o governo tentar financiar um déficit maior que o máximo através da expansão monetária, a oferta de moeda excederá a demanda por moeda de tal forma que o aumento do imposto inflacionário não se concretizará. Em outras palavras, se o governo insistir em emitir moeda para financiar o déficit, criará um excesso de liquidez permanente, sem conseguir aumentar a extração de recursos reais do setor privado. Nestas circunstâncias, a margem de manobra para a execução da política monetária se torna cada vez mais estreita.

Ultrapassado o limite máximo de financiamento do déficit via imposto inflacionário, tende-se também a enfraquecer a eficácia da política fiscal como instrumento de ajustamento econômico. Por exemplo, o impacto sobre a necessidade líquida de financiamento de urna redução no déficit público operacional de 4% para 3% do PIB será praticamente neutralizado pela perda de receita de imposto inflacionário, se a inflação trimestral aumentar de 110% para 160% (Figura 3). Dessa forma, a aceleração da inflação faz com que o governo dependa de sucessivos aumentos na carga tributária para recompor sua receita fiscal e evitar o crescimento do déficit público real.

Elevar continuamente os impostos tende, no entanto, a gerar crescentes resistências à execução da política econômica. Financiar gastos públicos via imposto inflacionário, embora implique um custo real para a sociedade, tem a óbvia vantagem de ser muito menos percebido como uma transferência de renda do setor privado para o governo do que um aumento da carga tributária. A questão torna-se ainda mais complicada por razões técnicas. Altas taxas de inflação, além de provocarem uma redução gradual da carga tributária real (efeito Tanzi), distorcem o sistema de impostos quando fixados em termos nominais e pagos com uma certa defasagem. Dessa forma, torna-se extremamente difícil planejar e executar uma reforma tributária no meio de um virulento processo de aceleração inflacionária. Em síntese, uma high inflation trap significa para o governo não apenas uma redução gradual na receita de imposto inflacionário, mas também um menor controle sobre a política monetária e crescentes resistências políticas e dificuldades técnicas para executar a política fiscal.

Nessas circunstâncias, é valioso notar que uma política de renda se torna um importante instrumento de ajuste fiscal. Como mostra a Figura 3, um mesmo déficit público operacional pode ser financiado, via imposto inflacionário, a duas diferentes taxas de inflação. Os resultados obtidos - embora indicativos principalmente quanto à magnitude - mostram, por exemplo, que um mesmo déficit público operacional de 3% do PIB pode ser compatibilizado com seu financiamento, via imposto inflacionário, tanto a uma inflação trimestral estabilizada em 30% como em 160%. Esta possibilidade dá racionalidade a uma política de renda dentro de um programa de ajuste fiscal. Como notam Bruno e Fisher (1985BRUNO, Michael e FISHER, Stanley. (1985) Expectation and the high inflation trap, setembro. (Mimeografado). ), “a existência de uma high inflation trap sugere que seria possível reduzir a taxa de inflação por meio de políticas consideradas não saudáveis, tal como a fixação da taxa de câmbio, congelamento dos salários nominais e preços, em um esforço para fazer a transição de uma alta para uma baixa taxa de inflação”.

O que se pode questionar é a possibilidade de se encontrar uma política de renda que por si só mude as expectativas de forma consistente para viabilizar o salto entre uma high inflation trap e uma baixa taxa de inflação que permita um financiamento “eficiente” do déficit, através de um aumento estável da demanda por encaixes reais. Sob este aspecto, parece existir um razoável consenso de que não se pode subestimar a necessidade de os programas anti-inflacionários heterodoxos incluírem um firme corte do déficit público operacional. Isso não apenas para reestabelecer o equilíbrio macroeconômico, quando necessário, e gerar um excedente de oferta que facilite o equacionamento do conflito distributivo, mas também para convencer a sociedade da disposição do governo em adotar uma política fiscal mais acertada. A necessidade de as autoridades econômicas adotarem medidas concretas para eliminar o déficit público operacional não deve, no entanto, obscurecer a importância de uma política de renda quando a inflação atinge níveis tão altos que enfraquece perigosamente a capacidade do governo em planejar e executar a política econômica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TOBIN, James. (1985) “Budget déficits, federal debt, and inflation”. In: Toward a restruturing of federal budgeting.
  • 1
    Como uma elaboração deste argumento, tem-se destacado a importância de se analisar não apenas a magnitude do déficit, mas também a composição dos gastos públicos para se avaliar o impacto do déficit sobre a demanda agregada e preços (Tobim, 1985; Dall’Acqua e Bresser-Pereira, 1987DALL’ACQUA, F. M. e BRESSER-PEREIRA, L. C. (1987) “Composição financeira do déficit público”. In: LOZARDO, E., org. Déficit público brasileiro. Política econômica e ajuste estrutural. Rio de Janeiro, Paz e Terra. ).
  • 2
    Existe uma grande controvérsia e uma crescente literatura sobre conceitos de déficit público. Veja, por exemplo, Buiter (1983BUITER, Willem. (1983) “Measurement of the public sector deficit and its implications for policy evaluation and design”. IMF staff papers, 30(2) Junho. ), Eisner (1986EISNER, Robert. (1986) How real is the federal deficit? New York, The Free Press. ) e Tanzi, Blejer e Teijeiro (1987TANZI, V., Blejer, M. e Teijeiro, M. (1987) “Inflation and the measurement of fiscal deficits”. IMF working papers, Washintgon.). Para o presente trabalho, os conceitos relevantes serão: 1. déficit nominal definido como a diferença entre desembolsos totais de caixa do governo (incluindo pagamentos de juros, mas excluindo pagamento de amortizações sobre o estoque da dívida pública) e as receitas totais de caixa incluindo receitas de impostos, outras receitas e doações, mas excluindo empréstimos; 2. déficit operacional que exclui do cálculo do déficit nominal as correções monetária e cambial do estoque da dívida pública ·e de empréstimos concedidos ao setor público; 3. déficit real definido como a diferença entre o déficit operacional e a receita de imposto inflacionário obtida pelo governo.
  • 3
    Blejer (1987BREJER, Mario. (1987) “High inflation, “heterodox” stabilization, and fiscal policy”. IMF working papers, Washington. ) argumenta que nestas circunstâncias o déficit público será “ineficientemente” financiado, pelo imposto inflacionário.
  • 4
    O argumento pressupõe determinadas formas para a dmanda por moeda. Para uma exposição detalhada a respeito, ver Holanda Barbosa (1987HOLANDA BARBOSA, Fernando. (1987) “Inflação, indexação e orçamento do governo.” Revista Brasileira de Economia. 41(3) Jul/set. ).
  • 5
    Esta questão tem importantes implicações para a formulação de programas anti-inflacionários. Se sob certas circunstâncias for de fato possível reduzir a inflação sem reduzir o déficit público, ou seja, mantendo inalterada a absorção do governo na economia, seria factível elaborar-se um programa anti-inflacionário não recessivo. Esta possibilidade, defendida inicialmente pelos economistas heterodoxos, parece sensibilizar a ortodoxia, que encontra, no modelo de imposto inflacionário, a racionalidade para incluir políticas de renda em programa de ajustamento. Blejer (1987), por exemplo, comenta que “a busca por medidas que cortem a inflação minimizando a redução da produção tornaram-se muito importantes e deram racionalidade para implementação de políticas tais como congelamento de salários, preços e fixação da taxa de câmbio que são consideradas necessárias para assegurar a transição de uma taxa de inflação de equilíbrio para outra”.
  • 6
    Na Figura 1, isso seria mostrado por um deslocamento da curva de receita de imposto inflacionário para cima.
  • 7
    A receita obtida com imposto inflacionário corresponde a uma parcela da receita total do governo com a criação de moeda. A receita total corresponde. à expansão da base monetária no período. Isto é,
    R T = M I - M o
    onde RT é a receita monetária total e Mo e Mi são, respectivamente, os estoques da base monetária no início e final do período. Se P é o nível de preço do período a expressão acima pode ser quebrada em dois componentes, tal como segue:
    R T = P i / P o - 1 M o + M i - P i / P o M o
    ou expressando de forma mais conveniente, em termos da renda nacional (Y) e da taxa de inflação (π)
    R T / Y = π M o / Y + M i / Y - P i / P o M o / Y
    O primeiro termo do lado direito desta expressão corresponde à receita de imposto inflacionário. O segundo termo refere-se a seignorage definida como os recursos levantados pelo governo, dada a disposição do público em aumentar a demanda por encaixes reais. Portanto, a receita total monetária será igual ao imposto inflacionário, apenas se a seignorage for igual a zero. Se a seignorage for positiva a receita total monetária será maior do que o imposto inflacionário arrecadado e vice-versa. O leitor deve ser alertado que a análise a seguir é parcial no sentido de que destaca apenas o imposto inflacionário. Para uma análise mais abrangente do financiamento do setor público através da receita monetária seria necessário considerar-se também a seignorage.
  • 8
    Ver Laidler (1977LAIDLER, David E. W., (1977) The demand for money. Theory and Evidence. 2nd edition. New York. ) e Kahn (1977KHAN, Mossin S. (1977) “Variable expectation and the demand for money in high-inflation countries”. Manchester School of Economic and Social Studies, 45. Setembro. ).
  • 9
    É bastante aceito que em contextos altamente inflacionários, a taxa de juros real é uma medida insatisfatória para o custo de oportunidade de segurar moeda. Assim, por razões teóricas e práticas, foi utilizada neste trabalho a taxa esperada de inflação como custo de oportunidade. Porém, para efeito de estimação da demanda por moeda, na seção seguinte, ao invés de experimentar-se exaustivamente diferentes proxies para a expectativa de inflação, assumiu-se arbitrariamente que a taxa esperada é igual à taxa observada. Este procedimento tem sido adotado em boa parte de estudos sobre demanda por moeda e, em particular, neste trabalho pode ser justificado com base na suposição de que, dada a alta taxa de inflação que prevalece na maior parte do período, as revisões no portfólio ocorrem muito rapidamente.
  • 10
    Como assinalam Crockett e Evans (1980CROCKETT, Andrew D. e Evans, Owen J. (1980) “Demand for money in middle eastern countries”. IMF staff papers, v. 31. ), não existem evidências empíricas nem considerações teóricas conclusivas, demonstrando qual definição (ampla ou restrita) de estoque de moeda é mais adequada para estudos sobre demanda por moeda. Neste trabalho, optou-se pelo estoque da base monetária seguindo dois princípios amplamente aceitos em estudos afins. A definição utilizada deve (1) incluir ativos entre os quais existe um alto grau de substituição e (2) ser operacionalmente útil, correspondendo, assim, a um agregado monetário que as autoridades econômicas possam controlar adequadamente.
  • 11
    Dois métodos poderiam ser utilizados para estimar a função de demanda por moeda para os dois subperíodos, através da análise de regressão linear. A primeira alternativa seria estimar regressões separadas para cada conjunto de observações referentes a um subperíodo. No presente estudo, a desvantagem crítica deste método é o reduzido número de graus de liberdade por equação, dado que se dispõe de relativamente poucas observações para cada subperíodo. Por isso, para trabalhar-se com mais graus de liberdade, o procedimento utilizado permite a combinação de séries temporais com séries seccionadas (pooling data) introduzindo variáveis dummy no modelo teórico de demanda por moeda para permitir mudanças no intercepto e na inclinação para cada subperíodo. Com esta parametrização foi inicialmente testada a hipótese de que os interceptas diferiam significativamente entre os dois subperíodos. Como falhou-se em rejeitar esta hipótese, o modelo estatístico foi especificado em uma forma mais restrita, para se testar uma segunda hipótese, de que apenas os coeficientes de inclinação diferiam significativamente. De acordo com os resultados obtidos, a equação geral estimada foi reparametrizada nas equações (5) e (6) apresentadas acima.
  • 12
    Os números entre parênteses são os valores da estatística-t. Todos os coeficientes são significativos ao nível de 0,5%.
  • 13
    Para uma discussão semelhante para os EUA, ver Friedman (1988FRIEDMAN, Benjamin (1988) “Lessons on monetary policy from the 1980s”. Journal of Economic Perspectives. 2(3). ) e Poole (1988POOLE, William, (1988) “Monetary policy lessons of inflation and disinflation”. Journal of Economic Perspectives, 2(3). ).
  • 14
    A criação após 1985 das LBCs, Fundos de Curto Prazo, Mercado Interbancário e Conta Remunerada exemplificam argumento acima. As LBCs foram importantes para reduzir o risco do mercado e os Fundos de Curto Prazo constituem-se num canal legal para aplicação de crescentes volumes de dinheiro sem origem, aumentando a demanda por títulos públicos. Por outro lado, o Mercado interbancário e a Conta Remunerada aumentaram a liquidez da “moeda indexada”, permitindo ao governo financiar mais facilmente seu déficit de caixa.
  • 15
    Para facilitar a exposição, a Figura 3 foi construída anualizando-se os valores trimestrais de receita de imposto inflacionário obtido nas equações estimadas.
  • 16
    As pressões sobre as necessidades de financiamento do governo não se limitam exclusivamente ao déficit fiscal. Existem várias outras fontes de pressão, que deveriam ser consideradas em uma análise mais abrangente sobre a execução da política monetária e evolução do endividamento do setor público. Sob este aspecto, no caso brasileiro, merecem destaque as operações do orçamento de crédito e a variação das reservas cambiais. Até 1987 o conceito de déficit público operacional (NFSP) excluía, também; certas operações quasi-fiscal das autoridades monetárias. Por todas estas razões, no período considerado, um indicador mais abrangente das pressões de financiamento do setor público sobre o setor privado é o conceito de “Necessidades de Financiamento do Banco Central” que inclui o resultado líquido dessas operações.
  • 17
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1989
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