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Dinâmica e tipologia da economia mundial contemporânea

Dynamics and typology of the contemporary world economy

RESUMO

A transnacionalização de processos produtivos, comerciais, tecnológicos e financeiros que ocorre por meio de corporações transnacionais produziu um espaço econômico, social, político e cultural específico e distinto do espaço nacional. A economia mundial contemporânea, marcada por inúmeros processos técnicos e econômicos em curso que configuram a terceira revolução industrial, pode ser definida pelas interações entre espaço nacional e espaço transnacional, nenhum dos quais pode ser dito estar desaparecendo. As linhas de força criadas pelas interações conflituosas entre a oligarquia transnacional e as várias oligarquias nacionais são fotografadas neste estudo do ângulo nacional e em três momentos desde 1950. O resultado é um conjunto de tipologias classificatórias dos países sobre os quais a informação estava disponível em 1960, 1970 e 1981.

PALAVRAS-CHAVE:
Economia mundial; estudo comparative de sistemas econômicos

ABSTRACT

Transnationalization of productive, commercial, technological, and financial processes which occurs through transnational corporations has produced a specific economic, social, political and cultural space which is distinct from national space. The contemporary world economy, marked by countless ongoing technical and economic processes which configure the third industrial revolution, can be defined by the interactions between national and transnational space, neither of which can be said to be disappearing. The lines of force created by the conflictual interactions between the transnational oligarchy and the various national oligarchies are photographed in this study from the national angle and at three moments since 1950. The outcome is a set of typologies classifying countries on which information was available in 1960, 1970 and 1981.

KEYWORDS:
World economy; comparative study of economic systems

Como pode ser quantitativamente indicada e em que consiste a dinâmica da economia mundial do último pós-guerra? Como pode ser construída uma tipologia econômica de um conjunto de 170 países organizados em diferentes modos de produção e que apresentam distintos níveis de renda per capita e de desenvolvimento das forças de produção?

São indagações dessa espécie que o presente artigo tenta responder. Mas antes de tratar de respondê-las, me pareceu conveniente dar alguma passada sobre a periodização da economia de 1945 em diante e sobre o binômio desenvolvimento e industrialização.

Cabe notar que este artigo se baseia em partes do trabalho “Economia Mundial Contemporânea”, publicado em Cadernos CEBRAP - Nova Série, n. 7, 1986.

CONTINUAÇÃO, MUDANÇA E CRISE

Uma das mais ingratas tarefas com que se depara o pesquisador é a de periodizar os acontecimentos históricos. Tarefa tão mais árdua quanto mais coetâneos são os processos econômicos e sociais. O imenso leque de datas que o tempo dispõe pode ser cortado em décadas ou anos ou trimestres em razão da extraordinária dinâmica dos processos na qual disputam o predomínio as forças de continuidade e de mudança. São processos tecnológicos, produtivos, comerciais e financeiros entre grandes empresas e a esfera estatal de cada país, e a internacionalização mesma desses processos. A indicação mediante datas será utilizada neste artigo mais que tudo como um recurso de exposição para localizar no contínuo histórico dos últimos 40 anos os elementos, tidos como relevantes, da dinâmica da economia mundial e indispensáveis à elaboração de uma tipologia desta economia que, em 1981, contava com 170 países.

A hegemonia dos Estados Unidos, para os países de economia de mercado, é o traço marcante das últimas quatro décadas. O padrão de coesão hierarquizado a partir da economia, da diplomacia e do poderio militar desse país, constitui-se no processo básico para se compreender as continuações e as transformações, bem como a crise mundial, do pós-guerra.

Os anos 50 podem ser considerados como aqueles em que ocorre uma reordenação profunda no quadro mundial e a partir dos quais expandem-se os processos que irão crescentemente configurar o mundo contemporâneo. Essa reordenação está associada a pelo menos três grandes movimentos: 1) formação de um bloco de países centralmente planificados; 2) pipocar de guerras localizadas e de movimentos revolucionários e anticoloniais; e 3) reconstrução europeia ocidental e japonesa sob a égide da economia e da política norte-americanas. Acrescente-se que na esfera das economias de mercado aprofundam-se e ganham novas conotações processos herdados do período pós-guerra: a presença do Estado como interventor e produtor (gastos públicos e coordenação via planos), a oligopolização das economias nacionais e, no final dessa década, a multinacionalização das grandes firmas.

Esses quinze anos foram marcados por um conjunto de processos de ordem militar e política, e de ordem econômica, relativos ao estabelecimento de certas regras do jogo internacional e nacional que foram, em certa medida, aceitas e refeitas, mas que constituíram um arcabouço institucional a partir do qual passou-se a construir o mundo contemporâneo. Formação de distintos blocos de organizações político-sociais; recuperação dos destruídos pela guerra; concorrência entre distintos blocos de capitais nacionais no Ocidente; constituição e desavenças entre nações no COMECOM; revolução chinesa seguida de estreita cooperação com os soviéticos é, já por volta de 60, ruptura dessas relações; lutas de libertação nacional e extraordinários esforços em alguns países como o Brasil no sentido de avançar no processo de industrialização.

Observe-se que os oligopólios, as multinacionais e a participação do Estado na economia são processos anteriores à guerra. A novidade, a partir dos anos 60, residirá na transnacionalização dos investimentos privados e dos circuitos monetários e financeiros. Com efeito, isso ocorrerá após uma Europa e Japão reconstruídos, seus blocos de capitais passaram a competir com os norte-americanos, e depois de se haver fortalecido a OCDE e ela haver se transformado em MCE (Mercado Comum Europeu), depois de haver sido resolvida a escassez de dólares que emperrava as trocas internacionais e instituída a conversibilidade multilateral das principais moedas.

Por volta de 1960, pode-se dizer que existe um novo quadro mundial a partir do qual tomam corpo os processos que conformam a história contemporânea da economia. Nos países centrais do capitalismo observa-se, em torno de 1948 a 1967, o auge do padrão industrial de estilo americano e assente na hegemonia inconteste dessa economia; no plano econômico isso se mostra claramente pelo que ficou conhecido como o desafio americano. Mas já em meados dos anos 60 esse desafio era, por sua vez, desafiado nos níveis produtivos e comerciais pelos capitais europeus e japoneses. Desse embate entre blocos de capitais resulta a sua transnacionalização, processo esse que encontrará nos anos de crise do padrão geral de acumulação todas as condições para avançar ainda mais, com maior e mais diversificado vigor. A desordem monetária levada avante pelos americanos desde fins da década de 50, explode claramente nos anos 70 e envolve todo o sistema mundial (Block, 1977Block, Fred L. (1979), The origins of international economic disorder, California Press, Berkeley, Los Angeles-Londres. ). Os periféricos semidesenvolvidos que avançavam ou procuravam renovar seus parques produtivos enveredaram na estratégia growth cum debt a partir do primeiro choque do petróleo, mas, no final da década, tornaram-se parceiros diretos da desordem monetária, a maioria ficando com a dívida sem crescimento.

Essa desaceleração no crescimento, que se inicia no centro aí por volta de 1967 e na periferia por volta de 1974 - desaceleração que se converte posteriormente em estagnação e pequenas retomadas - invade também os países socialistas, inclusive· aqueles em que o planejamento centralizado se mostrava mais forte. Esta solidariedade dos países de todo o mundo é nova e em suas raízes estão modificações substanciais nas formas do capital. Às rupturas industriais seguem-se rupturas monetárias e energéticas que corroem o edifício construído no pós-guerra e alteram sua dinâmica de crescimento.

Convém chamar a atenção para algumas mudanças básicas que constituem o que há de novo na ordem econômica.

O novo na economia reside, de um lado, na transnacionalização dos processos produtivos e financeiros, A internacionalização da produção corresponde em boa medida à descentralização internacional da geração de valor concomitantemente a uma nova centralização das condições contemporâneas de produção fundadas na ciência e tecnologia. A descentralização da produção apresenta formas variadas: investimentos diretos como as “firmas prontas” - as filiais substituem importações ou constituem plataformas de exportação - ou como “firmas-parciais”, verticalmente integradas às matrizes; formas que têm implicações cruciais na nova divisão internacional do trabalho. A transnacionalização do sistema bancário compõe-se de modo tríplice: a rede bancária internacional, o mercado de euro divisas e os centros financeiros internacionais (offshore banking centers).

De outro lado, o novo na economia reside nas modificações ocorridas no âmbito do Estado. Na nova configuração produzida pela interação dos processos de oligopolização, Estado interventor e produtor e as firmas multinacionais, houve uma mudança radical no papel do Estado. O papel dele na economia, que noutros tempos manifestava-se apenas em períodos de guerra, pode ser ilustrado pelo fato de que as despesas dos governos como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), na área da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), passaram de uns 28% em 1960 para algo como 40% em 80. Na verdade, a ação oficial do Estado nas economias desenvolvidas ultrapassa amplamente o papel da despesa governamental, uma vez que ele é proprietário ou coproprietário de grandes empresas e, até mesmo, de ramos completos da economia. Sua influência aparece na tentativa de elaborar planificações indicativas e de manipular as alavancas monetárias, creditícias e fiscais, influindo assim no curso do ciclo. A vinculação entre os interesses dos grandes grupos econômicos e das políticas das mais altas instâncias do poder estatal ganha força no período pós-60. A aspiração em alcançar o desenvolvimento, que deve necessariamente passar pela industrialização, faz com que o grande capital se solidarize de modo crescente com os objetivos do Estado, que busca ampliar a acumulação nacional no contexto da transnacionalização em curso. Não foi por acaso que no período de crise dos anos 70 ocorreu a mais extraordinária transnacionalização produtiva e financeira, período em que mais intensas mostraram-se as aspirações nacionais de remanejamento interno dos parques produtivos.

A ligação entre os interesses dos grandes oligopólios e das políticas estatais mostra-se claramente num dos acontecimentos mais importantes da era contemporânea: a revolução científico-tecnológica, ora em andamento. O apoio estatal, seja financeiro ou de outro tipo qualquer, foi e continua sendo a relação básica para o desenvolvimento das atividades de pesquisa. Ademais, aquela ligação tem implicações cruciais nas relações entre trabalhadores e as diversas frações do capital no ciclo econômico: hoje cabe ao Estado a gestão da força de trabalho e, nos embates entre esta e as frações do capital (setores avançados e atrasados), o Estado resolve via gasto público, e no limite, por políticas de arrocho. É necessário dizer, no entanto, que essa conduta “protecionista” não é geral, uma vez que as administrações Reagan e Thatcher favorecem a conduta “liberal”.

Em suma, a nova situação econômica que se gesta a partir dos anos 50 consiste: 1) na transnacionalização das esferas produtiva e financeira, com transformações de peso na esfera comercial; 2) na construção de uma nova divisão internacional capitalista do trabalho; 3) no rápido crescimento dos serviços modernos; 4) na emergência de uma nova periferia com a permanência de uma larga franja de países nos quais a industrialização não revolucionou seus modos de produzir. Do ângulo do sistema econômico mundial depara-se com uma divisão socialista do trabalho que, a partir dos anos 70, associa-se de modo mais rente à outra forma de divisão do trabalho existente, resultando num novo sistema econômico mundial.

A crise dos anos 70 e 80 nada mais é do que a exacerbação destas tendências num contexto de redefinição de alguns papéis produtivos e comerciais da República Imperial (Aron, 1975Aron, Raymond (1975), República Imperial, Rio de Janeiro, Zahar. ).

As transações externas a partir dos anos 60 aumentaram de importância dentro de cada economia nacional; os sistemas financeiros integraram-se à escala internacional e as grandes firmas, as corporações transnacionais, criaram novos vínculos entre os países, sejam produtivos e comerciais, de serviços e de tecnologia. Esse conjunto de fatores externos - que configuram a transnacionalização - passou a condicionar cada realidade nacional de uma maneira mais profunda e distinta da que prevalecia anteriormente. Ou seja, a transnacionalização da produção e do capital produziu um conjunto de alterações que redundaram na quebra de autonomia na definição e na execução de políticas econômicas nacionais, e essa é uma realidade distinta da do período 1929-1950.

A quebra de autonomia, que para as economias dependentes como a nossa não representa novidade alguma (se bem que agora se dá de uma forma nova), representa um fenômeno inédito para as economias desenvolvidas dominantes que conseguiram criar um importante dispositivo regulador no âmbito nacional. Uma das principais contradições da crise atual reside, de um lado, no aprofundamento da transnacionalização que não possui nenhuma ordenação institucional geral e, de outro, no fortalecimento do Estado nacional enquanto órgão responsável pelo nível interno das atividades econômicas e pela gestão de força de trabalho. A presente crise consiste no desbaratamento dos mecanismos de regulação global do sistema, centrados na hegemonia norte-americana, e na concomitante criação de instrumentos ad hoc e tópicos por parte dos Estados nacionais que, pressionados a constantes reajustes oriundos da instabilidade internacional, tentam reaparelhar seus respectivos sistemas produtivos, comerciais e financeiros. A atual solidariedade existente no mercado internacional reside na capacidade da economia americana de conviver com imensos déficits na balança comercial e no orçamento interno graças ao duplo papel desempenhado pelo dólar (moeda nacional e internacional) e mostra-se bastante precária. Precária justamente porque repousa na dinâmica da economia americana, e esta passa, desde os últimos anos da década de 60, por profundas transformações em sua órbita produtiva e, por força, em seu papel hegemônico. Essa imprevisibilidade existente no mundo prático, no qual a contradição entre transnacionalização x políticas nacionais é uma de suas componentes, erigiu a ad hocidade (improvisação) como regra de ação e, por isso mesmo, o Estado nacional como um dos protagonistas básicos da história econômica contemporânea. Pois será o controle do fundo público e o poder de manipular as políticas fiscal, monetária, creditícia e salarial que servirão para afirmar o Estado frente ao processo de transnacionalização em marcha. Acima de tudo, o que marca os tempos presentes é a precariedade das soluções postas em prática, o que se deve, em boa medida, à transnacionalização da produção e do capital, processo não institucionalizado e que oscila entre o neoliberalismo e o neoprotecionismo.

DESENVOLVIMENTO E INDUSTRIALIZAÇÃO

Tudo leva a crer não residir exagero algum na afirmativa de Niveau (1969Niveau, M. (1969), História dos fatos econômicos contemporâneos, São Paulo, DIFEL. : 7) segundo a qual a história dos fatos econômicos contemporâneos (contemporâneo para este autor está associado à industrialização) é a história da industrialização nascida na Inglaterra, no fim do século XVIII, no quadro do sistema capitalista. A sorte dos diferentes países do mundo parece articular-se em torno da mesma caminhada: a do progresso ou do malogro no desenvolvimento industrial.

Ultrapassada a fase de deslocamento do centro de gravidade da dinâmica econômica da mineração-agricultura-comércio para a indústria e com a disseminação dos métodos de organização industrial - Inglaterra por volta de 1760-1830; França, 1770-1860; Estados Unidos, 1810-1860; Alemanha entre 1815 e 1860 e Japão, 1860 e 1890 - passada essa fase, a industrialização tem nesses países sua base técnica assente na cadeia básica composta pelo aço-eletricidade-petróleo e química. Os setores de bens de consumo desenvolvem-se em primeiro lugar, constituindo-se nos setores dinâmicos iniciais, mas logo a seguir, os bens de produção crescem mais rapidamente, passando a comandar o processo de acumulação, em termos de ganhos em produtividade e possibilidade de transmiti-los a outros setores.

Há nessa formulação uma lógica do processo de industrialização que poderia ser expressa da seguinte maneira. O modo industrial de produzir eleva o produto físico per capita da economia assim como aumenta a produção da indústria nos acréscimos do produto nacional. Com o avanço da industrialização, a produtividade na indústria tende a elevar-se mais rapidamente do que nos demais setores da economia. Vale dizer, com a diversificação do consumo produtivo intermediário industrial amplia-se a acumulação permitindo criar-se mais valor por unidade de trabalho. Quanto mais elevar-se a produtividade (produção por homem/hora) nos setores de bens de produção, mais industrializado será o parque produtivo. O aumento do produto destes setores vem acompanhado pelas economias de escala (incremento da relação capital/força de trabalho) e pela especialização do trabalho. Por fim, o nível de produtividade do conjunto da economia tende a elevar-se como resultado da industrialização, provocando a mudança de produtividade na agricultura e nos serviços. Em outros termos, a indústria não só se transforma internamente, como arrasta consigo e modifica o resto das atividades produtivas, transbordando mais tarde para algumas atividades de serviços.

Tal formulação ganha expressão síntese na conhecida máxima segundo a qual o limite do capital é o próprio capital, no sentido de que a industrialização “plena” ocorre quando o departamento de bens de produção capacita a acumulação a uma autodeterminação do capital, o que supõe uma estrutura técnica do capital desenvolvida. A imagem correspondente a essa formulação é a da pirâmide industrial que tem por base os bens de produção pesados, seguindo-se dos bens leves, dos bens de consumo duráveis e, em seu cume, os de consumo não duráveis.

Do ângulo histórico, certamente pode-se sustentar a ideia de que os principais países - geralmente aqueles que primeiro se industrializaram - que buscaram desenvolver um capitalismo nacional tenderam a apresentar uma tal configuração. O mesmo pode ser dito em relação ao estilo soviético de industrialização posto em execução a partir de meados dos anos 30 e, posteriormente com o COMECON, a partir de 1950 em outros países do bloco socialista.

Não obstante, cabe assinalar que a edificação da pirâmide industrial a partir da base ou tendo em vista a internalização dessa base foi perseguida - durante o período de consolidação/expansão das estruturas oligópicas de mercado (de 1880- 1945) - por apenas um punhado de nações; as demais industrializavam-se sem necessariamente internalizar os ramos básicos do departamento de bens de produção, mas o fizeram via inserção na estrutura do comércio mundial. Ademais, uma vez constituída a estrutura industrial, a continuidade da industrialização podia ganhar seu dinamismo tanto no setor de bens de produção quanto no de bens duráveis de consumo. Caso exemplar desse último tipo de mola propulsora é a “primeira revolução automobilística” nos Estados Unidos durante os anos 10 e 20. Uma nação pode estar voltada principalmente para os bens de consumo ou bens de capital - o que depende de condições favoráveis para tanto como, por exemplo, dimensões do mercado, barreiras técnicas de escala, inserção no comércio mundial.

Por conseguinte, ainda que associemos industrialização e desenvolvimento econômico moderno e contemporâneo, o processo histórico de industrialização não possui etapas (de ramos ou setores) à moda “originária”, ou seja, todo país retardatário começará pela base da pirâmide industrial e nela encontrará sua mola propulsora. Penso que vale registrar três observações que serão retomadas adiante. Primeira: a aspiração de construir capitalismos nacionais - mantida e realizada por alguns países até a Segunda Guerra - encontrará seu limite claro na política externa norte-americana do pós-guerra, que objetivava uma economia mundial aberta.

Segunda observação: os países retardatários (os semi industrializados) encontrarão evidentes dificuldades no prosseguimento da industrialização pelo caráter capenga de seu setor de bens de produção - o que irá se acentuar à medida em que a industrialização estiver diretamente associada a um sistema de ciência/produção; a industrialização do pós-guerra, amarrada à incorporação do progresso técnico e à estruturação financeiro-produtiva oligopólica das grandes empresas internacionalizadas, tende a uma maior diferenciação setorial e a funcionar num espaço nacional mundial. Terceira observação: essa dinâmica do processo de industrialização - setorial/nacional/mundial - tende a realizar-se entre países desenvolvidos, incorporando em sua trajetória uma dezena de outros subdesenvolvidos, em razão de seus mercados internos e de suas capacidades de integração dinâmica no novo mercado mundial; desse modo, fica à margem da industrialização, enquanto motor da edificação da principal base material e tecnológica do desenvolvimento, uma grande maioria de países - se bem que estes não permaneçam imunes aos efeitos da industrialização.

Entendida a industrialização como a forma produtiva característica de acumulação de capital - numa economia de mercado pode ser entendida como o modo produtivo particular de utilizar trabalho assalariado para a valorização do capital - pode-se dizer que as formas institucionais, os graus e os ritmos com que ela se efetiva historicamente em países, ou que estes são afetados pelas transformações industriais, permitem que se crie designações tais como “países desenvolvidos”, “em desenvolvimento”, “pouco desenvolvidos”. Com isso, não se pensa em reduzir, mediante uma tipologia, um processo histórico - que não se confinou, e nem se confina, a um único modelo - ao industrialismo, ideologia barata que extirpa os componentes sociais e políticos nele envolvidos. ·

Trata-se, isto sim, de entender a industrialização como um processo decisivo para assentar a principal base material e tecnológica dos países semi e pouco desenvolvidos e, assim, terem acesso ao desenvolvimento. Ou seja, trata-se de classificar um processo que atualmente coloca-se como decisivo para a incorporação da maioria dos países à própria civilização contemporânea. Processo que no mesmo movimento elevou a interdependência dos países na economia mundial, produziu maiores assimetrias e também maiores aspirações por parte de inúmeros países pouco desenvolvidos em industrializarem-se. A industrialização é, assim, recolocada como a questão central dos debates sobre o desenvolvimento econômico.

Hoje apresenta-se de modo mais nítido que não há um caminho único, um único modelo de industrialização cujas virtudes sejam de aplicação universal. A diversidade de dispositivos institucionais, a maior ou menor participação do Estado (interventor, promotor, produtor), das empresas, das alianças Estado-empresas, a maior ou menor participação da mão-de-obra nos sindicatos, a formulação de projetos nacionais numa economia cada vez mais internacionalizada, etc., tudo isso conta na construção do caminho para a industrialização.

TIPOLOGIA DA ECONOMIA MUNDIAL

A tipologia é um quadro conceitual amplamente descritivo que tem no máximo um poder de generalização empírica. Essa classificação sistemática é uma estrutura conceitual analítica que não deve ser simplesmente assimilada a uma teoria. Não obstante, o acúmulo de indicadores não implica a recusa de apoio em um sistema teórico, ainda que não explicitado, caso contrário teríamos apenas um empilhamento de imagens parcelares da realidade. Trata-se, de fato, de realizar uma integração de elementos discretos (os indicadores) numa unidade coerente (o tipo). Assim, da combinação de alguns critérios (indicadores) - os mais frequentes e mais simples - construiu-se uma tipologia dos países à luz dos princípios organizadores de cada país relativos à ordenação econômica mais-geral e ao desenvolvimento das forças de produção.

Os princípios organizadores referem-se: 1) à forma de organização institucional das atividades econômicas, donde pode-se distinguir entre países de economia de mercado e países de economia centralmente planejada; 2) ao nível de desenvolvimento das forças produtivas - donde pode-se distinguir entre países desenvolvidos, semidesenvolvidos e pouco desenvolvidos.

No que respeita à organização institucional é conveniente chamar a atenção para o fato de que o caráter de sociedade de massa, altamente diferenciado em sua estrutura produtiva e de consumo, que ostentam os países desenvolvidos de economia de mercado, não encontra paralelo nos países socialistas. Pode-se alinhar, de acordo com Teixeira e Tavares (1982: 66-67), pelo menos três ordens de diferenças entre as economias capitalistas e socialistas: 1) a inexistência da concorrência capitalista nos países centralmente planificados, “instrumento dinâmico e difusor, por excelência, das formas de ‘progresso técnico’, particularmente de sua forma mais acabada que é a diferenciação do produto”; 2) a natureza das relações sociais básicas de produção e o modo como essa forma está articulada com a divisão nacional do trabalho nesses países; os países socialistas, a despeito dos avanços da divisão internacional do trabalho no seu meio, põem-se ainda à margem; 3) “o modus operandi dos grandes combinados ou empresas estatais soviéticos (e chineses) não guarda qualquer semelhança estrutural com a CTs, seja em suas relações intersetoriais, seja na forma pela qual está organizado o processo de trabalho”.

No que respeita ao nível de desenvolvimento, cabe dizer que se buscou discriminar, tanto quanto os indicadores tradicionais o permitissem, a fim de precisar a diversidade dos tipos, mas sem resvalar para uma singularidade extrema. O que não resolve completamente a questão se bem que encaminha a dificuldade de inserir cada país em determinado tipo. A classificação dos países em desenvolvimento e semidesenvolvidos é menos discutível do que a de pouco desenvolvidos. Aliás, estes últimos confundem-se com os subdesenvolvidos - o que nos induziria a englobar os países pouco desenvolvidos com os semidesenvolvidos. A discriminação entre os subdesenvolvidos e a aglutinação de todos os países em algum grau de desenvolvimento sustentam-se no suposto de que a esmagadora maioria dos países foram afetados pela industrialização. Vale dizer, durante os últimos 30 anos, houve alguma sorte de mudança no padrão nacional de produção desses países indicada pelas alterações na estrutura do produto e na distribuição da mão-de-obra. Com a finalidade de discriminar o tipo de países pouco desenvolvidos separou-se os exportadores de petróleo dos demais.

O resultado final foi a adoção de seis tipos ou grupos de países: os capitalistas desenvolvidos (PCD), os socialistas desenvolvidos (PSD), os capitalistas semidesenvolvidos (PCSD), os socialistas pouco desenvolvidos (PSPD), os capitalistas pouco desenvolvidos exportadores de petróleo (PCPD-EP) e os capitalistas pouco desenvolvidos restantes ou demais (PCPD-Ds). Adiante faremos observações adicionais a esse respeito.

Os indicadores escolhidos foram nove: PIB (ou PNB), população, PIB (PNB)/capita, as participações da indústria, dos serviços e da agricultura no PIB (PNB) e no tocante ao pessoal ocupado. Na realidade, reduziram-se a sete os indicadores, uma vez que o PIB (PNB) e a população tinham sua expressão no PIB (PNB)per capita; se bem que determinados cortes no continuum de países foram efetuados com base na população (países com menos de 500 mil habitantes). Observe-se que do ângulo da constituição da tipologia, os elementos mais importantes foram os princípios e não os indicadores, ainda que aqui e acolá, estes últimos pesaram em muito na classificação dos países (como por exemplo, o PIB per capita foi decisivo na distribuição de países como Chipre e Malta, Costa Rica e Panamá - entre os PCSD e não PCPD-Ds; importante foi esse indicador, junto com a participação da indústria no PIB e no PO, na criação do tipo PSPD e na não criação do tipo PSD, no qual certamente poderia figurar Cuba). Cabe insistir no seguinte: as magnitudes dos indicadores são inteiramente aproximativas dos fenômenos.

Visto que se dispunha de informações mais completas para o ano de 1981 (do ângulo dos indicadores e número de países), a tabela a seguir refere-se apenas às magnitudes nesta data, o que certamente influiu na classificação dos países em 1960 e 1970. Não obstante, procurou-se evitar tanto quanto o conhecimento possibilitava a redução do passado recente ao presente - 1981. Além disso, a utilização diacrônica dos tipos procurou acompanhar as alterações institucionais e econômicas por que passaram alguns países. Como exemplo, pode-se citar a passagem do Vietnã do Norte, da Mongólia e do Camboja (Kampuchea) do tipo PCPD-Ds para PSPD. Por outro lado, manteve-se Angola e Moçambique, países com idêntico percurso, no tipo PCPD por se considerar que suas dinâmicas econômicas dependem ainda em larga medida de suas conexões com os países capitalistas. Ademais, países como Coréia do Sul e Formosa (Taiwan), classificados em 1960 como PCPD-Ds, passaram em 1981 a PCSD. Essas alterações, a par com as reservas sobre as informações, vêm reforçar o papel dos indicadores e suas grandezas como sinalizadores aproximativos dos fenômenos e processos.

Os três primeiros grupos oferecem menores dificuldades do que os demais. A renda per capita é bastante consistente (relativa baixa dispersão) no interior de cada grupo; a indústria é altamente ou tem relativamente alto desenvolvimento (elevada participação no PNB); a agricultura está inteiramente ou bastante industrializada (baixa participação no PNB); já o setor terciário apresenta-se como mais consistente nos países desenvolvidos do que nos semidesenvolvidos. Os graus de dispersão nos vários setores, seja em termos do PNB, seja em termos da PO, evidentemente estão associados às formas históricas de desenvolvimento em cada tipo institucional e em cada país. Adiante retomam-se tais aspectos.

Os outros três tipos de países apresentam, de modo crescente à medida que se vai dos PSPD para os PCPD-Ds, menores graus de consistência interna em cada grupo tanto no que se refere ao PNB/per capita quanto aos demais indicadores.

No grupo de PSPD discrepou significativamente o Afeganistão e o Camboja de um lado (PNB per capita US$ 90) e Cuba de outro (US$ 1.310); Cuba não só apresenta elevada renda per capita como elevado grau relativo de industrialização (Ind/PNB = 28,1) e de baixo emprego na agricultura; não obstante considerou-se forçar em demasia incluí-la no tipo PSD.

Os exportadores de petróleo - países que dependem em 25% e mais de seu PNB desse mineral e que exportam praticamente tudo - apresentam as mais diversas e disparatadas rendas per capita. Têm reduzido parque industrial e elevada participação da agricultura no PNB (quando não importam quase todos os alimentos), agricultura essa de caráter tradicional em sua esmagadora maioria. A baixa participação da indústria e o caráter tradicional da agriculturamarcam, de fato, os três grupos de países.

O último grupo de países, os PCPD-Ds, merece além da discriminação segun­do continentes, alguma separação no âmbito de cada continente. Pois, como todo o resíduo, reúne países mui díspares. Apenas para ratificar a inclusão de países nesse grupo, uma vez que um ou outro poderia suscitar dúvidas, e também para evidenciar a heterogeneidade interna ao grupo, vamos dispor esse países segundo seus respectivos graus de industrialização (% Ind/PNB). O limite menor é 20%. Resta lembrar que por indústria entende-se manufatura mais eletricidade. O resultado consta no quadro a seguir apresentado.

Quadro 1:
PCPD-DS Discriminados segundo o grau de industríalização (superior/inferior a 20%)

Em geral os países discriminados ostentam as maiores rendas per capita no grupo, o que condiz com a ideia de que o grau de industrialização expressa a existência de alguma diferenciação das atividades no país e, como são basicamente países agrícolas, tudo leva a crer que a agricultura não se converteu - ou converteu-se mui parcialmente - num ramo da indústria.

Os países restantes, que atingem a alta conta de 84, praticamente 50% do total, pouco ou quase nada contam em termos de PNB mundial, mas têm alguma expressão em termos de população (cerca de 30%, onde a população africana é proporcionalmente a mais expressiva). Esses elementos concorrem para sustentar o suposto acima indicado de que durante os últimos 30 anos praticamente todos os países do mundo foram de uma forma ou de outra afetados pela industrialização, processo central do desenvolvimento econômico.

Nunca será demais insistir na relativa frouxidão das informações agregadas com que se trabalha. Para tanto, basta consultar as fontes indicadas na Tabela 1. Assim, as grandezas serão melhor·entendidas se as tomarmos, de um lado, como aproximações pouco depuradas de estruturas e de processos e, de outro, como informações que suscitam associações entre si e com ideias mais gerais sobre a economia do pós-guerra.

Tabela 1:
Tipologia Dos Países, 1981 (Valores E Participações “Médias”)*

Por outro lado, cabe notar que a manipulação dessas informações organizadas sob a forma tipológica situa-se no plano dos estudos comparativos. Neles busca-se pôr em evidência as regularidades entre os vários tipos cujas semelhanças e dessemelhanças são examinadas sincrônica e diacronicamente. Tende-se assim a tratar os vários tipos de países como insertos num quadro sistémico, no caso presente, no sistema econômico mundial. Em certo sentido, é isso que a Tabela 1 sugere: comparar as estruturas e as mudanças dos tipos no sistema mundial. Assim, supõe-se que a despeito de uma divisão capitalista do trabalho haja uma divisão socialista e que ambos formam a divisão internacional do trabalho na qual predomina dinamicamente a DCT, compondo um sistema mundial (Lavigne, 1982Lavigne, M. (1982), “La division internationale socialiste du travail dans la DIT: overture et polarization internationales des pays socialistes”. Économie et finance internationales, Paris, Bordas. : 191-202). No entanto, cabe ter presente as três ordens de diferença indicadas no início desse item entre países capitalistas e socialistas e as dificuldades em comparar indicadores semelhantes entre esses tipos de países. Dessa feita, o aumento do PNB per capita certamente significa aumento da riqueza e da demanda solvável, o que não requer seja estendida necessariamente à qualidade de vida média do cidadão.

Na verdade, o esforço dispendido na elaboração da tipologia deve ser encarado dentro de todas suas limitações e cabe ser visto como um exercício tentativo. Não mais que isso. Para tanto, basta observar a Tabela 2. Vemos aí que o PIB mundial cresceu mais nos onze últimos anos do que na década de 60 e que por esse feito seriam responsáveis os PCSD e os PCPD. O que contradiz o que se tem por consensualmente aceito. Com efeito, os países industrializados apresentaram um PIB médio anual real (em US$ de 1977) de 3,8% nos anos 50; 5,3% em 1960-1965; 4,9% em 1965-1970 e de apenas 3,2% em 1970-1977; ademais, observe-se que entre 1976-1979 ocorreu uma expansão, rapidamente seguida de aguda recessão (1980-1982). Dada a forte participação destes países no PIB mundial (cerca de 63%), seria lícito esperar uma queda neste PIB no período 1970-1981.

Tabela 2:
Evolução do número de paises pib(pnb), população e PIB (PNB)/capita, 1960, 1970 e 1981. valores absolutos e taxa média anual

Ou seria lícito esperar uma contratendência proveniente do crescimento - extraordinário por sinal - dos PCSD e PCPD, exportadores de petróleo e demais? De fato, os países do Leste Asiático e da América Latina registram, até por volta de 1980, altas taxas de crescimento. Ocorre que suas participações no PIB mundial giram em torno de um quinto apenas, em 1981 (em 1960 era algo como 15%).

A par o registro da discrepância, cabe reiterar a advertência feita por Seligman Silva e Arruda Sampaio de que a análise dos dados deve levar em conta as possíveis distorções decorrentes do uso do deflator implícito do PIB norte-americano na obtenção do PIB dos outros países em dólares de 1980 (subvalorizado em termos reais: Richmond e Herzog, 1982: 15), principalmente por causa das oscilações das taxas de câmbio verificadas no período. Além das já conhecidas dificuldades em medir os fluxos dos países socialistas em dólar, não se pode esquecer que não são homogêneas as metodologias utilizadas na elaboração das Contas Nacionais dos diversos países.

Em linhas gerais, os dados indicam que o desenvolvimento em moldes industriais - com alguma base na diversificação da estrutura produtiva manufatureira nos últimos 20 anos - ocorreu em cerca de 50 países. Algo como 110 países em 1960 e 160 em 1981 apresentaram alguma, senão nenhuma, evidência de industrialização ou de integração dinâmica no cenário mundial captável por modificações significativas na menor participação da força de trabalho na agricultura ou maior participação na indústria. Toda a África ao sul do Saara (algo como 50 países), parcelas consideráveis do Norte da África, Leste e Sul da Ásia e da América Latina mantêm-se em níveis extremamente atrasados. Na África sul-saariana e no Sul Asiático (PCPD) a participação da força de trabalho na agricultura é superior a 60%-70%, ao passo que na indústria não atinge a 10%. Participações que se mantiveram estáveis ao longo dos anos.

Tabela 3:
Participação Na Produção Industrial Mundial, 1960-1981

Tudo leva a crer que essa situação é o resultado da dinâmica do desenvolvimento industrial que assume um caráter de avanço com diversificação e que ruma para o setor de serviços nos PCD, e que tende a abarcar os PSD e os PCSD; por outro lado, assume um caráter truncado para a maioria dos demais países nos quais vive mais da metade da população do globo. Com efeito, a participação na produção industrial mundial no período 1960-1981 dos PCD recuou em mais de 13 pontos percentuais e a dos países socialistas avançou em cerca de 11 pontos, indicando, de um lado, o arrefecimento e a crise nos PCD bem como sua tendência em desenvolver-se crescentemente via serviços; de outro, que os países socialistas foram os responsáveis maiores pelo que de mais relevante ocorreu nas transformações da produção industrial mundial. O restante dessas transformações concentrou-se em meia dúzia de PCSD, donde conclui-se que a industrialização, para a enorme maioria dos países pouco desenvolvidos, é praticamente inexistente.

Além da pequena participação desses países na indústria mundial, cabe notar duas outras características: uma, a participação dos países subdesenvolvidos na indústria mundial é muito baixa naqueles ramos de maior complexidade industrial e tecnológica; outra, o nível muito primário em que se exploram e se processam os recursos naturais desses países (Castro RuzCastro Ruz, Fidel (1983), A crise econômica e social do mundo, Rio de Janeiro, Codecri. : 131). A primeira característica evidencia-se pelo fraco, senão nulo, crescimento nos ramos eletrônicos - exceto na montagem de peças eletrônicas simples - na química, petroquímica e na indústria aeroespacial. Vale ressaltar aqui os esforços do Brasil para, precisamente, avançar nestes espaços econômicos visando o mercado interno e externo e, desse modo, ultrapassar a especialização da antiga-modernizada divisão internacional do trabalho (têxteis, confecções, couro, celulose e papel e indústria de alimentos). A segunda característica evidencia-se no fato de que esses países proporcionam mais de um quarto da mineração de metais, mas produzem apenas cerca de 4% das manufaturas metálicas no mundo; petróleo e gás mantêm uma relação ainda mais díspar com os ramos químico e petroquímico.

Contudo, a esse descompasso sensível entre exploração e processamento junta-se a desarticulação inter e intrasetorial das economias dos PCPD e até mesmo PCSD. Ou seja, não existe uma integração adequada nas suas relações intersetoriais que conecta o processamento industrial das matérias-primas com os bens de consumo final, os bens intermediários e os bens de capital. “Se, entre 1975 e 1980, a mineração cresceu no Terceiro Mundo a uma taxa média anual de 1,6% e a produção de manufaturas metálicas o fez a 6,2%, isso evidencia que a indústria funciona a partir de componentes importados e não processando os recursos nacionais numa economia integrada internamente” (Castro RuzCastro Ruz, Fidel (1983), A crise econômica e social do mundo, Rio de Janeiro, Codecri. : 132). Por certo, não se pensa aqui em internalizar todos os ramos de produção de bens de produção que garantam a reprodução econômica e tecnológica a partir da produção de cada país, mas trata-se apenas de indicar a concentração do processo de industrialização. A importação de máquinas e ferramentas agrícolas, teares, motores elétricos, tornos, fresadoras, máquinas para prensar, forjar e laminar metais, etc., não foi paga pelas exportações, e muitos daqueles países que levaram avante seus projetos de industrialização (internalização de alguns ramos de bens de produção) tornaram-se vitimas da já conhecida deterioração dos termos de intercâmbio e, a partir da alta mundial da taxa de juros, tornaram-se vítimas dos encargos financeiros. Nos anos 70, as importações desses bens por parte dos países semi e de alguns menos desenvolvidos elevaram-se mais do que as taxas de crescimento das exportações, e para tanto contaram com os fundos de financiamento dos PCD. Na fase de recessão de 1980-1982, as importações passaram a ser fortemente comprimidas ao passo que as exportações incentivadas. Nessa dinâmica da economia mundial inúmeros projetos de avanço na industrialização foram bloqueados e junto com a internalização de alguns setores houve o avanço do segmento transnacionalizado, ainda que essas economias tenham diminuído em parte seu coeficiente de abertura.

O esforço em alcançar algum novo patamar de desenvolvimento foi, segundo indicam os dados agregados de World Tables 1980, generalizado e elevado. Com efeito, a participação do investimento interno bruto no PIB dos PCSD e PCPD elevou-se de algo como 19% em 1960 para cerca de 25% em 1977; as exportações desses países (exceto os petroleiros) passou de 15% para quase 21% e as importações de cerca de 17% para 23% no mesmo período. As taxas de investimento foram, desde meados dos anos 60, igualmente elevadas, o mesmo ocorrendo com as importações. O resultado de todo esse esforço pode ser observado no aumento da participação da manufatura do PIB: de menos de 19% em 1960 ela passa para 21,5% em 1977, sendo mais expressiva nos países do Leste Asiático (de 13,5% para 20,7%), na América Latina (de 24,1% para 26,5%) e no Sul da Europa (25% para 26,2%). Estes dois últimos conjuntos de países que, juntamente com os do Leste Asiático concentraram o processo de industrialização do Terceiro Mundo, apresentaram em 1977 os mais elevados déficits em transações correntes (importações superiores às exportações, remessas etc.). Os países do Leste Asiático - que compreendem os 4 NICs - apresentam um déficit substancialmente menor, o que certamente se deveu a uma coordenada política de exportação e importação, de vez que o montante de investimentos diretos líquidos é significativamente expressivo em termos relativos. De fato, os fluxos comerciais saltaram de cerca de 23% em 1960 para algo em torno de 40%, sendo que as taxas de crescimento das exportações superam as de importações nos anos 70. A despeito do imenso e generalizado esforço dispendido pelos países do Terceiro Mundo, repetiu-se a máxima evangélica: muitos foram os chamados, mas poucos os escolhidos.

Esse imenso e generalizado esforço em alcançar o desenvolvimento, cuja expressão maior reside na obtenção de um melhor padrão de vida, visou diminuir as disparidades entre os diversos grupos de países - o que parece não ter sido alcançado. A Tabela 4 indica que a evolução da renda per capita de todos os grupos de países, em relação ao grupo dos países capitalistas desenvolvidos (PCD), foi negativa, exceção feita aos capitalistas semidesenvolvidos.

Tabela 4:
Evolução da diferença do PIB per capita entre PCD e demais grupos de paises, 1960, 1970 e 1981

A Tabela 5 mostra que a evolução da renda per capita dos países portadores dos maiores PIB do mundo, em termos absolutos, em relação à renda per capita norte-americana, foi uma para aqueles que fazem parte do grupo de países capitalistas desenvolvidos - entre 1960 e 1981 a renda per capita tende a aproximar-se da renda americana - e outra para os demais países. É claro que dentre eles há diferenças relevantes que convém apontar. No que respeita à evolução da diferença, há os que praticamente ficaram estáveis, como URSS, China, Índia e Polônia, e outros que apresentaram significativa alteração como Espanha, Arábia Saudita e Alemanha Democrática. Brasil e México, a despeito de seus esforços em levar avante a industrialização, obtiveram resultados modestos. Resultados esses, no entanto, relativamente exitosos quando comparados com os demais países capitalistas - exceção feita a alguns países petroleiros (Tabela 6).

TABELA 5:
Evolução da diferença do PIB per capita entre Estados Unidos e paises que. em 1981. tinham um pib superior a 100 bilhões de US$ 80
Tabela 6:
Evolução da diferença do PIB per capita entre Estados Unidos e alguns paises dos tipos (1) PCSD. (2) PCPD-Ep e (3) PCPD-Ds. PIB em bilhões de US$ 80 (19811

DINÂMICA DA ECONOMIA MUNDIAL DE MERCADO (1960-1981).

A Tabela 7 põe em evidência o declínio das taxas médias de crescimento da produção manufatureira em todo o mundo, em magnitudes distintas e em tempos distintos e insinua a ideia da propagação do declínio a partir dos PCD (países capitalistas desenvolvidos).

Tabela 7:
Taxas médias de crescimento da indústria de transformação

A respeito disso, Fouquin e Guillochon (1983Fouquin, Michael e Guillochon, Bernard (1983), “Project de rapport sur le role et le bilan des relations economiques intemationaies dans la croissance économique mondiale”, Colloque, Bulletin de Liaison, Paris, abril. : 1-22) observaram que: 1) o período crítico situa-se entre 1967 e 1971, e a emergência das rupturas industriais é anterior às rupturas monetárias e energéticas; 2) existiam ramos dinâmicos no pós-guerra, como eletrônica e telecomunicações, mas que seu crescimento não foi suficientemente dinâmico para compensar a queda das antigas indústrias de ponta (siderurgia, química orgânica, derivados do petróleo); 3) no entanto, pode-se admitir que serão estes ramos, junto com as aplicações industriais em biotecnologias, o arranque de novo crescimento; 4) excetuando o Leste Asiático, todos os demais países, inclusive os do Leste, foram induzidos por constrangimentos externos. O que segue funda-se, em seus principais aspectos, no trabalho desses autores.

Ao nível interno dos países desenvolvidos, a fase 1967-1973, caracteriza-se, de um lado, pela ruptura na relação lucros/salários e pela queda nos investimentos industriais e, por outro, pela saturação na demanda por bens duráveis. No nível externo, surge o déficit americano em bens manufaturados e a emergência dos NICs; os Estados Unidos convertem-se em importadores de energia; ocorre a instabilidade nos mercados de commodities (crise do trigo e, o que foi altamente relevante para o Brasil, crise da soja); os preços do comércio exterior dos bens industriais de moderadores da inflação convertem-se em motores dela (acelera-se na fase seguinte) e ocorre o fim do movimento de enormes investimentos norte-americanos na Europa. Esta fase culmina com a desvalorização do dólar em 1971.

A fase 1973-1979 caracteriza-se por uma certa estabilização da relação salário/lucros, os investimentos industriais estabilizam-se mas diversificam-se setorialmente e surgem novas filiais de CTs; ganham terreno as políticas econômicas de endividamento público. No âmbito internacional verifica-se uma forte internacionalização nos PCD com acentuação na especialização setorial, e os NICs tendem a frear suas importações; o choque do petróleo é acompanhado de uma queda na demanda e nos preços das outras principais matérias-primas, e as políticas de reajustes tentam neutralizar (e exportar) o crescimento mais acelerado da inflação. A fase caracteriza-se não só pelo endividamento público como pela estagnação com inflação. O sistema monetário adota os câmbios flutuantes.

A fase 1979-1982-1983 caracteriza-se pela deflação: queda do poder de compra dos salários e nova e forte queda dos investimentos industriais com o aumento do desemprego. No nível internacional os preços no comércio internacional crescem menos do que os preços nos PCD; o dólar se fortalece e os financiamentos tornam-se mais difíceis e caros; os NICs entram na crise geral.

O movimento de especialização induzido pelas livres trocas dos anos 60 levou alguns países a perderem terreno (Estados Unidos e sobretudo Reino Unido) e a outros, a progressos impressionantes (Alemanha e Japão). Além disso, houve uma forte tendência à polarização nas trocas (concentração de excedentes comerciais em certas categorias de produtos por certos países) que levou alguns países (como Alemanha e Japão) a obter posições dominantes. Ocorre que a existência de posições dominantes mantidas por países com indústrias relativamente atrasadas (como Estados Unidos) induziu a um comportamento de preços inflacionários, pela simples razão de que o líder tende a impor sua lei de acordo com seus interesses de gestão a curto prazo. A desvalorização do dólar, a briga pela não valorização do marco e do iene, o choque do petróleo etc., levaram todos os países a desenvolver seus programas nacionais. Neste sentido, as políticas protecionistas retardaram os ajustamentos internos das economias dominantes, exportando aos mais fracos suas dificuldades. O que elevou os desequilíbrios e as tensões na economia mundial na medida em que cada país procurou desenvolver suas exportações para reequilibrar seu balanço de pagamentos e frear sua demanda interna. Contudo, um tal estado de coisas, enquanto novos mercados e novos produtos salváveis não surgem, tende a levar o sistema de trocas internacionais a um jogo de soma zero, elevando as tensões, em larga medida atenuadas pelo endividamento internacional. No entanto, o segundo choque do petróleo e a nova política monetária americana de 1979 trouxeram à tona, com uma virulência ímpar, os desequilíbrios e tensões existentes.

O que se observa a partir de 1983, é uma maneira pouco conhecida de andar na e com a crise: a maior economia do mundo abre-se mais e mais à concorrência internacional e amplia enormemente seu déficit comercial e sua dívida pública interna. Pode-se admitir que sua conduta neoliberal - aceita ao nível ideológico pelos principais parceiros mundiais - será um forte cacife na elaboração de uma nova conduta comercial, financeira e produtiva para o conjunto dos PCD. O que deverá ter fortes repercUS$ões nos PCSD.

Por fim, cabe observar que as modificações ocorridas no período 1967-1980 na economia mundial permitem assinalar para a existência de três modos de inserção dos países nas trocas mundiais contemporâneas.

  • Primeira: a inserção tradicional que corresponde a uma especialização em bens primários e a uma dependência por manufaturados; países do Oriente Médio, da África sul-saariana, da América Latina (afora Brasil e México) e da Ásia (afora Índia e os NICs); alguns setores de países desenvolvidos (Austrália, Nova Zelândia, Canadá, URSS) no que respeita a produtos agrícolas, metais não-ferrosos e minerais - o que não significa que a inserção tradicional implique necessariamente reviver a antiga Divisão Internacional do Trabalho.

  • Segunda: a inserção diferenciada que corresponde a uma especialização em bens de consumo, alguns bens intermediários e de equipamento e a uma dependência por bens industriais sofisticados; países como México, Brasil, do Leste Asiático e da Europa Meridional.

  • Terceira: a inserção especializada em bens de equipamentos e alguns bens intermediários (PCD).

Em termos gerais, os anos 70 caracterizam-se pelo revigoramento e especialização de antigos setores industriais, pela emergência de um punhado de novos países especializados em alguns ramos e pela concorrência aberta entre as economias de mercado mais desenvolvidas, da qual resultou alguma redivisão de papéis dominantes (Japão na eletrônica, Estados Unidos e Alemanha nos motores e máquinas mecânicas, por exemplo) e uma maior internacionalização produtiva nos Estados Unidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    JEL Classification: P51; P52.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1987
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