Acessibilidade / Reportar erro

Mudanças no padrão de financiamento do investimento no Brasil* * Artigo apresentado no Simpósio “Brazil in Transition”, patrocinado pelo Center of Latin American Studies da Cambridge University, de 3 a 5 de abril de 1987. Traduzido por Édison de Freitas Filho e Maria Lúcia L. M. Pádua Lima.

The changing of the pattern of financing investment in Brazil

RESUMO

O padrão de financiamento do investimento está mudando no Brasil. Durante a década de 70 baseou-se no padrão clássico que prevalece nas fases iniciais do desenvolvimento, ou seja, no financiamento estatal e externo. Mas, na segunda metade da década de 70, esse padrão se rompe à medida que o setor público perde sua capacidade de poupança. Na segunda parte da década de 80, o setor público deverá recuperar parcialmente a sua capacidade de poupança, enquanto o setor privado assume um papel crescente no investimento.

PALAVRAS-CHAVE:
Empréstimo internacional; investimento; fluxos de capital papel do Estado

ABSTRACT

The pattern of financing investment is changing in Brazil. During the 70’s it was based on the classical pattern that prevails in the early stages of development, that is, on state and external financing. But, in the second part of the 70’s this pattern breaks down as the public sector loses its savings capacity. ln the second part of the 80’s, the public sector is supposed to recover partially its saving capacity, while the private sector assumes an increasing role in investment.

KEYWORDS:
International lending; investment; capital flows; role of the State

O padrão de financiamento do investimento tem sofrido mudanças no Brasil. Durante os anos 70, estava baseado no padrão clássico que prevalece nos primeiros estágios de desenvolvimento, ou seja, através do financiamento proveniente do Estado ou do financiamento externo. Mas, na segunda metade dos anos 80, provavelmente, o papel do setor privado crescerá.

Este artigo está dividido em oito seções. Na seção 1 é desenvolvido um modelo demonstrando que nos primeiros estágios de desenvolvimento, além do financiamento externo, a poupança compulsória é imposta pelo Estado e os recursos resultantes são usados tanto para financiar ou subsidiar o investimento privado, como para financiar o investimento estatal.

Numa segunda fase, depois de se ter formado um estoque básico de capital, o setor privado - através de aumentos regulares de produtividade e de realização de lucros no mercado - assume um papel mais importante no investimento.

A seção 2 analisa a queda da capacidade de poupar e de investir. A seção 3 demonstra que, durante os anos 70, o investimento total era função das poupanças externa e estatal. O Estado não apenas investia diretamente, como era também responsável pelo financiamento e subsídio do investimento privado. A seção 4 é uma análise do fim, já em 1979, do financiamento externo como uma fonte de financiamento do investimento. A seção 5 analisa a deterioração das finanças públicas ou a perda crescente da capacidade do Estado em realizar poupança compulsória. A redução da carga tributária, os controles artificiais de preço das empresas estatais, o aumento do endividamento do Estado, agravado por taxas de juros mais altas, a pressão para diminuir o déficit público e a debilidade política da tecnoburocracia estatal são também examinados nesta seção.

A seção 6 é uma análise da tendência declinante da taxa de lucro das empresas estatais, das privadas nacionais e das multinacionais. Esta queda está relacionada com o processo de ajustamento, com a perda da capacidade do Estado de subsidiar o setor privado e com o crescimento da composição orgânica do capital ou a redução da relação marginal produto-capital devido aos investimentos capital-intensivos para substituição de importação. A seção 7 apresenta uma breve análise da relação existente entre salários e produtividade. Finalmente, na seção 8 há uma discUS$ão sobre os padrões mais prováveis de financiamento do investimento na segunda metade dos anos 80. Duas questões são colocadas: qual será o novo padrão de investimento e quais serão os seus resultados. Um artigo de Rogério Furquim Werneck sobre o assunto é revisto. Apesar de haver uma clara necessidade de recuperar a capacidade de poupança e investimento do Estado, não é razoável tentar um retorno ao padrão de financiamento do investimento dos anos 70. O endividamento do Estado, a nova força do setor privado, a existência de um mercado financeiro, que não existia antes, e de um estoque de capital muito maior sugerem uma nova estratégia baseada na exportação de produtos manufaturados e no crescimento da relação marginal produto-capital.

1.

A variável básica em qualquer processo de industrialização é a taxa de investimento ou de acumulação de capital. Dada a produtividade do investimento, que pode ser medida através da relação marginal produto-capital, a taxa de crescimento de longo prazo dependerá da taxa de investimento.

O investimento é o resultado de decisões das empresas privadas, das corporações multinacionais, das empresas estatais e do próprio Estado. Dependendo do estágio de desenvolvimento e da estratégia de industrialização adotada, os investimentos poderão ser feitos predominantemente por um ou dois desses agentes econômicos. Nos períodos iniciais de desenvolvimento é muito frequente que o Estado e as empresas estatais assumam o papel dominante no processo de investimento. Este foi o caso do Japão e da Alemanha. Em outros casos, empresas nacionais iniciam o processo e o Estado e as corporações multinacionais surgem no cenário mais tarde.

De qualquer forma, a interrelação desses três ou quatro agentes - caso façamos distinção entre o Estado e as empresas estatais - é essencial para se entender um dado padrão de desenvolvimento industrial.

A taxa de investimento é definida pela razão entre o total do investimento e o Produto Interno Bruto (PIB). Esta relação, no longo prazo, depende: 1) da capacidade de autofinanciamento das empresas através de altas taxas de lucro; 2) da obtenção de financiamento interno e externo, incluindo-se capital novo; e 3) da capacidade de promover poupança compulsória, excluindo-se o Estado. No curto prazo, a taxa de investimento depende, ainda, das flutuações cíclicas da expectativa da taxa de lucro, a qual está diretamente vinculada à relação entre a oferta agregada e a demanda agregada. As leis que regem o processo econômico de curto prazo não são as mesmas que explicam o processo de longo prazo, mas as decisões de investimento de curto prazo necessariamente influenciam o longo prazo. Desta forma, mesmo não dando prioridade à análise de curto prazo, nós a levaremos em consideração. Apesar de a decisão de investir depender essencialmente da expectativa de lucro, depende também do receio de se perder seguimentos de mercado ou do perigo de ser derrotado pela concorrência tecnológica. Se há uma expectativa de lucros positiva ou se os receios mencionados acima - de perder participação de mercado e a concorrência tecnológica - forem fortes, o investimento pode ser mantido mesmo com taxas de juros relativamente elevadas.

O que pode ser dito é que a capacidade de investimento de longo prazo depende da poupança. Na realidade, sob condições de pleno emprego, isto é verdade. Sob a situação mais comum de desemprego, será o investimento, através do multiplicador, que irá determinar a renda e a poupança agregadas. Mas, mesmo quando há pleno emprego, prefiro colocar a poupança em posição subordinada, como dependente da capacidade das empresas em se autofinanciarem, da viabilidade de financiamento interno e externo, e da capacidade do Estado em impor poupança compulsória.

A capacidade das empresas de financiarem seus investimentos depende do volume do estoque de capital e da taxa de lucro. Supondo-se que o investimento, I, é igual ao lucro, R, uma alta taxa de lucro, R/K, poderá ser consistente com uma baixa taxa de acumulação, 1/Y, caso a relação total capital-produto, K/Y, seja pequena (ou a relação produto-capital seja alta):

I Y = I K Y K = R K · K Y

Uma vez que, nos primeiros estágios do desenvolvimento, o total do estoque de capital é pequeno, isto é, a relação total capital-produto é reduzida, a taxa de lucro deverá ser muito elevada para permitir o autofinanciamento do investimento. Esta taxa de lucro depende: 1) da taxa e do tipo de progresso tecnológico; 2) da razão lucro-salário, ou seja, da taxa de mais-valia; e 3) do papel da acumulação primitiva. Nós discutimos as primeiras duas variáveis em um trabalho anterior (Bresser-Pereira, 1986Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1986) Lucro, Acumulação e Crise, São Paulo, Brasiliense.). A acumulação primitiva compreende todas as formas de apropriação de excedente ou da realização de lucros pelos capitalistas fora do processo regular de mercado. Marx disse que nos estágios iniciais do desenvolvimento a acumulação primitiva era essencial para a formação do estoque básico de capital. Somente após isto poderia o processo da mais-valia, o qual pressupõe a existência de um estoque de capital, ser capaz de funcionar como um meio de apropriação do excedente através dos mecanismos de mercado (1867Marx, Karl (1867) Capital, vol. 1, edição inglesa, Londres, Penguin Books, 1976 (escrito entre 1861 e 1866, 1ª. edição alemã, 1867)., cap. 24). A acumulação primitiva é obtida nos tempos modernos através de estratégias monopolistas e especialmente através dos subsídios estatais.

A disponibilidade de financiamento para a acumulação de capital depende, internamente, da existência de uma classe de rentistas e de um sistema financeiro para transferir poupanças dos rentistas para as empresas.1 1 Joseph Schumpeter atribuiu ao investimento um papel decisivo nas decisões de investimento (1911). Kalecki (1933) e Keynes (1937) também atribuíram um papel essencial ao sistema financeiro para o crescimento do investimento. Um debate recente de economistas pós-keynesianos (Asimakopulos, 1983, 1986, Kregel 1984-85, 1986 e Paul Davidson, 1986) segue a mesma linha. Para as economias subdesenvolvidas o papel do financiamento externo foi reconhecido desde os primeiros estudos de desenvolvimento econômico na década de 40. Neste artigo nós tomamos como dados a importância do financiamento, e enfatizamos o papel da acumulação primitiva e das poupanças compulsórias nos estágios iniciais de desenvolvimento. Externamente, a possibilidade de financiamento depende da disponibilidade de crédito internacional e da credibilidade do país. Uma vez que nos primeiros estágios de desenvolvimento a classe rentista tende a ser pequena, a poupança compulsória imposta pelo Estado através de tributos ou inflação usualmente torna-se um importante substituto.

A poupança compulsória imposta pelo Estado pode ser canalizada para as empresas privadas através do financiamento concedido pelos bancos estatais ou através de vários tipos de subsídios (acumulação primitiva). Essa poupança pode ainda ser investida diretamente pelo Estado ou transferida para as empresas estatais. De qualquer forma, a poupança compulsória e a acumulação primitiva deverão ter um papel decisivo no financiamento do investimento nos estágios iniciais do desenvolvimento, desde que o estoque de capital em mãos das empresas privadas e dos rentistas seja necessariamente pequeno em relação à produção. Depois de um curto período de desenvolvimento, dado o crescimento da relação total capital-produto, esses mecanismos extramercado deverão ter menos importância, e o processo de acumulação de capital poderá ser capaz de prosseguir baseado no progresso tecnológico e no mecanismo da mais-valia, com lucros extraordinários sendo obtidos, eventualmente, através de inovação, especulação ou poder de monopólio.

2.

No Brasil, podemos examinar comparativamente o padrão de financiamento do investimento na década de 70 e primeira metade dos anos 80. Durante esta década as taxas de poupança e investimento declinaram, enquanto a taxa de crescimento do produto flutuou acentuadamente (Tabela 1).

A redução na taxa de poupança está claramente relacionada com o declínio da poupança externa e especialmente da poupança do Estado. De um valor máximo de 31,7% do PIB em 1975, o total de poupança caiu para 16,4% em 1984; neste período a poupança externa declinou de 5,3% para menos 0,1% e a poupança do Estado passou de 8,2% do PIB para zero, enquanto a poupança privada permaneceu relativamente estável. Os investimentos caíram correspondentemente de 31,7% do PIB em 1975 para 16,9% em 1983. Durante este período, os investimentos privados caíram rapidamente enquanto os investimentos públicos apresentaram uma pequena queda. Uma vez que este comportamento não é compatível com o comportamento da poupança, indica uma elevação acentuada do endividamento do setor público. De fato, desde 1976 a taxa de investimento do setor público é consistentemente mais alta do que a taxa de poupança, indicando o crescente endividamento deste setor.

Tabela 1
Poupança e Investimento

O aumento no endividamento do setor público pode ser visto através da elevação da relação entre o custo financeiro e receita operacional das empresas estatais, que passou do índice 100, no ano de 1980, para o índice 237,39 em 1983 (ver Rogério Werneck, 1985Werneck, L. Rogério Furquim (1985) “Uma Análise do Financiamento e dos Investimentos das Empresas Estatais Federais no Brasil, 1980-83”, in Revista Brasileira de Economia, vol. 39, n. 1, janeiro de 1985.: 12, baseado nos dados da SEST - Secretaria de Controle das Empresas Estatais). Esse aumento do endividamento do setor ·público pode ainda ser observado através da relação entre o déficit público real (Variação da Necessidade de Financiamento do Setor Público - NFSP - durante o ano, exclusive correção monetária) e o PIB. A NFSP manteve-se na média de 7% do PIB entre 1979 e 1982, declinando para uma média de 4% do PIB nos quatro anos seguintes (Tabela 5). A dívida pública interna, de acordo com a definição do Banco Central, cresceu 81% em termos reais (dólar) de dezembro de 1981 a dezembro de 1985, e a dívida total, incluindo-se a dívida externa, aumentou 78% no período.

Neste momento, a questão básica do desenvolvimento de longo prazo do país é saber se um crescimento razoável do PIB de, digamos, 6% a.a., é compatível com esta redução da poupança e do investimento, bem como com o crescimento da dívida pública. Se não for compatível, uma questão adicional que se coloca é saber se o decréscimo da poupança e do investimento é reversível. Para responder a estas questões iremos analisar o padrão de financiamento do investimento no Brasil nas décadas de 70 e 80.

3.

No Brasil, durante a década de 70, o processo de financiamento do investimento seguiu o padrão clássico dos primeiros estágios de desenvolvimento. O investimento total era função do endividamento externo e do investimento estatal. Se nós tomarmos, por exemplo, o período 1974-1976, a poupança externa respondia por 32% do total da poupança, e o investimento estatal correspondia a 30% do total dos investimentos.

De fato, a contribuição do investimento estatal foi maior que os 30%, dado o processo de acumulação primitiva. Além de investir diretamente ou através das empresas estatais, o Estado subsidiou pesadamente o investimento privado. Não há dados exatos sobre esses subsídios. Durante os anos 70 havia toda sorte de subsídios: subsídios para exportação, crédito subsidiado, subsídios fiscais (incentivos fiscais) para setores industriais e para regiões, e preços artificialmente baixos de bens e serviços produzidos pelas empresas estatais. Se tomarmos apenas o custo do crédito subsidiado, este representou em média 3,5% do PIB durante o período de 1980-82 (Banco Mundial, 1984World Bank (1984b) Brazil: Financial Systems Review, Washington, The World Bank.: 52). Se acrescentarmos os subsídios fiscais e os preços artificialmente baixos das empresas estatais, especialmente os preços de aço e energia elétrica, teremos, provavelmente, pelo menos o dobro desta cifra: em torno de 7% do PIB para subsidiar o setor privado. Estes subsídios como um todo representam acumulação primitiva (uma vez que não estamos considerando consumo subsidiado). Eles representam um acréscimo aos lucros do setor privado, e uma parte indeterminada desse total - digamos 5% - representou investimento adicional.

Assim, ao lado dos 30% de investimento direto feito pelo Estado e as empresas estatais, temos cerca de 20% do total dos investimentos que foram financiados pela acumulação primitiva, ou seja, através dos subsídios estatais.

A participação do Estado no processo geral de promoção (financiamento em seu sentido mais amplo) do investimento é, todavia, bem maior, pois é necessário incluir o financiamento específico dos investimentos que, no Brasil, na década de 70, foi feito pelo Estado e por empréstimos externos. É bastante conhecido que o sistema financeiro privado é - ou era - incapaz de financiar investimentos de longo prazo. Empréstimos industriais de longo prazo foram realizados quase que exclusivamente através do sistema BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). De acordo com o Relatório do Banco Mundial sobre o Sistema Financeiro Brasileiro, em 1978 os desembolsos do sistema BNDES foram equivalentes a 40% da formação de capital fixo industrial (1984bWorld Bank (1984b) Brazil: Financial Systems Review, Washington, The World Bank.: XIX). A maior parte deste crédito foi subsidiada ou concedida a baixas taxas de juros reais mais a correção monetária.

4.

Este padrão de investimento, baseado no financiamento externo e estatal, com investimento direto do Estado ou com investimento privado subsidiado que prevaleceu durante a década de 70, entrou em crise quando o fluxo de financiamento externo líquido estancou em 1982, e o Estado foi perdendo sua capacidade de realizar poupança compulsória.

Na realidade, o processo de endividamento externo deixou de ser uma fonte de fundos para novos investimentos no início de 1979, quando o aumento da dívida externa total. tornou-se aproximadamente igual ao pagamento de juros, como pode ser visto comparando-se a coluna 2 com a coluna 4 da Tabela 2. A partir de então, novos empréstimos foram feitos apenas para pagar juros. De outro lado, o fluxo de recursos reais que durante os anos 70 esteve em tomo de 2, % do PIB por ano, tornou-se negativo em 1983, quando o país começou a obter elevados superávits comerciais.

Tabela 2
Dívida externa e transferência de recursos (US$ milhões)

À transferência de recursos reais, que atingiu cerca de 5% do PIB em 1984 e 1985, poderíamos acrescentar o afluxo de moeda estrangeira representado pelo excesso de remessas de lucros e dividendos em relação aos investimentos diretos externos (Tabela 3). Este afluxo líquido de moeda estrangeira alcançou a cifra de US$ 1.430 milhões em 1986 e representou 0,5% do PIB.

Tabela 3
Balanço do investimento estrangeiro (US$ milhões)

5.

A deterioração das finanças do Estado ou sua crescente perda de capacidade para realizar poupança compulsória é o segundo fator negativo a contribuir para o declínio da taxa de investimento durante os anos 80.

Nós podemos ter um quadro claro deste processo de deterioração através da análise da carga tributária. A carga tributária 1íquída caiu de 17,4% do PIB em 1970 para 8,9% em 1985 (Tabela 4). Em 1971, a carga tributária líquida alcançou uma alta de 17,6% e tem caído desde então. A deterioração da carga fiscal acelerou-se em 1984 e 1985, quando recessão, políticas monetárias e aceleração da inflação causaram, respectivamente, um aumento de transferência para o setor privado, um aumento da taxa de juro sobre a dívida interna e uma perda na receita dos impostos. Por outro lado. os subsídios fiscais que alcançaram 3,6% do PIB em 1980, caíram para 1,6% em 1985. A explicação geral para esta queda consistente da carga tributária é a aceleração da inflação. O imposto inflacionário é de fato menor que a perda dos impostos devido à inflação do período entre o momento em que o imposto é incorrido e o momento em que ele é pago. O artifício da indexação desenvolvido no Brasil não foi capaz de evitar esta perda financeira para o Estado.

Tabela 4
Carga tributária (% do PIB)

Por outro lado, desde 1979, o déficit público real tem tido uma tendência a cair. A diminuição do déficit público em 1981, 1983 e 1984 esteve claramente relacionada ao processo de ajustamento feito no país (Tabela 5). Se o déficit público - ou o aumento das necessidades de financiamento do setor público - diminuiu, poder-se-ia dizer que as finanças púbicas melhoraram. Mas, também pode ser dito que a capacidade de investimento do Estado reduziu-se. Como pode ser visto na Tabela 4, a carga tributária começou a decrescer já em 1977; a Tabela 1 mostra que a capacidade de poupança do Estado sofreu um grande declínio em 1980. Sua capacidade de investimento tomou a mesma direção depois de algum tempo, quando o déficit público teve de ser posto sob controle.

Tabela 5
Déficit público operacional (NFSP) (% do PIB)

Realmente, a deterioração da capacidade de poupança e investimento do Estado começou em 1975, quando uma grande campanha contra o intervencionismo estatal foi iniciada pela burguesia. Apesar de a burguesia ter sido a principal beneficiária do regime autoritário e do intervencionismo do Estado, ela passou a temer o poder da tecnoburocracia estatal, ou pelo menos a não sentir-se à vontade com ele. A campanha contra o intervencionismo do Estado foi o primeiro sinal de ruptura da aliança entre a burguesia e a tecnoburacracia (ver Bresser-Pereira, 1978bBresser-Pereira, Luiz Carlos (1978b) O Colapso de uma Aliança de Classes, São Paulo, Brasiliense. e 1983Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1983) Development and Crisis in Brazil: 1930-1983, Boulder, Westview Press.). A razão econômica básica para esta ruptura foi o fim do “milagre” (1967-74), isto é, o início de um processo de desaceleração ou de uma “diminuição relativa do excedente” a ser dividida entre a burguesia e a tecnoburocracia (ver Bresser-Pereira, 1978aBresser-Pereira, Luiz Carlos (1978a) “Os Desequilíbrios da Economia Brasileira e o Excedente”, in Estudos Econômicos, vol. 8, n. 3, 1978.). Esta campanha política foi iniciada depois de o II PND (Plano de Desenvolvimento Nacional) ter sido lançado e concorreu para a sua suspensão parcial a partir de 1976. Os objetivos extremamente ambiciosos deste plano dependiam de um aumento da capacidade de poupança do Estado - inclusive de um aumento dos preços e lucros das empresas estatais - que a burguesia não estava preparada para sustentar.

A deterioração da capacidade de poupança e investimento do Estado acentuou-se com a mudança de prioridades depois do processo de democratização. O governo democrático que chegou ao poder em março de 1985, estabeleceu como sua maior prioridade os gastos sociais. Vários programas sociais voltados para a distribuição de renda foram iniciados. Apesar de o governo ter assegurado que estes gastos sociais não seriam feitos em substituição a investimentos, a manutenção de um nível razoável de investimento público em 1985 só foi possível devido a um aumento do déficit público.

Como o Estado perdeu parte de sua capacidade para realizar poupança compulsória ele diminuiu seus subsídios ao setor privado. Em outras palavras, o processo de financiamento do investimento privado através da acumulação primitiva começou a perder importância. Como se pode ver na Tabela 4, os subsídios, que alcançaram 3,6% do PIB em 1980, caíram para 1,6% em 1985.

Uma razão mais mediata para a deterioração da capacidade de poupança do Estado foi o controle dos preços das empresas estatais. De fato, a administração dos preços das grandes empresas - principalmente das estatais e das multinacionais - feita pelo governo foi uma constante no Brasil nos anos 70, mas tem sido acentuada desde agosto de 1979,2 2 Neste mês, Antônio Delfim Netto, que foi o responsável pela criação do CIP em 1968, assumiu o Ministério do Planejamento. com a única exceção de 1981 quando os preços foram liberados. A utilização do CIP (Conselho Interministerial de Preços) como um estratagema para controlar a inflação foi, na realidade, um poderoso instrumento para reduzir os lucros das grandes empresas estatais e multinacionais. As empresas privadas nacionais também foram submetidas aos controles de preço, mas, como eram menores e politicamente mais influentes, elas sofreram menos.

6.

A diminuição da lucratividade das empresas estatais a partir de 1978 é tanto uma causa quanto uma consequência da deterioração da capacidade de poupança e investimento do Estado. Na realidade, a taxa de lucro de todas as empresas diminuiu agudamente durante este período (Tabela 6). Existe uma clara razão entre a perda de lucratividade das empresas e o ciclo econômico. A taxa de lucro das 1000 maiores empresas (sociedades anônimas) foi mais baixa em 1983, o ano da mais profunda recessão na história industrial do Brasil. Mas, a recuperação da taxa de lucro em 1984 e 1985 é claramente insuficiente. Em 1985, um ano de grande expansão econômica, a taxa geral de lucro foi aproximadamente um terço da de 1978 e metade da de 1979. Para as empresas estatais e multinacionais, esta queda esteve relacionada com o controle de preços. Para as empresas privadas nacionais, a influência dos controles de preço foi menos importante, enquanto a redução dos subsídios cumpriu um papel decisivo.

Tabela 6
Taxa de lucro das mil sociedades anônimas (% do patrimônio líquido)

Para todas as empresas, esta queda de produtividade pode provavelmente ser explicada por um crescimento da composição orgânica do capital ou por uma redução da relação marginal produto-capital. Esta redução foi especialmente acentuada no caso das empresas estatais, mas pode ser generalizada para todas as empresas. A estratégia do II PND era basicamente completar o processo de substituição de importação na área de matérias-primas básicas e bens de capital. Estes grandes investimentos em substituição de importação na área de petróleo, energia elétrica, aço, metais não-ferrosos, petroquímicos, papel e celulose, e também os investimentos em mineração orientados para exportação (especialmente ferro) são altamente capital intensivos e levaram, portanto, a um crescimento da composição orgânica do capital. No primeiro estágio, eles representam progresso técnico dispendioso de capital, definido pela redução da relação marginal produto-capital e fazem declinar a taxa de lucro (ver Bresser-Pereira, 1986Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1986) Lucro, Acumulação e Crise, São Paulo, Brasiliense.). Apenas no segundo estágio, depois de estes projetos de substituição de importação terem sido realizados, é que os investimentos em fabricação orientada para exportação podem ser tocados. O progresso técnico, assim, tende a tornar-se neutro ou mesmo poupador de capital, e a relação produto-capital e a taxa de lucro crescem novamente. Antônio Barros de Castro (1985Castro, A. Barros de e F.E. Pires de Souza (1985) A Economia Brasileira em Marcha Forçada, Rio de Janeiro, Paz e Terra.) e Jorge Chame Batista (1987Batista, Jorge Chame (1987) “A Estratégia de Ajustamento Externo do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento”, in Revista de Economia Política, vol. 1; n. 2, abril-junho de 1987.) demonstraram que o II PND, lançado em 1974, ao contrário de muitas análises superficiais, foi uma audaciosa e bem-sucedida estratégia para consolidar o desenvolvimento industrial brasileiro num momento de crise e recessão econômica mundiais. Os largos superávits comerciais obtidos depois de 1983 são devidos em grande parte aos grandes projetos de investimento do II PND. Entretanto, o custo não foi apenas o aumento da dívida externa, mas também o crescimento da composição orgânica do capital e a queda da taxa de lucro.

7.

Finalmente para entender não apenas a deterioração da capacidade de poupança e investimento do Estado como também de toda a economia, nós temos que considerar a relação entre o comportamento dos salários médios reais e a produtividade. A renda per capita é tomada como uma aproximação da produtividade.

Como se pode ver na Tabela 7, e mais facilmente no Gráfico l, durante o “milagre” entre 1971 e 1974, a produtividade aumentou mais rapidamente e os salários aumentaram mais devagar. O consequente aumento na taxa de mais-valia certamente resultou num aumento da taxa de lucro. De 1974 a 1978, a taxa de aumento da produtividade desacelerou-se e os salários aumentaram sua taxa de crescimento. Como consequência, ambas as taxas cresceram aproximadamente à mesma proporção. Os anos de 1979 e 1980 foram um período de transição. Depois de 1980, a produtividade começou a decrescer até 1983 e os salários seguiram na mesma direção com um ano de defasagem. A taxa de lucro, que esteve provavelmente estabilizada no período 1974-1979, começou a decrescer neste último ano, ou, como mostram os dados da Tabela 6, já vinha declinando desde 1978.

Tabela 7
Salários e produtividade (1970=100)

Gráfico 1
Salários e produtividade

Por esta razão, durante os quinze anos que estamos examinando, apenas nos primeiros quatro anos (1970-1974) a relação lucro-salário, ou produtividade-salário, foi altamente favorável ao capital. Desde 1975, a relação entre capital e trabalho parece ter estado mais ou menos estabilizada. A diminuição da taxa de lucro desde 1978 não pode ser explicada pelos aumentos de salários acima da produtividade.

8.

Resumindo, desde o final dos anos 70, a economia brasileira tem efetuado uma forte deterioração da sua capacidade de poupar e investir. A deterioração da capacidade de poupar está relacionada com a perda da capacidade do Estado em realizar poupança compulsória e subsidiar o setor privado; com a diminuição da carga tributária; com a necessidade de ajustamento externo e de reduzir o déficit público; com a diminuição da taxa de lucro causada pela desaceleração da taxa de crescimento, pela imposição de controles de preços com o objetivo de combater a inflação e pelo crescimento da composição orgânica do capital derivado dos investimentos do II PND para substituição de importações.

A deterioração da capacidade de investimento da economia está também relacionada com o fim, desde 1979, das entradas de recursos externos líquidos para financiar efetivamente novos investimentos.

A questão agora é saber, em primeiro lugar, qual será o padrão de investimento na segunda metade dos anos 80, depois da crise de transição da primeira metade e, em segundo lugar, se este novo padrão será capaz de produzir uma taxa aceitável de crescimento.

Rogério Furquim Werneck (1986Werneck, L. Rogério Furquim (1986) “Retomada do Crescimento e Esforço de Poupança: Limitações e Possibilidades”, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica, Texto para Discussão n. 133, julho de 1986.) desenvolveu um modelo para analisar as várias alternativas para se conseguir um aumento na taxa total de poupança do país de 160/o do PIB, prevalecente em 1984, para 24%. Esta taxa seria necessária para assegurar uma taxa de crescimento de 7% do PIB no ano seguinte (relação marginal produto-capital de 0,3). Teoricamente ele mostrou que um aumento da taxa agregada de poupança pode originar-se de: 1) um aumento na propensão a poupar dos capitalistas e dos trabalhadores e uma concentração de renda em beneficio dos capitalistas; 2) um aumento na carga tributária e na relação investimento-consumo do Estado; 3) um aumento na taxa de lucro das empresas estatais; 4) uma redução na taxa de juros sobre a dívida externa e sobre a dívida interna pública, inclusive a dívida das empresas estatais (1986: 11). Depois de fazer várias simulações com estas variáveis e de rejeitar parcialmente a proposição keynesiana de que o investimento gera a sua própria poupança, ele concluiu que:

“... a retomada do crescimento da economia brasileira, à taxa média observada entre o pós-guerra e o final da década passada, deverá necessariamente exigir que o setor público volte a assumir o seu papel histórico de importante arregimentador de recursos para o financiamento do investimento. Procurou-se explicitar o irrealismo envolvido na expectativa de que o aumento requerido do esforço de poupança poderá ser deixado basicamente a cargo do setor privado” (1986: 29).

As conclusões de Werneck são basicamente corretas. Não há dúvida de que é irreal basear a estratégia brasileira de desenvolvimento exclusivamente num aumento da propensão a poupar do setor privado. Dada a impossibilidade de se obterem recursos externos, o aumento da capacidade de poupança e investimento do Estado, através de um aumento da carga fiscal, o controle dos gastos de consumo (salários dos empregados civis) e a colocação de preços realistas para as empresas estatais são uma estratégia mais eficiente e socialmente mais equitativa para assegurar o crescimento requerido da poupança. Assim, a instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento, em julho de 1986, e o aumento dos impostos decidido pelo governo em dezembro de 1985 e novembro de 1986 são medidas tomadas na direção correta.

É importante, entretanto, tentar não retornar ao padrão de investimento que prevaleceu desde os anos 50 e que teve o seu último momento na estratégia do II PND. Esta estratégia, que está quase que explícita na análise de Werneck, também não é realista.

O Brasil dos anos 80 é muito diferente do Brasil dos anos 50, 60 e 70. O endividamento do Estado é, hoje, muito alto. A dívida interna do Estado, incluindo as empresas estatais, representa 48,1% do PIB em 1985. O setor privado, por outro lado, está capitalizado. Se tomarmos as 550 empresas estudadas em “Melhores e Maiores” da Revista Exame (São Paulo, Editora Abril, setembro de 1986), a taxa de endividamento geral caiu de 57,1% do total de ativos em 1981 para 46,3% em 1985. Desde o final dos anos 70, Ignácio Rangel (1978Rangel, Ignácio (1978) “Posfácio” da 3ª. edição de A Inflação Brasileira, São Paulo, Brasiliense.) vem insistindo que é essencial transferir o excesso de poupança existente no setor privado, onde prevalece capacidade ociosa, para o setor público onde há grandes oportunidades para investimento. Para alcançar este objetivo, ele deveria propor um aumento na carga tributária, mas, no lugar disso, ele insiste na privatização dos serviços públicos. Esta estratégia pode ser também irrealista, mas enfatiza a existência de capacidade de poupança não utilizada no setor privado que poderia ser acionada tanto através do aumento da carga tributária quanto pela abertura de novas oportunidades rentáveis para investimento no setor privado.

Por outro lado, não é razoável desprezar tão facilmente uma melhora na relação marginal produto-capital como fez Werneck (1986Werneck, L. Rogério Furquim (1986) “Retomada do Crescimento e Esforço de Poupança: Limitações e Possibilidades”, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica, Texto para Discussão n. 133, julho de 1986.: 3). Os grandes investimentos em substituição de importações da década de 70 reduziram a relação produto-capital. Para estabelecer um estoque básico de capital é necessário baixar essa relação ou aumentar a relação marginal capital-produto. O aumento resultante na relação capital-produto total não pode, às vezes, ser detectado nas contas nacionais, não somente porque as medidas do estoque de capital são imprecisas, mas também porque a depreciação do capital feita pelos contadores é maior que a depreciação real. Como os investimentos mais importantes, altamente capital-intensivos, em substituição de importação têm sido feitos, é razoável admitir que a relação marginal produto-capital crescerá. É verdade que grandes investimentos terão que ser feitos em energia hidroelétrica, aço e metais não-ferrosos; porém, é razoável esperar-se que a ênfase dos novos investimentos, especialmente no setor privado, recaia sobre as indústrias orientadas para exportação com baixa relação capital-intensificante e alta relação produto-capital.

Nos últimos vinte anos, o Brasil desenvolveu uma indústria de produtos manufaturados internacionalmente competitiva. Em 1967, ela representava cerca de 6% do total das exportações brasileiras; agora, ela representa dez vezes mais. A exportação brasileira de bens manufaturados, dando conta de 0,35% das exportações de bens manufaturados do mundo, de 5,03% dos países em desenvolvimento e de 33,34% dos países da ALALC em 1973, aumentou a sua quota para, respectivamente, 0,69%, 6,33% e 54,88% em 1982 (conforme Chame Batista, 1987Batista, Jorge Chame (1987) “A Estratégia de Ajustamento Externo do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento”, in Revista de Economia Política, vol. 1; n. 2, abril-junho de 1987., baseado em dados das Nações Unidas). Este extraordinário aumento da exportação de bens manufaturados em relação a outros países latino-americanos é uma explicação básica para o desempenho a longo prazo superior da economia brasileira em relação a esses países. Por outro lado, o crescimento mais modesto em relação às exportações de todos os países em desenvolvimento deve-se a estratégias de exportação bem-sucedidas de países como Coréia, Taiwan, Singapura e Hong Kong.

Concomitantemente à recuperação da capacidade de poupança do Estado, uma estratégia básica para a economia brasileira, que aumentará as poupanças privadas e principalmente aumentará a relação produto-capital, é a estimulação da exportação de produtos manufaturados. O argumento usual de que esta estratégia leva à concentração de renda não é correto. Vários estudos têm demonstrado que, sendo menos capital-intensivos, investimentos em indústrias de produção orientada para exportação são compatíveis com uma distribuição de renda mais equitativa que investimentos em substituição de importação (ver Ian M.D. LittleLittle, Ian M.D. (1982) Economic Development: Theory, Policy and International Relations, Nova Iorque, Basic Books.: 142).

Além disso, o Brasil tem que enfrentar objetivamente sua grande dívida externa. Desde que a dívida não possa crescer indefinidamente pelo montante dos juros devidos a cada ano, uma dada transferência de recursos reais é inevitável. O importante para o Brasil é negociar uma redução na taxa de juros - especificamente uma redução dos spreads - e conseguir obter grandes superávits comerciais, que tornem consistente o pagamento de parte dos juros sobre a dívida externa e o crescimento do PIB. Somente uma estratégia orientada para exportação será capaz de atingir este objetivo.

Finalmente, poder-se-ia considerar que na próxima década o comércio internacional provavelmente continuará a crescer a taxas mais altas que a taxa de crescimento dos países industrializados. O Brasil, pagando salários mais baixos, tem uma vantagem competitiva que pode e deve ser aproveitada a fim de aumentar o emprego interno e obter superávits externos: Assim que a demanda por trabalho mais especializado aumente, os salários reais tenderão a aumentar internamente. Como os lucros das indústrias brasileiras de produtos manufaturados dependem de sua competitividade internacional, a pressão por um aumento da produtividade, que é essencial para o crescimento econômico, será mais forte.

As empresas estatais continuarão a ter um importante papel na condução dos investimentos, mas as empresas privadas nacionais e multinacionais provavelmente ampliarão seu papel. O Estado, que inicialmente financiou e subsidiou o investimento privado, está agora endividado e, através de operações de open-market, está sendo financiado pelo setor privado. Um objetivo adequado de política econômica seria recuperar a capacidade do Estado e das empresas estatais de autofinanciarem seus investimentos, enquanto as empresas privadas nacionais e multinacionais poderiam ter uma taxa de lucro suficientemente atrativa para estimular seus investimentos. Os sistemas financeiros que hoje financiam o Estado dariam prioridade ao financiamento do investimento privado. Assim, tanto as empresas privadas sentem-se estimuladas a investir quanto poupanças surgirão para financiar investimentos.

Para resumir, uma taxa de crescimento adequada para a economia brasileira será possível à medida que o Estado recupere a sua capacidade de poupança e investimentos, mas também à medida em que as empresas privadas tenham oportunidades rentáveis para investimentos e que seus investimentos sejam orientados para setores com relação produto-capital mais alta. A acumulação primitiva, isto é, o complexo sistema de subsídios que foi essencial no primeiro estágio do desenvolvimento industrial brasileiro, pode agora, definitivamente, ter um papel secundário. Já existe no Brasil, um estoque básico de capital que permite que o investimento e crescimento sejam baseados na mais-valia relativa, isto é, nos lucros regularmente realizados no mercado por um setor privado que incorpore sistematicamente progresso técnico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Asimakopulos, A. (1983) “Kalecki and Keynes on Finance, Investment and Saving”, in Cambridge Journal of Economics, vol. 7, 1983.
  • Asimakopulos, A. (1986) “Finance, Liquidity, Saving, and Investment”, in Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 9, n. 1, outono de 1986.
  • Batista, Jorge Chame (1987) “A Estratégia de Ajustamento Externo do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento”, in Revista de Economia Política, vol. 1; n. 2, abril-junho de 1987.
  • Batista, Paulo Nogueira (1987) “Formação de Capital e Transferência de Recursos ao Exterior”, in Revista de Economia Política, vol. 7, n. 1, janeiro-março de 1987.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1978a) “Os Desequilíbrios da Economia Brasileira e o Excedente”, in Estudos Econômicos, vol. 8, n. 3, 1978.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1978b) O Colapso de uma Aliança de Classes, São Paulo, Brasiliense.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1983) Development and Crisis in Brazil: 1930-1983, Boulder, Westview Press.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1986) Lucro, Acumulação e Crise, São Paulo, Brasiliense.
  • Castro, A. Barros de e F.E. Pires de Souza (1985) A Economia Brasileira em Marcha Forçada, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • Davidson, Paul (1986) “Finance, Funding, Saving and Investment”, In Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 9, n. 1, outono de 1986.
  • Kalecki, Michael (1933) “Outline of a Theory of the Business Cycle”, in Michael Kalecki, 1971 (publicado originalmente em polonês em 1933).
  • Kalecki, Michael (1971) Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy, Cambridge, Cambridge University Press.
  • Keynes, J.M. (1937) “The ‘Ex-Ante’ Theory of the Rate of Interest” in The General Theory and After. Parte 11: Defense and Development, vol. 14 de The Collected Writing of Keynes, Londres, Macmillan, 1973 (publicado originalmente in Economic Journal, dezembro de 1937).
  • Kregel, J. A. (1984-85) “Constraints on the Expansion of Output and Employment: Real or Monetary”, in Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 7, n. 2, inverno de 1984-85.
  • Kregel, J. A. (1986) “A Note on Finance, Liquidity, Saving, and Investment”, in Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 9, n. 1, outono de 1986.
  • Little, Ian M.D. (1982) Economic Development: Theory, Policy and International Relations, Nova Iorque, Basic Books.
  • Marx, Karl (1867) Capital, vol. 1, edição inglesa, Londres, Penguin Books, 1976 (escrito entre 1861 e 1866, 1ª. edição alemã, 1867).
  • Rangel, Ignácio (1978) “Posfácio” da 3ª. edição de A Inflação Brasileira, São Paulo, Brasiliense.
  • Schumpeter, Joseph (1911) The Theory of Economic Development, Cambridge, Harvard University Press, 1962 (1a. edição alemã, 1911).
  • Werneck, L. Rogério Furquim (1985) “Uma Análise do Financiamento e dos Investimentos das Empresas Estatais Federais no Brasil, 1980-83”, in Revista Brasileira de Economia, vol. 39, n. 1, janeiro de 1985.
  • Werneck, L. Rogério Furquim (1986) “Retomada do Crescimento e Esforço de Poupança: Limitações e Possibilidades”, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica, Texto para Discussão n. 133, julho de 1986.
  • Willmore, Larry N. (1985) “Estudo Comparativo das Empresas Estrangeiras e Nacionais”, in Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 15, n. 3, dezembro de 1985.
  • World Bank (1984a) Brazil: Economic Memorandum, Washington, The World Bank.
  • World Bank (1984b) Brazil: Financial Systems Review, Washington, The World Bank.
  • *
    Artigo apresentado no Simpósio “Brazil in Transition”, patrocinado pelo Center of Latin American Studies da Cambridge University, de 3 a 5 de abril de 1987. Traduzido por Édison de Freitas Filho e Maria Lúcia L. M. Pádua Lima.
  • 1
    Joseph Schumpeter atribuiu ao investimento um papel decisivo nas decisões de investimento (1911Schumpeter, Joseph (1911) The Theory of Economic Development, Cambridge, Harvard University Press, 1962 (1a. edição alemã, 1911).). Kalecki (1933Kalecki, Michael (1933) “Outline of a Theory of the Business Cycle”, in Michael Kalecki, 1971 (publicado originalmente em polonês em 1933).) e Keynes (1937Keynes, J.M. (1937) “The ‘Ex-Ante’ Theory of the Rate of Interest” in The General Theory and After. Parte 11: Defense and Development, vol. 14 de The Collected Writing of Keynes, Londres, Macmillan, 1973 (publicado originalmente in Economic Journal, dezembro de 1937).) também atribuíram um papel essencial ao sistema financeiro para o crescimento do investimento. Um debate recente de economistas pós-keynesianos (Asimakopulos, 1983Asimakopulos, A. (1983) “Kalecki and Keynes on Finance, Investment and Saving”, in Cambridge Journal of Economics, vol. 7, 1983., 1986Asimakopulos, A. (1986) “Finance, Liquidity, Saving, and Investment”, in Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 9, n. 1, outono de 1986., Kregel 1984-85Kregel, J. A. (1984-85) “Constraints on the Expansion of Output and Employment: Real or Monetary”, in Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 7, n. 2, inverno de 1984-85., 1986Kregel, J. A. (1986) “A Note on Finance, Liquidity, Saving, and Investment”, in Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 9, n. 1, outono de 1986. e Paul Davidson, 1986Davidson, Paul (1986) “Finance, Funding, Saving and Investment”, In Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 9, n. 1, outono de 1986.) segue a mesma linha. Para as economias subdesenvolvidas o papel do financiamento externo foi reconhecido desde os primeiros estudos de desenvolvimento econômico na década de 40. Neste artigo nós tomamos como dados a importância do financiamento, e enfatizamos o papel da acumulação primitiva e das poupanças compulsórias nos estágios iniciais de desenvolvimento.
  • 2
    Neste mês, Antônio Delfim Netto, que foi o responsável pela criação do CIP em 1968, assumiu o Ministério do Planejamento.
  • 4
    JEL Classification: F34; H63; H10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1987
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br