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Como evitar uma inflação galopante. Um método novo e simples: uma moeda secundária* * Traduzido por Keiko Abe.

How to avoid runaway inflation. A new and simple method: a secondary currency

RESUMO

Um plano de combate à inflação, especialmente a inflação galopante, é apresentado neste trabalho através de um método simples que, combinando a política de renda e uma restrição muito moderada da demanda, consiste na introdução de uma nova moeda ou no preço -estável “moeda secundária”. Após a sua introdução, os preços e as receitas principais devem ser congelados. Segundo o autor, o sucesso desse plano, para qualquer país, dependerá da obediência a requisitos importantes sobre seu déficit orçamentário e déficit em conta corrente.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização

ABSTRACT

A plan to combat inflation, specially the galloping inflation, is stated in this paper through a simples method which, using a combination of the income policy and a very moderate restriction of demand, consists of the introduction of a new currency or the price-stable “secondary currency”. After its introduction, the prices and the principal incomes should be frozen. According to the author, the success of this plan, for any country, will depend on the obedience to important requirements about its budgetary deficit and current account deficit.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization

I. UM MAU CONSELHO É ONEROSO

Inúmeros países estão lutando desesperadamente contra taxas de inflação excessivamente altas; entre eles estão Argentina, Brasil, Israel e Iugoslávia. Para superar suas dificuldades econômicas, recorrem principalmente ao Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como aos governos e bancos de países economicamente mais fortes. Como condição para ajuda, entretanto, principalmente na forma de empréstimos, é exigido um corte, politicamente inaceitável, da demanda interna (em valor real), que tende a conduzir a um novo declínio na economia do país afetado, em vez de sua rápida recuperação. Mas a causa desse comportamento singular por parte do credor em potencial não é ganância exagerada ou mesmo interesse próprio, mas antes uma visão há muito difundida de que uma inflação se dá sempre pelo aumento da demanda e pode, por essa razão, ser sempre contida, sem grandes dificuldades, pelo corte de demanda. Sob essa visão, tudo o que está faltando é uma adequada autodisciplina, na economia, por parte do país que busca apoio. “Ele está vivendo além das suas possibilidades.” E quanto mais a demanda for limitada, mais a disciplina (forçada) é utilizada, e mais rapidamente será alcançada a estabilidade de preço. Os resultados dessa teoria aceita, mas infelizmente falsa, podem ser observados em toda parte: ruína econômica e, em consequência, comoções e explosões políticas.

Na realidade, hoje, estamos praticamente sempre nos defrontando com inflação de custo. E, de fato, essa inflação de custo tem uma tendência latente de aceleração “autônoma”, por assim dizer. Essa tendência se torna extremamente intensa e forte sob certas condições, originando o fenômeno que é hoje chamado “stagflação”. Esse tipo de inflação não pode ser dominado com êxito - quer dizer, sem efeitos catastróficos para a economia - apenas com o controle da demanda, mas preferivelmente através de uma política de renda apropriada.

Certamente um corte de demanda (real) tem alguma eficácia no caso de inflação de custo. Isto é, se as autoridades do país, que têm responsabilidade pelo dinheiro e operações bancárias (geralmente o governo e o banco central), perceberem que as necessidades monetárias adicionais da economia - que resultam dos aumentos rápidos e constantes dos preços e custos - não são totalmente satisfeitas, as dificuldades de vendas e, em seguida, as dificuldades de emprego crescem com o aumento da competição, resultando, portanto, numa lenta queda da inflação. Os sucessos dessa política são, contudo, relativamente menores. A experiência tem mostrado que em sociedades industriais do tipo ocidental com economias e democracia política combinadas, a taxa de inflação somente pode ser reduzida por meio de políticas moderadas de restrição econômica, e, nesse caso, dificilmente mais de dois pontos percentuais por ano. Se se executar políticas de corte mais drásticas, como tem sido o caso da Sra. Thatcher na Grã-Bretanha ou de Ronald Reagan nos Estados Unidos, pode-se conseguir uma redução da taxa de inflação acima de cinco pontos percentuais por ano, mas então tem-se que aceitar a falência de muitas firmas e desemprego em massa. Somente dessa maneira é possível forçar acordos salariais, nos quais os empregados desistam da compensação pelos aumentos contínuos do preço e, em consequência, aceitem redução nos salários reais. O declínio um pouco mais rápido nas taxas de inflação torna-se, nesse caso, possível.

Mas se se defronta com uma “inflação galopante”, com aumentos do nível anual de preços de 20, 30 ou mesmo 100 ou mais porcento, então pode-se, facilmente, calcular quanto tempo se levaria, mesmo com controle econômico extremamente restritivo, até que se recuperasse uma relativa estabilidade de preço através desse método, sem falar do empobrecimento geral de que tal controle seria seguido.

II. COMBATENDO A INFLAÇÃO SEM LÁGRIMAS

Há, contudo, um método pelo qual, usando-se uma combinação de política de renda e corte de demanda (real) moderado, sob certas condições, uma inflação (de custo) “galopante” (e, além disso, casualmente, uma inflação “trotante”) pode ser dominada rapidamente e sem dor e transformada em uma inflação meramente “engatinhante”.

O método consiste na adoção de uma moeda secundária (ou “moeda de acompanhamento”), válida por um período de tempo, simultaneamente coma original ou “moeda primária” e que, eventualmente, a substitui. A moeda secundária séria de “preço estável” enquanto acompanhasse a moeda primária. Essa estabilidade do preço é conseguida mantendo-a numa proporção cambial com a moeda primária do país que sofre queda galopante no valor, que acompanhe os aumentos do nível de preço exatamente em unidades monetárias da moeda primária. E isso é realizado para que o declínio no valor da moeda primária seja sempre compensado pela mudança na taxa de câmbio com a moeda secundária. A moeda primária perde, desse modo, o poder de compra em igual proporção, em relação à moeda secundária, pelo seu declínio em valor em face do nível de preço de bens e serviços para o consumidor. Então a moeda secundária se torna uma moeda “absolutamente” de preço estável para o usuário final. As moedas primária e secundária de um país deveriam então ser simultaneamente válidas durante um, dois ou três anos, até que, finalmente, a moeda secundária, sozinha, se tornasse a moeda oficial. E isso teria lugar de forma completamente voluntária no que diz respeito ao cidadão comum da rua. Somente as autoridades públicas seriam obrigadas a aceitar a moeda secundária à taxa de câmbio anunciada como um meio de pagamento, exatamente como elas aceitam a moeda primária. Somente depois de algum tempo que a moeda primária fosse substituída pela secundária seria permitido recusar pagamentos em moeda primária. Como o dinheiro é conhecido não apenas por ter “função de troca”, através do qual ele serve como meio para compra e venda, mas também como uma “função de preservação de riqueza” (ou a menos deveria ter), pode-se supor que os “portadores de dinheiro” que não desejam gastar todo o seu dinheiro imediatamente vão preferir “sair” da moeda primária, que está perdendo rapidamente seu valor, a fim de adquirir, em seu lugar, moeda secundária de valor estável.

Pode-se imaginar este comportamento como segue: o banco central do país afetado pela inflação imprime uma nova moeda em forma de cédulas (para as quais são cunhadas moedas apropriadas). Essas cédulas (e moedas) devem ter, naturalmente, uma denominação diferente do “dinheiro velho”, ou ser distintamente diferente dele de alguma maneira (por exemplo, como na França, quando os francos “velho” e “novo” existiram simultaneamente).

Com a adoção oficial da moeda secundária, a taxa de câmbio entre as duas moedas é também determinada e anunciada pela primeira vez. Essa taxa de câmbio é, contudo, válida apenas para o dia da introdução e do primeiro anúncio, o “Dia do Início” (Dia 1). Ela então muda constantemente de acordo com as desvalorizações seguintes no valor da moeda primária. Naturalmente, pode-se escolher uma taxa de câmbio tão simples e prática quanto possível no início da operação: assim, se necessário, alguns zeros podem ser retirados se os preços da moeda primária são expressos em termos da moeda secundária.

Por ocasião da adoção da moeda secundária, um novo índice de preço ao consumidor é também publicado e igualado a 100 para o “Dia I”. O novo índice de preço ao consumidor (ou índices, se forem calculados para diversos grupos de consumidores) deve apenas ajudar melhor no processo de estabilização da moeda do que o índice anterior. Isso não deve ser muito rígido. Um cesto menor de bens do que aquele do índice anterior (que deveria continuar a ser calculado e publicado como antes) é suficiente. O novo índice não deveria, naturalmente, divergir substancialmente do índice anterior num longo período de tempo. Seria, apenas, uma versão “resumida” do índice anterior. O cálculo do novo índice inicial e dos posteriores seria aberto ao exame do público a fim de eliminar, tanto quanto possível, desconfiança e suspeita de falsificação; além disso, os sindicatos participariam dessa atividade monitora. O novo índice deve ter a vantagem evidente em comparação ao índice anterior, para que possa ser calculado continuamente e publicado imediatamente, se necessário diariamente, mas de qualquer maneira em intervalos muito pequenos. Provavelmente seria, então, preferível se os cestos de bens consistissem principalmente em itens-padrão, tais como aqueles que são habitualmente encontrados em supermercados. Seria, provavelmente, prudente não incluir produtos sazonais, com preços altamente voláteis, no novo índice, a menos que isso implique grandes diferenças em relação ao índice anterior.

O aumento constante da porcentagem no novo índice de preços ao consumidor formaria a base da variação corrente na taxa de câmbio das duas moedas, que seria anunciada diariamente ou a intervalos curtos pelo banco central. Essas mudanças deveriam ser efetuadas de maneira que essa taxa fosse alterada com vantagem da moeda secundária na mesma proporção em que crescesse o nível geral de preço ao consumidor na moeda original (medido pelo novo índice). O banco central compromete-se a trocar moeda primária, demandada a qualquer tempo, por moeda secundária em quantidades ilimitadas à taxa de câmbio oficialmente anunciada, e vice-versa, da moeda secundária para a primária; e para trocar ambas, naturalmente, fazê-lo-á à mesma taxa e sem “despesas”, “multas” ou outros custos para esses pedidos de troca. Bancos, correios e instituições oficiais de todas as espécies agiriam como agentes do banco central nesses casos.

Contas de ativo e passivo, saldos de débito e crédito, que são definidos em moeda primária, seriam também conversíveis em ativos e passivos em moeda secundária à taxa de câmbio corrente, dando-se assim um valor estável a qualquer tempo, do Dia 1 em diante, à demanda de qualquer credor ou devedor. Presumivelmente, tais conversões serão desejadas com preferência no início do· processo e não mais tarde. Naturalmente, as taxas de juros excessivamente altas na moeda primária, motivadas pela inflação ou expectativas de inflação, teriam de ser devidamente alteradas ou reduzidas no decorrer dessas transações.

Quando da introdução da moeda secundária e do novo índice de preço ao consumidor - a partir do Dia 1 em diante-, a renda real seria estabilizada para o período de operação monetária, tanto quanto possível. Isso será relativamente fácil no caso de rendas estabelecidas por contrato, tais como salários, ordenados e anuidades, bem como tipos similares de rendas, como aposentadorias e outras rendas financiadas pelo Estado (as assim chamadas “massas de renda”). Isso poderia ser efetuado através do “congelamento” de todas essas rendas individualmente, do Dia 1 em diante, em moeda secundária, de acordo comi a taxa de câmbio desse dia. Poderiam, então, como questão de princípio, ser elevadas (na moeda secundária) somente após a substituição da moeda anterior pela nova.

Contudo, para permitir às empresas ou ao poder ·público (agências governamentais), que empregam um número regularmente grande de pessoas, uma certa flexibilidade com respeito à estrutura de salários, ordenados ou outros tipos de renda pagos por ele durante um período relativamente longo de tempo, necessário para a consolidação da moeda, esses empregadores poderiam ficar desobrigados do salário, ordenado ou outras rendas congeladas individuais, e obrigados apenas a não elevar seus salários e ordenados médios ou rendas médias pagas (isto é, seus salários e ordenados totais por empregado ou a renda total paga por credor), do Dia 1 em diante, na moeda secundária. De novo, naturalmente, isso seria apenas o caso até que o fim do processo de consolidação tenha sido alcançado.

Contudo, a renda, o valor real do que não pode, facilmente, ser congelado ou mesmo determinado - sobretudo renda comercial -, terá que ser mantida sob controle pelo corte da demanda (real). Uma sobrecarga no imposto de renda, ou num imposto sobre lucros já existente, ou uma nova taxa sobre excesso de lucros poderiam ser úteis (e poderiam, é claro, como com todos os tributos, arrecadações ou multas, serem pagos tanto na moeda primária como na secundária). Medidas dessa espécie deveriam ser suficientes para permitir o êxito da tentativa na estabilização da moeda, mesmo se nem todas as rendas (em unidades da moeda secundária) possam ser congeladas durante o período do processo de estabilização.

As medidas de controle das rendas aqui delineadas têm de ser estabelecidas legalmente (pelo governo), e sanções devem ser aplicadas em casos de seu não-cumprimento, se elas forem efetivadas. As normas em questão seriam, então, estabelecidas tanto quanto possível com a anuência dos interessados ou seus representantes institucionais. Acima de tudo, o congelamento da renda, como vencimentos e salários (em unidades da moeda secundária), deve ter a aprovação do sindicato. Em última análise, contudo, importa menos se a aprovação total é dada, mas muitíssimo mais se medidas necessárias encontrarem uma reação positiva do público em geral. Desde que praticamente todos os grupos sociais sofrem com a rápida inflação, havendo, portanto, um interesse muito grande no sucesso da estabilização da moeda, especialmente quando não se exigem sacrifícios demasiado pesados, pode-se esperar certa compreensão para o plano apresentado no início, sem otimismo exagerado.

Tão logo a aceitação do novo padrão da moeda secundária se torne prática geral, num princípio voluntário após um, dois ou talvez somente após mais três anos, o processo da estabilização da moeda deveria ser declarado oficialmente concluído. Todas as condições e normas que foram necessárias para sua execução seriam revogadas. Isso inclui, naturalmente, as mencionadas sobrecargas de impostos ou os novos impostos sobre lucros comerciais ou outras rendas não-monitoráveis. Havendo congelamento governamental da renda, ele seria paralisado nesse ponto, no “dia da substituição” (Dia S). A suspensão do direito de participar de contratos e acordos coletivos de salário é então cancelada.

Através dessa ação, na verdade, a moeda secundária até então absolutamente de preço estável - como sabemos - estará agora sujeita àquela permanente embora baixa inflação, que denominamos inflação “engatinhante”. É o resultado inevitável das vigorosas forças latentes, sempre presentes, que elevam os preços e custos numa economia de mercado com concorrência imperfeita (e outras economias de mercado existem apenas em “modelos” ou na imaginação). Essas forças podem ser contidas somente através de maior ou menor depressão, de forma que elas não se tornem crítica e externamente visíveis.

III. SALVAGUARDANDO A ESTABILIDADE (RELATIVA) FUTURA DA NOVA MOEDA

O movimento ulterior da moeda depende da possibilidade de se proteger a moeda secundária, depois que ela se tornar a única e nova moeda (e, portanto, não é mantida absolutamente estável por maior tempo, através de um índice de preço ao consumidor, isto é, não é mais uma “moeda indexada”), de protegê-la do que aparentemente sucedeu à moeda primária: movimentar-se de uma inflação apenas vagarosamente “engatinhante” para uma mais rápida, e daí para uma “trotante” e, finalmente, para uma inflação “galopante”.

Aqui haverá dois perigos a considerar acima de tudo: um déficit orçamentário grande demais e um déficit da conta corrente persistente (determinado cíclica ou estruturalmente). Aqui retornamos aos pré-requisitos mencionados no princípio, que devem ser fixados como condição para superar uma inflação “galopante” e transformá-la numa inflação “engatinhante”, através da própria habilidade com o auxílio da moeda secundária.

Um país que sofre de inflação rápida geralmente produz também grandes déficits orçamentários e de balanço de pagamento, tanto no seu balanço de capital quanto no balanço de contas correntes. É, portanto, do maior significado para o desenvolvimento ulterior da moeda, em nosso caso de formação da moeda secundária, se esses grandes déficits são apenas os efeitos colaterais da inflação rápida ou se eles têm ou tiveram outras causas. Se eles forem apenas efeitos colaterais da inflação, pode-se presumir que desaparecerão de novo, por assim dizer “automaticamente’’, com a recuperação da estabilidade de preço. Com políticas econômicas razoáveis e algumas condições normais, não há nada mais a temer pela estabilidade (relativa) da nova moeda. Não é esse o caso se os grandes déficits que aparecem durante o período da inflação rápida também tiverem outras causas além da própria inflação.

Um grande déficit orçamentário é dificilmente evitável com uma alta taxa de inflação. Isso porque o Estado recolhe como impostos e taxas - medidas em valor real - apenas uma fração daquilo que receberia no caso da estabilidade de preço, enquanto suas despesas crescem à velocidade da inflação dos preços. Uma vez que decorre sempre um certo período de tempo entre a data em que uma receita a receber ou um imposto é arrecadado e o tempo do pagamento dos impostos devidos, no caso de uma inflação rápida, segue-se, quase necessariamente, uma substancial perda - em valores reais - nas receitas de impostos. E isso ocorre mesmo se o sistema de impostos existente permitir um orçamento equilibrado, determinado pela aproximada estabilidade de preço.

Com a introdução da moeda secundária nos moldes do nosso plano, essa dificuldade pode ser eliminada em grande parte. A partir do Dia 2 em diante, os impostos e outras taxas deveriam ser calculados e arrecadados na moeda secundária (mesmo que o pagamento real possa ser feito nas unidades da moeda primária à taxa oficial de câmbio válida para a data do pagamento). Se a própria “estrutura orçamentária” está em ordem, então o equilíbrio do orçamento é garantido, em grande parte, após alcançar-se a aproximada estabilidade do preço. Naturalmente, até então, o déficit orçamentário deve ser financiado em moeda nacional e nos mercados de capital, o que pode produzir efeitos distributivos desagradáveis, mas geralmente não-perigosos. Nem todo déficit orçamentário tem um efeito inflacionário. Ele pode ser “coberto” por poupanças correntes dos cidadãos através de “bonds”, contanto que não sejam elevados demais (o que será raramente o caso depois de superada uma inflação rápida). Naturalmente, essas poupanças correntes serão captadas para outras finalidades, principalmente investimentos. Contudo, isso apenas prejudicará o futuro crescimento da economia (contanto que este método de financiamento orçamentário continue), mas não resultará uma queda no padrão real de vida já alcançado pela população. Um pré-requisito para isso é, certamente, que as autoridades monetárias (governo e banco central) sejam capazes de garantir que não ocorra um aumento excessivo da renda monetária dos participantes da economia (em moeda secundária ou em nova moeda). Eles devem ter o potencial de criação de crédito das instituições financeiras sob grande controle, de maneira que aconteça - no jargão dos economistas - um genuíno “crowding out”, e assim planos para outros gastos que causariam inflação não possam ser realizados por esses meios de financiamento orçamentário. Devido à força do poder dos Estados modernos sobre seus cidadãos e sobre as instituições em seus territórios, esse pré-requisito do controle adequado da criação da moeda e crédito é também um dado ou pode, em qualquer caso, ser facilmente alcançado. No caso de déficit orçamentário determinado por fatores cíclicos ou estruturais, não se deve temer um novo e acentuado aumento na taxa de inflação - após a conclusão da ação de consolidação da moeda em unidades da nova moeda.

Se o governo não deseja tolerar mais que as poupanças dos cidadãos sejam gastas principalmente em bens de consumo, via déficit orçamentário, em vez de servir para formação de capital e daí para o crescimento econômico, então deve esforçar-se para se livrar a tempo desse déficit. Isso pode ser realizado através de redução nas despesas (reais) do Estado ou por meio de aumento da renda (real) do Estado, ou de ambos. Agora, um aumento de produtividade que conduza a receitas maiores de impostos com taxas de impostos inalteradas pode, naturalmente, ajudar consideravelmente; e uma recuperação econômica pode produzir aumento nas taxas de imposto para efeito de consolidação orçamentária.

Enquanto sérios perigos para a futura estabilidade da nova moeda podem resultar de um orçamento desequilibrado (a menos que esse déficit seja de fato excessivamente alto), esse pode ser facilmente o caso com um déficit do balanço de pagamento ou em conta corrente. Aqui também há necessidade de diferenciar se um déficit é o resultado da inflação rápida ou se tem outras causas, desta vez muito mais cuidadosamente.

No caso de inflação rápida, um déficit do balanço de pagamento surgirá porque os cidadãos do país afetado tentarão escapar da perda (real) do valor do seu dinheiro, adquirindo moedas estrangeiras relativamente estáveis. Eles procurarão obter lucro, para especular em moedas estrangeiras; e assim ocorre uma fuga de capital do país que sofre de inflação galopante. O balanço de capital desse país mostrará então grande déficit.

Contudo, um déficit do balanço de pagamento muitas vezes surge porque a conta corrente do país em questão está também com grande déficit. Visto que, geralmente, o ajuste da taxa de câmbio de um país que sofre de inflação rápida não segue um declínio real no valor de sua moeda com suficiente rapidez, torna-se, assim, valorizado continuamente em relação às moedas de seus parceiros comerciais mais importantes. O resultado disso é um grande déficit da conta corrente, enquanto dura a inflação “galopante”, mesmo se a conta esteja completamente equilibrada sob condições normais.

Se, contudo, for adotada uma moeda secundária de preço estável, não há mais necessidade de fuga do capital para o estrangeiro para evitar os resultados de uma inflação rápida, a partir do Dia 1. A adoção da moeda de preço estável permite também a determinação oficial das taxas de câmbio (em moeda secundária), a partir do Dia 1, contra moedas estrangeiras importantes, correspondente à paridade do poder de compra. Enquanto essas necessidades não permanecem totalmente inalteráveis, é provável que eles permanecerão razoavelmente estáveis. Ou poderia também permitir a fixação da taxa de câmbio para a moeda secundária para mercados de câmbio estrangeiros através da flutuação livre ou controlada. Naturalmente, a constante modificação da taxa de câmbio para a moeda primária em face das moedas estrangeiras também é determinada desse modo (contanto que essa moeda seja ainda válida).

IV. DÉFICITS EM CONTA CORRENTE E PADRÕES DE VIDA

Mas o que pode ser feito se o déficit do balanço em conta corrente não for simplesmente o resultado de uma inflação galopante e não desaparecer apesar da introdução de uma moeda secundária.com uma taxa de câmbio “correta”?

A fórmula tradicional contra um persistente déficit em conta corrente é a desvalorização da moeda. Esse é o meio mais simples para elevar os preços das importações e serviços estrangeiros contra aqueles dos produtos e serviços nacionais (na moeda nacional), e assim reduzir a demanda por eles, até, finalmente, equilibrar as contas correntes. Na teoria, nenhum país deveria receber mais do exterior do que ele restituiria no longo prazo.

Naturalmente, um país se tornaria tão endividado no exterior (se sem cuidado, ou otimismo exagerado com relação ao desenvolvimento econômico futuro, ou simplesmente porque é forçado a fazer assim devido a acontecimentos políticos) que não seria capaz de controlar sua dívida externa no grau acertado, por meio de seus próprios recursos econômicos; e, então, uma desvalorização não seria suficiente num prazo maior. No caso, apenas uma acomodação mais ou menos voluntária ou involuntária, por parte de seus credores externos, ajudará, se tomar a forma de uma reestruturação, moratória ou declarações constantes de que seus débitos são parcial ou totalmente irrecuperáveis.

Uma desvalorização com a finalidade de equilibrar o déficit em conta corrente é geralmente acompanhada de queda no padrão de vida da população do país afetado. Uma parte das mercadorias importadas, que se tornam mais caras pela desvalorização, pode ser substituída por produtos nacionais; também a demanda estrangeira por mercadorias nacionais pode aumentar conforme seus preços baixem (em moeda estrangeira) devido à desvalorização. Mas tudo isso é muitas vezes insuficiente para evitar declínio no padrão de vida no país com moeda desvalorizada devido à elevação nos preços das importações.

Por outro lado, um declínio espontâneo no padrão de vida dos cidadãos de um país tende a melhorar sua balança em conta corrente. É apenas natural que, dada uma redução na demanda real, essa parte da demanda seja também reduzida, no que se refere a mercadorias importadas. As condições-padrão, que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras instituições prescrevem para aqueles países que recorrem a empréstimos para financiar seus débitos em conta corrente, incluem tanto uma drástica desvalorização da moeda do país afetado como, geralmente, uma redução drástica no padrão de vida de sua população. Aqui estamos tratando, contudo, com o caso de inflação “galopante”, a qual deve ser refreada e transformada em inflação “engatinhante”. A atuação é, por conseguinte, um pouco diferente.

A essa altura, o desemprego em massa geralmente já ocorreu, como consequência da capacidade inadequada da utilização da instalação física e equipamentos existentes, devido a tentativas mais ou menos infrutíferas ou mesmo “bem-sucedidas” de superar uma inflação veloz através do corte da demanda. Em tal caso, a renda total (real) da população já é, geralmente, tão baixa antes do início da nossa ação para estabilização que (uma vez congelada a renda real monitorável) uma desvalorização sozinha pode bem ser suficiente para eliminar um déficit em conta corrente num período de tempo relativamente curto. Apenas quando, contra expectativa, não for esse o caso, é necessária a redução adicional no padrão de vida da população do país afetado, de forma que a taxa de câmbio da nova moeda possa ser mantida razoavelmente estável e a estabilidade futura do preço (relativa) possa ser garantida.

Essa redução (adicional) na renda real, entretanto, coloca novamente a dependência de se esse objetivo deveria ser alcançado através de restrição drástica apenas da demanda total real, ou se - como é recomendado aqui - esse objetivo deveria ser alcançado pela combinação de uma política de renda com uma política moderada de corte de demanda. O efeito geralmente devastador das medidas exigidas pelo FMI e outras instituições baseadas na doutrina econômica corrente deve-se à omissão de uma possibilidade posterior.

Que forma de tentativa para eliminar um déficit em conta corrente aparente ou realmente muito persistente, de maneira relativamente rápida, poderia ser tomada no nosso plano? Aqui, a variação da taxa cambial do país atingido pela inflação deve ter prioridade fundamental. A fixação da taxa de câmbio da moeda do país (a posterior moeda primária) deveria, portanto, ser deixada para os livres mercados de câmbio tão logo quanto possível, antes do início do processo de consolidação da moeda (através do qual a taxa de câmbio da moeda secundária associada a ela seria continuamente determinada). Depois disso, proceder-se-ia, ainda, de acordo com o plano acima esboçado: faz-se um congelamento das massas de renda facilmente monitorizadas (na moeda secundária a partir do Dia 1 em diante) etc. etc. Temporariamente será incerto, se e em que extensão um déficit em conta corrente durará apesar da superação da inflação rápida. Somente quando um crescimento perigoso na balança de pagamentos se tornar evidente, poderia ser tentada uma redução regular na renda real. Isso deveria ser realizado não suspendendo a proibição na elevação do nível das rendas de massa em unidades da moeda secundária - como previsto em nosso plano original -, a partir do Dia da Substituição (Dia S), mas deixando-as imutáveis. Aumentos de preço na agora nova e única moeda (a primitiva moeda secundária), que pode e assim virá a ser doravante, têm de ser aceitos e não podem ser compensados pela elevação de salários, ordenados, pensões etc. etc. Isso deve continuar até que uma redução na renda real até o grau considerado necessário tenha sido alcançada (que quase nunca alcançaria um valor maior do que 5%). E, naturalmente, essa redução na renda real é para ser imediatamente suspensa tão logo o déficit em conta corrente desapareça. A conclusão da operação de consolidação da moeda seria então adiada por um ano ou mais, mas a inflação rápida estaria interrompida há muito tempo.

No Dia S, seria, portanto,publicado um novo (ou um já existente) índice de rendas (salários, ordenados ou massa), então fixado em 100. E ao mesmo tempo o novo índice de preço ao consumidor acima descrito (ou um índice anterior) seria novamente fixado em 100. Uma compensação para elevação no custo de vida (em unidades da nova moeda) será naturalmente feita apenas se o índice de preço ao consumidor variar até 5 por cento - ou um valor similar considerado necessário - do índice de renda.

Se ficar evidente que isso não é ainda suficiente para equilibrar a conta corrente (ou ainda alcançar um superávit desejado urgentemente sob certas circunstâncias), então deve-se considerar, sem dúvida, o seguinte: deseja-se e pode-se realizar outra redução no padrão de vida da população, através da manutenção do nível existente das massas de renda monitoráveis em unidades da nova moeda, dado um aumento posterior nos preços, a fim de alcançar o equilíbrio esperado em conta corrente (considerando que o aumento da produtividade e recuperação econômica, bem como o ajuste em mira para condições de mercado alterado, poderiam ajudar significativamente para sua realização)? Não seria melhor submeter às condições que constituem pré-requisitos para assegurar o auxílio estrangeiro?

Sem dúvida seria preferível e desejável para um país que deseja superar uma inflação galopante por meio de suas próprias forças com este plano, e assim assegurar a estabilidade (relativa) de sua moeda para o futuro, que fosse também garantida a ajuda estrangeira de uma instituição internacional ou governos amigos, em condições aceitáveis, por um certo período de transição. Essa ajuda poderia se dar em forma de empréstimo em moeda estrangeira para cobrir seu déficit em conta corrente, a qual continuaria por um certo período de tempo, com juros muito baixos ou mesmo sem juros, embora protegido em termos de valor real. A concessão de tais empréstimos não ficaria apenas nos juros do país recebedor, mas também nos juros negociados do país credor, que (não falando de razões políticas) poderia, em algumas circunstâncias, vender seus produtos por esse meio apenas ao país com déficit em conta corrente, e somente assim prevenir uma possível perda da produção e exportação.

V - CONCLUSÕES

Em resumo: qualquer país, seja ele grande ou pequeno, pode controlar qualquer· inflação (não obstante sua rápida evolução), e transformá-la em inflação “engatinhante” com taxas mais baixas de inflação. Isso pode ser realizado, de maneira relativamente fácil e sem dor, através da própria força do país e sem ajuda externa, por meio da introdução de uma moeda secundária de acordo com procedimentos acima esboçados. Isso pode ser conseguido sem redução (adicional) no padrão de vida de sua população, tomando as seguintes providências:

  • 1. que esteja numa posição para manter sob o mais rigoroso controle a criação da moeda e do crédito;

  • 2. que o seu déficit orçamentário não seja tão grande que não possa ser financiado totalmente por meio dos mercados internos de moeda e capital, uma vez recuperada a estabilidade aproximada de preços;

  • 3. que sua conta corrente esteja equilibrada, ou mesmo em superávit, com uma taxa de câmbio livre ou variável, após concluída a operação monetária.

Um Estado pode também realizar por meio de sua própria força e sem ajuda externa, mesmo se a liberação da taxa de câmbio não for suficiente para o equilíbrio da conta corrente antes do término da operação monetária. Neste caso, o país deve:

  • 4. ser capaz de reduzir o padrão de vida de sua população, através do controle das rendas num grau que permita concluir essa estabilidade suficientemente rápido.

  • JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1986
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