Acessibilidade / Reportar erro

A crise da dívida: uma perspectiva mais a longo prazo

The debt crisis: a longer-term perspective

RESUMO

O ano de 1984 foi marcado por importantes avanços no enfrentamento do endividamento dos países em desenvolvimento. Não é de estranhar, face aos ganhos registados em 1984, que exista uma certa complacência e mesmo presunção quanto à evolução contínua do problema da dívida. Este artigo examina quatro questões principais das quais depende a evolução futura do problema da dívida. O primeiro é a influência da atividade econômica internacional no desempenho dos países devedores. Em segundo lugar, é a permanência do ajuste dos países em desenvolvimento. Em terceiro lugar, está a estabilidade do novo regime de dívida que está agora em vigor. E o quarto é a probabilidade de os novos recursos externos substituírem o declínio dos empréstimos bancários comerciais que geralmente é previsto.

PALAVRAS-CHAVE:
Crise da dívida; fluxos internacionais de capital; dívida externa

ABSTRACT

The year of 1984 was characterized by important advances in coping with the developing country’s debt burden. It is no wonder, in view of these gains registered in 1984, that there is a certain complacency and even smugness regarding the continuing evolution of the debt problem. This paper examines four principal issues on which the future evolution of the debt problem depends. First is the influence of international economic activity on the performance of the debtor countries. Second, is the permanence of developing country adjustment. Third, is the stability of the new debt regime that is now in place. And fourth is the likelihood of the new external resources to replace the decline in commercial bank lending that is generally forecast.

KEYWORDS:
Debt crisis; international capital flows; foreign debt

Os banqueiros fecharam com satisfação as contas de 1984 dos países em desenvolvimento. Foi um ano bom, muito além do que havia sido previsto. Pela primeira vez, mesmo o relativamente cauteloso World Financial Markets pôde falar que se está quase a meio caminho de uma “solução duradoura para o problema da dívida dos países menos desenvolvidos (PMD)”.1 1 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 1. O nervosismo do início de 1984, devido à elevação das taxas de juros no meio do ano e aos resultados dos negócios de 1983 que mostravam a impossibilidade de uma forte reativação das exportações, foi substituído no final do ano por uma confiança otimista num progresso contínuo para 1985.

Há razão para satisfação e, mesmo, autocongratulação. 1984 caracterizou-se por importantes avanços no tratamento da carga da dívida dos países em desenvolvimento em quatro dimensões centrais.

Em primeiro lugar, a retomada do crescimento da OCED (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento) a taxas mais altas que as projetadas, resultante da aceleração do desempenho dos Estados Unidos, contribuiu para a reativação das altas taxas de crescimento do comércio observadas no período da recessão anterior a 1979. Celebrando essas boas novas, o FMI publicou em setembro uma revisão sem precedentes de suas previsões feitas em abril, sugerindo agora um crescimento de quase 5% dos países industrializados em 1984, 1 ponto e 1/4 acima das previsões anteriores, e um crescimento em dólares de 12,8% das exportações dos países em desenvolvimento não produtores de petróleo, 2 pontos e 1/2 acima das previsões.2 2 World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984. Tabelas 1 e 14

Para os maiores devedores, o Morgan Guaranty espera até mesmo uma taxa maior, de 13,7%. A fase anterior de declínios dramáticos nas importações como meio de ajuste no balanço de pagamentos tinha substituído a reativação da exportação. Entre 1981 e 1983, as importações suportaram virtualmente toda a carga da melhoria das contas correntes: elas declinaram, em valor, 22,4% para os maiores devedores e 45,6% para os países da América Latina. Em 1984, ocorreu uma elevação em alguns países, bem como nos subtotais da América Latina e de outros.3 3 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 3.

Para muitos, o vigor das contas correntes dos maiores devedores, mesmo à custa de altas taxas de juros contínuas, confirma a visão de que “a expansão dos países industrializados é uma influência mais poderosa do que as taxas de juros nas projeções de pagamentos externos dos maiores países devedores”.4 4 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 1. Aparentemente, o que realmente conta são as taxas de crescimento da OCED.

Além do mais, o sistema informal de tratamento do problema da dívida tem mostrado tanto poder de estabilização como de flexibilidade. Os principais bancos comerciais têm continuado a exercer liderança, admitidamente em interesse próprio, nas negociações caso­a-caso com os devedores, e os bancos menores têm acompanhado, algumas vezes de má vontade. Em resposta aos esforços de reajustamento interno dos devedores e encorajamento parcial deles, as condições de reescalonamento melhoraram significativamente. O modelo mexicano de vencimentos mais ampliados, reescalonamento de anos múltiplos, taxas de risco (spreads) mais baixas e taxas de comissão a zero, está-se tornando um padrão. Isso deve ser creditado às sugestões de Paul Volcker e ao precedente aberto pelo FMI em dar cobertura condicional aos bancos, bem como a uma visão mais sistemática dos próprios bancos. Eles foram preparados para aceitar custos, equivalentes a talvez um terço de seu lucro bruto no caso mexicano, em troca de perspectivas futuras mais promissoras para seus clientes. E se submeteram a uma colaboração contínua com o FMI sob a condição de que este procederia à monitorização do sistema de escalonamento, sem riscos para seus próprios acordos e recursos.

A terceira área de progresso foi a austeridade contínua praticada pelos principais devedores. O medo de convulsões sociais provou ser exagerado. Argumentos sobre limitações estruturais para a conversão da produção para venda em mercados de exportação foram desmentidos pela rápida expansão das exportações industriais. Preços foram manipulados na direção certa e subsídios foram cortados. Déficits fiscais, e mesmo algumas empresas públicas, foram colocados sob controle. Preocupações sobre o prosseguimento da recessão foram desmentidas por sinais de recuperação nos principais países devedores. Para a comunidade bancária, a recompensa da retomada da expansão “é evidência encorajadora dos benefícios que podem ser obtidos através do gerenciamento melhorado da demanda e alocação de recursos”.5 5 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 3.

E em quarto lugar, parcialmente como resultado dos desenvolvimentos precedentes, o desafio da solidariedade entre os devedores e a maior politização do problema da dívida foram vencidos com sucesso. Quando as taxas de juros cresceram na primeira metade do ano e antes que as exportações tivessem registrado ganho tão decisivo, a Argentina tentou reforçar sua própria capacidade de negociação com o FMI e os bancos, apelando por uma maior cooperação entre os devedores principais da América Latina. A formação do grupo de Cartagena e suas propostas tanto para ações concretas como para uma negociação da situação da dívida a nível internacional, em vez de caso-a-caso, não caíram inteiramente em ouvidos moucos. As propostas mais radicais para aliviar a carga dos devedores, discutidas nessas reuniões, seguramente ajudaram a persuadir bancos relutantes sobre o bom senso do pacote mexicano de reescalonamento. Por sua vez, a falta de progressos palpáveis mostrou à Argentina a necessidade inevitável de um acordo com o FMI, e pavimentou o caminho para uma carta de intenções eventualmente aceitável.

Não é estranho, em vista desses ganhos registrados em 1984, que haja certa complacência e mesmo displicência frente à contínua evolução do problema da dívida. Sem guerra, inflação ou não-reconhecimento de dívidas por causa da depressão, a grande escalada da dívida dos países em desenvolvimento na década de 70 parece ter sido colocada sob controle. Otimistas até apontam um raio de luz no negro panorama das quedas forçadas de renda experimentadas pelos países devedores latino-americanos nos últimos anos: com a política correta que foram induzidos a seguir agora, suas perspectivas futuras são melhores do que eram antes.

É preciso talvez certa coragem, em vista dos resultados de 1984, para contestar o bom senso convencional de que o problema da dívida passou agora da fase de “cuidado intensivo” para a fase de “tratamento fora do hospital”. Ou para sugerir que permanecem importantes questões de ajustamento internacional e não exclusivamente nacional. É isto que tentarei fazer aqui.

Nas seções subsequentes, examino quatro vertentes principais, das quais depende a futura evolução do problema da dívida. A primeira é a influência da atividade econômica internacional sobre a performance dos países devedores. A segunda é a permanência do ajustamento dos países em desenvolvimento. A terceira é a estabilidade do novo regime da dívida atualmente em curso. A quarta é a viabilidade de novos recursos externos para substituir o declínio geralmente previsto de empréstimos dos bancos comerciais. Finalizo com algumas considerações sobre o acerto das políticas atuais.

A IMPORTÂNCIA DA RECUPERAÇÃO DA OCED

O rápido crescimento das exportações de alguns dos maiores países em desenvolvimento tomadores em 1984 é um alívio bem-vindo para os rigores da redução de importação que suportou a carga dos ajustes do balanço de pagamentos anteriormente. Ainda assim, as boas notícias agregadas não devem levar a uma atitude de complacência. A recuperação econômica dos países industrializados não é uniforme, nem é a exportação a resposta dos países devedores.

Três aspectos do crescimento do comércio em 1984 merecem um exame minucioso. O primeiro é o papel dominante desempenhado pela demanda de importação dos Estados Unidos para aliviar o desequilíbrio do balanço de pagamentos dos países em desenvolvimento. O segundo é a evolução dos preços das mercadorias em 1984, uma tendência muito menos favorável do que a projetada. E terceiro, parcialmente como consequência, os contínuos problemas de câmbio em moeda estrangeira enfrentados por um conjunto de países devedores menores, principalmente latino-americanos.

O lado positivo do superávit, recorde de importações dos Estados Unidos em 1984, é que ele se traduz em grande crescimento das exportações dos países em desenvolvimento. De fato, a recente concentração no mercado dos Estados Unidos é chocante. O Morgan Guaranty estima que mais de dois terços das exportações dos PMD não ligados à OPEP para os países industrializados entre a segunda metade de 1982 e o terceiro trimestre de 1984 foram para os Estados Unidos. Para a América Latina, a parcela de aumento foi ainda maior, 85%. Em outras palavras, cada país da OCED, exceto o Canadá, mostrou um crescimento nas importações de países em desenvolvimento menor que a média para os países industrializados como grupo.6 6 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 10. Deve-se tomar cuidado ao vincular a causa da recuperação geral da OCED ao comportamento das exportações dos países em desenvolvimento.

A recuperação dos Estados Unidos foi fundamental, não só por causa dos saltos maiores que os esperados, mas especialmente porque foi tão intensivamente concentrada nas importações. A elasticidade de quase quatro para o volume total de importação com relação ao produto real bruto está muito acima dos valores anteriores. Se fosse aplicada a elasticidade média de 1967-76 à taxa de crescimento dos Estados Unidos de 1984, o crescimento das importações previsto para 1984 seria de 18% em vez dos 28% projetados pelo FMI. Contrastando violentamente com a última crise da dívida dos países em desenvolvimento durante a Grande Depressão dos anos 30, os Estados Unidos têm sido o mercado principal para as exportações dos devedores em 1984.

O papel especial desempenhado pelos Estados Unidos para os principais tomadores nos anos recentes é confirmado por uma relação de regressão entre o volume de exportação dos maiores devedores e a demanda dos Estados Unidos e da Europa. Se esta última é medida através do crescimento da demanda agregada ou pelo volume de importação realizado, o coeficiente sobre o valor dos Estados Unidos é tanto positivo quanto estatisticamente significativo, o que não se aplica para as variáveis da contrapartida europeia.7 7 As duas regressões, ambas com mudança de porcentagem no volume de exportação dos maiores tomadores de 1977 a 1984 como a variável dependente, são: X=5.41.0+.24MUS1.74-.38MEUR1.06R2=.40X=3.71.9+.87MUS2.41-.67MEUR.97R2=.56 As variáveis independentes são respectivamente as taxas de crescimento do volume de importação e de demanda agregada dos Estados Unidos e da Europa. Todos os dados foram tirados do World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984.

A razão para esta intensidade de importação não é segredo. A conjunção de uma política fiscal expansionária, altas taxas de juros e dólar forte fornece a explicação. O financiamento do grande déficit requereu um influxo de capital. Esta transferência deve ser efetuada através de um superávit de importação. Ironicamente, esta política não é diferente das seguidas pelos grandes devedores no final dos anos 70 e começo da década de 80, de atrair seus aumentos equilibrados em dívida externa. Se as tendências atuais não fossem revistas, chegaríamos ao mesmo resultado: acumulação rápida das obrigações externas com obrigações do serviço da dívida ainda maiores, ao mesmo tempo que a supervalorização diminuiria a competitividade na exportação.

Ignorar essa qualidade especial dos resultados de 1984 é exagerar os benefícios da recuperação cíclica e superestimar as perspectivas para o futuro próximo. A melhoria do comércio dos devedores foi obtida à custa de desequilíbrios exacerbados nos pagamentos globais e da crescente possibilidade de um final infeliz. O perigo é duplo: uma significativa valorização do dólar e corte nas importações dos Estados Unidos sem mudanças compensatórias na Europa e no Japão, isto é, a chamada aterrissagem difícil; e uma onda de reação protecionista nos Estados Unidos contra competição prejudicial.

Até agora, nós evitamos o primeiro, não com ajustamentos graduais, mas com desequilíbrio aparentemente maior. Ainda não foi experimentado o clima de aterrissagem fácil, ou seja, a eliminação dos déficits orçamentários e comerciais dos Estados Unidos, junto com a queda das taxas de juros e uma lenta desvalorização do dólar e políticas mais expansivas nos outros países industriais. Esta Administração, no poder por mais quatro anos, não está em sua maioria convencida das virtudes de uma política de coordenação internacional, e talvez nem mesmo da necessidade de lidar com os dois déficits. Então, enquanto os Estados Unidos exerceram um papel muito saudável na melhoria do problema da dívida, isso aconteceu, de algum modo, acidentalmente.

Até este ponto, a recuperação de 1984 não é um indicador confiável das tendências futuras do comércio. Uma expansão mais uniforme nos países industrializados e um regime de taxas de câmbio mais estáveis seriam uma fonte de muito maior confiança do que tomar esses bons resultados como prelúdio do que está para vir.

Essa preocupação é aumentada pela possibilidade de restrições mais sérias dos Estados Unidos sobre as importações dos países devedores. Porque estes últimos são precisamente os mais competitivos com a oferta dos Estados Unidos, e porque em meses recentes foi constatada uma sensibilidade maior à crescente participação desses países recém-industrializados, o protecionismo em potencial tende a exercer um papel mais significativo. Até agora não exerceu, como sugere a evidência anteriormente apresentada e apesar da preocupação dos países em desenvolvimento. Mas numa larga faixa de produtos padronizados competitivos não somente com os fornecedores internos dos Estados Unidos, mas também com os de outros países industrializados, há uma perspectiva de arranjos na divisão de mercado que limitarão as oportunidades para novos produtores.

Até agora, um pilar da política econômica externa dos Estados Unidos tem sido, é verdade, o compromisso com o livre comércio. De fato, a Administração americana está tentando uma nova rodada de conversações do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade - Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio), para pressionar pela liberalização. Ainda assim, inerente a esse esforço, há uma possível fonte de confronto com, no mínimo, alguns desses países recém-industrializados. O objetivo central dessas negociações é remover restrições sobre as modernas atividades no setor de serviços que atualmente limitam o mercado para os ganhos dos Estados Unidos em moeda estrangeira. Estes estão entre os setores mais protegidos em muitos desses países, devido tanto ao desejo de se desenvolver uma capacidade tecnológica doméstica, como, em alguns casos, aos interesses de segurança nacional. Em última análise, esses países estão menos compromissados com o mercado livre do que com o acesso ao mercado de exportação, atualmente tão essencial à sua performance econômica. Poucos se converteram ao liberalismo, uma realidade que aumenta o poder de persuasão dos protecionistas domésticos nos países industrializados. A crise da dívida pode ser mais dramática, mas a consequente quebra do consenso de livre comércio é mais perigosa para as perspectivas de desenvolvimento a longo prazo dos grandes tomadores.

A segunda peculiaridade da recuperação de 1984 foi o seu fracasso em trazer em seu rastro elevação no preço das mercadorias. O índice SDR do Economist para todos os itens, por exemplo, permanece em 99,6, quase igual ao seu nível de 1980, e caiu mais de 10% durante o ano. Todos os índices componentes, de alimentos a metais, mostraram o mesmo declínio. Exercícios econométricos baseados em dados anteriores teriam previsto praticamente o oposto no segundo ano de uma recuperação rápida.

Parte da explicação reside sem dúvida no efeito das continuamente altas taxas de juros na demanda para acumulação de ações. Estoques de matérias-primas são maus investimentos. Uma indicação indireta de apropriações mais baixas é dada pela relação entre preços à vista e preços futuros. No London Metal Exchange, no final de dezembro, os preços à vista para cobre, chumbo, zinco e estanho eram todos inferiores aos preços dessas mesmas mercadorias no mercado futuro a 3 meses, apesar do custo extra de seguro e entrega implícito nos últimos.8 8 The Economist, 5 de janeiro de 1985, p. 81.

Outra causa é a ampliação da capacidade de fornecimento agora disponível para muitas mercadorias. Foi realizado investimento durante os inflacionários anos 70, quando as projeções para lucros futuros eram favoráveis. Agora, essas fontes mais eficientes fixaram preços básicos mais baixos do que, de outra maneira, teria acontecido. Além do mais, a própria severidade da recessão e a posição enfraquecida do balanço de pagamentos dos países fornecedores levaram a terríveis aumentos nas entregas, apesar da fraca demanda. Os países não se podem dar ao luxo de reter mercadorias quando o custo-oportunidade do câmbio em moeda estrangeira é tão alto.

Ainda, um terceiro fator é a substituição contra mercadorias, induzida tanto pelo relativo aumento de preços da última década, como por tendências mais a longo prazo na composição da produção, Nova tecnologia gerada pela revolução dos computadores economiza sobre as demandas industriais tradicionais, mesmo que maiores setores de serviços signifiquem um aumento proporcionalmente menor nos setores industriais. É ainda muito cedo para avaliar o significado dessas mudanças. Recentemente, Peter Drucker escreveu no Wal1 Street Journal um artigo abrangente, sem crédito ou menção às suas origens na ECLA. talvez excessivamente centrado no desvio de 1984, mas que alerta em tempo sobre os perigos da simples extrapolação histórica.9 9 Wall Street Journal. 9 de janeiro de 1985, p. 30.

Uma causa final frequentemente citada para os preços lentos das mercadorias é a valorização do dólar. Entre outros, Rudiger Dornbusch estimou uma elasticidade relativamente grande de 0,7 para os preços reais das mercadorias.10 10 DORNBUSCH, R. The effects of OECD macroecnomic policies on non-oil LDC; a review. p. 12. Uma valorização de 10% do dólar iria então implicar um relativo declínio de 7% nos preços das mercadorias vis-à-vis os valores-unidade de exportação dos países industrializados. Mas a explicação não é inteiramente convincente. Os resultados estatísticos são sensíveis à especificação particular da equação de preço: é possível, com outras fórmulas plausíveis, obter não somente outros valores; mas mesmo diferenças em sinal.11 11 Para uma indicação da sensibilidade à especificação estatística, ver meu trabalho Revisiting the great debt crisis of 1982. Apêndice, Tabela 2 (cópia mimeográfica, 1984). Se mudanças no crescimento da OCED, mais do que níveis, estão relacionadas com os preços deflacionados de exportações dos países em desenvolvimento, o sinal de valorização do dólar tem uma tendência a mudar, algumas vezes se tornando mesmo estatisticamente significativo. Nem se pode ignorar o grande intervalo de confiança isolando o ponto de estimativa.

Em segundo lugar, a simples análise da oferta e procura levaria à expectativa de um resultado diferente. Uma valorização do dólar reduziria a demanda de mercadorias, dependendo da divisão do mercado e da elasticidade da demanda de compradores que não pagam com dólares, mas provocaria uma pequena oferta adicional. Uma vez que a demanda de mercadorias pode com segurança ser tomada corno não elástica, o reajustamento do preço deveria ser limitado. Em contraste, a valorização deveria induzir um grande aumento na oferta competitiva de produtos manufaturados, cujo preço deveria, portanto, ser mais desfavoravelmente afetado, melhorando então o preço relativo das mercadorias.12 12 A fórmula para a relação de mudança de percentagem no preço do dólar. p. à mudança de percentagem na taxa de câmbio, ê, em unidades de moeda estrangeira por dólar, é derivada da equalização da oferta e demanda expressa em dólar e não dólar p^=Wsm$En$-Wdn$Nn$Wd$N$+Wdn$Nn$-Ws$E$-Wsn$Er$e^ onde n$ é a elasticidade de demanda em dólares: ns a elasticidade de demanda em moeda estrangeira. E$ a elasticidade da oferta em dólares, E$ elasticidade da oferta em moeda estrangeira e Ws$ são os pesos correspondentes na demanda e oferta totais. Esta formulação supõe perfeita substituição de bens em dólar e em outra moedas. Notem que enquanto a taxa de câmbio se eleva, a taxa de câmbio dos preços do dólar é sempre negativa, uma vez que as elasticidades de demanda são negativas e as elasticidades de oferta são positivas. Mas uma alta elasticidade de oferta de produtos manufaturados em outras moedas, e seu grande peso significaria que a valorização do dólar acarretaria uma nova grande oferta, forçando a queda do preço do dólar. Em contraste, para as mercadorias, uma demanda não elástica, acoplada à falta de oferta de outras moedas - refletindo a concentração de oferta nos países em desenvolvimento vinculados ao dólar - levaria a reduzido declínio de preço. Ainda assim, a valorização implicaria uma melhoria das condições de comércio. Confiar na desvalorização do dólar, se ela um dia acontecer, para melhorar as condições de mercado, pode ser uma esperança vã. O modelo do Morgan Guaranty não mostra ganho líquido no balanço de pagamentos por causa da desvalorização do dólar.13 13 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 9: “Assim, enquanto muitos observadores tinham focalizado o impacto favorável da desvalorização do dólar nas exportações dos PMD, o alívio potencial dos problemas da dívida daí originado parece modesto se as implicações para as importações forem levadas em conta”. Desde que as simulações explicitamente também consideram a proporção dívida-para-exportação, há também um ganho somente limitado de capital absoluto, a partir do aumento dos preços em dólar das exportações com relação à divida em dólares. Embora esteja claro pela fórmula na nota de rodapé 12 que a relação do preço do dólar para valorização deveria ser negativa, a magnitude poderia bem ser pequena e certamente não a unidade que Cline, por exemplo. tipicamente invocou. (CLINE, William R. International debt and the stability of the world economy. Institute for International Economics, 1983, p. 48).

A consequência desses preços pobres das mercadorias é o fracasso dos países em desenvolvimento em materializar suas grandes esperanças nas condições de melhoria do comércio. É ainda muito cedo para se dispor de estatísticas definitivas para 1984, mas a mais recente previsão do FMI de 1,7% de ganho nas condições de comércio dos países em desenvolvimento não produtores de petróleo é um reajustamento muito menor do que o aplicado ao volume de exportações. Onde emana a melhor performance de exportação faz uma óbvia diferença para a interpretação dos resultados do comércio. Melhores condições de comércio querem dizer mais importações reais (e renda real) para o mesmo volume de exportações. Pode-se consumir mais domesticamente, mesmo enquanto se satisfaz o mercado externo. Focalização exclusiva na linha básica do balanço de pagamentos obscurece os recursos internos reais absorvidos pelas exportações. Durante um período de capacidade não utilizada, porque está sendo gerado emprego, a renúncia ao consumo é tolerável, mas durante recuperação interna posterior, a competição é real. Países em desenvolvimento tiveram que obter sua recuperação nas exportações pelo caminho mais duro, através de maiores insumos internos.

Preços fracos de mercadorias são, portanto, uma segunda anomalia da experiência de 1984. Eles contribuíram para a terceira: crescente divergência na performance econômica dos países devedores. As recuperações no Brasil e no México geraram a ilusão de uma melhoria generalizada na América Latina, por exemplo, onde a crise foi mais severa. Na verdade, cada país, com exceção do Brasil, está abaixo da média de crescimento regional de exportação. É a taxa de quase 25% de crescimento do Brasil que domina os resultados agregados. O Chile e o Peru foram especialmente atingidos, com pequena expansão nas receitas em dólar em 1984, refletindo a contínua baixa de preços do cobre durante o ano.

A maior parcela de crescimento favorável de exportação de países em desenvolvimento foi conseguida no Este Asiático, tal como já vinha acontecendo mesmo durante a recessão mundial. De fato, se tomarmos a amostra dos 16 países em desenvolvimento do Morgan Guaranty, há uma correlação negativa, apesar de estatisticamente insignificante, entre o crescimento das exportações em 1984 e o nível da relação dívida-exportação de 1983.14 14 A correlação para a amostra é -0,22, insignificantemente diferente de zero para graus limitados de liberdade. Aqueles que não tinham necessidade urgente não expandiram suas vendas para o exterior mais rapidamente. Não há congruência entre a performance individual de exportação de um país e a seriedade do problema da dívida confrontado.

A consequência é uma necessidade contínua de restrições nas importações e baixas taxas de crescimento nos países-problema para capacitá-los a lidar com a questão do balanço de pagamentos. Para esses países, todos pequenos devedores com exceção da Argentina, não há esperança de um reescalonamento favorável, muito menos de influxos de novo capital. Ao contrário, há mesmo incentivo limitado para empréstimos involuntários de bancos. Para esses países, os bancos têm capacidade de arcar com o prejuízo de um rompimento dos pagamentos - como fizeram com a Bolívia - para manter sua credibilidade. Para os pequenos países devedores, as novas regras de negociação caso-a-caso com bancos cartelizados enfraquecem sua capacidade de barganha.

As histórias de sucesso do· Brasil e do México trabalham para a desvantagem dos problemas permanentes dos devedores de uma outra forma. Elas parecem colocar a culpa exclusivamente nas políticas internas, em vez de no ambiente internacional. Mas isso é não entender as qualidades especiais da recuperação de 1984 com seus impactos diferenciais dependendo da composição da exportação e da concentração de mercado. Os pequenos países não têm a flexibilidade do Brasil em realocar recursos e consequentemente capacidade de resposta das exportações a taxas de câmbio reais. Pode-se ter mais simpatia pela situação desses países se a queda dos preços escorregadios do petróleo colocar uma pressão crescente sobre o México para expansão de exportações não tradicionais, mais rapidamente do que até agora tem sido necessário.

Até agora, a menos que satisfatória performance dos países latino-americanos menores recebeu pouca atenção. Seus delitos não ameaçam o sistema, como os do México, Brasil e Argentina. Mas os resultados desanimadores vão além da confirmação dos limites da recuperação mundial. Também quer dizer que há um constante alerta aos bancos de que o problema da dívida ainda não está relegado à história, mas continua em evidência. Este não é um ambiente onde se possa falar com segurança do reinício das práticas normais de empréstimo dos países em desenvolvimento.

Finalmente, é preciso tomar cuidado para não creditar a recuperação à força completamente causal do aumento da exportação verificado. Políticas de objetivo único, como as perseguidas pelo Brasil e pelo México, tornaram possíveis os superávits de exportação, apesar da força das condições de demanda mundial. Empresas estatais e outras venderam ao estrangeiro, não necessariamente porque era lucrativo, mas porque dava menos prejuízo. Como a capacidade de excesso é reduzida pela recuperação, a parcela de exportações deve também declinar.

Em suma, enquanto a recuperação facilitou a situação de alguns devedores, ela não foi a maré que desencalha todos os barcos. Nem se deve esperar que a recuperação vá funcionar no futuro, a menos que suas bases sejam significativamente modificadas. Enquanto é aritmeticamente certo que o crescimento da OCED por um período de tempo inevitavelmente domina altas taxas de juros, é também verdade que não se pode esperar que uma expansão sempre desequilibrada como a experimentada em 1984 persista indefinidamente. O simples cálculo paramétrico do intercâmbio entre taxas de juros, taxas de crescimento e a taxa de câmbio do dólar para simulações do balanço de pagamento dos países devedores não deveria obscurecer este ponto.

ECONOMIA POLÍTICA DOMÉSTICA

Muitos países devedores, especialmente aqueles da América Latina, começam sua recuperação a partir de níveis de compromissos sem precedentes no período pós-guerra. Eles têm a próxima tarefa de tentar cobrir as grandes perdas de produção sofridas entre 1981 e 1983. Para alguns como o Brasil e a Argentina, há também a carga da desinflação a partir de subidas de preços de 200% para o primeiro, e mais de 600% para o segundo. De fato, a única realização dos países devedores até agora é a dramática melhoria em seus déficits em conta corrente. Para os 16 devedores do Morgan Guaranty, o déficit total declinou de· US$ 55 bilhões em 1981 para US$ 12 bilhões em 1984; para os países latino-americanos, a queda foi ainda mais profunda, de US$34 bilhões para US$ 5 bilhões.15 15 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 2.

O prognóstico favorável para o problema da dívida começa dessas condições iniciais de um balanço de pagamentos mais melhorado. Três suposições são centrais. Uma é a capacidade de restringir a demanda de importação para que os níveis passados não sejam completamente restabelecidos. Isso significa a aplicação de elasticidades moderadas de importação ao baixíssimo nível-base atual para projetar exigências futuras. A segunda é a capacidade de sustentar transferências de recursos aos países credores a uma porcentagem relativamente alta do produto bruto, variando entre 6 e 8% para a maioria dos países latino-americanos. A terceira é uma contínua e alta taxa de crescimento das exportações. Sob essas condições, o balanço de pagamentos dos países devedores suportará declínios em suas relações importação-exportação, mesmo se as taxas de juros continuarem altas e possivelmente acima da taxa de expansão da exportação, crucial para solvência a longo prazo.

Essas três exigências não são triviais. Sobre o futuro curso das exportações, o FMI escreve: “De todas as fontes de incerteza ligadas às perspectivas das contas correntes dos países em desenvolvimento não produtores de petróleo, provavelmente a maior é a que diz respeito ao futuro de suas importações”.16 16 World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984, p. 13. A razão é evidente. Com a maior parte de melhoria no balanço de mercadoria derivada da compressão da importação, o que representa exigências realísticas especialmente quando o crescimento é retomado: o passado ou o presente? Em termos econômicos, a questão é se a recuperação encontrará pontos de estrangulamento ou ineficiências que exijam insumos externos em largas quantidades. Isso, por sua vez, depende de se as importações eram em grande parte para fins de consumo e/ou podem ser substituídas por fontes domésticas. Surpreendentemente, muito pouca análise detalhada foi dirigida para essas questões, e também para as implicações da capacidade dos países em desenvolvimento de sustentar a necessária performance de exportação.

Projeções de crescimento limitado de importação requerem controles de mercado contínuos para refrear a parte de importações enquanto a produção acelera. Pois, se as importações são liberalizadas, as elasticidades poderão ser muito mais altas. Elas também implicam, portanto, um contínuo compromisso com a substituição de importação, e com investimento público fundamental para a sua realização. Ainda, ao mesmo tempo, há uma pressuposição largamente disseminada de que políticas orientadas para fora e mais liberais são desejáveis e mesmo essenciais nos países devedores. Existe aqui uma inconsistência política de alguma importância. Altas taxas de crescimento de exportação podem bem exigir altas taxas de insumos importados para assegurar uma capacidade de competir efetivamente nos mercados mundiais.

Mas tal cenário de desenvolvimento orientado para fora, o modelo Este Asiático, é regido pela segunda exigência, de que os países tenham superávits de mercadoria suficientes para cobrir uma larga parcela de suas obrigações de juros, reduzindo consequentemente o crescimento da dívida para baixo de seu ponto de inércia à taxa de juros. Uma significante transferência de recursos é então vinculada. Nos anos recentes, os devedores latino-americanos têm sido capazes de efetuar, e só involuntariamente, uma parte relativamente pequena dos pagamentos de juros ao exterior. O World Financial Markets explicitamente concede o que está implícito em muitas previsões: “Tais transferências aos credores são praticamente inevitáveis no processo de redução de altas cargas de dívida existentes”.17 17 World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 10.

Mas ele também argumenta que “a questão da transferência financeira se reduz a como as transferências são consumadas ... Se os ganhos de exportação continuam a crescer nos anos que virão, entretanto, é preciso que não haja inconsistência entre obrigações de transferência e crescimento econômico nos países devedores”.18 18 Ibid. Isto claramente implica ou capacidade de excesso ou um suprimento ilimitado de poupança interna. Nenhuma é válida a médio prazo. Cada dólar transferido para o exterior reduz a aplicação da poupança internamente. Cada dólar usado para pagar juros em vez de produtos importados reduz o suprimento disponível de recursos. A consequência é uma taxa reduzida de investimento interno que pode acabar prejudicando a expansão exigida dos próprios setores de exportação.

A razão clássica para eventualmente se ater a tal postura de repor mais do que se recebe em novo capital é que a transferência dá certo a partir de uma renda maior e da poupança viabilizada pelo uso produtivo do débito inicial. O país devedor está ainda em melhor situação em consequência do empréstimo. Quando a transferência é feita a partir de uma renda mais baixa causada em parte pelo ajustamento do empréstimo passado, o raciocínio convencional é menos persuasivo. E quando a dívida não foi usada para aumentar a formação de capital interno, mas para financiar fuga de capital e despesas militares, como na Argentina, ele é ainda menos aplicável.

Por essa razão, não é claro que os países vão continuar a decidir - e a maioria das estimativas são para os próximos anos - a usar seu câmbio exterior nesse sentido. Haverá uma pressão considerável para que uma porção seja desviada para estabelecer programas de mais rápida expansão da produção. Há, acima de tudo, uma década perdida a ser recuperada, e não é com pagamento de juros que isso vai acontecer. Nem irá a transferência evitar ataques dos assalariados, cuja fatia de renda no México caiu 13 pontos percentuais como parte dos ajustes de salários reais entre 1982 e 1984. O fato de que o crescimento da exportação é rápido, não torna menos real a transferência da renda nacional implícita. Com recuperação interna, a oferta, e não a procura, torna-se o refreamento relevante.

Uma crescente tentação de usar os lucros do crescimento da exportação para permitir maiores importações ligadas a mais ambiciosos planos de crescimento é inevitável. Há também uma necessidade legítima de maiores importações se uma genuína estratégia de promoção da exportação for estabelecida, como vimos anteriormente. Ainda assim, há também o perigo de que um aumento moderado e desejável na orientação para fora caia vítima de esforços excessivamente ambiciosos em satisfazer os credores externos. Tentar o crescimento via exportação quando o mercado interno é a fonte principal de demanda envolve alterações profundas na estrutura industrial. É um erro tomar os resultados a curto prazo no Brasil e no México como prova definitiva de que tal ajustamento é fácil. Antes, algumas das realizações de exportação devem refletir mais o caráter depressivo dos mercados locais do que a rentabilidade e preferência por vendas ao exterior. Em condições mais normais, pode-se esperar uma diminuição da oferta de exportação.

Mais do que crescimento via exportação, um alvo mais apropriado, especialmente para os maiores devedores, deveria ser crescimento via exportação adequada. Isso quer dizer uma taxa levemente em excesso de crescimento do produto bruto e capaz de fornecer aumentos consistentes nos ganhos em moeda estrangeira que poderiam comprar as importações necessárias para expansão interna. O mercado interno iria ainda absorver o volume de vendas de uma estrutura industrial mais diversificada que especializada. Em tal estratégia há uma dependência menor do mercado externo e suas vicissitudes, mesmo enquanto há vantagens a serem colhidas pela garantia contra retorno às ineficiências inerentes à substituição de importação.

A carga da dívida herdada luta contra tal estratégia impondo padrões muito mais altos para a performance de exportação. Em tais circunstâncias, crescimento via exportação é um eufemismo para refreamento da elevação das rendas e do mercado internos. Será visto como tal. Estatísticas de produto podem registrar ganhos impressivos, mas o fator nacional de pagamentos deverá ser refreado. Especialmente se as condições de mercado não podem fornecer um contrapeso favorável, o resultado final de insistir em grandes superávits comerciais pode ser um retorno a modelos mais fechados de desenvolvimento latino-americano, em vez de uma conversão total ao estilo este-asiático. Notem que o sucesso coreano tem sido acompanhado por déficits e não superávits comerciais. Crescimento via exportação do tipo que está definido para a América Latina é um assunto diferente.

A possibilidade de uma reação negativa e abrangente contra as transferências de recursos implícitas nas projeções otimísticas não é descartada pela fraca oposição à austeridade interna evidenciada até agora. É verdade que as sombrias previsões anteriores não se materializaram. O México não explodiu; o Brasil até conseguiu uma transição para um governo civil. As reivindicações populares, entretanto, manifestam-se com mais urgência e insistência quando as condições estão melhorando do que quando estão se deteriorando. O teste não é a imposição de programa de estabilização. O teste é a administração efetiva da recuperação que deve estar pela frente, na presença de uma participação política muito maior dos maiores países devedores.

Alto crescimento de exportação sustentado, terceiro requisito de uma visão positiva, é, entretanto, mais do que um assunto de política nacional. Ele depende também do ambiente internacional. Se o crescimento da OCED não é a resposta completa, é certamente uma parte dela. Recessão nos países industrializados, ou propagação do protecionismo, condenaria ao fracasso os esforços para melhorar a atual carga da dívida através da expansão do comércio. O que conta não é só a performance média, mas também sua verificação. Dada a carga da dívida de muitos países, eles têm pequena possibilidade de financiamento compensatório mesmo para quedas na demanda provocadas externamente. O crescimento da OCED tem que mostrar uma estabilidade que tem estado ausente por mais de uma década.

Modelos de projeção nem sempre tornam aparentes as fortes suposições implícitas em suas previsões favoráveis. Nesta seção eu me detive em algumas relações-chave e algumas das razões para o questionamento da possibilidade de que todas vão acontecer. As perguntas são tão políticas quanto econômicas. Em última análise, a vontade de pagar determina a capacidade de pagar, tanto quanto o seu contrário. Uma coisa é abaixar em 300% as proporções dívida-exportação no contexto dos modelos, outra coisa é fazer isso na prática. Uma é aritmética, a outra é economia política.

A ESTRUTURA INSTITUCIONAL

O modelo para o tratamento do problema da dívida desenvolvido desde a crise mexicana de agosto de 1982 contém três características essenciais. Em primeiro lugar, ele é caso-a-caso, em vez de estar sujeito a regras gerais. Em segundo lugar, envolveu intervenção oficial do FMI e dos Bancos Centrais. O FMI exerceu três funções: definiu e monitorizou a proporcionalidade dos programas de estabilização dos países devedores; exigiu a participação de empréstimos de bancos comerciais como parte de um pacote financeiro total; colocou seus próprios recursos à disposição. Os Bancos Centrais, e particularmente a Reserva Federal dos Estados Unidos, proporcionaram uma imediata ponte financeira para tratar de emergências, ao mesmo tempo que usavam sua autoridade reguladora para encorajar a participação contínua de bancos emprestadores algumas vezes relutantes. E em terceiro lugar. ele dependia de negociações extensivas entre um pequeno comitê de representantes de banco e os países, para determinar a quantia e as condições de reescalonamento e novo financiamento.

Esta abordagem foi aplicada com sucesso nos casos do México, Brasil e Argentina. Provou ser adequada não só para o tratamento da crise, mas também se estendeu no tratamento de reescalonamento de mais longo alcance, primeiro no México e subsequentemente na Venezuela. As discussões no Brasil foram virtualmente conduzidas para uma conclusão bem-sucedida antes que a falta de aceitação das condições do FMI adiasse o acordo. Em todos os casos, mas não igualmente, há condições para contínua monitorização do FMI.

Na sequência imediata da crise, quando sua magnitude começou a declinar, remédios mais elaborados e sistêmicos foram aplicados, envolvendo em sua maior parte transferências imediatas para o passivo das obrigações pendentes e redução do pagamento do serviço. Foram na maioria rejeitados, embora o reescalonamento mexicano tenha incorporado algumas das recomendações para negociação plurianual, uso da base LIBOR e eliminação das comissões reais e taxas de risco (spreads) mais altas. A esse respeito, o caráter não mercantil das barganhas realizadas devido à mudança para empréstimo involuntário foi reconhecido. Apesar de um importante papel oficial, esse regime de dívida em desenvolvimento exigiu um aumento surpreendentemente modesto no financiamento do FMI e viu pequena mudança nas provisões regulatórias aplicáveis a operações bancárias internacionais.

Kraft, em sua descrição do salvamento mexicano, acertadamente caracteriza o acordo: “Não é um caminho perfeito, mas é flexível e tem funcionado até agora”. Recordando, de sua posição privilegiada, o que aconteceu até agora, de Larosiere cita Talleyrand: “Na história as coisas são arrumadas ... mas muito mal”.19 19 Kraft, Joseph. The Mexican rescue. The Group of Thirty, 1984. p. 66. É um tributo a de Larosiere , Volcker e outros terem conseguido chegar a uma resposta tão efetiva, sob a pressão de recursos limitados e forte preferência da administração Reagan por soluções de mercado.

A distribuição dos custos nesta segunda melhor resposta tem pesado fortemente na direção dos países em desenvolvimento devedores. O fato de o acordo ter funcionado significa que o sistema financeiro internacional está intacto, que os bancos tiveram que fazer concessões relativamente modestas e que os governos dos países industriais foram poupados da necessidade de maiores contribuições ou ação mais coordenada. Significa também que a carga dos pagamentos contínuos de serviço se tornou possível através de grandes sacrifícios do crescimento anterior pelos países em desenvolvimento devedores.

Nem tudo era necessário. O modelo mexicano sobre o qual se formou rapidamente uma política geral não é de fato facilmente generalizável. O México era um exportador, não um importador de petróleo. Ele tinha-se beneficiado das mudanças das condições de comércio nos anos 70 e tinha sido capaz de aumentar suas importações com extrema rapidez. O México foi quem chegou mais perto do problema de excesso de demanda agregada para o qual o programa do FMI tinha sido teoricamente elaborado. Os acordos que se mostraram apropriados no seu caso foram muito menos adequados em outros lugares; mesmo assim, a sequência de acontecimentos fez deles o ponto focal dos procedimentos aceitos para lidar com os problemas de balanço de pagamentos de todos os devedores.

A satisfação como tratamento do problema da dívida dos países em desenvolvimento que se constata em Washington não se estende a Brasília, Buenos Aires e mesmo à cidade do México. Os países não emergiram lá muito bem de suas negociações. Não conseguiram obter dos bancos novos empréstimos para cobrir o juro devido. Foram incapazes de relacionar o que pagam com sua capacidade de pagar. Não conseguiram proteger-se contra variações nas taxas de juros, que agora desempenham uma parte apreciável na determinação da condição. de seus balanços de pagamentos. Tiveram que dar garantias públicas para dívidas contraídas privativamente. Não traduziram considerações políticas em concessões econômicas significativas. Os países em desenvolvimento aceitaram a consequência porque a alternativa de uma pressão política conjunta jamais ganhou larga aceitação entre um grupo de devedores diferentes. Falta de pagamento unilateral prometia ser pior.

Os bancos também não estão uniformemente entusiasmados. Eles se ressentem da perda de controle sobre suas decisões como resultado da nova condicionalidade imposta pelo FMI, especialmente os bancos menores que não influenciam as decisões centrais. Eles veem o quadro das negociações como político demais e fora de suas concepções originais de empréstimos internacionais, como transações econômicas simplesmente entre países. Os lucros agora parecem ter perdido valor devido aos custos da expansão internacional, e mais bancos, inclusive os maiores bancos de crédito dos Estados Unidos, estão voltando-se para fontes internas de futuro crescimento de rendimentos.

Não há identidade de interesses dos bancos comerciais com o FMI, especialmente porque objetivos de política interna e externa colidem. Para os bancos, a linha básica é a capacidade de permanecer pontual com as obrigações de juros. Eles aderem, mas não com entusiasmo, aos programas mais enciclopédicos do FMI que veem a performance externa e administração interna como necessariamente interligadas.

O novo regime da dívida não é um acordo tão positivo quanto a menos pior opção aberta aos participantes. Os resultados produzidos não validaram ou restauraram a confiança em empréstimos independentes, mas apenas confirmaram as limitações do mercado privado de capital. Os emprestadores estão dolorosamente cientes de que estão escorando o balanço de pagamentos dos tomadores, por mais que seus empréstimos tenham sido originalmente orientados para projetos ou dirigidos ao setor privado. Os tomadores reconheceram que o setor público tem que aceitar plena responsabilidade pela performance do setor privado; as perdas têm que ser socializadas. O regime também impôs o princípio de pagamento integral mostrando muito pouca simpatia pela situação dos devedores. Os acordos atuais acharam, portanto, um jeito de lidar com o problema a curto prazo, fazendo ao mesmo tempo um retorno ao “normal”, isto é, às condições pré-crise altamente improváveis.

Então, enquanto a retórica ainda permanece em termos de influxos de capital restaurado, a realidade é outra. Isso tem importantes implicações para a estabilidade dos acordos atuais. Novo financiamento é um dos importantes incentivos para que os países não quebrem seus compromissos. É o corte do acesso aos mercados de capital, e não as limitações ao comércio, que tem sido a punição tradicional imposta aos tomadores faltosos. Num mundo de crescentes investimentos internacionais, este era um meio de intimidação adequado. E é ainda agora a razão principal de os reescalonamentos terem-se processado tão suavemente como foram, sem uma transferência de obrigações para o passivo.

O presente quadro pode provar ser menos capaz de administrar o problema da dívida num período mais prolongado quando esta esperança não é realizada. Historicamente, houve períodos de superávit nas exportações, que regularmente davam sequência a períodos de influxo de capital. Mas eram inerentes a um ritmo cíclico de investimento infra estrutural periférico implícito. Eram também algumas vezes acompanhados de alívio da dívida. Agora, estamos dizendo que se permitiu à dívida tornar-se grande demais e deve ser repesada - isto, afinal, é o que novo financiamento limitado significa-, mas exclusivamente através dos esforços dos países tomadores. Os países industriais vão providenciar a recuperação; os países em desenvolvimento, as exportações reais. Com toda sua simpatia por uma solução via exportação, o Banco Mundial todavia anota: “A previsão a longo prazo de receber influxos de capital que não são suficientemente amplos para cobrir pagamentos de juros, combinada com o tento crescimento dos ganhos de exportação (como é ameaçado ... ), implica que o serviço da dívida é economicamente, e portanto politicamente, caro”.20 20 World Development Report, World Bank, 1984, p. 42.

A questão básica é se o quadro atual fornecerá uma oportunidade para renegociação da incidência da carga da dívida. Não o fará e, sem modificação significativa, não está claro como a abordagem marginalista poderá fazê-lo. E então, uma nova crise pode eclodir pela frente, apesar de todos os sinais em contrário. A fórmula mexicana é exatamente isso: um meio apropriado de tratar o problema da dívida mexicana, mas não necessariamente um meio a ser generalizado.

A SUFICIÊNCIA DA OFERTA DE CAPITAL EXTERNO

Como torna claro a discussão anterior, muito gira em torno das condições da oferta futura de capital. Estas determinam os custos reais que os países em desenvolvimento têm que assumir nos próximos anos e, portanto, seu incentivo para seguir com o presente regime de dívida e políticas internas que são mais orientadas para exportação.

O objetivo da política não deveria ser de encorajar influxos de capital à taxa máxima para a obtenção de recursos para manter em ordem a dívida antiga. Aí pode haver exposição excessiva, como muitos países descobriram para seu pesar. Um esquema de Ponzi meramente adia o dia do ajuste de contas. O objetivo deveria ser uma mistura judiciosa de ajustamento financeiro e interno. Mas, para alguns, a virtude da crise atual e a recusa de reformas mais profundas é que ela força um reajustamento imediato dos países devedores faltosos. Eles devem agora acumular as poupanças necessárias e produzir as exportações exigidas. É uma espécie de autoconfiança bem diferente daquela que foi pregada por alguns porta-vozes dos países do Terceiro Mundo nos anos 70.

Mas pode haver também muito pouco capital e, em consequência, crescimento econômico inadequado, austeridade não necessária e uma futura carga de dívida maior, porque as obrigações atuais de serviço inibiram os ajustamentos a médio prazo exigidos. Fluxos financeiros, mesmo começando de uma alta proporção de dívida inicial, podem ser produtivos. De fato, por causa da dificuldade do problema e da extensão da retração do câmbio internacional, os retornos potenciais são mesmo mais altos. Há também o outro lado: uma estratégia baseada exclusivamente em ajustamento, sem financiamento, corre o risco de impor um custo que os países se recusarão continuamente a pagar.

O que deveriam ser novos fluxos ·de capital, no caso mais simples, depende da taxa de crescimento da produção, das exigências de importação associadas, do crescimento sustentável da exportação e da taxa de juros. A equação abaixo exemplifica a relação:

C = i D + p K + r Δ M + M - 1 1 + r y e m - X - 1 1 + r x

onde C é o fluxo de capital; i, a taxa de juros; D, a dívida líquida em aberto; p, o retorno sobre participação; K, o estoque de capital estrangeiro em aberto; r, a proporção marginal reserva-importação; M-1, importação de bens e serviços não fatorados no último período; ry, a taxa de crescimento do produto; em, a elasticidade de renda da demanda de importação; X-1, exportação de bens e serviços não fatorados no último período; e rx, a taxa de crescimento da exportação.

Mesmo essa simples equação é útil para projetar ordens de magnitude das necessidades dos países em desenvolvimento sob uma variedade de suposições-chave. O Quadro 1 contém tais estimativas para 1990. Há uma considerável variação nos resultados, correspondendo a otimismo diferencial nas suposições subjacentes que influenciam a evolução do balanço de pagamentos. Como pode ser prontamente visto, o alcance se estende dos superávits (registrados como valores negativos) correspondentes à redução da dívida, a grandes influxos de capital. Os valores tabulados, em comparação com as projeções recentes do FMI, são, no mínimo, um tanto do lado conservador.21 21 Para a continuação do atual panorama de taxa de juros do FMI, seu modelo supõe um déficit em conta corrente relativo a exportações de bens e serviços em 1987, de 10,8% e 12,4% em 1990. Os valores comparáveis tirados do modelo implícito na Tabela 1, usando os aumentos de importação e exportação do FMI, são 9,9% e 11,9%. Para os resultados do FMI, ver Conjuntura Econômica, janeiro de 1985, p. 98.

Quadro 1
Exigências de capital dos países em desenvolvimento não produtores de petróleo, para 1990 (Bilhões de dólares de 1984)

O papel dominante do crescimento de exportação considerando todo o período é evidente: com uma taxa real de 8%, seria possível manter influxos de capital em termos reais a níveis aproximadamente correntes e conseguir tudo, menos a mais alta taxa de crescimento e elasticidade de importação. Ao contrário, crescimento de exportação de apenas 3% corresponde a grandes exigências de capital, mesmo a taxas modestas de crescimento. Cada ponto de crescimento de exportação corresponde a aproximadamente US$ 40 bilhões em necessidades de capital. O que é igualmente aparente é a importância quantitativa da elasticidade de importação. Cada elevação de 0, 1 na elasticidade adiciona entre US$ 15 bilhões e US$ 30 bilhões aos influxos de capital exigidos, dependendo da taxa de crescimento subjacente. Taxas de juros, num período prolongado e para todos os países não produtores de petróleo, contam menos no Quadro 1. Isto porque a taxa LIBOR, para países em desenvolvimento no agregado, influencia somente um pouco mais que a metade a dívida em aberto; para os maiores tomadores, o impacto seria maior. Convém notar, acima de tudo, que o crescimento nominal da exportação, por causa da taxa simulada de inflação de 5%, é sempre maior do que a hipótese de alta taxa de juros.

Os países em desenvolvimento não produtores de petróleo obtiveram um crescimento real de exportação de 6,6% ao ano no período de 1967-76, com um declínio anual das condições de comércio de 0,7%; entre 1977 e 1984, os valores correspondentes são 6,9% e um declínio de 0,9%. As elasticidades de importação para os dois períodos são 1,07 e l,01.22 22 World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984. A mais recente base do FMI para suas projeções a médio prazo para 1990 supõe um crescimento real anual das· exportações de 5,3% e uma elasticidade de importação de 1,37.23 23 Conjuntura Econômica, janeiro de 1985, pp. 90-98.

Nos termos do Quadro 1, as suposições do FMI, assumindo altas taxas de juros contínuas, traduzem-se em exigências de capital para 1990, ao dólar de 1984, de aproximadamente US$ 40 bilhões para um crescimento de 4%, US$ 110 bilhões para 5% e US$ 185 bilhões para 6%. Cada ponto adicional de crescimento quase dobra as necessidades de capital nessa escala.

No lado da oferta, a perspectiva é de um crescimento do comprometimento bancário de aproximadamente 5% ao ano nos próximos anos ou, em outras palavras, de permanecer aproximadamente constante em termos reais. Apesar das expectativas de alguns de que o empréstimo voluntário será retomado num espaço de tempo relativamente curto para os devedores que fizeram progresso, os próprios banqueiros têm sido mais reticentes. “As atitudes dos bancos frente ao empréstimo independente estão mudando, em alguns aspectos, talvez de forma irreversível. Políticas públicas traçadas para assegurar fluxos adequados de recursos externos para países em desenvolvimento devem levar em conta este fato”.24 24 BRAINARD, Lawrence, J. “More lending to the Third World? A banker’s view”, in FEINBERG R. & KALLAB, V. ·Uncertain future; commercial banks and the Third world. Overseas Development Council, 1984, p. 43. Mesmo quando as proporções de empréstimos-para-capital dos PMD caem para níveis históricos mais baixos, é duvidoso que os bancos vão para lá. Enquanto os bancos de crédito vão permanecer engajados, por causa da rentabilidade de suas operações bancárias internas nos países devedores, os bancos regionais dos Estados Unidos não o farão. É mais provável que eles reduzam suas quotas no caso de um aumento de empréstimos por parte dos bancos maiores e, consequentemente, rebaixem a oferta de fundos.

O empréstimo bancário limitado deixa um grande vazio e exclui um retorno a qualquer situação parecida com as radiosas condições que prevaleciam nos anos 70, quando eles contribuíram com mais da metade de todas as necessidades de capital dos países em desenvolvimento. Quais são as fontes alternativas potenciais? Três têm sido mencionadas proeminentemente. Uma é a nova ênfase sobre financiamento de participação, que restaura sua posição relativa ao que ela tinha sido antes da expansão do empréstimo bancário comercial. A segunda é o repatriamento da fuga de capital. A terceira é o aumento de empréstimo oficial. Eu as discutirei brevemente a seguir.

Investimento direto, além de sua contribuição financeira, é uma fonte importante de: fluxo de tecnologia e uma base, em alguns casos, para acesso ampliado aos mercados mundiais. Mas não é um candidato confiável para solucionar os problemas financeiros dos países em desenvolvimento. Há três razões fundamentais. Uma é que investimento não é uma doação; ele também supõe um fluxo de retorno de renda para o exterior, ou crescentes obrigações contingentes através de reinvestimento. Além do mais, investimento externo é sensível à oportunidade de repatriamento dos ganhos, mesmo se este não é exercido. Enquanto é certo que lucros não são uma obrigação contratual, na prática eles se aproximam disso, devido à sua influência sobre novos compromissos. Por isso, não existirão, para o balanço de pagamentos, benefícios de uma confiança aumentada na participação, mais do que no empréstimo de capital. Além do mais, qualquer substituição iria agravar as diferenças já notadas entre países em desenvolvimento. Aqueles com maiores problemas devido a um setor industrial não diversificado iriam receber menos.

A segunda limitação para uma solução através de investimento externo é o tamanho absoluto da contribuição. Fluxos de investimento líquido apenas se mantiveram numa média de aproximadamente US$ 10 bilhões nos anos recentes, com pequeno sinal de mudança. Suponha que eles tivessem que crescer a uma taxa real de 6% ao ano até 1990. Eles ainda iriam chegar a US$ 14 bilhões. Enquanto os compromissos de participação podem ser significativos para as perspectivas de países individuais, eles não são capazes de conseguir muito alívio para problemas de balanço de pagamentos dos países em desenvolvimento como um todo.

Em terceiro lugar, investimento estrangeiro é sensível às perspectivas de crescimento dos países cm desenvolvimento. Políticas favoráveis ao influxo de capital não irão adiantar na falta de uma vigorosa recuperação econômica. Enquanto os países tiverem que trabalhar com o obstáculo do problema da dívida, eles não serão locais atrativos para investimento estrangeiro. É a melhoria da carga da dívida que vai atrair investimento estrangeiro, e não o contrário.

A recuperação do ativo de capital investido no estrangeiro é uma fonte de considerável atração para países como a Argentina, Venezuela e o México, que sofreram com a grande fuga de capital que se estima ter atingido um excesso de US$ 50 bilhões para a América Latina no final da década de 70 e começo dos anos 80. De fato, nesses países o setor público estava pedindo emprestado em proveito dos cidadãos privados que mandavam o capital de novo para fora, para ficar em segurança. As obrigações de câmbio exterior colocadas diante desses países seriam muito aliviadas através do acesso a esses ativos. Agora, existe uma carga sobre o fisco público sem uma fonte de produção ou renda em contrapartida.

Mas a perspectiva não é encorajadora. Os donos desses ativos eram precisamente aqueles que tinham menos confiança nas políticas e oportunidades de investimento em seus países. É altamente duvidoso que resultados diferentes a curto prazo e mesmo a médio prazo vão persuadi-los a mudar suas opiniões. Não estamos falando de decisões marginais para tais investidores. Em segundo lugar, há pouca razão para que eles queiram repatriar seu capital quando seus países estão ameaçados de escassez de câmbio estrangeiro por causa da recusa dos bancos em efetuar empréstimos. Só porque eles eram opostos em uma direção, não significa que o sejam em outra. Portanto, esses ativos não se podem tornar parte central de uma estratégia financeira mesmo desses países e, certamente, nem dos países em desenvolvimento como um todo.

Isso deixa o empréstimo oficial como a última alternativa. Por muitas razões, de fato, ele exerce um papel decisivo. Seu crescimento pode fazer diferença de uma maneira que a participação no lucro privado não pode. Uma participação pública ampliada é complementar aos compromissos dos emprestadores privados e investidores, mais do que um substituto. Compromissos a médio e longo prazos, acompanhados de conselhos sobre a política, podem prover a base financeira para a reestruturação a médio prazo, necessária para assegurar uma taxa satisfatória de crescimento das exportações.

Só tem um problema. É a virtual impossibilidade de obter recursos. Pode-se enumerar uma série de estudos, comissões, artigos etc., apontando para a necessidade de uma maior participação pública no financiamento de países em desenvolvimento. Ainda assim, quando o desequilíbrio global de pagamentos em precedentes surgiu na esteira do aumento do preço do petróleo, foi o mercado privado, mais do que o financiamento oficial, que reagiu. Salvamentos de emergência são uma coisa, compromissos a médio prazo, outra. A própria projeção otimista do Banco Mundial mostra empréstimos oficiais crescendo a uma taxa anual real do menos de 6% entre 1983 e 1995; sua estimativa mais baixa é de 3,6%.25 25 World Development Report, 1984, p. 38. Ambas podem ser exageros, por largas margens. O aumento real de 1977 a 1984 foi de 2,8%.

Se isso for correto, apenas trará uma visão ainda mais pessimista no aparente sucesso até então conseguido no tratamento da crise da dívida. O capital para sustentação de uma recuperação adequada simplesmente não está disponível. O FMI estima que o déficit em conta corrente de um país em desenvolvimento não produtor de petróleo de US$ 60 bilhões (em dólares de 1984, assumindo uma taxa de inflação de 5%) poderia ser mantido. Talvez seja uma generosa estimativa, se a discussão sobre a oferta de fontes potenciais de capital tiver validade. Pois mesmo à alta taxa de aumento de empréstimo público, e com ampliado investimento de lucros, a disponibilidade de capital para 1990 parece somar apenas US$ 55 bilhões (em dólares de 1984).

Isso significa uma performance de crescimento insatisfatória para países em desenvolvimento por um outro longo período, permitindo apenas taxas de um pouco mais que 4% anualmente, e talvez um pouco mais altas se as taxas de juros caírem. Essa taxa de aumento será inadequada para absorver todos os que vão entrar no mercado de trabalho, sem mesmo provocar mudanças nas altas taxas de desemprego recentes. Os países em desenvolvimento irão reagir. O problema da dívida não será resolvido pelo rebaixamento das expectativas. Depois de uma depressão de magnitude comparável à dos anos 30, é um pequeno consolo saber que o melhor a ser esperado é uma elevação da renda per capita de aproximadamente 2% ao ano, comparado com os mais de 3% de antes da crise. Projeta-se que os países industrializados se sairão ainda melhor, alargando, portanto, a disparidade dos níveis de vida.

A primeira e mais fácil resposta nacional será restringir as importações. Mas este pode ser um caminho dispendioso. Depois de tantos anos de contenção, mesmo uma eficiente substituição de importação sem deixar de lado uma contínua capacidade de exportação exige muito maior acesso a insumos importados. E esse comércio reduzido terá consequência sobre os países industrializados e o seu crescimento.

O outro grau de liberdade é serviço da dívida reduzido através de modificação significativa dos acordos atuais. É uma perspectiva possível. Somente o deus ex machina de uma tendência de aumento muito maior nas exportações, e condições favoráveis de comércio que reduzam o custo nacional, sustenta a conclusão otimista de que o problema da dívida foi resolvido.

COMENTÁRIO FINAL

Uma visão mais a longo prazo da dívida dos países em desenvolvimento é mais realista do que uma perspectiva baseada no progresso registrado em 1984. Nós superamos o desafio inicial, mas sem uma atenuação significativa da carga da dívida. A crise da dívida tornou-se um problema permanente que refreia a possibilidade de recuperação dos países em desenvolvimento e mundial.

A questão não é simplesmente de políticas adequadas e vontade dos países em desenvolvimento. Naturalmente, parte da tarefa é nacional e difícil. Ninguém deve deixar-se iludir pelos ganhos até agora obtidos nas contas externas dos principais devedores. Argentina, Brasil e México estão longe de recuperados. Mas as suas chances de recuperação, e as de outros países em desenvolvimento, estão barradas por um conjunto de políticas internacionais que não dão chance para um permanente influxo de capital e colocam toda a carga sobre o ajustamento nacional.

Ao ajustar os excessos de empréstimos super entusiásticos nos anos 70, os bancos privados estão justificando certo descomprometimento no final dos anos 80, o qual as autoridades públicas estão compensando apenas parcialmente. Políticas nacionais corretas não são um pré-requisito para financiamento adicional. Elas só se vão materializar na presença de financiamento adequado. Disponibilidade de capital limitada provocará as respostas erradas; então, uma profecia auto satisfatória da falta de credibilidade dos países em desenvolvimento se revelará. Antes, ela é uma desordem que coloca um custo muito maior e eventualmente intolerável de administração do problema da dívida sobre os países em desenvolvimento devedores.

Soluções potenciais estão disponíveis. Apesar de sua aparente variedade, elas compartilham um papel comum: tentam remediar a transferência inadequada de recursos dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, o que para muitos devedores até se tornou agora um sinal negativo. Se o remédio são maiores fluxos para financiar novas exportações. ou capitalização de juros para conservar a poupança interna e manter as importações, os efeitos no balanço de pagamento são muito semelhantes. O que os países em desenvolvimento precisam é a certeza de que eles podem bancar sobre os recursos externos, para suplementar seus próprios recursos ao traçarem estratégias apropriadas de desenvolvimento a médio prazo.

Uma oportunidade de ouro foi perdida no pico da crise da dívida, no final de 1982 e começo de 1983, de vincular aumentos na capacidade do Banco Mundial e outros bancos de desenvolvimento à quota aumentada votada para o FMI. Por separar completamente a crise do problema permanente, nós lançamos as sementes para uma eventual recaída. Os anos 80 já provaram ser uma década de menos desenvolvimento; seria trágico, de fato, se negligência bem-intencionada condenasse a década de 90 a uma repetição.

  • 1
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 1.
  • 2
    World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984. Tabelas 1 e 14
  • 3
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 3.
  • 4
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 1.
  • 5
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 3.
  • 6
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 10.
  • 7
    As duas regressões, ambas com mudança de porcentagem no volume de exportação dos maiores tomadores de 1977 a 1984 como a variável dependente, são: X=5.41.0+.24MUS1.74-.38MEUR1.06R2=.40X=3.71.9+.87MUS2.41-.67MEUR.97R2=.56 As variáveis independentes são respectivamente as taxas de crescimento do volume de importação e de demanda agregada dos Estados Unidos e da Europa. Todos os dados foram tirados do World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984.
  • 8
    The Economist, 5 de janeiro de 1985, p. 81.
  • 9
    Wall Street Journal. 9 de janeiro de 1985, p. 30.
  • 10
    DORNBUSCH, R. The effects of OECD macroecnomic policies on non-oil LDC; a review. p. 12.
  • 11
    Para uma indicação da sensibilidade à especificação estatística, ver meu trabalho Revisiting the great debt crisis of 1982. Apêndice, Tabela 2 (cópia mimeográfica, 1984). Se mudanças no crescimento da OCED, mais do que níveis, estão relacionadas com os preços deflacionados de exportações dos países em desenvolvimento, o sinal de valorização do dólar tem uma tendência a mudar, algumas vezes se tornando mesmo estatisticamente significativo.
  • 12
    A fórmula para a relação de mudança de percentagem no preço do dólar. p. à mudança de percentagem na taxa de câmbio, ê, em unidades de moeda estrangeira por dólar, é derivada da equalização da oferta e demanda expressa em dólar e não dólar p^=Wsm$En$-Wdn$Nn$Wd$N$+Wdn$Nn$-Ws$E$-Wsn$Er$e^ onde n$ é a elasticidade de demanda em dólares: ns a elasticidade de demanda em moeda estrangeira. E$ a elasticidade da oferta em dólares, E$ elasticidade da oferta em moeda estrangeira e Ws$ são os pesos correspondentes na demanda e oferta totais. Esta formulação supõe perfeita substituição de bens em dólar e em outra moedas. Notem que enquanto a taxa de câmbio se eleva, a taxa de câmbio dos preços do dólar é sempre negativa, uma vez que as elasticidades de demanda são negativas e as elasticidades de oferta são positivas. Mas uma alta elasticidade de oferta de produtos manufaturados em outras moedas, e seu grande peso significaria que a valorização do dólar acarretaria uma nova grande oferta, forçando a queda do preço do dólar. Em contraste, para as mercadorias, uma demanda não elástica, acoplada à falta de oferta de outras moedas - refletindo a concentração de oferta nos países em desenvolvimento vinculados ao dólar - levaria a reduzido declínio de preço. Ainda assim, a valorização implicaria uma melhoria das condições de comércio.
  • 13
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 9: “Assim, enquanto muitos observadores tinham focalizado o impacto favorável da desvalorização do dólar nas exportações dos PMD, o alívio potencial dos problemas da dívida daí originado parece modesto se as implicações para as importações forem levadas em conta”. Desde que as simulações explicitamente também consideram a proporção dívida-para-exportação, há também um ganho somente limitado de capital absoluto, a partir do aumento dos preços em dólar das exportações com relação à divida em dólares. Embora esteja claro pela fórmula na nota de rodapé 12 que a relação do preço do dólar para valorização deveria ser negativa, a magnitude poderia bem ser pequena e certamente não a unidade que Cline, por exemplo. tipicamente invocou. (CLINE, William R. International debt and the stability of the world economy. Institute for International Economics, 1983, p. 48).
  • 14
    A correlação para a amostra é -0,22, insignificantemente diferente de zero para graus limitados de liberdade.
  • 15
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 2.
  • 16
    World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984, p. 13.
  • 17
    World Financial Markets, outubro/novembro de 1984, p. 10.
  • 18
    Ibid.
  • 19
    Kraft, Joseph. The Mexican rescue. The Group of Thirty, 1984. p. 66.
  • 20
    World Development Report, World Bank, 1984, p. 42.
  • 21
    Para a continuação do atual panorama de taxa de juros do FMI, seu modelo supõe um déficit em conta corrente relativo a exportações de bens e serviços em 1987, de 10,8% e 12,4% em 1990. Os valores comparáveis tirados do modelo implícito na Tabela 1, usando os aumentos de importação e exportação do FMI, são 9,9% e 11,9%. Para os resultados do FMI, ver Conjuntura Econômica, janeiro de 1985, p. 98.
  • 22
    World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984.
  • 23
    Conjuntura Econômica, janeiro de 1985, pp. 90-98.
  • 24
    BRAINARD, Lawrence, J. “More lending to the Third World? A banker’s view”, in FEINBERG R. & KALLAB, V. ·Uncertain future; commercial banks and the Third world. Overseas Development Council, 1984, p. 43.
  • 25
    World Development Report, 1984, p. 38.
  • JEL Classification: F32; F34; H63.

APÊNDICE

Os cálculos das exigências de capital apresentados no Quadro 1 derivam-se de um conjunto de equações recursivas que determinam os principais componentes do balanço de conta corrente em preços atuais.

As exportações de bens e serviços não fatorados crescem à taxa real r x - podendo variar, aumentados proporcionalmente pela taxa de inflação, P:

X t = X t - 1 1 + r x 1 + P (1)

Importações de bens e serviços não fatorados crescem a uma taxa real, r y em, o resultado do crescimento real da produção e a elasticidade de importação, ambos podendo variar, aumentados proporcionalmente pela taxa de inflação, P:

M t = M t - 1 1 + r y e m 1 + P (2)

Remessas de lucros sobre investimentos de participação crescem à taxa real de crescimento da produção, aumento proporcionalmente pela taxa de inflação, P:

P r t = P r t - 1 1 + r y 1 + P (3)

O juro sobre a dívida flutuante é determinado pelo tamanho da dívida flutuante no período anterior e a taxa LIBOR de juros, podendo variar, mais uma taxa de risco (spread) de 1,5 ponto de porcentagem:

F I I n t = F I D t - 1 1 + . 015 (4)

O juro sobre a dívida fixa é determinado pelo tamanho da dívida fixa inicial e a taxa fixa média histórica, mais o diferencial para a dívida fixa vezes uma taxa constante de juros 1,3 ponto de porcentagem mais baixa que a taxa LIBOR:

F x I n t = F x D 0 . 067 + F x D i - . 015 (5)

O juro é ganho sobre as reservas a uma taxa de 1,5 ponto de porcentagem menos que a LIBOR:

E r t = R t - 1 i - . 015 (6)

O juro líquido total é a soma dos juros da dívida flutuante e da dívida fixa menos ganhos em reservas:

N I n t = F I I n t + F x I n t - E r t (7)

O déficit em conta corrente é a soma dos pagamentos de juros líquidos, remessas de lucros e importações líquidas:

C A t = N I n t + P r t + M t - X t (8)

Ao balanço de conta corrente é somada uma estimativa para adições às reservas,

R t = . 25 M t - M t - 1 (9)

para chegar a exigências de capital

C t = C A t + R t (10)

ecificar o modo como as exigências de capital são financiadas para que se possa estimar as obrigações de juros nos períodos futuros.

Investimento estrangeiro deve crescer a uma taxa real de um ponto de porcentagem abaixo da taxa de crescimento:

F I t = F I t - 1 1 + r y - . 01 1 + P (11)

Transferências oficiais devem permanecer constantes em termos reais:

T t = T t - 1 1 + P (12)

A dívida é repartida entre instrumentos fixos e flutuantes, rateando 55% ao primeiro e 45% ao último:

Δ F x D t = . 55 C t - F I t - T t (13)

Δ F I D t = . 45 C t - F I t - T t (14)

Depois que todos os cálculos são feitos em termos nominais, correspondendo ao uso de taxas de juros nominais, as exigências de capital são deflacionadas para dólares de 1984, usando a taxa simulada de inflação de 5%.

As condições iniciais de 1984 são estimadas com base no World Economic Outlook, International Monetary Fund, setembro de 1984:

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1985
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br