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Efficiency wages, insiders-outsiders e determinação de salários: teorias e evidência

Efficiency wages, insiders-outsiders and wages determination: theories and evidence

RESUMO

Esse artigo discute explicações alternativas para a rigidez dos salários reais na presença de desemprego involuntário. Argumenta-se que a rigidez do salário real pode ser vista como resultado de dois fatores: (i) poder de barganha dos sindicatos, na forma de poder interno; e (ii) a ação deliberada de empresas que procuram evitar os custos associados à rotatividade da mão de obra. O artigo também apresenta evidências empíricas recentes sobre a importância de fatores internos no processo de determinação de salários para vários países.

PALAVRAS-CHAVE:
Demanda por trabalho; oferta de trabalho; salários

ABSTRACT

The article discusses alternative explanations for the rigidity of real wages in the presence of involuntary unemployment. It is argued that real wage rigidity can be viewed as the result of two factors: (i) trade unions’ bargaining power, in the form of insider power; and (ii) the deliberate action of firms which try to avoid the costs associated with labour turnover. The article also presents recent empirical evidence on the importance of insider factors in the process of wage determination for a number of countries.

KEYWORDS:
Labour demand; labor supply; wages

1. INTRODUÇÃO

As teorias tradicionais sobre determinação de salários têm como pressuposto básico que o mercado de trabalho funciona como o mercado de um bem qualquer, onde as forças da demanda e da oferta desempenham o papel relevante. O que se apresenta neste artigo, no entanto, tem uma ótica totalmente diferente. Argumenta-se que a institucionalização do mercado de trabalho (traduzida em termos da existência de grupos não-competitivos) torna os salários menos sensíveis a variações na demanda. Tal institucionalização decorreria de demandas das firmas por uma força de trabalho estável e também do papel ativo dos sindicatos no processo de formação dos salários. Assim, nega-se por completo as hipóteses fundamentais utilizadas nas teorias tradicionais, quais sejam: (a) homogeneidade da força de trabalho; (b) perfeita mobilidade; e (e) perfeita substituição entre as unidades da força de trabalho. Dessa forma, ao se negar as hipóteses fundamentais que asseguram a “comparabilidade” do trabalho a um bem qualquer, nega-se também a possibilidade de se considerar o salário como variável de ajuste no mercado de trabalho.

Na medida em que se rejeita o papel das forças de mercado como mecanismo de determinação dos salários nominais, abre-se espaço para postular-se a relevância de fatores institucionais e históricos na dinâmica dos salários, num contexto de segmentação. Na ótica alternativa, a ser apresentada neste artigo, os salários e o nível de emprego deixam de ser determinados endogenamente, como na teoria neoclássica e versões da Curva de Phillips. Dá-se maior ênfase agora a fatores tais como a união dos trabalhadores em sindicatos e a forma de organização da produção. No entanto, alguns elementos específicos das chamadas teorias duais dos mercados de trabalho1 1 Na verdade, não é muito adequado falar-se em uma teoria dual de mercados de trabalho, uma vez que o que ocorre é a existência de diversas abordagens de mercados segmentados. A justificativa para assim proceder é que existem algumas características que geralmente são aceitas pelos diversos autores. Este ponto deve-se a Lima (1980). passam a ser vistas adequadamente como um fator quase-fixo para a firma, ao invés de variável; isto ocorre, particularmente, quando se admitem custos de contratação e dispensa da mão-de-obra e/ou o investimento em habilidades específicas2 2 Este ponto e associado ao on-the-job training e suas implicacoes para a firma; veja a respeito G. Becker (1964) e Doeringer e Piore (1971). . Porém, apesar de observar-se alguma proximidade à ortodoxia, as teorias duais, ao reconhecerem a existência de mercados internos de trabalho e o desenvolvimento de grupos não-competitivos, acabam por reduzir o poder explicativo das teorias tradicionais sobre o processo de determinação dos salários.

Neste artigo, faz-se uma síntese das teorias originais de segmentação com as suas vertentes mais modernas, e apresenta-se evidência empírica recente que corrobora a existência de segmentos não-competitivos no mercado de trabalho. O objetivo é explicitar a existência de um elo comum entre as diversas abordagens. Fundamentalmente, pode-se identificar o papel dos custos associados à rotatividade da mão-de-obra, e seus reflexos na produtividade do trabalho, no processo de determinação de salários. Em primeiro lugar, tem-se a preocupação da firma em estabelecer uma força de trabalho estável, através da oferta de um mercado de trabalho interno (Doeringer e Piore, 1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington.). Em segundo lugar, tem-se a intenção deliberada dos trabalhadores em manipular sua produtividade para auferir salários acima do nível de mercado (Lindbeck e Snower, 1988LINDBECK, A. & D. SNOWER (1988c) The Insider-Outsider Theory of Employment and Unemployment. MIT Press.). E, finalmente, tem-se a opção, por parte da firma, de pagar um salário de eficiência para garantir uma força de trabalho estável e ganhos de produtividade (Akerlof e Yellen, 1988AKERLOF, G. & YELLEN, J. (1988) “Fairness and Unemployment”. The American Economic Review, 78(2): 44-49.).

O artigo está estruturado da seguinte maneira: após esta introdução, a Seção 2 apresenta a teoria dos mercados internos de trabalho, seguindo a linha de Doeringer e Piore (1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington.). Depois disso, a Seção 3 discute as vertentes mais modernas da teoria dual dos mercados de trabalho. Neste contexto, primeiro discute-se a existência de conflito entre os trabalhadores que já se encontram empregados no processo produtivo e que possuem experiência profissional (insiders), e os trabalhadores desempregados, que não acumulam um estoque relevante de experiência (outsiders). Em seguida, apresenta-se a vertente dos Efficiency Wages, que procura justificar a existência de desemprego involuntário como resultado de uma atitude defensiva das firmas contra os custos associados à rotatividade da mão-de-obra. A Seção 4 faz uma revisão da evidência empírica recente sobre a importância relativa de fatores internos à firma/indústria (e, portanto, não-competitivos) na formação dos salários. A Seção 5 traz o sumário e as conclusões.

2. A TEORIA DOS MERCADOS INTERNOS

O desenvolvimento da análise de diferenciais de salários enfatizando a importância da estrutura econômica iniciou-se com as chamadas teorias duais do mercado de trabalho. Estas envolvem a análise do desenvolvimento de mercados internos de trabalho e seus efeitos, não só para os trabalhadores que estão incluídos neles mas também para os que estão excluídos. De acordo com a teoria, a ocorrência de mercados internos nos segmentos mais organizados da economia se dá pelo fato de que os requerimentos de habilidades específicas da mão-de-obra tornaram-se crescentes nas firmas mais modernas, enquanto a produtividade de um trabalhador torna-se função de seu treinamento no trabalho (on-the-job training) e da sua experiência profissional (Doeringer e Piore, 1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington., p. 18). À medida que as firmas desejam encorajar a formação de uma força de trabalho estável, seus trabalhadores serão remunerados num nível superior ao custo de oportunidade de se procurar outro emprego no mercado externo, reduzindo assim o incentivo à mobilidade da mão-de-obra. Decorre daí que, com a mobilidade restrita ou eliminada, existirá uma influência irrisória do mercado na estrutura salarial interna de uma firma, que será determinada por regras comportamentais e costumes. Dessa forma, o mercado de trabalho fica dividido em setores (ou segmentos independentes) não-competitivos.

O trabalho de Doeringer e Piore parte dessas colocações e analisa o funcionamento dos mercados internos e suas implicações para o mercado de trabalho como um todo. No modelo desses autores, o mercado é dividido em primário e secundário. No mercado primário estariam concentrados os empregos do setor moderno da economia, com ocupações que fornecem altos salários, estabilidade, boas condições de trabalho e uso de tecnologia avançada. Em contraposição, o mercado secundário englobaria os empregos com salários mais baixos, piores condições de trabalho, alta rotatividade da mão-de-obra, estagnação tecnológica e níveis elevados de desemprego (Doeringer e Piore, 1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington., p. 25). Como seria de se esperar, os empregos neste segmento são mais comuns em áreas periféricas, com pequenas firmas em negócios competitivos de pouco ou nenhum poder de mercado.

No que respeita à mobilidade entre os dois mercados, existe uma certa dificuldade de se passar do mercado secundário para o primário, determinando que as populações marginais fiquem restringidas ao mercado secundário. Algumas justificativas para isso são: hábitos e costumes adquiridos no mercado secundário, discriminação, e a recorrência a atividades ilegais como forma de complementação dos rendimentos. Assim, uma vez que o trabalhador se encontra inserido no contexto do segmento marginal, ele adquire uma maneira de comportar-se que não se coaduna com os hábitos bem recebidos no mercado primário e incorpora certas características (e.g., falta de pontualidade e assiduidade, que são vícios tolerados no mercado secundário e mal-vistos no primário) que funcionam como verdadeiras barreiras à sua mobilidade inter-segmentos (Doeringer e Piore, 1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington., p. 23).

A mobilidade da força de trabalho, nesses termos, ocorre principalmente dentro dos segmentos primário e secundário. Assim, surge a ideia de mercados internos de trabalho, que podem ser caracterizados pelo grau de abertura em relação ao mercado externo; pelo tamanho e natureza ocupacional da firma; e pelas regras que condicionam a distribuição dos trabalhadores entre os diversos cargos na empresa.

O mercado interno primário opera de modo convencional, onde a avaliação dos postos de trabalho obedece à uma regra de atribuição de pontos a características do posto de trabalho e do trabalhador que o ocupa ou que deverá ocupá-lo. Assim sendo, os menos qualificados ficariam relegados aos empregos do mercado secundário ou permaneceriam desempregados. Doeringer e Piore abrem espaço também para os chamados mercados internos secundários, caracterizados por estruturas internas formais, apesar de apresentarem muitos “portões de entrada”, pouca mobilidade ocupacional e trabalho geralmente desagradável e mal pago (Doeringer e Piore, 1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington., p. 30).

Os níveis salariais das diferentes ocupações são também bastante influenciados pelos condicionantes dos mercados internos de trabalho. A ideia é de que existe uma fronteira salarial (wage contour) onde cada grupamento de ocupações mantém uma estrutura de salários diferenciada hierarquicamente que tendem a mover-se juntos. Ao mesmo tempo as fronteiras salariais mantêm-se próximas, de forma que o conjunto de salários da empresa tende a se mover com certo grau de sincronia, compondo, então, a estrutura de cargos e salários da firma.

Dentre os costumes estabelecidos nos mercados internos, um dos mais importantes é aquele relacionado à estrutura de cargos e salários. Ou seja, existe um senso de justiça implícito segundo o qual, se um grupo de trabalhadores da firma perceber um aumento de salários, os demais também terão direito ao mesmo aumento. Além disso, existe a preocupação com a estrutura de salários relativos; ou seja, considerando que haja uma certa afinidade entre ocupações em diferentes firmas, onde empregam-se trabalhadores com a mesma habilidade geral - os chamados “mercados de ocupações”-, à ocorrência de um aumento salarial por qualquer razão em determinada firma, as outras tenderão a ajustar sua estrutura interna à nova estrutura externa, com o objetivo de manter sua força de trabalho estável (Doeringer e Piore, 1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington., p. 72).

Outro ponto que se refere a essa preocupação com os salários no mercado externo diz respeito à existência de um salário-chave que identifica cada fronteira salarial3 3 Este ponto e atribuido a J. Dunlop (1957), cap. 5, pp. 117-39. ; se este salário-chave variar, os salários da fronteira também variarão. Pode-se reconhecer assim uma afinidade entre os aspectos discutidos pela teoria dos mercados internos e aqueles sustentados por Keynes (1936KEYNES, J.M. (1936) The General Theory of Employment, Interest and Money. MacMillan.) na Teoria Geral. Para esse autor, o comportamento dos trabalhadores está relacionado a movimentos dos salários nominais em diferentes indústrias; assim, se determinada indústria concede um aumento salarial a seus funcionários, os empregados de outras indústrias procuram ajustar a estrutura salarial em suas empresas reivindicando também aumentos em seus próprios salários.

Há ainda a versão dos chamados radicais americanos4 4 A versao dos economistas radicais americanos e sintetizada em M. Reich, D. Gordon e R. Edwards (1973). , que argumenta que a segmentação no mercado de trabalho foi uma estratégia que teve como objetivo principal o controle da força de trabalho por meio da sua divisão e enfraquecimento. Procura-se explicar a existência de grupos não-competitivos como sendo um resultado da ação comum (mas não conjunta ou concertada) dos capitalistas de dividir para conquistar a força de trabalho. O objetivo, então, é apontar a segmentação do mercado de trabalho como uma forma de evitar o desenvolvimento da consciência coletiva de classe dos trabalhadores, reduzindo, assim, o poder de barganha e o grau de controle dos empregados sobre o processo de trabalho. Estratificar a força de trabalho e oferecer benefícios a fim de cooptá-la parcialmente, e fazê-la sentir-se como parte da firma, é uma estratégia para manter os trabalhadores numa condição em que não se sintam unidos o suficiente para ameaçar a estabilidade do sistema capitalista através de uma luta de classes. Nesse sentido, a segmentação, segundo os radicais americanos, torna-se funcional ao capitalismo.

Em uma abordagem complementar às análises acima, Rubery (1978RUBERY, J. (1978) “Structured Labour Markets, Worker Organisation and Low Pay”. Cambridge Journal of Economics, 2(1): 17-36, March.) reconhece o papel da organização dos trabalhadores no processo de segmentação dos mercados de trabalho. A economista inglesa argumenta que há o interesse por parte dos empregados em sustentar algum tipo de segmentação, na medida em que o desenvolvimento do capitalismo monopolista traz em seu bojo a destruição de muitas vagas e o consequente desemprego tecnológico; assim, ao apoiarem a segmentação, os sindicatos estariam reduzindo a competição através da redução dos “portões de entrada” ou da restrição do acesso ao segmento ao qual estão inseridos (note que a segmentação agora é gerada pelo lado da oferta de trabalho). Dessa forma, é possível reconhecer o importante papel dos sindicatos na sustentação da segmentação dos mercados de trabalho, o que traz como contrapartida aos empregados a estabilidade de seus empregos. Ou seja, se a destruição de empregos é um fenômeno recorrente no capitalismo, é interessante para os sindicatos operarem em favor da divisão dos mercados de trabalho. Isto teria duas consequências: (i) facilitar o trabalho operacional dos sindicatos; e (ii) permitir-lhes controlar a oferta de trabalho para evitar a competição entre trabalhadores; com este fim, não é interessante para os sindicatos operar diante de mercados muito amplos, mas sim com mercados restritos e estabelecidos.

Pode-se reconhecer, portanto, um aspecto de complementariedade nos trabalhos de Doeringer e Piore, radicais americanos e Jill Rubery. A segmentação pode ser vista tanto do lado capitalista, através de sua funcionalidade para o sistema, onde se consegue a estabilidade na luta de interesses entre patrões e empregados, quanto do lado dos trabalhadores, onde a participação dos sindicatos na segmentação dos mercados de trabalho se justifica na medida em que estes tentam defender os seus empregos. Esta linha de complementaridade continua sendo perseguida nas vertentes mais modernas das teorias de segmentação, que passaremos a analisar a seguir.

3. A VERTENTE MODERNA DE SEGMENTAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO

Durante a década de 80, foram desenvolvidos novos enfoques sobre a segmentação dos mercados de trabalho. A preocupação básica das novas teorias foi a de tentar explicar a rigidez dos salários reais em países onde a taxa de desemprego se mantém em níveis também elevados (alguns exemplos são os países membros da Comunidade Europeia, como Inglaterra, França, Espanha entre outros). Alguns trabalhos (ver R. Solow, 1979SOLOW, R. (1979) “Another Possible Source of Wage Stickiness”. Journal of Macroeconomics, l (1): 79-82.; G. Akerlof e J. Yellen, 1988AKERLOF, G. & YELLEN, J. (1988) “Fairness and Unemployment”. The American Economic Review, 78(2): 44-49.; A. Lindbeck e D. Snower, 1988cLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988c) The Insider-Outsider Theory of Employment and Unemployment. MIT Press.; O. Blanchard e L. Summers, 1988BLANCHARD, O. & SUMMERS, L. (1988) “Beyond the Natural Rate Hypothesis”. The American Economic Review, 78(2): 182-187, Maio.) procuram desenvolver a ideia de que os salários permanecem elevados em situações de excesso de oferta de mão-de-obra como uma consequência da estratégia adotada por algumas firmas de não reduzir os salários dos trabalhadores para auferir ganhos de produtividade. Admite-se explicitamente nesse enfoque que o empenho dedicado ao processo produtivo é uma função do salário real pago à mão-de-obra; assim, pagando um salário de eficiência, e mantendo a força de trabalho livre de preocupações (como o medo de ser demitido ou sofrer uma redução salarial), a firma minimiza custos (envolvidos no processo de rotatividade da mão-de-obra, como custos de demissão, contratação e treinamento) e obtém com isso lucros maiores, com o aumento da produtividade. Este é o caso analisado pela teoria dos Efficiency Wages, que acaba por reconhecer a existência de segmentação no mercado de trabalho como resultado de uma ação deliberada das firmas em não substituir sua força de trabalho por trabalhadores dispostos a se empregar por um salário menor; neste sentido, a segmentação é observada pela existência de um grupo de trabalhadores que permanece em desemprego involuntário, sem condições de competir por uma vaga com aqueles que já estão inseridos no processo produtivo.

Outra linha de argumentação propõe uma explicação alternativa à hipótese de efficiency wages. Trata-se da teoria do conflito entre insiders e outsiders, desenvolvida por Lindbeck e Snower (1987LINDBECK, A. & SNOWER, D. (1987) “Efficiency Wages versus Insiders and Outsiders”. In The European Economic Review, 31: 407-416., 1988aLINDBECK, A. & SNOWER, D. (1988a) “Cooperation, Harassment and Involuntary Unemployment: An Insider-Outsider Approach”. The American Economic Review, 78(1): 167-188, Março., 1988bLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio.). Nesta abordagem, postula-se que a firma maximizadora de lucros enfrentaria custos associados à rotatividade da mão-de-obra, que acabariam por tomar inviável a substituição de insiders por outsiders. A diferença básica com relação à teoria dos salários de eficiência é que se admite que os insiders tenham poder de mercado suficiente para elevar os custos associados à rotatividade da mão-de-obra, e com isso poder de influir na decisão de emprego das firmas, assim como condições de determinar o seu nível salarial. A complementariedade entre os dois enfoques pode ser vista no sentido de que ambos assumem como uma das causas do desemprego involuntário a existência de custos associados à rotatividade da mão-de-obra; a diferença é que, na teoria do conflito insiders versus outsiders, considera-se explicitamente a ação dos trabalhadores como fator relevante para determinar a magnitude de tais custos.

3.1. O conflito entre insiders e outsiders

Quando se afirma que taxas de desemprego elevadas tendem a provocar uma redução nos salários reais dos trabalhadores, implicitamente se supõe que os trabalhadores desempregados têm o poder de influir ativamente no processo de fixação dos salários. Ou seja, supõe-se que os desempregados tenham condições de competir de igual para igual com os trabalhadores já empregados; assim, em períodos de excesso de oferta de trabalho, aqueles poderiam ofertar sua força de trabalho por um salário inferior àquele vigente para estes, forçando, então, uma redução dos salários reais (a hipótese por trás desse raciocínio é a de homogeneidade da força de trabalho).

No entanto, ao se negar a hipótese de homogeneidade, a análise do comportamento do mercado de trabalho, sob uma situação de desemprego, muda consideravelmente. Procurando seguir esse caminho, Lindbeck e Snower desenvolvem uma vertente da teoria dos mercados de trabalho segmentados que explora o conflito entre insiders e outsiders. Assim, aceita-se como dada a heterogeneidade da força de trabalho, onde os insiders têm maior poder de barganha que os outsiders.

A questão que se coloca de imediato é a seguinte: o que sustenta o poder de barganha dos trabalhadores que já se encontram empregados? Lindbeck e Snower argumentam que tal poder advém dos custos associados à rotatividade da mão-de-obra, custos estes que poderiam ter diversas fontes, tais como:

  1. os custos de empregar e demitir trabalhadores, que se traduzem em gastos com seleção e treinamento (no caso de se estar empregando) e despesas com indenizações trabalhistas (no caso das demissões);

  2. a cooperação entre os insiders e a atitude hostil que estes adotariam com relação aos outsiders que se oferecessem para ocupar o lugar de insiders a um salário inferior; e

  3. o efeito negativo que a rotatividade poderia provocar sobre o grau de esforço despendido no processo de trabalho pelos trabalhadores remanescentes - incumbents (Lindbeck e Snower, 1988bLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio., p. 40).

Dessa forma, os autores consideram que a posição privilegiada dos insiders com relação aos outsiders faz com que aqueles tenham um certo poder de mercado que lhes permita interferir no processo de determinação do nível de emprego e de salários da firma. Assim, dado que eles possuem esse tal poder de mercado, e ainda são capazes de provocar uma elevação dos custos associados à rotatividade da mão-de-obra, os insiders procuram uma estratégia de fixar seu salário nominal em um nível tal que desincentive as firmas a substituí-los por outsiders. A consequência disso é que estes só terão chances de serem contratados após todos os insiders terem sido absorvidos.

Formalmente, o modelo funciona como se as curvas de demanda por trabalho to­massem a seguinte forma:

N i d = N i d ( W i / P ) , d N i d / d ( W i / P ) < O , p a r a i = I , O (1)

onde:

Ni d = demanda por insiders ao nível de salário W1= qi; ou seja, o salário dos insiders é igual à sua produtividade marginal líquida (produtividade marginal mais o custo associado à sua dispensa); e

NO d = demanda por outsiders ao nível de salário WO=qO; ou seja, o salário dos outsiders é igual à sua produtividade marginal líquida (produtividade marginal menos o custo associado à sua contratação).

Como se postula que há cooperação e hostilidade, para um dado nível de emprego a produtividade marginal líquida dos insiders será maior que a produtividade marginal líquida dos entrantes (q1> qE). Isto implica que a curva de demanda por insiders se localiza à direita da curva de demanda por entrantes5 5 Os autores distinguem entre trabalhadores outsiders e entrantes; outsiders seriam aqueles realmente desempregados, enquanto entrantes seriam os outsiders recem-contratados pelas firmas. Veja Lindbeck e Snower (1988a), p. 169. .

Para observar a relação entre a demanda e a produtividade marginal para insiders e entrantes, suponha que L seja a força de trabalho total (a soma de insiders, K, e entrantes, LE, e que o nível de salário seja tal que a firma não tenha nunca o incentivo de substituir insiders por entrantes. Dessa forma:

q I ( L I , O ) = W I / P e q E ( K , L E ) = W E / P (2)

Assumindo que cada insider negocie seu salário isoladamente (ou seja, ele admite ser o trabalhador marginal a negociar com a firma), tomando como dados o nível de salário e de emprego para o restante dos insiders (lembrando-se também que os insiders possuem algum poder de mercado), seu salário nominal será fixado no nível mais alto possível. No entanto, deve-se ter em mente a restrição de que o insider deve continuar sendo lucrativo para a firma (ou seja, WI< qI(K,LI)P, o que significa que seu salário tem que ser no mínimo igual ao seu produto marginal) e também que eles sejam pelo menos tão baratos quanto os entrantes marginais (ou seja, WI< WE+ C, onde C é o custo de se substituir insiders por entrantes).

Sabendo disso, e combinando as equações de demanda e salário para insiders e outsiders, pode-se obter o locus de pontos onde se dá o equilíbrio microeconômico, representado pela linha mais espessa na Figura 1.

FIGURA 1
Curvas de Demanda por Insiders

Três cenários distintos podem ser observados na Figura. No caso I, onde se admite a hipótese de o total de insiders ser maior que o limite máximo absorvível pela firma (K > K*), há excesso de oferta de insiders, o que faz com que eles não tenham poder de mercado para fixar seus salários acima do nível de seu salário de reserva6 6 De acordo com Lindbeck e Snower (1988a), o salario de reserva dos insiders e equivalente ao salario ao qual o trabalhador seria indiferente entre permanecer empregado ou desempregado (p. 171). (denotado por Wt, no gráfico). A razão para isso é que, caso os salários destes trabalhadores sejam fixados abaixo de seu nível de reserva, ao invés de conseguir empregar mais, a firma enfrenta problemas para conseguir empregados, uma vez que muitos insiders prefeririam pedir demissão; por outro lado, se se fixasse o salário dos insiders num nível superior ao de reserva, alguns deles poderiam ser demitidos e, como é preferível permanecer empregado (desde que o salário seja superior ao nível de reserva), eles seriam incentivados a aceitar um salário menor para se manter trabalhando. Na margem, o salário seria fixado exatamente no nível de reserva, onde o total de insiders seria o máximo absorvível pela empresa (K*). Assim, dado que o produto marginal dos insiders é igual ao seu salário de reserva e que os entrantes não contam com a cooperação dos insiders, mas sim com o seu boicote e hostilidade (o que aumenta a desutilidade do trabalho para eles), o produto marginal dos entrantes deve ser menor que o seu salário de reserva. Portanto, como resultado final, a firma mantém empregado o máximo possível de insiders e prefere não contratar nenhum entrante (Lindbeck e Snower, 1988aLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio., pp. 175-179).

No cenário II, onde se admite a existência de uma força de trabalho (composta por insiders) intermediária, com K* < K < K*, o total de insiders é pequeno o suficiente para permitir que seus salários sejam fixados acima do nível de reserva, mas também grande o suficiente para permitir que o produto marginal dos entrantes seja inferior ao seu salário de reserva7 7 Deve-se observar que esta situacao ocorre quando os insiders sao tantos que a maneira de garantir seu emprego e atraves do boicote e hostilizacao aos entrantes. Assim, os insiders provocariam a queda da produtividade do trabalho destes e tambem tornariam elevada a desutilidade de permanecer empregado, afetando negativamente o empenho do entrante no processo produtivo. Nestas circunstancias, os entrantes nao seriam atrativos para as firmas maximizadoras de lucro. . Dessa forma, no processo de fixação de seus salários, cada insider tem como restrição básica a necessidade de permanecer pelo menos tão lucrativo quanto um entrante. Assim, cada insider vai procurar fixar seu salário no nível equivalente ao produto marginal do total da força de trabalho, ou seja, WI= qI(K,LE)P para K* < K < K*). Com isso, e através também da cooperação entre si e do boicote aos entrantes, eles acabam por incentivar a firma a manter empregados todos os insiders(L=K) 8 8 Como colocam Amadeo e Estevao (1990), dado o custo em contratar e demitir, nao valeria a pena para a empresa uma mudanca de composicao da forca de trabalho empregada. .

Por fim, no cenário III, considera-se a existência de uma força de trabalho (composta inicialmente por insiders) suficientemente pequena de modo que o produto marginal de ambas as categorias, insiders e entrantes, exceda os seus respectivos salários de reserva (em particular, K <K*). Sob tal circunstância, os insiders não são capazes de impedir os outsiders de conseguir emprego. Assim, os insiders fixarão seus salários de forma a permanecerem tão lucrativos quanto os entrantes, incorporando como um mark-up o custo de se substituir insiders por entrantes (C). A firma então mantém empregado o total de insiders e ainda se vê incentivada a admitir mão-de-obra adicional (entrantes). Note que a firma só admite estes trabalhadores até o nível em que o seu produto marginal seja equivalente ao seu salário de reserva (RE).

Pela Figura 1, pode-se notar o efeito que as atividades de cooperação e hostilidade dos insiders podem atingir. Através da cooperação com outros insiders, essa categoria de trabalhadores é capaz de elevar a curva de demanda por insiders e, portanto, alcançar um nível de salário nominal mais elevado do que o factível, caso não houvesse cooperação. As razões para isso, de acordo com Lindbeck e Snower (1988aLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio.), são duas: (i) quando a contratação de entrantes não é vantajosa (cenário II), devido ao fato de o salário nominal dos insiders ser igual ao seu produto marginal (WI = PqI(LIO)), a cooperação entre os insiders aumenta mais ainda o seu produto marginal; e (ii) quando os entrantes são lucrativos para as firmas (cenário III), a cooperação entre os insiders e a sua atitude hostil contra os entrantes (com o efeito de reduzir sua produtividade) acaba por elevar a produtividade dos primeiros e também os custos de substituí-los por entrantes, permitindo, portanto, que o salário dos insiders seja fixado com um mark-up sobre o salário dos entrantes (Lindbeck e Snower, 1988aLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio., p. 175).

Dessa forma, a distância relativa entre as curvas de demanda por trabalho pode ser vista como uma função do grau de cooperação entre insiders e do grau de hostilização destes com relação aos entrantes. Quanto maior a cooperação entre eles, maior a sua produtividade; quanto mais severa a atitude hostil para com os entrantes, menor a produtividade potencial destes e maiores os custos de substituir insiders por entrantes.

Outro fator a ser ressaltado é que, mesmo quando entrantes apresentam-se lucrativos para as firmas, o salário dos insiders será fixado num nível superior ao pago aos recém-admitidos. Como colocam Amadeo e Estevão (1990AMADEO, E. & ESTEVÃO, M. (1990) “Emprego e salários: de Keynes ao neocorporativismo”, PUC/RJ, mimeo.), isto se dá pela existência do poder de mercado dos insiders, que pode ser entendida como resultado da diferenciação de produtividade entre os trabalhadores dos dois grupos. Esta argumentação pode ser respaldada pelas ideias das teorias dos mercados internos e capital humano, onde os trabalhadores treinados teriam toda uma experiência adquirida durante o processo de trabalho, além de conhecerem também a cultura empresarial do setor para o qual estão trabalhando (Amadeo e Estevão, 1990AMADEO, E. & ESTEVÃO, M. (1990) “Emprego e salários: de Keynes ao neocorporativismo”, PUC/RJ, mimeo., p. 107).

Assim, como os trabalhadores sem experiência (outsiders) demandariam treinamento por parte das firmas, o que acarreta custos durante o período em que o diferencial de produtividade entre insiders e entrantes se mantém, as firmas só seriam incentivadas a contratar outsiders quando a oferta de insiders fosse escassa.

A situação de desemprego involuntário se dá então como o resultado do poder de mercado dos insiders, que acabam por desincentivar outsiders a se oferecerem para trabalhar a um salário mais baixo. Outro resultado é a manutenção dos salários reais dos insiders num nível elevado, mesmo na presença de desemprego; este fenômeno ocorre pelo fato de o excesso de rotatividade da mão-de-obra gerar custos para as firmas, custos estes que são influenciados pelas atividades de cooperação e hostilidade dos insiders, que acabam sendo apropriados por esta categoria no processo de barganha salarial.

3.2. A vertente dos efficiency wages

Como vimos acima, a vertente que analisa o conflito entre insiders e outsiders procura ligar a rigidez do salário real em momentos de desemprego elevado ao comportamento dos trabalhadores. A firma não desempenha nenhum papel relevante neste contexto, participando apenas como utilizadora de capital e trabalho através de uma função de produção. Não obstante, não há nada que impeça a firma de procurar estabilizar o salário real de seus trabalhadores em períodos de desemprego, como parte de uma estratégia para elevar o grau de esforço despendido na produção, a produtividade e os lucros. É exatamente na análise da relação entre salário real e produtividade dos trabalhadores que a hipótese dos efficiency wages se concentra.

Como ressaltam Amadeo e Estevão (1990AMADEO, E. & ESTEVÃO, M. (1990) “Emprego e salários: de Keynes ao neocorporativismo”, PUC/RJ, mimeo.), pode-se extrair trabalho da força de trabalho através, basicamente, de duas formas: punição ou incentivo. Ou seja, pode-se punir (com multas e até mesmo com a demissão) os trabalhadores que sejam morosos no processo de produção, ou fornecer incentivos (promoções, prêmios, estabilidade) aos que se dedicam com maior empenho ao trabalho. O modelo mais simples de efficiency wages, e mais comumente citado na literatura, considera que a melhor forma de incentivar o trabalhador a despender um maior esforço na produção é pagando-lhe um salário acima do seu salário de reserva (Solow, 1979SOLOW, R. (1979) “Another Possible Source of Wage Stickiness”. Journal of Macroeconomics, l (1): 79-82.). Formalmente, assume-se que o esforço por trabalhador na firma i é dado por:

E i = e ( W i / W e , u ) ( e 1 , e 2 > 0 ; e 11 , e 12 < 0 ) , (3)

onde Wi é o salário pago na firma i e We é o salário que os trabalhadores esperam receber em outra firma qualquer. Pode-se ver a partir daí que salários relativos elevados ajudam a aumentar o esforço, da mesma forma que elevados níveis de desemprego.

Desemprego alto significa dificuldade em arranjar outro emprego e, portanto, mantém a força de trabalho comprometida com um certo nível de esforço que possa garantir sua permanência na firma.

A firma representativa escolhe entre Wi e Pi para maximizar lucros, o que nos leva a:

Π i = R ( E i N i ) - W i N i = R ( E i N i ) - W i / E i . E i N i , (4)

onde R(.) é a receita e N, emprego. A firma escolhe o nível de Wi que minimize o custo por unidade de esforço (Wi/Ei) e, então, escolhe o nível de Ni que maximize lucros. Será sempre vantajoso para ela elevar os salários, desde que cada elevação de 1% em Wi traga um aumento superior a 1% no esforço por empregado. No momento em que isso deixar de acontecer, no entanyo, a firma deixará de aumentar os salários. Dessa forma, o salário ótimo ocorre no ponto em que a elasticidade do esforço com relação ao salário é unitária.

Isto pode ser visto através da condição para escolher Wi, que maximiza Ei/Wi, e que requer:

W i . δ E i / δ W i E i = 0 (5)

E daí,

e 1 . ( W i / W e , u ) . W i / W e = e . ( W i / W e , u ) (6)

onde e é a derivada com respeito ao salário alternativo esperado.

Chegamos, portanto, ao ponto crucial que garante o equilíbrio do modelo. Se a inflação for estável, a firma representativa deve sempre estabelecer o salário no mesmo nível do salário alternativo efetivo. Não há sobre indexação e nem espiral preço-salários. Assim, W; = We torna-se a condição de equilíbrio e define o nível de desemprego que garantirá essa igualdade. O desemprego de equilíbrio será então

e l ( 1, u * ) = e ( 1, u * ) (7)

Para uma firma qualquer que possua uma dada curva de demanda, como na Figura 2, a escolha do preço é equivalente à escolha do emprego. Assim, maximizando lucros com relação ao emprego, tem-se a equação de preços, o que requer

δ Π i / δ N i = R i E i W i = 0 (8)

FIGURA 2
Equilíbrio no Mercado de Trabalho

Suponha agora a título de simplificação que o produto da firma seja igual a E1N1. Então Ri= Pi(1 1/h), onde h é a elasticidade da demanda da firma. Chamando (1 1/h) de k, uma medida do grau de competitividade da firma cujo valor máximo é 1, tem-se a seguinte equação de salário real

W i / P i = k e ( W i + / W e , u + ) (9)

No agregado, quando o preço e o salário da firma representativa forem iguais ao de todas as outras (P = Pi, e W = Wi), temos a seguinte equação de preços

W / P = k e ( W + / W e , u + ) (10)

Assim, à medida que o emprego cresce, os salários caem (como na Figura 2), mas estes crescem à medida em que a inflação aumenta. Da mesma forma, ao se maximizar lucros com relação ao salário, tem-se a seguinte equação de equilíbrio

W / P = k . W / W e . e 1 . ( W / W e , u ) (11)

que nos diz que, à medida em que o emprego cresce, os salários também crescem (de novo, como na Figura 2). Uma redução do salário real teria o efeito de reduzir o produto total da firma em vez de proporcionar um incremento no emprego, prejudicando o objetivo de maximização dos lucros. Assim, uma elevação no nível de preços tem como consequência não uma elevação no nível de emprego, mas uma elevação dos salários nominais em termos proporcionais para recompor o salário real de equilíbrio.

Esta é, portanto, uma das maneiras de se apresentar o problema da firma em termos de moral e esforço9 9 Bewley (1995) apresenta resultados preliminares de uma pesquisa de campo, conduzida em varias industrias norte-americanas, que confirmam a preocupacao dos empregadores com o moral dos empregados no mercado de trabalho primario. . Mas há muitas outras razões que justificam o fato de as firmas aumentarem seus salários relativos, como por exemplo a redução na rotatividade da força de trabalho e a atração de bons trabalhadores10 10 Veja, por exemplo, Shapiro e Stiglitz (1984), que argumentam que salarios de eficiencia favorecem a manutencao de uma forca de trabalho disciplinada e estavel, e Akerlof (1982) e Akerlof e Yellen (1988, 1990), que combinam argumentos de moral e esforco com as ideias keynesianas a respeito dos salarios relativos para explicar a ocorrencia de salarios de eficiencia. .

Em linhas gerais, as duas teorias apresentadas (insiders-outsiders e efficiency wages) identificam diferentes fundamentos microeconômicos para justificar a presença de desemprego involuntário na economia. Ambas rechaçam a ideia de que uma queda nos salários reais teria como resposta imediata uma elevação no nível do emprego. Nas duas argumentações; os empregados têm seus salários fixados acima do salário de equilíbrio de mercado (market-clearing wage), desde que não sofram uma ameaça real por parte dos desempregados. A diferença entre elas é que na teoria dos salários de eficiência não se chega a considerar uma concorrência efetiva por emprego via redução do salário nominal de entrada: reduções de salários não induzem as firmas a substituir mão-de-obra; no caso da teoria do conflito entre insiders e outsiders, os insiders usam o seu poder de mercado para se proteger de uma concorrência via redução do salário de entrada por parte dos outsiders. Em ambas as teorias, a existência de desemprego involuntário é vista como uma consequência da atitude preventiva das firmas contra os custos associados à rotatividade da mão-de-obra; na de efficiency wages as firmas fixam os salários com o objetivo de manipular esses custos, enquanto na de insiders-outsiders os custos de rotatividade proporcionam poder de mercado aos insiders, o que permite que eles consigam fixar seus salários acima do nível de mercado (market-clearing level).

4. A EVIDÊNCIA EMPÍRICA

Após discutirmos todas essas diferentes abordagens sobre a existência de mercados de trabalho não-competitivos, talvez fosse interessante termos uma noção de sua relevância quantitativa no processo de determinação de salários. Nesta seção, apresentamos uma breve revisão de diversos trabalhos que estimam o peso de fatores internos à firma/indústria para diferentes países, com o objetivo de enfatizar a importância relativa de elementos não-competitivos que possam ser associados às teorias de insiders-outsiders e efficiency wages.

Alguns trabalhos empíricos que originalmente criticaram a ideia de mercados de trabalhos competitivos, mostrando que os salários relativos tendem a divergir ao invés de convergir, datam do início dos anos 1950 (Slichter, 1950SLICHTER, S. (1950) “Notes on the Structure of Wages”. Review of Economics and Statistics, 32: 80-91. e Lester, 1952LESTER, R.A. (1952) “A Range Theory of Wage Differentials”. Industrial and Labour Relations Review, 5: 483-500.). Alguns artigos mais recentes retomam essa linha de pesquisa, enfatizando a importância de fatores internos à firma/indústria no processo de formação de salários. Uma parcela considerável e crescente dessa literatura, portanto, tem recorrido a modelos de insiders-outsiders, guardando uma estreita relação com modelos de barganha salarial11 11 Para uma revisao da literatura sobre modelos de barganha salarial, veja Oswald (1979) e Oswald (1985). Layard, Nickell e Jackman (1991) fazem uma sintese das diversas abordagens que procuram explicar a rigidez dos salarios reais. . Geralmente, assume-se que os salários são determinados após a negociação entre patrões e empregados, e estima-se econometricamente uma equação de salários que expressa os salários negociados como uma combinação convexa entre fatores internos e externos, como na seguinte equação geral:

w = λ ( i n s i d e r v a r i a b l e s ) f a t o r e s i n t e r n o s + ( 1 λ ) ( o u t s i d e r v a r i a b l e s ) f a t o r e s e x t e r n o s (12)

Os fatores internos, geralmente, são representados por diferentes medidas de produtividade, densidade sindical, preços relativos e aspectos relacionados à condição financeira da firma, tais como liquidez, lucros e poder de mercado. Os fatores externos, por outro lado, são associados ao chamado salário alternativo (o salário que o empregado poderia obter fora de sua empresa) e medidas do estado do mercado de trabalho externo, como o nível de desemprego. A Tabela 1 mostra diversas estimativas do valor de 1 para diferentes países.

TABELA 1
Estimativas do Peso dos Fatores Específicos à Firma na Determinação de Salários

Alguns trabalhos recentes que têm adotado essa linha de pesquisa incluem Nickell e Kong (1988NICKELL, S. & P. KONG (1988) “An Investigation into the Power of Insiders in Wage Determination”. University of Oxford Institute of Economics and Statistics, Applied Economics Discussion Paper nº 49.), Blanchflower, Oswald e Garrett (1990BLANCHFLOWER, D.G., OSWALD, A.J. & GARRET, M.D. (1990) “Insider Power in Wage Determination”. Economica, 57(226): 143-170, May.), Nickell e Wadhwani (1990NICKELL, S. and S. WADHWANI (1990) “Insider Forces in Wage Determination”, The Economic Journal, June, 100, pp. 496-509.), Blanchflower, Oswald e Sanfey (1992BLANCHFLOWER, D.G., OSWALD, A.J. & SANFEY, P. (1992) “Wages, Profits and Rent-Sharing”. NBER, Working Paper nº 4222, December.), Sanfey (1992SANFEY, P. (1992) “Wages and Insider-Outsider Models: Theory and Evidence for the U.S.”. Series Studies in Economics, nº 92/17. University of Kent at Canterbury.), Holmlund e Zetterberg (1991HOLMLUND, B. & ZETTERBERG, J. (1991) “Insider Effects in Wage Determination: Evidence from Five Countries”. European Economic Review, 35: 1009-1034.), Do lado e Bentolila (1992), Nickell, Vainiomaki e Wadhwani (1994NICKELL, S., VAINIOMAKI, J. & WADHWANI, S. (1994) “Wages and Product Market Power”, Economica, 61, pp. 457-473.) e Carneiro (1994CARNEIRO, F.G. (1994) “Collective Bargaining, Insider Power and Industrial Wage Determination in Brazil: 1985 -1993”. Unpublished PhD Upgrading Paper, University of Kent at Canterbury, mimeo, Novembro.). Usando dados agregados ao nível da indústria, e desagregados ao nível da firma, Nickell e Kong, e Blanchflower, Oswald e Garrett, respectivamente, examinam o processo de determinação de salários no Reino Unido. Eles acham um papel significante tanto para a posição oligopolística da firma quanto para sua capacidade financeira, o que, no caso do Reino Unido, implica que os estabelecimentos na categoria de melhor capacidade financeira oferecem salários entre 7% e 14% acima dos oferecidos pelas demais firmas. Com relação aos fatores externos, os autores acham uma elasticidade-desemprego do salário com valores entre -0,06 e -0,16; valores baixos que indicam uma importância relativa pequena para a taxa de desemprego como disciplinadora da barganha salarial.

Nickell e Wadhwani (1990NICKELL, S. and S. WADHWANI (1990) “Insider Forces in Wage Determination”, The Economic Journal, June, 100, pp. 496-509.) também investigam a determinação de salários no Reino Unido. Estes autores usam dados no nível da firma para o período 1975-82, num modelo de insiders-outsiders, e encontram um impacto significativo para os fatores internos (neste estudo, produtividade média e posição financeira da firma) no processo de determinação de salários. O peso dos fatores internos, À, assume o valor de 0,11. Os fatores externos, capturados pelo desemprego agregado e a proporção dos desempregados de longo-prazo, também são importantes no nível da firma, com coeficientes significantes de -0,08 para o logaritmo da taxa de desemprego defasada e 0,8 para o desemprego de longo prazo. Em outro artigo, Nickell, Vainiomaki e Wadhwani (1994NICKELL, S., VAINIOMAKI, J. & WADHWANI, S. (1994) “Wages and Product Market Power”, Economica, 61, pp. 457-473.) usam séries temporais e confirmam o papel de fatores internos na determinação de salários no Reino Unido, estimando um À da ordem de 0,05. Estes autores concluem ainda que a importância relativa dos fatores internos na barganha salarial reduz significantemente a influência negativa que a taxa de desemprego tende a exercer sobre os salários.

A evidência para os Estados Unidos é similar ao caso da Grã-Bretanha. Blanchflower, Oswald e Sanfey (1992BLANCHFLOWER, D.G., OSWALD, A.J. & SANFEY, P. (1992) “Wages, Profits and Rent-Sharing”. NBER, Working Paper nº 4222, December.) combinam dados microeconômicos sobre salários e dados industriais sobre lucros para os Estados Unidos e concluem que, na indústria de transformação americana, os salários também são uma função da capacidade financeira do empregador. As equações de salários estimadas por estes autores forneceram elasticidades de curto prazo dos salários com relação ao desemprego com valores ao redor de -0,03, e com relação a lucros de aproximadamente 0,02. Freeman e Katz (1987FREEMAN, R. & KATZ, L. (1987) “Industrial Wages and Employment Determination in an Open Economy”. Harvard University, mimeo.) usam dados agregados ao nível da indústria e concluem que os salários são significativamente associados ao volume de vendas. Sanfey (1992SANFEY, P. (1992) “Wages and Insider-Outsider Models: Theory and Evidence for the U.S.”. Series Studies in Economics, nº 92/17. University of Kent at Canterbury.) sugere que os salários nos Estados Unidos estão mais fortemente correlacionados com os lucros em setores onde é baixo o grau de densidade sindical, urna vez que os trabalhadores dos setores altamente sindicalizados gozam de maior estabilidade no emprego.

Holmlund e Zetterberg (1991HOLMLUND, B. & ZETTERBERG, J. (1991) “Insider Effects in Wage Determination: Evidence from Five Countries”. European Economic Review, 35: 1009-1034.) fazem uma comparação internacional entre Suécia, Noruega, Finlândia, Alemanha e Estados Unidos, usando também dados no nível da indústria para o período 1965-85. O arcabouço teórico usado é bastante próximo ao dos artigos mencionados até agora, mas os autores acham diferenças importantes no comportamento da barganha salarial entre os países nórdicos e os Estados Unidos. Os principais resultados apontam para o fato de que os salários na indústria americana respondem muito mais a estímulos setoriais (preço e produtividade) do que nos países nórdicos. Essa diferença é atribuída ao fato de que, nos países escandinavos, a barganha salarial é conduzida de forma centralizada (uma negociação única, entre uma central sindical e uma central patronal, com base em metas de salários e inflação determinadas pelo governo), ao passo que, nos Estados Unidos, têm-se várias negociações descentralizadas e simultâneas entre diversos patrões e empregados. No caso de negociações centralizadas, os agentes envolvidos (patrões e empregados) percebem as implicações macroeconômicas de suas ações e não usam seu poder de mercado para apropriarem-se de rendas na economia; não há, portanto, pressão de salários na inflação nem grande dispersão de salários relativos, e choques favoráveis de demanda agregada são transformados em ganhos de emprego, e não de salários. No caso de negociações descentralizadas, essa percepção macroeconômica não existe e os agentes tendem a agir como free-riders, sempre tentando transformar choques positivos de demanda agregada em ganhos de salários, e não em ganhos de empregos (veja a respeito: Bruno e Sachs, 1985BRUNO, M. & SACHS, J. (1985) The Economics o fWorldwide Stagflation, Oxford, Basil Blackwell.; Calmfors e Driffill, 1988CALMFORS, L. & DRIFFILL, J. (1988) “Bargaining Structure, Corporatism and Macroeconomic Performance”, Economic Policy, 6: 13-61.; Freeman, 1988FREEMAN, R. (1988) “Labour Market Institutions and Economic Performance”. Economic Policy, Abril.; Henley e Tsakalotosm, 1993HENLEY, A.G. & TSAKALOTOS, E. (1993) Corporatism and Macroeconomic Peformance: A Comparative Analysis of Market Economies. Edward Elgar. e Amadeo, 1994bAMADEO, E.J. (1994b) Institutions, Unemployment and Inflation. Edward Elgar.).

Dolado e Bentolila (1992DOLADO, J.J. & BENTOLILA, S. (1992) “Who Are the Insiders? Wage Setting in Spanish Manufacturing Firms”. Servicio de Estudios, Documento de Trabajo nº 9229, Banco de España.) estudam o caso da Espanha durante o período 1983-88 usando dados desagregados no nível da firma. Esses autores confirmam a hipótese dos modelos de insiders-outsiders de que os salários negociados são uma combinação convexa entre fatores internos e externos. O peso dos fatores internos na equação de salários para a Espanha foi de aproximadamente 10%, situando-se próximo dos valores encontrados para outros países com estruturas de negociação salarial similares. Estes autores também acham evidência de alguma heterogeneidade setorial na indústria, com os setores de maior produtividade obtendo valores de À relativamente superiores, ao passo que os fatores externos (desemprego e salário alternativo) são mais importantes para setores com baixa produtividade. Dolado e Bentolila sugerem que seus resultados explicariam a grande dificuldade espanhola em reduzir sua taxa de desemprego (em torno de 23% da força de trabalho): a destruição de postos de trabalho nos setores de baixa produtividade nunca é compensada pela criação de novos empregos nos setores de alta produtividade.

O caso do Brasil é avaliado em Carneiro (1994CARNEIRO, F.G. (1994) “Collective Bargaining, Insider Power and Industrial Wage Determination in Brazil: 1985 -1993”. Unpublished PhD Upgrading Paper, University of Kent at Canterbury, mimeo, Novembro.), que utiliza um painel de dados para 22 setores da indústria brasileira durante o período 1985-93. O valor de l encontrado nesse estudo (0,07) confirma a importância de fatores internos (neste caso, produtividade do trabalho) no processo de determinação de salários industriais no Brasil. O coeficiente da variável desemprego obtém um valor relativamente baixo (-0.14), e próximo da evidência empírica internacional12 12 Blanchflower e Oswald (1995) apresentam estimativas de equacoes de salarios para um grande numero de paises e concluem que a elasticidade dos salarios com relacao ao desemprego tende a situar-se ao redor de 0,10. . Este resultado sugere ainda que, também no caso brasileiro, a importância relativa dos fatores internos tende a reduzir a influência negativa do desemprego na barganha salarial, que parece funcionar de forma similar a economias industrializadas que apresentam sistemas intermediários de barganha salarial (veja ainda Carneiro, 1995CARNEIRO, F.G. (1995) “Insider Power in Brazilian Wage Determination”. Studies in Economics nº 95/6, University of Kent at Canterbury., 1997CARNEIRO, F. G. (1997) “The Changing Informal Labour Market in Brazi1: Cyclicality versus Excessive Intervention”, Labour; vol. 11, nº 1, forthcoming.)13 13 Argumenta-se ainda que a existencia de um significativo setor informal na economia brasileira contribui de alguma forma para a pequena influencia da taxa de desemprego na barganha salarial. . Carneiro e Henley (1994CARNEIRO, F.G. & HENLEY, A. (1994) “Wage Determination under Chronic Inflation: The Case of Brazil”, Studies in Economics nº 94/7, University of Kent at Canterbury.) usam dados de séries temporais e concluem que, no longo prazo, o processo de determinação de salários nominais no Brasil exibe um considerável grau de insider power, à medida que os salários são determinados pelo poder de mercado dos empregadores, em vez de seguirem de mais de perto as flutuações da atividade econômica.

Amadeo (1993AMADEO, E.J. (1993) “Do Relative Wages Move Together with Relative Prices?”. Revista Brasileira de Economia, 47(1): 33-52.) também fornece evidência a favor da importância de fatores internos à firma/indústria na determinação de salários no Brasil. O autor calcula coeficientes de correlação entre preços e salários relativos para 17 setores da indústria brasileira, para o período 1976-85, e encontra valores positivos para 14 dos setores. Apesar de não apresentar estimativas econométricas para o valor de À, as conclusões do autor são consistentes com a linha de argumentação desenvolvida nos outros trabalhos. Seus resultados confirmam a ideia de que existe uma relação positiva entre a capacidade das firmas de indexar custos e o poder de barganha dos sindicatos, em uma mesma indústria (veja também Amadeo, 1994aAMADEO, E.J. (1994a) “Bargaining Power, Mark-up Power, and Wage Differentials in Brazil”. Cambridge Journal of Economics, 18: 313-322. e 1994bAMADEO, E.J. (1994b) Institutions, Unemployment and Inflation. Edward Elgar.).

Em resumo, existe um volume considerável de evidência empírica sugerindo a importância de fatores internos à firma/indústria no processo de determinação de salários. O grau em que esses fatores internos afetam a barganha salarial, no entanto, varia sistematicamente de país para país. Existe alguma evidência de que eles são menos importantes nos casos de países que apresentam barganha salarial centralizada, ou que apresentam um mercado mais competitivo de bens e serviços. Por outro lado, países com estruturas de mercado oligopolizadas e barganha salarial descentralizada tendem a apresentar maior rigidez de salários, favorecendo a existência de um processo de apropriação de rendas na economia. Neste último caso, a importância dos fatores internos está sempre associada a um nível de dispersão salarial elevado e constante no tempo.

5. SUMÁRIO E CONCLUSÕES

Este texto apresenta as principais versões da teoria de segmentação do mercado de trabalho, realçando a importância de grupos não-competitivos no processo de determinação dos salários. A principal contribuição dessa literatura reside na explicação para o fato de os salários reais permanecerem rígidos, mesmo em períodos de elevado desemprego. A existência de segmentação nos mercados de trabalho ajuda também a entender por que alguns trabalhadores são melhor remunerados do que outros.

Não obstante ser comum a constatação de grupos não-competitivos e de seus efeitos sobre os salários da força de trabalho, cada versão da teoria dual procura fornecer uma explicação distinta para os diferenciais de salários na economia. No caso da teoria dos mercados de trabalho internos, reconhece-se que há custos de contratação e dispensa de funcionários para as firmas, o que acaba por tornar desejável o estabelecimento de uma estrutura interna de cargos e salários, a fim de oferecer vantagens a um grupo de trabalhadores e desestimulá-los a mudar de emprego. O mercado de trabalho é dividido em dois segmentos: o primário e o secundário. No primeiro deles é que se concentram em maior grau os mercados internos, onde a ascensão profissional está vinculada a uma escala de valorização profissional relevando a experiência e as qualificações do trabalhador.

No mercado de trabalho primário, os mercados internos oferecem boas condições de trabalho, estabilidade, salários adequados ao nível de qualificação e possibilidade de ascensão profissional. Nos mercados externos, associados ao segmento secundário, as condições são mais adversas ao trabalhador; nestes, não há barreiras à entrada e há muita concorrência na obtenção de um emprego, que geralmente é instável, mal remunerado e não oferece boas condições de trabalho. Na abordagem dos mercados internos, os hábitos e costumes adquiridos pelos trabalhadores desempenham um importante papel na perpetuação da dicotomia entre segmentos primário e secundário; indivíduos acostumados a uma disciplina frouxa, sem grandes cuidados com assiduidade e pontualidade, hábitos estes valorizados no segmento primário, muito dificilmente terão acesso a um dos poucos “portões de entrada” dos mercados internos do primário.

Discute-se, ainda, a vertente mais moderna da teoria da segmentação dos mercados de trabalho. As teorias do conflito entre insiders e outsiders e dos efficiency wages fornecem uma justificativa para a existência de desemprego involuntário na economia, sob a presença de salários reais rígidos. No caso da teoria dos insiders-outsiders, o desemprego involuntário é visto como um reflexo do poder de mercado dos trabalhadores já engajados no processo produtivo (insiders), que conseguem manipular os custos associados à rotatividade da mão-de-obra, manter seus empregos e ainda fixar seus salários acima do nível de equilíbrio.

Com relação à vertente dos efficiency wages, o desemprego involuntário é visto como um resultado da associação entre produtividade e salários reais: as firmas maximizadoras de lucros ver-se-iam incentivadas a manter constante o salário real de sua força de trabalho com o objetivo de manter a produtividade; os trabalhadores desempregados não encontrariam emprego, mesmo se oferecessem sua força de trabalho a um nível salarial inferior ao prevalecente para os que já estão empregados.

Pode-se notar, portanto, que a institucionalização do mercado de trabalho (traduzida em termos da segmentação) torna os salários e o nível de emprego menos sensíveis a variações na demanda. Tal institucionalização decorre de demandas das firmas por uma força de trabalho estável, como sustentado na teoria dos mercados internos, e também do papel ativo dos sindicatos na defesa dos níveis de emprego e salário em períodos de recessão ou ondas de desemprego tecnológico, como apontado por Rubery.

A revisão da literatura empírica parece confirmar o postulado de que existe uma relação positiva entre salários e produtividade. Em países onde o sistema de negociações salariais é descentralizado, como Reino Unido, Estados Unidos, Espanha e Brasil, por exemplo, parece haver uma relação clara e bem estabelecida entre salários e fatores internos à firma/indústria (tais como lucratividade, produtividade do trabalho e poder de mercado). Em países com negociações de salários centralizadas, no entanto, essa relação parece ser fraca. Isso acontece porque, no caso de economias descentralizadas, não existe o incentivo para que os agentes exerçam a moderação em suas demandas. Por outro lado, em economias centralizadas, a representatividade de cada agente envolvido no processo de negociações é tamanha que não há como negar as implicações macroeconômicas de suas ações.

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  • SOLOW, R. (1979) “Another Possible Source of Wage Stickiness”. Journal of Macroeconomics, l (1): 79-82.
  • 1
    Na verdade, não é muito adequado falar-se em uma teoria dual de mercados de trabalho, uma vez que o que ocorre é a existência de diversas abordagens de mercados segmentados. A justificativa para assim proceder é que existem algumas características que geralmente são aceitas pelos diversos autores. Este ponto deve-se a Lima (1980LIMA, R. R. A. (1980) “Mercado de trabalho: o capital humano e a teoria da segmentação”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 10(1), Abril.).
  • 2
    Este ponto e associado ao on-the-job training e suas implicacoes para a firma; veja a respeito G. Becker (1964BECKER, G. (1964) “Investment in Human Capital: A Theoretical Analysis”, Journal of Political Economy, Outubro.) e Doeringer e Piore (1971DOERINGER, P. & PIORE, M. (1971) Internal Labor Market and Manpower Analysis, Lexington, Massachusetts: Heath-Lexington.).
  • 3
    Este ponto e atribuido a J. Dunlop (1957DUNLOP, J. (1957) “The Task of Contemporary Wage Theory”. In New Concepts in Wage Determination. New York, McGraw-Hill.), cap. 5, pp. 117-39.
  • 4
    A versao dos economistas radicais americanos e sintetizada em M. Reich, D. Gordon e R. Edwards (1973REICH, M., D. GORDON e R. EDWARDS (1973) “A Theory of Labor Market Segmentation”. American Economic Review, 63(2): 359-365, May.).
  • 5
    Os autores distinguem entre trabalhadores outsiders e entrantes; outsiders seriam aqueles realmente desempregados, enquanto entrantes seriam os outsiders recem-contratados pelas firmas. Veja Lindbeck e Snower (1988aLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio.), p. 169.
  • 6
    De acordo com Lindbeck e Snower (1988aLINDBECK, A. & D. SNOWER (1988b) “Long-Term Unemployment and Macroeconomic Policy”. The American Economic Review, 78(2): 38-43, Maio.), o salario de reserva dos insiders e equivalente ao salario ao qual o trabalhador seria indiferente entre permanecer empregado ou desempregado (p. 171).
  • 7
    Deve-se observar que esta situacao ocorre quando os insiders sao tantos que a maneira de garantir seu emprego e atraves do boicote e hostilizacao aos entrantes. Assim, os insiders provocariam a queda da produtividade do trabalho destes e tambem tornariam elevada a desutilidade de permanecer empregado, afetando negativamente o empenho do entrante no processo produtivo. Nestas circunstancias, os entrantes nao seriam atrativos para as firmas maximizadoras de lucro.
  • 8
    Como colocam Amadeo e Estevao (1990AMADEO, E. & ESTEVÃO, M. (1990) “Emprego e salários: de Keynes ao neocorporativismo”, PUC/RJ, mimeo.), dado o custo em contratar e demitir, nao valeria a pena para a empresa uma mudanca de composicao da forca de trabalho empregada.
  • 9
    Bewley (1995BEWLEY, T.F. (1995) “A Field Study on Downward Wage Rigidity”, Department of Economics, Yale University, mimeo.) apresenta resultados preliminares de uma pesquisa de campo, conduzida em varias industrias norte-americanas, que confirmam a preocupacao dos empregadores com o moral dos empregados no mercado de trabalho primario.
  • 10
    Veja, por exemplo, Shapiro e Stiglitz (1984SHAPIRO, C. e J. STIGLITZ (1984) “Equilibrium Unemployment as a Worker Discipline Device”. The American Economic Review, 74: 433-444.), que argumentam que salarios de eficiencia favorecem a manutencao de uma forca de trabalho disciplinada e estavel, e Akerlof (1982AKERLOF, G. (1982) “Labor Contracts as Partial Gift Exchanges”. The Quarterly Journal of Economics, 97: 543-569.) e Akerlof e Yellen (1988AKERLOF, G. & YELLEN, J. (1988) “Fairness and Unemployment”. The American Economic Review, 78(2): 44-49., 1990AKERLOF, G. & YELLEN, J. (1990) “The Fair Wage-Effort Hypothesis and Unemployment”. The Quarterly Journal of Economics, 105: 225-283.), que combinam argumentos de moral e esforco com as ideias keynesianas a respeito dos salarios relativos para explicar a ocorrencia de salarios de eficiencia.
  • 11
    Para uma revisao da literatura sobre modelos de barganha salarial, veja Oswald (1979OSWALD, A. (1979), “Wage Determination in an Economy with Many Trade Unions”, Oxford Economic Papers, 31.) e Oswald (1985OSWALD, A. (1985) “The Economic Theory of Trade Unions: An Introductory Survey”, Scandinavian Journal of Economics, 87: 160-193.). Layard, Nickell e Jackman (1991LAYARD, P.R.G., NICKELL, S. & JACKMAN, R. (1991) Unemployment: Macroeconomic Performance and the Labour Market. Oxford, Oxford University Press.) fazem uma sintese das diversas abordagens que procuram explicar a rigidez dos salarios reais.
  • 12
    Blanchflower e Oswald (1995BLANCHFLOWER, D. & OSWALD, A. (1995) The Wage Curve. MIT Press.) apresentam estimativas de equacoes de salarios para um grande numero de paises e concluem que a elasticidade dos salarios com relacao ao desemprego tende a situar-se ao redor de 0,10.
  • 13
    Argumenta-se ainda que a existencia de um significativo setor informal na economia brasileira contribui de alguma forma para a pequena influencia da taxa de desemprego na barganha salarial.
  • 14
    JEL Classification: J20; J31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1997
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