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Distribuição de renda no Brasil: avaliação das tendências de longo prazo e mudanças na desigualdade desde meados dos anos 701 1 Os autores agradecem os comentários de José Guilherme Reis, José Márcio Camargo, Rodolfo Hoffmann e Edmar Bacha à versão anterior e a assistência computacional de Renata Jeronymo.

Income distribution in Brazil: evaluation of the long-term tendencies and changes in inequality since mid-1970s

RESUMO

O artigo analisa a distribuição de renda brasileira, com o objetivo de identificar em que medida políticas econômicas, desempenho macroeconômico e mudanças na estrutura da força de trabalho estão relacionadas à desigualdade. Há evidências de aumentos de longo prazo na desigualdade, especialmente entre 1960 e 1970. As tendências de longo prazo não parecem ser afetadas pelo desempenho econômico, embora a estagnação da década de 1980 tenha levado a perdas absolutas de renda para todos os indivíduos, exceto aqueles no percentil superior. O comportamento de curto prazo, por outro lado, parece ter sido influenciado pelo desempenho econômico: há evidências de que o crescimento melhora a equidade, enquanto a alta inflação tem o efeito oposto. Uma análise de decomposição destaca a importância da educação na explicação da desigualdade, mas aponta para mudanças na estrutura da força de trabalho como o principal fator na contabilização de mudanças na desigualdade desde meados da década de 1970.

PALAVRAS-CHAVE:
Distribuição de renda; desigualdade; salários

ABSTRACT

The paper analyses the Brazilian size distribution of income with the objective of identifying to what extent economic policies, macroeconomic performance and changes in the structure of the labor force are related to inequality. There is evidence of long term increases in inequality, especially between 1960 and 1970. Long term trends do not seem to be affected by economic performance, although the stagnation of the 1980s has led to absolute income losses for all individuals except those in the top percentile. Short term behavior, on the other hand, seems to have been influenced by economic performance: there is evidence that growth enhances equity, whereas high inflation has the opposite effect. A decomposition analysis highlights the importance of education in explaining inequality, but points to changes in the structure of the labor force as the major factor in accounting for changes in inequality since the mid-1970s.

KEYWORDS:
Income distribution; inequality; wages

1. INTRODUÇÃO

A relação entre concentração de renda, crescimento econômico e política econômica é, reconhecidamente, de grande complexidade, o que se pode testemunhar pelo crescente volume de trabalhos de economistas e outros cientistas sociais que têm procurado clarificar os temas e as principais variáveis envolvidas.

O Brasil representa, a esse respeito, um interessante estudo de caso devido às enormes mudanças na concentração de renda que têm tido lugar em presença de não desprezíveis alterações na política econômica e flutuações no desempenho macroeconômico. Até o final dos anos 60, no entanto, a inexistência de dados adequados atrasou o início dos estudos de um dos mais perversos perfis distributivos do mundo contemporâneo. A partir daí, observam-se surtos de interesse no tema coincidindo com momentos em que novos dados censitários se tornam disponíveis. Mais recentemente as pesquisas sobre distribuição de renda no Brasil têm sido estimuladas pela disponibilidade de resultados das pesquisas domiciliares anuais conduzidas pelo IBGE (PNAD-Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Embora com escopo diferente do dos censos demográficos, as PNADs deram origem a diversos estudos que analisam a desigualdade de rendimentos e sua relação com a política e o desempenho econômico2 2 Uma relação parcial incluiria os de Bonelli e Sedlacek (1989, 1991), Ramos (1990) e Barros et alii (1992). Quanto a análises longitudinais, v. Barros, Sedlacek e Varandas (1990). Sobre a relação entre distribuição de renda e mobilidade social, v. Pastore (1986) e Barros, Reis e Ramos (1992).

Este trabalho é uma modesta contribuição nessa direção. Seu objetivo precípuo é o de avaliar tendências de longo prazo (de 1960 aos dias· de hoje) e analisar as mudanças no perfil distributivo desde meados dos anos 70 para identificar as principais variáveis explicativas e inferir como a política e o desempenho econômico contribuíram para o registro observado. O texto está organizado da seguinte forma. Na seção 2 se apresenta uma resenha das tendências de longo prazo. Na 3 analisam os índices de concentração desde meados dos anos 70 e exploram-se possíveis ligações com o desempenho macroeconômico do período. A seção 4 contém um sumário das principais teorias levantadas para explicar a evolução da desigualdade com ênfase na discussão sobre distribuição de renda que teve lugar no Brasil, como prelúdio à seção seguinte. A 5 mostra alguns exercícios de decomposição projetados para identificar características da força de trabalho que influenciaram o padrão observado da desigualdade entre 1977 e 1989. A seção final apresenta um resumo das principais conclusões.

2. TENDÊNCIAS DE LONGO PRAZO

Os primeiros trabalhos adequadamente fundamentados sobre a distribuição de renda no Brasil datam do final dos anos 60, estimulados pela disponibilidade de dados do Censo Demográfico de 19603 3 O estudo de Fishlow (1972) é a referência pioneira neste contexto. Embora publicado em 1972, sua elaboração data de fins dos anos 60. Estudos anteriores baseados na distribuição dos salários na indústria a partir de informações de amostras de firmas foram motivados pelos efeitos da chamada “inflação corretiva” de 1964-65, em face da legislação salarial restritiva adotada pelo governo militar instaurado em 1964, quando a fórmula de reajustes sistematicamente subestimava a inflação para efeito dos reajustes salariais. A mudança da fórmula em 1968 não foi suficiente para contrabalançar o fato de que os salários próximos ao mínimo legal foram os que mais perderam relativamente poder de compra durante a década como um todo. A comparação dos resultados dos censos de 1960 e 1970, já no início da década seguinte, ampliou consideravelmente o debate. Eventuais diferenças de mensuração que possam ter ocorrido à época logo cederam lugar a um amplo consenso em torno de um fato básico: o Brasil tinha experimentado entre 1960 e 1970 um aumento na concentração de renda sem precedentes em relação aos países para os quais existe documentação estatística.

O fato de que todos os estudos que trataram do tema tenham chegado à mesma conclusão central4 4 V., por exemplo, Hoffmann e Duarte (1972), Hoffmann (1973), Langoni (1973) e Fishlow (1973). . tornou possível concentrar a análise na interpretação do fenômeno - momento em que o consenso alcançado no que se refere à quantificação deixou de existir5 5 Uma resenha analítica da controvérsia encontra-se em Bacha e Taylor (1978). Diversas contribuições foram publicadas na coletânea editada por Tolipan e Tinelli (1975). . O debate que em seguida se travou permitiu que emergissem diversas interpretações para uma variação do grau de concentração da renda que, após alcançar um valor de 0,50 em 1960 quando medido pelo tradicional índice de Gini, chegou a aumentar sete pontos até alcançar 0,57 em 1970 no que se refere à PEA com rendimento não-nulo.6 6 Incluindo as pessoas sem rendimento, o índice aumenta de 0,557 para 0,612.

Quando se divulgaram os resultados do censo de 1980, constatou-se que considerando os anos extremos, a distribuição de renda havia se tornado ainda mais concentrada7 7 Observe-se, no entanto, que o aumento no índice de desigualdade não é apenas pequeno como também desaparece quando se incluem na análise as pessoas sem rendimento. Há ainda evidência de que a concentração de renda no meio urbano aumentou entre 1970 e 1974. V. adiante a evolução na segunda metade da década. nos anos 70 - embora o aumento da desigualdade tenha sido muito menor que nos 60.

Como os resultados do Censo Demográfico de 1991 ainda não estão disponíveis, a avaliação do que ocorreu na década de 80 tem de recorrer a outras fontes de dados como, por exemplo, as PNADs anuais. Um resumo da evidência de longo prazo, combinando resultados censitários e das pesquisas domiciliares para períodos aproximadamente com a mesma extensão, pode ser visto a seguir.

Tabela 1
Brasil - Indicadores selecionados da distribuição de renda da população economicamente ativa com rendimento não-nulo (1960-1990)

Apesar das diferenças metodológicas na definição de renda entre censos e PNADs, os dados acima apontam para um inequívoco aumento no grau de concentração de renda no Brasil desde o início dos anos 60. É nítido, nos percentis superiores, o ganho relativamente maior de peso do percentil mais rico em ambas as décadas de 60 e 70. Como assinala o indicador R 1/40, esta é uma característica da distribuição de renda no Brasil: forte assimetria entre os estratos mais pobres e a fina camada do percentil superior da distribuição.

A combinação das duas fontes permite ainda sugerir que, quando se usa o índice de Gini, a deterioração no perfil distributivo da PEA nos anos 80 (comparem-se as duas últimas colunas) foi semelhante à dos anos 708 8 Observe-se que a distribuição da renda familiar também registrou aumento da desigualdade nos anos 80, tendo o Gini passado de 0,588 em 1979 para 0,603 em 1990. V. Hoffmann (1992), onde também se mostra que os movimentos dentro da década são os mesmos quer se use a distribuição pessoal ou familiar. . Assim, o Brasil chegou à última década do século XX ostentando um dos piores índices de desigualdade na distribuição de rendimentos do mundo. O que também chama atenção na análise desses resultados é que a desigualdade parece ter aumentado independentemente do contexto macroeconômico. Como é bem sabido, tanto os anos 60 quanto os 70 foram, em média, períodos de crescimento acelerado da renda e do emprego. O contraste com o desempenho agregado nos anos 80 é, nesse sentido, gritante9 9 O PIB per capita aumentou em média 3,2% ao ano entre 1960 e 1970 e 6,0% entre 1970 e 1980. Na década seguinte o indicador praticamente estagnou entre os anos extremos. . No entanto, o aumento da desigualdade conforme medido pelo índice de Gini foi aproximadamente da mesma magnitude em ambas as décadas de 70 e 80, quando se comparam os anos extremos.

Outro importante aspecto de longo prazo se refere às mudanças absolutas nos níveis de renda e inferências relativas ao bem-estar da população com rendimento não-nulo que se possa fazer a partir dessas variações. A construção das curvas de Lorenz generalizadas ilustra esse ponto10 10 Essas curvas são construídas multiplicando-se as curvas de Lorenz pelas respectivas rendas médias. Utilizamos, para tanto, o PIB per capita para 1960, 1970 e 1980, e os rendimentos médios do trabalho das PNADs para 1981, 1986 e 1990. . O Gráfico 1, a seguir, mostra no painel superior essas curvas para os anos de 1960, 1970 e 1980. O fato de que as curvas se deslocam para cima ao longo do tempo indica que todos os estratos tiveram ganhos de renda entre esses anos - embora os ganhos tenham sido maiores quanto mais rico o estrato populacional.11 11 Razão pela qual se observa um movimento no sentido inverso para as curvas de Lorenz comuns. Para os 10% mais ricos, por exemplo, o aumento de renda entre 1960 e 1980 chegou a cerca de 150% em termos reais. Para os 40% mais pobres, por outro lado, o aumento foi da ordem de 120% nas duas décadas.

Gráfico 1
Curvas de Lorenz personalizadas - Censos (PEA com renda positiva)


Curvas de Lorenz generalizada - PNADs (PEA com renda positiva)

O painel inferior, por sua vez, mostra essas curvas para os anos de 1981, 1986 (escolhido por ser o ano em que foi mais alta a renda média na década) e 1990. Observa-se claramente a partir desse gráfico que, entre 1981 e 1986, aumentam em valor absoluto as rendas de todos os grupos, mas o oposto ocorre entre 1986 e 1990. Comparando o início e o fim da década fica evidente a piora. Em outras palavras, outro traço que distingue a década perdida dos 80 das duas anteriores é que, nela, não só a renda pessoal se tornou mais concentrada- como ocorrera tanto nos anos 60 quanto, em menor medida, nos 70-, mas também as rendas absolutas medidas pelas PNADs decresceram entre o ano inicial e o final. A única exceção é o percentil superior. Mesmo nesse caso, porém, o ganho de renda real não chega a 1%, acumulado entre 1981 e 1990.

Isso sugere que os ganhos de bem-estar (na medida em que se entenda a renda como tal) foram generalizados entre 1960 e 1980. Nos anos 80, por outro lado, as perdas de bem-estar foram características da quase totalidade da população brasileira. Ao levar em conta que os índices de desemprego em 1990 eram muito superiores aos do início da década anterior, o quadro de iniquidade e deterioração do bem-estar agrava-se mais ainda12 12 Para maiores detalhes v. Barros e Mendonça (1992). .

Um aspecto intrigante dos anos 80, quando comparados com as décadas anteriores - e, em particular, com os anos 60 - consiste em que o perfil de rendas associado à educação se tenha tornado ainda mais inclinado em um contexto de grande expansão educacional (como nos anos 60) mas em meio a um quadro de estagnação econômica (ao contrário daqueles anos). A questão que naturalmente ocorre é a de como conciliar a evidência de aumento da concentração13 13 Em uma decomposição do aumento de desigualdade entre 1960 e 1970, baseada na variância dos logaritmos, Langoni obteve que 35% do aumento se deveu a mudanças na composição educacional da força de trabalho, 23% a mudanças nas rendas médias dos grupos educacionais e o restante ao aumento da desigualdade dentro de cada grupo. com a melhoria educacional à luz da explicação pioneira oferecida por Langoni (1973LANGONI, C.G. (1973). Distribuição de Renda e Crescimento Econômico do Brasil. Ed. Expressão e Cultura.) para os anos 60: a de que o desenvolvimento econômico e tecnológico, ao aumentar a demanda de trabalho qualificado (“educado”) em condições de oferta inelástica a curto prazo, acoplado a mudanças clássicas na composição da força de trabalho que acompanham qualquer processo de desenvolvimento, é que teria provocado o aumento de concentração. Como veremos adiante (seção 5), essa explicação não se aplica aos anos 80, quando o país não cresceu.

3. DESIGUALDADE E DESEMPENHO MACROECONÔMICO: O REGISTRO DESDE MEADOS DOS ANOS 70

O acompanhamento anual dos índices de concentração de renda pode ser feito com as informações das PNADs do IBGE desde o começo dos anos 70. Dados comparáveis ao longo do tempo são disponíveis desde 1976, como os apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Brasil - indicadores selecionados da distribuição de renda da PEA (população economicamente ativa) com rendimento não-nulo (1976-1990)

A análise da tabela permite concluir que: (i) há uma clara tendência de redução da desigualdade entre o começo da série, em 1976, e o ano de 198114 14 Observe-se que a segunda metade dos anos 70 foi um período marcado pelo começo da abertura política e ressurgimento do movimento sindical. Uma das conquistas trabalhistas foi o estabelecimento de jure de reajustes semestrais de salários a partir do final de 1979- embora de facto diversas empresas dos setores mais organizados da economia já praticassem reajustes semestrais bem antes dessa data. ; (ii) o movimento seguinte é de aumento do grau de concentração, até 1985, embora 1984 registre uma pequena redução; (iii) a tendência é certamente crescente após 198615 15 Note-se, en passant, que o impacto distributivo do Plano de Estabilização de 1986 (Cruzado) foi menor do que pareceria à primeira vista. , sendo 1989 o ano em que foi mais alto o índice de desigualdade; (iv) considerada a década de 1980 como um todo, observa-se sem ambiguidade um aumento da desigualdade com o tempo na medida em que a curva de Lorenz de 1981 envolve totalmente a de 199016 16 V. as tabelas relevantes em IBGE (1992). ; (v) a concentração no topo da distribuição é muito acentuada, como se observa no aumento do índice R 1/40 de 1,3 em 1981 para 2,0 em 199017 17 A interpretação do índice é simples: um índice de 1 significa que uma pessoa situada nos 40% mais pobres precisa trabalhar quarenta meses para ganhar a mesma renda que uma pessoa no percentil superior. Um índice de 2, como em 1990, significa oitenta meses de trabalho. .

Uma questão central na análise da evolução da desigualdade é a de sua interrelação com o contexto macroeconômico. Mais particularmente, é importante avaliar se a expansão do nível de atividade no curto prazo exerce algum efeito sobre o grau de desigualdade.18 18 A explicação tradicional, baseada no fato de que concentração de renda e crescimento estão relacionados dado o vínculo da taxa de poupança- isto é, como as pessoas mais ricas têm maior propensão a poupar, uma redistribuição de renda em seu favor eleva a taxa de poupança agregada da economia e, portanto, a taxa de crescimento-, tem sido disputada em diversos trabalhos teóricos e empíricos. No presente contexto estamos mais interessados nos efeitos de curto prazo sobre o nível de emprego e remuneração da mão-de-obra e menos nas implicações do argumento anterior, que, tipicamente, operaria a mais longo prazo. A literatura de labor hoarding sugere que, como os trabalhadores mais qualificados são mais difíceis de repor- dadas as necessidades específicas das empresas e os custos de treinamento a elas associados-, estes continuariam mantendo seus postos de trabalho ao enfraquecer a demanda, ao contrário dos trabalhadores menos qualificados. Estes, por sua vez, experimentariam, sejam taxas mais altas de desemprego, seja mudança temporária para ocupações de menor remuneração (ou ocupações de tempo parcial), seja redução de carga horária/horas extras ou mesmo queda no salário. O efeito final seria um aumento na dispersão de salários e, portanto, da desigualdade. À medida que a atividade econômica se expandisse, o mecanismo operaria na direção oposta, com ganhos de renda relativamente mais altos para a mão-de-obra menos qualificada e redução da desigualdade.19 19 V. Ramos (1990) para discussão e referências. Observe-se ainda que a hipótese se aplica às recessões temporárias da atividade econômica. À medida que as empresas percebam que a recessão é longa, a tendência seria no sentido de economizar indiscriminadamente mão-de-obra.

Uma pergunta que naturalmente se coloca é em que medida as acentuadas variações no desempenho econômico brasileiro desde meados dos anos 70 se relacionam às mudanças na desigualdade. Ou, em outras palavras, existe um conflito entre crescimento e redistribuição de renda na direção das classes mais pobres no período de tempo considerado? Pode-se atribuir às políticas macroeconômicas adotadas no Brasil durante a maior parte dos anos 80 alguma responsabilidade pela deterioração da distribuição de renda?

Obviamente, não temos a pretensão de dar respostas definitivas a essas perguntas no âmbito do presente trabalho. A evidência disponível, no entanto, sugere respostas positivas à primeira e à terceira das questões acima, bem como uma negativa à segunda.

A Tabela 3 e o Gráfico 2 ajudam a explorar esses temas20 20 Por falta de um indicador adequado, deixamos de incluir na análise uma variável representativa da intensidade da atividade sindical, um fator que teve claramente grande influência nas rendas do trabalho no período. . Na tabela constam uma série do PIB per capita, a taxa de inflação no mês de referência da PNAD e os sinais das variações nos índices de desigualdade (os Gini da tabela anterior) e da renda per capita. A inspeção da tabela e do gráfico sugere que as variações das duas últimas colunas são inversamente relacionadas, especialmente até 1986. Após esse ano, com a grande aceleração inflacionária e a sucessão de choques e planos de estabilização, quebra-se o padrão até então observado. Assim, por exemplo, um dos resultados do Plano Bresser foi a imposição de perdas salariais generalizadas, o que deve ter contribuído para aumentar a desigualdade.

Gráfico 2
Desigualdade e renda per capita

Tabela 3
PIB per capita, inflação mensal no mês de referência da pesquisa (setembro) e direção das mudanças nos índices de desigualdade e do PIB per capita (1976-1990)

O fato de que a desigualdade aumentou tanto após 1988 sugere que os indivíduos no topo da pirâmide de rendimentos foram mais capazes de defender sua renda real (através da indexação diária de seus rendimentos, por exemplo) que aqueles na base.21 21 Os resultados de 1989 - aumento da desigualdade e crescimento, embora de pequena expressão - são até certo ponto surpreendentes. Uma das características dos dados da PNAD para esse ano é um aumento substancial das rendas de todos os estratos, difícil de explicar dadas as condições econômicas da época. A relação entre desigualdade e inflação, no entanto, é um tema por demais polêmico e que escapa ao contexto deste trabalho. Nosso propósito aqui é o de tão-somente investigar se existe associação entre algumas variáveis de interesse. O que é aparente dos dados é que há uma mudança de padrão na associação entre desigualdade e crescimento após 1986 - não coincidentemente, quando as taxas de inflação escaparam de controle.22 22 Essa indicação é reforçada por um exercício simples: o coeficiente de correlação entre as séries de inflação e da desigualdade (Gini) muda substancialmente quando os últimos anos da década de 1980 são incluídos no cômputo. Assim, o coeficiente de correlação para o período 1976-1986 é de -0,29 (não significativo a 20%), enquanto, para o período 1976-1989, se encontra um coeficiente positivo de 0,71 (significativo a 1%). Considerando apenas 1980-1990, o coeficiente aumenta ainda mais, indicando que desigualdade de renda e inflação estão positivamente correlacionadas.

Valemo-nos em seguida de um teste não paramétrico para verificar se existe associação entre a direção das variações na desigualdade e as da renda per capita. O teste do sinal foi aplicado às séries dY e dG da Tabela 3 no período 1977-1990. O resultado é um p-value de 0,19 que leva à rejeição da hipótese de uma associação negativa entre a direção das variações nas duas séries. O mesmo teste fornece um -p-value de 0,07 (de um total de oito observações, há sete certas), quando aplicado ao período 1977-1986, o que empresta apoio estatístico à hipótese de uma associação negativa. Como já assinalado, essa associação é obscurecida pela aceleração inflacionária após 1986.

Quaisquer que sejam as razões para esses resultados, a evidência é que, enquanto sob condições normais de funcionamento da economia, o crescimento e a política econômica parecem ter operado no curto prazo no sentido de reduzir a desigualdade. Isso implica que o crescimento pode ser uma arma contra a desigualdade e a pobreza: não apenas resulta em ganhos generalizados devido às rendas mais altas, mas pode também se associar a aumentos na participação relativa na renda das classes mais pobres da população. Um trabalho mais difícil é o de identificar as variáveis econômicas e sociodemográficas subjacentes a tais processos - tarefa à qual nos dedicamos na seção 5.

4. TEORIAS EXPLICATIVAS DAS MUDANÇAS NA DISTRIBUIÇÃO PESSOAL DA RENDA

Existem dois conjuntos principais de teorias para explicar a distribuição da renda e suas variações ao longo do tempo.23 23 V. Ramos e Reis (1991) para uma resenha completa. Não comentamos no texto sobre as teorias estocásticas da distribuição de renda. Um primeiro grupo é o das teorias que relacionam as rendas individuais a características que refletem habilidades individuais de agentes econômicos que seguem escolhas racionais e se guiam pelos postulados maximizadores da teoria neoclássica em um contexto de informação perfeita. A teoria do capital humano, com sua ênfase no papel das variáveis educacionais para a explicação da desigualdade, é a mais amplamente aceita neste grupo. Segundo ela, os agentes econômicos alocam seu tempo na educação, baseando-se em preferências individuais e nos retornos de mercado dos diferentes níveis educacionais, de modo a maximizar o valor presente de seu bem-estar (ou renda) ao longo do ciclo de vida. Portanto, em uma sociedade caracterizada pela igualdade de oportunidades de acesso à educação e informação perfeita, a desigualdade na distribuição de renda reflete essencialmente escolhas individuais e preferências dos agentes econômicos, bem como seu estágio no ciclo de vida24 24 A teoria também enfatiza - mas os estudos empíricos geralmente não consideram - o papel de variáveis relacionadas à origem familiar e habilidades inatas dos indivíduos. A maior parte dos estudos também negligencia o papel da riqueza familiar e não considera a direção da causalidade entre renda e educação. .

Ao reconhecer a existência de imperfeições que possam impedir os indivíduos de seguir as opções dadas pelas suas escolhas racionais, a política econômica governamental pode (e deve) promover o acesso à educação como forma de diminuir o hiato entre a distribuição real e a distribuição desejada de educação e, ao menos em parte, de renda. Adicionalmente, a expansão da educação pode contribuir para reduzir a desigualdade na medida em que elimine eventuais desequilíbrios entre oferta e demanda e as quase-rendas associadas à escassez prévia de trabalho qualificado.

No entanto, a aplicabilidade estrita da teoria do capital humano à experiência dos países não desenvolvidos é prejudicada pelo fato de que, nesses países, não existem diversas das precondições necessárias acima referidas. Em particular, a norma é a existência de mercados imperfeitos ou incompletos, dificuldades e barreiras de acesso à informação, existência de poderes de monopólio e/ou oligopólio em diversos mercados e dificuldades de comunicação entre os agentes econômicos e regiões - apenas para citar alguns traços típicos do ambiente socioeconômico de tais países. A aplicabilidade da teoria nessas condições pode resultar em análises incorretas.

Existe um segundo grupo de ideias e modelos que procura explorar precisamente essas características do mundo não desenvolvido utilizando, por exemplo, as noções de:

  1. Segmentação e outras imperfeições de mercado. Encontram-se aqui as teorias dos “mercados internos de trabalho” e dualismo e competição por emprego. No primeiro caso, além da educação, destaca-se o papel de outras variáveis na explicação da desigualdade, tais como as específicas do setor e da região onde opera a firma, reconhecendo os custos de rotatividade e o poder de barganha da mão-de-obra organizada/sindicalizada como variáveis que influenciam a progressão funcional dos trabalhadores. No segundo caso os salários são determinados pelas características dos postos de trabalho: o produto marginal do trabalho não é determinado apenas pelo montante de capital humano acumulado, mas também por fatores específicos às próprias ocupações;

  2. Fatores institucionais. Encontram-se aqui, por exemplo, as abordagens que enfatizam o papel do salário-mínimo e das políticas econômicas na conformação da estrutura de salários e outras rendas. Em particular, a influência do salário-mínimo sobre a concentração de renda projeta-se em duas vertentes: por um lado, ele pode ser visto como um determinante da estrutura salarial25 25 Acerca do debate brasileiro recente sobre este aspecto veja-se Souza e Baltar (1979, 1981), Macedo (1980, 1981), Wells e Drobny (1982), Velloso (1988) e Reis (1989). (o chamado “efeito-farol”); por outro, pode ser encarado como um instrumento de proteção de renda dos assalariados na base da pirâmide social26 26 Muitas das ideias desse segundo grupo não foram ainda adequadamente formalizadas e integradas em marcos analíticos que se pudessem utilizar para modelar mudanças no perfil de rendas, a exemplo dos modelos de otimização de competição imperfeita. No entanto, o fato de que as análises aqui tenham um caráter ad hoc não implica que sejam menos relevantes. .

Em mais de um sentido o debate que teve lugar no Brasil em meados dos anos 70 acerca das razões subjacentes ao aumento da concentração de renda observado entre 1960 e 1970 reproduziu as divergências entre os dois conjuntos de ideias. De um lado, alinharam-se os defensores das interpretações do tipo da teoria do capital humano27 27 V., por exemplo, Langoni (1973), Senna (1976) e Castello Branco (1979). , os quais atribuíam o aumento de desigualdade a dois conjuntos principais de causas:

  1. mudanças clássicas na distribuição de renda associadas ao desenvolvimento econômico, segundo uma explicação à la Kuznets, baseada em variações na estrutura da força de trabalho;

  2. desequilíbrios temporários no mercado de trabalho ocasionados pela expansão diferenciada da demanda de trabalho qualificado, sendo a oferta fixa no curto prazo.

A análise baseada nessa classe de interpretações concluía que o aumento na concentração era não só temporário, mas também auto corrigível em uma economia em crescimento, à medida que se expandisse a oferta de mão-de-obra qualificada e fossem consequentemente eliminadas as quase-rendas auferidas por esses trabalhadores - que constituíam, na origem, a fonte do aumento da desigualdade.

A hipótese dos desequilíbrios temporários não parece ter resistido ao tempo quando se analisa a questão com a vantagem de o ponto de vista se situar no início dos anos 90. De fato, o período desde fins dos anos 60 testemunhou no Brasil um aumento sem precedentes no conteúdo educacional da mão-de-obra (conforme medido pelo aumento absoluto e relativo no número de trabalhadores com nível superior) sem uma concomitante redução da desigualdade - pelo contrário, como vimos, houve aumento! Além disso, dada a redução do ritmo de crescimento econômico - de fato, estagnação nos anos 80 -, torna-se difícil explicar com essa interpretação o aumento nas taxas de retorno da educação observado em anos recentes28 28 V., a propósito, Barros e Reis (1991), Ramos e Trindade (1991), Leal e Werlang (1991) e Barros e Ramos (1991). Por outro lado, veja-se também Lam e Levinson (l990a,l 990b), que identificaram em análises de cross-section uma redução dos retornos à educação para as gerações mais jovens.

As explicações alternativas às interpretações do tipo da do capital humano enfatizavam os efeitos da política econômica para o aumento observado na desigualdade. Em particular destacava-se: o papel da política salarial sob condições inflacionárias como as dos anos 60 e a não-neutralidade da política econômica geral no período; a importância do lucro das empresas para os salários gerenciais; fatores relacionados à evolução cíclica da atividade econômica; variáveis relacionadas ao funcionamento de mercados imperfeitos29 29 V., entre outros, Hoffmann e Duarte (1972), Fishlow (1972, 1973), Malan e Wells (1973) e Bacha e Taylor (1978).

Claramente, dado que a renda de um indivíduo resulta de um processo complexo e multifacetado, grandemente determinado por sua dotação inicial de riqueza (bem como por sua origem familiar), preferências e decisões de investimento tomadas ao longo da vida, bem como de características societais, qualquer teoria que deixe de considerar alguma dessas variáveis levará, na melhor das hipóteses, a uma explicação parcial da concentração de renda e sua evolução. Assim, por exemplo, ao não considerar explicitamente a importância das transmissões de riqueza entre gerações sucessivas as diversas teorias existentes deixam inexplicado um fator que representa provavelmente uma das maiores fontes da desigualdade e de sua perpetuação.

Apesar disso, o papel de características específicas da força de trabalho é tido como reconhecidamente importante. Dada a robusta evidência empírica que destaca o papel da educação e outras variáveis econômicas e demográficas associadas à força de trabalho, a teoria do capital humano revela-se útil e continua adotada ao menos como estrutura analítica básica para a construção de modelos. A seção seguinte procura precisamente avaliar a importância desses aspectos na experiência brasileira recente.

5. EXPLICAÇÃO DAS VARIAÇÕES NA DESIGUALDADE: UM EXERCÍCIO DE DECOMPOSIÇÃO PARA O PERÍODO 1977-1989 E SUBPERÍODOS SELECIONADOS

Nesta seção se avaliam as relações entre a composição da força de trabalho segundo variáveis econômicas e sociodemográficas e a desigualdade, assim como entre mudanças nessa composição e na desigualdade, procurando responder à pergunta: em que medida é possível associar mudanças socioeconômicas da força de trabalho e variáveis relacionadas ao desempenho macroeconômico com variações na desigualdade da distribuição de rendimentos? Para tanto, considera-se o papel de quatro variáveis (educação, idade, setor de atividade e posição na ocupação) na explicação da desigualdade em um ponto no tempo (decomposição estática, subseção 5.1) e na explicação da variação na desigualdade ao longo do tempo (decomposição dinâmica, subseção 5.2)30 30 O Apêndice contém a definição e descrição do nível de agregação de cada variável. Os dados provêm das PNADs de 1977, 1981, 1985 e 1989 e referem-se a uma amostra de pessoas do sexo masculino, com idade entre dezoito e 65 anos, renda do trabalho positiva, trabalhando pelo menos vinte horas semanais em áreas urbanas. .

5.1. Decomposição estática

Este exercício utiliza o índice T de Theil para decompor a desigualdade em duas partes: a desigualdade entre os grupos socioeconômicos de interesse e a desigualdade no interior desses grupos. O índice T de Theil pode ser escrito como

T = i = 1 n a i × b i × log a i = g = 1 G a g × b g × log a g + g = 1 G a g × b g × T g

onde os a são a relação entre a renda média do grupo e a renda média total, os b são a participação relativa de cada grupo na população total e T é o T de Theil entre os membros do g-ésimo grupo. O primeiro termo no lado direito da equação representa a desigualdade entre os grupos considerados31 31 Esse componente pode ser entendido como a contribuição da partição da população para a desigualdade, na medida em que representa o nível de desigualdade que prevaleceria no caso de uma redistribuição de renda que preservasse a renda média de cada grupo e eliminasse a desigualdade em seu interior. , ao passo que o segundo representa a desigualdade intragrupos. A Tabela 4 apresenta o resultado de decomposições estáticas baseadas em partições univariadas e multivariadas da população (isto é, baseadas em partições da população de acordo com grupos de uma só variável ou combinações de mais de uma variável) para os anos de 1977, 1981, 1985 e 1989 individualmente.

Tabela 4
Poder explicativo do modelo na decomposição estática (% do T de Theil)

A variável representativa do status educacional destaca-se como a que explica, individualmente, a maior parcela da desigualdade em cada ano estudado. Seu poder explicativo varia entre 29% e 36% da desigualdade total, dependendo do ano considerado. A posição na ocupação (isto é, a divisão da força de trabalho entre empregados, empregadores e trabalhadores por conta própria) é a segunda variável mais importante, respondendo por algo entre 9% e 13% da desigualdade. A menor contribuição é a do setor de atividade, em torno de 5-7%. O quadro praticamente não muda quando se consideram as contribuições marginais - isto é, quanto cada variável acrescenta de explicação ao modelo quando se passa do modelo com três variáveis para o completo - exceto pelo fato de que idade e posição na ocupação apresentam aproximadamente o mesmo poder de explicação.

O modelo completo, com as quatro variáveis, explica pouco mais da metade da desigualdade total - o restante sendo devido à desigualdade dentro dos grupos considerados na partição. O fato de que a proporção decresça levemente entre 1981 e 1989 (de 56,4% para 51,l%) pode estar indicando um tendência no sentido de que outras variáveis vêm ganhando peso na década, com a recessão e a aceleração inflacionária32 32 Assinale-se que a própria aceleração inflacionária pode estar provocando maior variância do erro de medida. . Assinale-se que a própria aceleração inflacionária pode estar provocando maior variância no erro de medida.

A importância da variável educação na decomposição efetuada confirma resultados de estudos anteriores33 33 V., por exemplo, Langoni (1973), Wajnman (1989), Ramos (1990) e Barros e Reis (1991). Qualquer que tenha sido a metodologia adotada ou o período estudado, uma característica comum desses estudos é o destaque da variável representativa do nível educacional da mão-de-obra na explicação do padrão observado de desigualdade. . A desigualdade na distribuição de renda - ou, para ser mais preciso, da renda do trabalho - poderia ser substancialmente reduzida, em um montante entre um quarto e um terço, se os diferenciais entre níveis educacionais fossem reduzidos ou, no limite, eliminados. Tais resultados sublinham a importância e o papel potencial de políticas voltadas para a melhora no perfil educacional da mão-de-obra a fim de reduzir a desigualdade no Brasil.

5.2. Decomposição dinâmica

O modelo cujos resultados se apresentam a seguir permite decompor a variação na desigualdade (decomposição “dinâmica”) segundo expressa por um índice T de Theil em três partes, que se podem atribuir a: (i) mudanças nos tamanhos relativos dos grupos socioeconômicos em que se reparte a amostra; (ii) mudanças nas rendas relativas dos grupos socioeconômicos; (iii) dispersão interna a cada grupo considerado34 34 V. Apêndice 1. O primeiro efeito é denominado alocação, o segundo, efeito renda e o terceiro, efeito interno ou desigualdade interna. .

O exercício de decomposição cobre três períodos caracterizados por diferentes combinações de desempenho macroeconômico e evolução da desigualdade, bem com o conjunto deles: o primeiro, 1977-1981, caracterizou-se pelo elevado crescimento da renda per capita, redução da desigualdade e aceleração inflacionária em sua segunda metade35 35 Uma escolha melhor teria sido 1977-1980. Os dados para esse período, no entanto, não são disponíveis. ; o segundo cobre 1981-1985, anos marcados pela recessão (exceto o último) e elevação da desigualdade em um contexto de inflação alta e crescente; o terceiro período, 1985-1989, registra aumento adicional da concentração em um meio macroeconômico marcado por surtos alternados de crescimento e recessão, real ameaça de hiperinflação e o recurso a congelamentos de preços e salários que alteraram profundamente o funcionamento normal da economia.

Os resultados dos exercícios de decomposição dinâmica encontram-se na Tabela 5. Duas observações claramente se destacam dos resultados do modelo completo (isto é, incluindo as quatro variáveis): primeiro, que aproximadamente metade da variação da desigualdade na distribuição da renda do trabalho - a rigor, uma proporção que varia de 42% a 52%, dependendo do período considerado - pode ser atribuída a mudanças na composição da força de trabalho segundo as variáveis consideradas (educação, idade, posição na ocupação e setor de atividade) e mudanças nos diferenciais de renda entre os grupos; segundo, o efeito renda domina consistentemente o efeito alocação, praticamente irrelevante em termos quantitativos para os dois primeiros períodos e de pouca importância, tanto entre 1985 e 1989, quanto em relação ao período como um todo.

Tabela 5
Resultados da decomposição dinâmica (% da variação no T de Theil)

Quando o período 1977-1989 é avaliado como um todo, observa-se que as quatro variáveis explicam 44% do aumento na distribuição de rendas do trabalho da amostra. Os 56% restantes devem-se a mudanças dentro dos grupos formados pelas variáveis consideradas. Destes 44% cerca de 38% podem se atribuir às rendas médias dos grupos. Apenas 6% foram devidos ao efeito alocação - isto é, a mudanças na composição da força de trabalho.

A importância do último ponto se relaciona a uma possível interpretação kuznetsiana da evolução da distribuição de renda no Brasil. Como se recorda, este foi um aspecto relevante no debate sobre a evolução da distribuição de renda no Brasil nos anos 60: de acordo com os modelos do tipo do de Kuznets, o efeito alocativo deveria ser de magnitude apreciável, podendo até superar o efeito renda. Claramente, não foi o caso no Brasil dos anos 80.

A evidência contra uma tal interpretação é reforçada pela análise dos dados setoriais. No Apêndice 2 Apêndice 2: Base de dados, seleção da amostra e agregação As Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) têm sido realizadas pelo IBGE desde o final da década de 1960, à exceção dos anos censitários. Desde então a pesquisa passou por diversas etapas que trouxeram modificações em termos do escopo geográfico e de informações. O formato atual, porém, é essencialmente o mesmo desde 1976. Isso toma as análises feitas com essa base consistentes a partir daí. De modo a minimizar os problemas de auto seleção, de heterogeneidade temporal e peculiaridades do processo de formação de rendas, restringiu-se o universo de análise aos indivíduos: (i) do sexo masculino; (ii) participando da força de trabalho; (iii) não desempregados; (iv) com idade entre 18 e 65 anos; (v) trabalhando pelo menos vinte horas semanais; (vi) vivendo em áreas urbanas; (vii) com atributos de interesse claramente identificados. Desses critérios resultou uma amostra com cerca de 56 mil indivíduos em 1976, algo entre 64 mil e 84 mil entre 1977 e 1985, e cifras da ordem de 43-47 mil de 1986 a 1990. Os membros da amostra foram agregados segundo nível educacional nas seguintes categorias: (1) menos de um ano de escolaridade; (2) escola elementar - um a quatro anos; (3) escola intermediária-cinco a oito anos; (4) escola secundária-nove a onze anos; (5) educação superior - doze ou mais anos de escolaridade. A divisão da amostra segundo faixas etárias obedeceu ao seguinte critério: (1) 18 a 24 anos de idade; (2) 25 a 34 anos; (3) 35 a 44 anos; (4) 45 a 54 anos; (5) 55 a 65 anos. A classificação segundo setor de atividade contemplou a divisão seguinte: (1) indústria pesada; (2) indústria leve; (3) construção civil; (4) comércio; (5) setor financeiro; (6) transportes; (7) serviços; (8) administração pública; (9) agricultura. Em relação à posição na ocupação, adotou-se a seguinte divisão: (1) empregado; (2) conta própria; (3) empregador. A tabela a seguir resume as principais estatísticas amostrais segundo variáveis selecionadas. Tabela A-1 Var. Cat.* 1977 1981 1985 1989 a b T a b T a b T a b T Educ. 1 0.41 0.13 0.35 0.43 0.12 0.30 0.39 0.11 0.30 0.36 0.10 0.51 2 0.71 0.46 0.43 0.69 0.42 0.31 0.66 0.37 0.40 0.63 0.34 0.55 3 0.91 0.23 0.44 0.86 0.23 0.36 0.80 0.26 0.43 0.74 0.27 0.53 4 1.48 0.11 0.48 1.33 0.14 0.39 1.27 0.16 0.42 1.23 0.18 0.54 5 3.36 0.08 0.35 3.15 0.09 0.29 3.08 0.10 0.33 3.08 0.11 0.46 Idade 1 0.51 0.25 0.31 0.52 0.24 0.28 0.48 0.23 0.32 0.46 0.23 0.43 2 1.06 0.31 0.52 1.05 0.32 0.40 1.01 0.33 0.45 0.97 0.32 0.58 3 1.21 0.22 0.55 1.25 0.23 0.50 1.33 0.23 0.57 1.31 0.24 0.65 4 1.30 0.15 0.69 1.25 0.15 0.58 1.25 0.14 0.64 1.36 0.15 0.86 5 1.15 0.07 0.79 1.04 0.07 0.68 1.05 0.07 0.77 1.08 0.07 0.95 Pos. 1 0.86 0.75 0.53 0.94 0.74 0.49 0.90 0.74 0.54 0.83 0.74 0.63 2 1.04 0.20 0.54 0.85 0.21 0.42 0.91 0.20 0.52 0.95 0.20 0.59 3 2.96 0.05 0.56 2.45 0.05 0.41 2.78 0.05 0.45 2.95 0.07 0.67 Set. 1 1.11 0.14 0.49 1.28 0.14 0.40 1.19 0.13 0.50 1.09 0.14 0.54 2 0.81 0.09 0.56 0.83 0.09 0.46 0.79 0.09 0.51 0.76 0.09 0.74 3 0.67 0.15 0.46 0.61 0.15 0.40 0.55 0.12 0.49 0.57 0.12 0.58 4 1.05 0.14 0.56 0.91 0.14 0.45 0.97 0.17 0.60 1.08 0.16 0.88 5 1.89 0.03 0.45 2.02 0.03 0.40 1.89 0.04 0.42 2.14 0.03 0.43 6 0.96 0.80 0.47 0.98 0.08 0.38 1.02 0.08 0.39 0.99 0.07 0.55 7 1.13 0.16 0.56 1.12 0.18 0.56 1.06 0.19 0.63 1.12 0.21 0.77 8 1.28 0.11 0.59 1.18 0.11 0.48 1.25 0.12 0.55 1.06 0.11 0.61 9 0.74 0.10 1.14 0.73 0.08 0.78 0.76 0.09 0.83 0.79 0.07 1.02 a: renda média relativa; b: proporção na população; T: desigualdade interna. *: categorias definidas acima. se observa que a composição setorial da força de trabalho permaneceu aproximadamente estável no lapso de doze anos aqui considerado. Além disso, tanto o efeito alocativo quanto o poder explicativo global da variável setor de atividade são de escassa importância, seja em termos brutos seja em termos marginais.

As estatísticas referentes à composição etária da força de trabalho (Apêndice 2 Apêndice 2: Base de dados, seleção da amostra e agregação As Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) têm sido realizadas pelo IBGE desde o final da década de 1960, à exceção dos anos censitários. Desde então a pesquisa passou por diversas etapas que trouxeram modificações em termos do escopo geográfico e de informações. O formato atual, porém, é essencialmente o mesmo desde 1976. Isso toma as análises feitas com essa base consistentes a partir daí. De modo a minimizar os problemas de auto seleção, de heterogeneidade temporal e peculiaridades do processo de formação de rendas, restringiu-se o universo de análise aos indivíduos: (i) do sexo masculino; (ii) participando da força de trabalho; (iii) não desempregados; (iv) com idade entre 18 e 65 anos; (v) trabalhando pelo menos vinte horas semanais; (vi) vivendo em áreas urbanas; (vii) com atributos de interesse claramente identificados. Desses critérios resultou uma amostra com cerca de 56 mil indivíduos em 1976, algo entre 64 mil e 84 mil entre 1977 e 1985, e cifras da ordem de 43-47 mil de 1986 a 1990. Os membros da amostra foram agregados segundo nível educacional nas seguintes categorias: (1) menos de um ano de escolaridade; (2) escola elementar - um a quatro anos; (3) escola intermediária-cinco a oito anos; (4) escola secundária-nove a onze anos; (5) educação superior - doze ou mais anos de escolaridade. A divisão da amostra segundo faixas etárias obedeceu ao seguinte critério: (1) 18 a 24 anos de idade; (2) 25 a 34 anos; (3) 35 a 44 anos; (4) 45 a 54 anos; (5) 55 a 65 anos. A classificação segundo setor de atividade contemplou a divisão seguinte: (1) indústria pesada; (2) indústria leve; (3) construção civil; (4) comércio; (5) setor financeiro; (6) transportes; (7) serviços; (8) administração pública; (9) agricultura. Em relação à posição na ocupação, adotou-se a seguinte divisão: (1) empregado; (2) conta própria; (3) empregador. A tabela a seguir resume as principais estatísticas amostrais segundo variáveis selecionadas. Tabela A-1 Var. Cat.* 1977 1981 1985 1989 a b T a b T a b T a b T Educ. 1 0.41 0.13 0.35 0.43 0.12 0.30 0.39 0.11 0.30 0.36 0.10 0.51 2 0.71 0.46 0.43 0.69 0.42 0.31 0.66 0.37 0.40 0.63 0.34 0.55 3 0.91 0.23 0.44 0.86 0.23 0.36 0.80 0.26 0.43 0.74 0.27 0.53 4 1.48 0.11 0.48 1.33 0.14 0.39 1.27 0.16 0.42 1.23 0.18 0.54 5 3.36 0.08 0.35 3.15 0.09 0.29 3.08 0.10 0.33 3.08 0.11 0.46 Idade 1 0.51 0.25 0.31 0.52 0.24 0.28 0.48 0.23 0.32 0.46 0.23 0.43 2 1.06 0.31 0.52 1.05 0.32 0.40 1.01 0.33 0.45 0.97 0.32 0.58 3 1.21 0.22 0.55 1.25 0.23 0.50 1.33 0.23 0.57 1.31 0.24 0.65 4 1.30 0.15 0.69 1.25 0.15 0.58 1.25 0.14 0.64 1.36 0.15 0.86 5 1.15 0.07 0.79 1.04 0.07 0.68 1.05 0.07 0.77 1.08 0.07 0.95 Pos. 1 0.86 0.75 0.53 0.94 0.74 0.49 0.90 0.74 0.54 0.83 0.74 0.63 2 1.04 0.20 0.54 0.85 0.21 0.42 0.91 0.20 0.52 0.95 0.20 0.59 3 2.96 0.05 0.56 2.45 0.05 0.41 2.78 0.05 0.45 2.95 0.07 0.67 Set. 1 1.11 0.14 0.49 1.28 0.14 0.40 1.19 0.13 0.50 1.09 0.14 0.54 2 0.81 0.09 0.56 0.83 0.09 0.46 0.79 0.09 0.51 0.76 0.09 0.74 3 0.67 0.15 0.46 0.61 0.15 0.40 0.55 0.12 0.49 0.57 0.12 0.58 4 1.05 0.14 0.56 0.91 0.14 0.45 0.97 0.17 0.60 1.08 0.16 0.88 5 1.89 0.03 0.45 2.02 0.03 0.40 1.89 0.04 0.42 2.14 0.03 0.43 6 0.96 0.80 0.47 0.98 0.08 0.38 1.02 0.08 0.39 0.99 0.07 0.55 7 1.13 0.16 0.56 1.12 0.18 0.56 1.06 0.19 0.63 1.12 0.21 0.77 8 1.28 0.11 0.59 1.18 0.11 0.48 1.25 0.12 0.55 1.06 0.11 0.61 9 0.74 0.10 1.14 0.73 0.08 0.78 0.76 0.09 0.83 0.79 0.07 1.02 a: renda média relativa; b: proporção na população; T: desigualdade interna. *: categorias definidas acima. ) revelam que a proporção dos trabalhadores no auge do ciclo de trabalho aumentou levemente entre 1977 e 1989. A participação dos mais jovens diminuiu um pouco e a dos mais velhos permaneceu estável. Ao mesmo tempo houve um substancial aumento nos salários de todos os grupos relativamente ao dos mais jovens. Como consequência o efeito alocativo geral foi negativo, embora pequeno, e o efeito renda foi positivo36 36 É interessante notar que o poder explicativo da variável idade desaparece quando se considera o efeito conjunto de educação, setor e posição na ocupação. Sua contribuição marginal é negligenciável ou mesmo negativa, significando que mudanças no perfil etário da força de trabalho não relacionadas a essas variáveis não foram relevantes em termos distributivos. .

Mudanças associadas à variável posição na ocupação são responsáveis por cerca de um quarto da variação no T de Theil no período total, proporção que supera a das mudanças devidas à educação tanto em termos alocativos quanto de renda relativa. Além disso, a contribuição da variável é a mais alta de todas em todos os períodos analisados. Tal variável é estreitamente relacionada à estrutura de emprego na economia e pode ser encarada como uma proxy para o grau de controle sobre o capital físico. Embora essa interpretação não seja despida de ambiguidade, a magnitude do poder explicativo da variável na decomposição dinâmica atesta pelo menos a relevância dos movimentos na estrutura do emprego para a explicação de mudanças na distribuição de renda. Aponta também para diferenças no processo de formação de rendas dentro de cada categoria como relevantes para o entendimento dos mecanismos geradores da desigualdade.

Os resultados registrados na Tabela 5 são de certa forma surpreendentes, uma vez que revelam que a escolaridade perdeu muito do poder explicativo quanto ao aumento da desigualdade, seja quando se compara com os resultados de Langoni, seja quando se compara com os resultados do exercício estático antes apresentado. Quando a variável educação foi considerada isoladamente, observou-se que mudanças relacionadas a sua alocação e diferenciais de renda relativa responderam por 6,2% da variação na desigualdade entre 1977 e 1981, por 20,5% entre 1981 e 1985 e por 9,3% entre 1985 e 1989. Quando o período 1977-89 é considerado, observa-se que a educação responde por 15%. Alternativamente, no modelo completo, de quatro variáveis, a educação apresentou um poder explicativo marginal, variando de 12,9% no último período a 18,6% no primeiro - a média para 1977-89 sendo de 10,8%.

Quando se analisam os resultados para 1977-81, observa-se que as conclusões estão de acordo com as predições de Langoni discutidas na seção anterior: a conjunção de crescimento econômico e melhora educacional resultou em redução da desigualdade. As coisas começam a ficar menos claras nos anos 80. Na primeira metade da década, verifica-se uma melhoria dos níveis educacionais em um contexto de recessão e virtual estagnação da renda per capita. Nesse período (1981-85), observa-se uma ampliação dos diferenciais de renda relacionados à educação que contribuiu fortemente para a piora em termos de desigualdade37 37 Há evidência de que a hipótese de labor hoarding fornece uma explicação para o fenômeno. V. Ramos (1990). . Na segunda metade dos anos 80, observa-se uma ampliação adicional desses diferenciais de renda em presença de expansão educacional, crescente pressões inflacionárias e crescimento econômico intermitente. É possível especular que, nessas condições, a contribuição da educação para a distribuição de renda tenha sido principalmente através do acesso a mecanismos de proteção contra a inflação - isto é, as pessoas mais “educadas” têm mais acesso à informação acerca de como melhor proteger seus rendimentos diante da inflação.

Na avaliação do período 1977-1989 como um todo, observa-se uma substancial melhora no conteúdo educacional da mão-de-obra. A participação relativa dos trabalhadores com escolaridade abaixo da intermediária decresceu de 59% para 44%, e a parcela daqueles que pelo menos começaram o segundo grau aumentou de 19% para 29% (Apêndice 2 Apêndice 2: Base de dados, seleção da amostra e agregação As Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) têm sido realizadas pelo IBGE desde o final da década de 1960, à exceção dos anos censitários. Desde então a pesquisa passou por diversas etapas que trouxeram modificações em termos do escopo geográfico e de informações. O formato atual, porém, é essencialmente o mesmo desde 1976. Isso toma as análises feitas com essa base consistentes a partir daí. De modo a minimizar os problemas de auto seleção, de heterogeneidade temporal e peculiaridades do processo de formação de rendas, restringiu-se o universo de análise aos indivíduos: (i) do sexo masculino; (ii) participando da força de trabalho; (iii) não desempregados; (iv) com idade entre 18 e 65 anos; (v) trabalhando pelo menos vinte horas semanais; (vi) vivendo em áreas urbanas; (vii) com atributos de interesse claramente identificados. Desses critérios resultou uma amostra com cerca de 56 mil indivíduos em 1976, algo entre 64 mil e 84 mil entre 1977 e 1985, e cifras da ordem de 43-47 mil de 1986 a 1990. Os membros da amostra foram agregados segundo nível educacional nas seguintes categorias: (1) menos de um ano de escolaridade; (2) escola elementar - um a quatro anos; (3) escola intermediária-cinco a oito anos; (4) escola secundária-nove a onze anos; (5) educação superior - doze ou mais anos de escolaridade. A divisão da amostra segundo faixas etárias obedeceu ao seguinte critério: (1) 18 a 24 anos de idade; (2) 25 a 34 anos; (3) 35 a 44 anos; (4) 45 a 54 anos; (5) 55 a 65 anos. A classificação segundo setor de atividade contemplou a divisão seguinte: (1) indústria pesada; (2) indústria leve; (3) construção civil; (4) comércio; (5) setor financeiro; (6) transportes; (7) serviços; (8) administração pública; (9) agricultura. Em relação à posição na ocupação, adotou-se a seguinte divisão: (1) empregado; (2) conta própria; (3) empregador. A tabela a seguir resume as principais estatísticas amostrais segundo variáveis selecionadas. Tabela A-1 Var. Cat.* 1977 1981 1985 1989 a b T a b T a b T a b T Educ. 1 0.41 0.13 0.35 0.43 0.12 0.30 0.39 0.11 0.30 0.36 0.10 0.51 2 0.71 0.46 0.43 0.69 0.42 0.31 0.66 0.37 0.40 0.63 0.34 0.55 3 0.91 0.23 0.44 0.86 0.23 0.36 0.80 0.26 0.43 0.74 0.27 0.53 4 1.48 0.11 0.48 1.33 0.14 0.39 1.27 0.16 0.42 1.23 0.18 0.54 5 3.36 0.08 0.35 3.15 0.09 0.29 3.08 0.10 0.33 3.08 0.11 0.46 Idade 1 0.51 0.25 0.31 0.52 0.24 0.28 0.48 0.23 0.32 0.46 0.23 0.43 2 1.06 0.31 0.52 1.05 0.32 0.40 1.01 0.33 0.45 0.97 0.32 0.58 3 1.21 0.22 0.55 1.25 0.23 0.50 1.33 0.23 0.57 1.31 0.24 0.65 4 1.30 0.15 0.69 1.25 0.15 0.58 1.25 0.14 0.64 1.36 0.15 0.86 5 1.15 0.07 0.79 1.04 0.07 0.68 1.05 0.07 0.77 1.08 0.07 0.95 Pos. 1 0.86 0.75 0.53 0.94 0.74 0.49 0.90 0.74 0.54 0.83 0.74 0.63 2 1.04 0.20 0.54 0.85 0.21 0.42 0.91 0.20 0.52 0.95 0.20 0.59 3 2.96 0.05 0.56 2.45 0.05 0.41 2.78 0.05 0.45 2.95 0.07 0.67 Set. 1 1.11 0.14 0.49 1.28 0.14 0.40 1.19 0.13 0.50 1.09 0.14 0.54 2 0.81 0.09 0.56 0.83 0.09 0.46 0.79 0.09 0.51 0.76 0.09 0.74 3 0.67 0.15 0.46 0.61 0.15 0.40 0.55 0.12 0.49 0.57 0.12 0.58 4 1.05 0.14 0.56 0.91 0.14 0.45 0.97 0.17 0.60 1.08 0.16 0.88 5 1.89 0.03 0.45 2.02 0.03 0.40 1.89 0.04 0.42 2.14 0.03 0.43 6 0.96 0.80 0.47 0.98 0.08 0.38 1.02 0.08 0.39 0.99 0.07 0.55 7 1.13 0.16 0.56 1.12 0.18 0.56 1.06 0.19 0.63 1.12 0.21 0.77 8 1.28 0.11 0.59 1.18 0.11 0.48 1.25 0.12 0.55 1.06 0.11 0.61 9 0.74 0.10 1.14 0.73 0.08 0.78 0.76 0.09 0.83 0.79 0.07 1.02 a: renda média relativa; b: proporção na população; T: desigualdade interna. *: categorias definidas acima. ). A combinação de melhora educacional, baixo crescimento da renda per capita e desigualdade crescente reproduz, em escala muito menor, a experiência dos anos 60. Só que agora não encontramos apoio para a interpretação de que os desequilíbrios foram autocorrigíveis. Da mesma forma, a educação não é mais a força motriz da desigualdade e o efeito alocação, ao contrário da experiência dos anos 60, tem escassa relevância para a evolução da desigualdade. A conclusão é que o nível, distribuição e retornos à educação mudaram continuamente no Brasil desde meados da década de 70 e que os movimentos respectivos estão relacionados à evolução da desigualdade. No entanto, não encontramos evidência de que a educação tenha afetado a dinâmica da distribuição de renda de uma forma consistente ou sistemática.

6. CONCLUSÃO: POLÍTICA ECONÔMICA, DESEMPENHO MACROECONÔMICO E EVOLUÇÃO DA DESIGUALDADE NA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

Os resultados recolhidos por este trabalho deixam claro que houve no longo prazo (isto é, no período 1960-1990) um aumento quase que contínuo no grau de concentração da renda no Brasil. As variações no índice de concentração parecem ter sido da mesma ordem de grandeza nas décadas de 1970 e de 1980. De qualquer forma, em ambas foram muito inferiores ao aumento de concentração observado nos anos 60. Essa tendência de longo prazo não parece ter sido afetada pelas mudanças no desempenho econômico entre as três décadas: a concentração continuou aumentando nos anos 80, quando a renda per capita se manteve estagnada, ao passo que nas demais a concentração se deu em contextos macroeconômicos bem mais favoráveis.

Em termos de ganhos absolutos de renda (ou bem-estar), por outro lado, o quadro é diferente do anterior, conforme revelam as curvas de Lorenz generalizadas. A conclusão a esse respeito é que todos os estratos de renda experimentaram crescimento absoluto de remuneração, tanto nos anos 60 quanto na década seguinte - embora, como se depreende do arrazoado anterior, os ganhos dos mais ricos tenham sido superiores aos dos mais pobres em ambas as décadas. Em contraste, ao longo dos anos 80, quando considerados seus extremos, há uma deterioração tanto em termos absolutos quanto relativos: apenas o percentil superior apresentou ganho de renda em termos absolutos, além de ter-se verificado um aumento significativo da desigualdade.

As tendências de curto prazo, por sua vez, parecem mais diretamente associadas ao desempenho macroeconômico que as de longo prazo. A evidência apresentada no texto é em favor de uma associação negativa entre variações na desigualdade e crescimento econômico, quando este é medido pelas variações do PIB per capita. Isso indica que não há no curto prazo conflito entre os objetivos de crescimento e equidade. A persistência de um contexto de alta inflação, alternado com intervenções drásticas no funcionamento dos mercados na segunda metade dos anos 80, obscurece o relacionamento entre desigualdade e crescimento. Em particular, obteve-se também evidência de uma associação positiva entre desigualdade e inflação na década de 1980.

A importância da variável referente ao nível educacional da mão-de-obra sobre a desigualdade de renda constitui outro importante resultado da pesquisa, especialmente quando se decompõe o índice de desigualdade em um instante no tempo. Quando se avaliam variações na desigualdade ao longo tempo, por outro lado, o papel da educação perde muito de seu poder explicativo. Em particular, os resultados obtidos quando se decompôs o aumento de desigualdade entre 1977 e 1989 mostraram que a variável posição na ocupação foi mais importante que a variável educacional. Isso é uma indicação de que as mudanças na estrutura do emprego desde a segunda metade dos anos 70 jogaram um papel decisivo na conformação da desigualdade, merecendo, portanto, atenção adicional em estudos futuros sobre a distribuição de renda no Brasil.

O exercício de decomposição da variação da desigualdade no tempo revelou ainda que o efeito renda superou o efeito alocação em relação a todas as variáveis consideradas na análise. Isso significa que as mudanças nos perfis de renda é que constituíram o principal mecanismo subjacente às variações na desigualdade em todos os períodos analisados. A realocação da força de trabalho entre grupos socioeconômicos - um fator de importância fundamental para a explicação do aumento na concentração de renda na década de 60 - tem escassa importância quando se examina a experiência dos anos recentes. Conclui-se que uma caracterização kuznetsiana para a dinâmica da distribuição de renda no Brasil desde meados dos anos 70 não encontra apoio nos dados disponíveis.

A evidência contra uma explicação à la Kuznets é reforçada pela análise da decomposição setorial da força de trabalho, a qual permaneceu relativamente estável ao longo dos doze anos cobertos pelos exercícios de decomposição. Isso explica por que é tão pequeno o efeito alocativo associado à atividade específica dos setores. Além disso, seu poder explicativo é de pequena expressão seja em termos brutos, seja em termos marginais.

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  • 1
    Os autores agradecem os comentários de José Guilherme Reis, José Márcio Camargo, Rodolfo Hoffmann e Edmar Bacha à versão anterior e a assistência computacional de Renata Jeronymo.
  • 2
    Uma relação parcial incluiria os de Bonelli e Sedlacek (1989BONELLI, R. e G. L. Sedlacek, (1989). “Distribuição de renda: evolução no último quarto de século”. In: Sedlacek e Paes de Barros, eds. (1989)., 1991BONELLI, R. e G. L. Sedlacek, (1991). “A evolução da distribuição de renda entre 1983 e 1988”. In Camargo e Giambiagi, ed. (1991).), Ramos (1990RAMOS, L. (1990). “The distribution of earnings in Brazil: 1976-1985” Diss. Ph.D. Berkeley: Depto. de Economia, Universidade da Califórnia.) e Barros et alii (1992BARROS, R.P., R. Mello, V. Pero, e L. Ramos (1992). “Informal labor contracts: a solution or a problem?”. Rio de Janeiro: Ipea, abril (mimeo).). Quanto a análises longitudinais, v. Barros, Sedlacek e Varandas (1990BARROS, R.P., G. Sedlacek, e S. Varandas, (1990). “Segmentação e mobilidade no mercado de trabalho: a carteira de trabalho em São Paulo”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 20(1), Rio de Janeiro: Ipea/Inpes.). Sobre a relação entre distribuição de renda e mobilidade social, v. Pastore (1986PASTORE, J. (1986). “Desigualdade e mobilidade social: dez anos depois”. In: E. Bacha e H. Klein. A Transição Incompleta, Rio de Janeiro: Paz e Terra .) e Barros, Reis e Ramos (1992BARROS, R.P., L. Ramos, e J. G. A. Reis, (1992). “Mobilidade de renda e desigualdade” In: J. P. dos Reis Velloso, coord. Estratégia Social e Desenvolvimento, (Fórum Nacional - Como Evitar uma Nova Década Perdida), Rio de Janeiro: José Olympio Editora).
  • 3
    O estudo de Fishlow (1972FISHLOW, A. (1972). “Brazilian size distribution of income”. American Economic Review, maio.) é a referência pioneira neste contexto. Embora publicado em 1972, sua elaboração data de fins dos anos 60. Estudos anteriores baseados na distribuição dos salários na indústria a partir de informações de amostras de firmas foram motivados pelos efeitos da chamada “inflação corretiva” de 1964-65, em face da legislação salarial restritiva adotada pelo governo militar instaurado em 1964, quando a fórmula de reajustes sistematicamente subestimava a inflação para efeito dos reajustes salariais. A mudança da fórmula em 1968 não foi suficiente para contrabalançar o fato de que os salários próximos ao mínimo legal foram os que mais perderam relativamente poder de compra durante a década como um todo.
  • 4
    V., por exemplo, Hoffmann e Duarte (1972HOFFMANN, R. e J. C. Duarte, (1972). “A distribuição da renda no Brasil”. Revista de Administração de Empresas 12(2).), Hoffmann (1973HOFFMANN, R. (1973). “Considerações sobre a evolução recente da Distribuição de renda no Brasil ”. Revista de Administração de Empresas, 13 (4).), Langoni (1973LANGONI, C.G. (1973). Distribuição de Renda e Crescimento Econômico do Brasil. Ed. Expressão e Cultura.) e Fishlow (1973FISHLOW, A. (1973). “Distribuição da renda no Brasil: um novo exame”. Dados nº 11.).
  • 5
    Uma resenha analítica da controvérsia encontra-se em Bacha e Taylor (1978BACHA, E.L. e L. Taylor (1978). “Brazilian income distribution in the 60s: facts, model results and the controversy”. Journal of Development Studies, 14(3).). Diversas contribuições foram publicadas na coletânea editada por Tolipan e Tinelli (1975TOLIPAN, R.M.L. e A. C. Tinelli, (1975). A Controvérsia sobre Distribuição de Renda e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar.).
  • 6
    Incluindo as pessoas sem rendimento, o índice aumenta de 0,557 para 0,612.
  • 7
    Observe-se, no entanto, que o aumento no índice de desigualdade não é apenas pequeno como também desaparece quando se incluem na análise as pessoas sem rendimento. Há ainda evidência de que a concentração de renda no meio urbano aumentou entre 1970 e 1974. V. adiante a evolução na segunda metade da década.
  • 8
    Observe-se que a distribuição da renda familiar também registrou aumento da desigualdade nos anos 80, tendo o Gini passado de 0,588 em 1979 para 0,603 em 1990. V. Hoffmann (1992HOFFMANN, R. (1992). “Crise econômica e pobreza no Brasil no período 1979-90”. Relatório de Pesquisa USP/ESALQ, Departamento de Economia e Sociologia Rural, julho (mimeo).), onde também se mostra que os movimentos dentro da década são os mesmos quer se use a distribuição pessoal ou familiar.
  • 9
    O PIB per capita aumentou em média 3,2% ao ano entre 1960 e 1970 e 6,0% entre 1970 e 1980. Na década seguinte o indicador praticamente estagnou entre os anos extremos.
  • 10
    Essas curvas são construídas multiplicando-se as curvas de Lorenz pelas respectivas rendas médias. Utilizamos, para tanto, o PIB per capita para 1960, 1970 e 1980, e os rendimentos médios do trabalho das PNADs para 1981, 1986 e 1990.
  • 11
    Razão pela qual se observa um movimento no sentido inverso para as curvas de Lorenz comuns.
  • 12
    Para maiores detalhes v. Barros e Mendonça (1992BARROS, R.P. e R. Mendonça, (1992). “Mercado de trabalho, desigualdade e pobreza: uma visão geral do problema no Brasil”. Trabalho apresentado no Seminário Desenvolvimento Econômico, Investimento, Mercado de Trabalho e Distribuição de Renda, Rio de Janeiro: BNDES, outubro (mimeo).).
  • 13
    Em uma decomposição do aumento de desigualdade entre 1960 e 1970, baseada na variância dos logaritmos, Langoni obteve que 35% do aumento se deveu a mudanças na composição educacional da força de trabalho, 23% a mudanças nas rendas médias dos grupos educacionais e o restante ao aumento da desigualdade dentro de cada grupo.
  • 14
    Observe-se que a segunda metade dos anos 70 foi um período marcado pelo começo da abertura política e ressurgimento do movimento sindical. Uma das conquistas trabalhistas foi o estabelecimento de jure de reajustes semestrais de salários a partir do final de 1979- embora de facto diversas empresas dos setores mais organizados da economia já praticassem reajustes semestrais bem antes dessa data.
  • 15
    Note-se, en passant, que o impacto distributivo do Plano de Estabilização de 1986 (Cruzado) foi menor do que pareceria à primeira vista.
  • 16
    V. as tabelas relevantes em IBGE (1992IBGE ( .. ) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, vários anos, e Síntese de Indicadores da Pesquisa Básica da PNAD de 1990 (1992).).
  • 17
    A interpretação do índice é simples: um índice de 1 significa que uma pessoa situada nos 40% mais pobres precisa trabalhar quarenta meses para ganhar a mesma renda que uma pessoa no percentil superior. Um índice de 2, como em 1990, significa oitenta meses de trabalho.
  • 18
    A explicação tradicional, baseada no fato de que concentração de renda e crescimento estão relacionados dado o vínculo da taxa de poupança- isto é, como as pessoas mais ricas têm maior propensão a poupar, uma redistribuição de renda em seu favor eleva a taxa de poupança agregada da economia e, portanto, a taxa de crescimento-, tem sido disputada em diversos trabalhos teóricos e empíricos. No presente contexto estamos mais interessados nos efeitos de curto prazo sobre o nível de emprego e remuneração da mão-de-obra e menos nas implicações do argumento anterior, que, tipicamente, operaria a mais longo prazo.
  • 19
    V. Ramos (1990RAMOS, L. (1990). “The distribution of earnings in Brazil: 1976-1985” Diss. Ph.D. Berkeley: Depto. de Economia, Universidade da Califórnia.) para discussão e referências. Observe-se ainda que a hipótese se aplica às recessões temporárias da atividade econômica. À medida que as empresas percebam que a recessão é longa, a tendência seria no sentido de economizar indiscriminadamente mão-de-obra.
  • 20
    Por falta de um indicador adequado, deixamos de incluir na análise uma variável representativa da intensidade da atividade sindical, um fator que teve claramente grande influência nas rendas do trabalho no período.
  • 21
    Os resultados de 1989 - aumento da desigualdade e crescimento, embora de pequena expressão - são até certo ponto surpreendentes. Uma das características dos dados da PNAD para esse ano é um aumento substancial das rendas de todos os estratos, difícil de explicar dadas as condições econômicas da época.
  • 22
    Essa indicação é reforçada por um exercício simples: o coeficiente de correlação entre as séries de inflação e da desigualdade (Gini) muda substancialmente quando os últimos anos da década de 1980 são incluídos no cômputo. Assim, o coeficiente de correlação para o período 1976-1986 é de -0,29 (não significativo a 20%), enquanto, para o período 1976-1989, se encontra um coeficiente positivo de 0,71 (significativo a 1%). Considerando apenas 1980-1990, o coeficiente aumenta ainda mais, indicando que desigualdade de renda e inflação estão positivamente correlacionadas.
  • 23
    V. Ramos e Reis (1991RAMOS, L. e J. G. A. Reis, (1991). “Distribuição da renda: aspectos teóricos e o debate no Brasil”. In: Camargo e Giambiagi, eds. (1991)) para uma resenha completa. Não comentamos no texto sobre as teorias estocásticas da distribuição de renda.
  • 24
    A teoria também enfatiza - mas os estudos empíricos geralmente não consideram - o papel de variáveis relacionadas à origem familiar e habilidades inatas dos indivíduos. A maior parte dos estudos também negligencia o papel da riqueza familiar e não considera a direção da causalidade entre renda e educação.
  • 25
    Acerca do debate brasileiro recente sobre este aspecto veja-se Souza e Baltar (1979SOUZA, P.R. e P. Baltar, (1979). “Salário-mínimo e taxa de salários no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico 9(3), Ipea/lnpes., 1981SOUZA, P.R. e P. Baltar, (1980). “Salário-mínimo e taxa de salários no Brasil: réplica”. Pesquisa e Planejamento Econômico 10(3), Ipea/Inpes.), Macedo (1980MACEDO, R.B. (1980). “Salário-mínimo e taxa de salários no Brasil: comentário”. Pesquisa e Planejamento Econômico 10(3), Ipea/lnpes., 1981MACEDO, R.B. (1981). “Salário-mínimo e distribuição da renda no Brasil” Estudos Econômicos 11(1), S.Paulo.), Wells e Drobny (1982), Velloso (1988VELLOSO, R.C. (1988). “Salário-mínimo e taxa de salários: o caso brasileiro”. Dissertação de mestrado, IEI/UFRJ.) e Reis (1989REIS, J.G.A. (1989). “Salário-mínimo e distribuição de renda”. In: Perspectivas da Economia Brasileira - 1989, Rio de Janeiro: lpea/lnpes.).
  • 26
    Muitas das ideias desse segundo grupo não foram ainda adequadamente formalizadas e integradas em marcos analíticos que se pudessem utilizar para modelar mudanças no perfil de rendas, a exemplo dos modelos de otimização de competição imperfeita. No entanto, o fato de que as análises aqui tenham um caráter ad hoc não implica que sejam menos relevantes.
  • 27
    V., por exemplo, Langoni (1973LANGONI, C.G. (1973). Distribuição de Renda e Crescimento Econômico do Brasil. Ed. Expressão e Cultura.), Senna (1976SENNA, J.J. (1976). “Escolaridade, experiência no trabalho e salários no Brasil”. Revista Brasileira de Economia 30(2).) e Castello Branco (1979CASTELLO BRANCO, R. (1979). Crescimento Acelerado e Mercado de Trabalho: a Experiência Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.).
  • 28
    V., a propósito, Barros e Reis (1991BARROS, R.P. e J.G.A. Reis (1991). “Wage inequality and the distribution of education: a study of the evolution of regional differences in inequality in metropolitan Brazil”. Journal of Development Economics, v.36, abril.), Ramos e Trindade (1991RAMOS, L. e C. Trindade, (1991). “Educação e desigualdade de salários no Brasil”. Perspectivas da Economia Brasileira- 1992. Rio de Janeiro: Ipea .), Leal e Werlang (1991LEAL, C.I.S. e S. Werlang, (1991). “Educação e Distribuição de renda no Brasil ”. In: Camargo e Giambiagi (1991).) e Barros e Ramos (1991BARROS, R.P. e Ramos, L. (1992). “A note on the temporal evolution of the relationship between wages and education among Brazilian prime-age males: 1976-1989”. Seminário “Labor Market Roots of Poverty and Inequality in Brazil”, patrocinado pelo Ipea. Rio de Janeiro, agosto.). Por outro lado, veja-se também Lam e Levinson (l990aLAM, D. e D. Levinson, (1990a). “Idade, experiência, escolaridade e diferenciais de renda: EUA e Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico 20(2), Ipea.,l 990bLAM, D. e D. Levinson, (1990b). “Declínio na desigualdade da escolaridade no Brasil e seus efeitos na desigualdade de rendimentos”. Revista de Econometria, 10(2).), que identificaram em análises de cross-section uma redução dos retornos à educação para as gerações mais jovens.
  • 29
    V., entre outros, Hoffmann e Duarte (1972HOFFMANN, R. e J. C. Duarte, (1972). “A distribuição da renda no Brasil”. Revista de Administração de Empresas 12(2).), Fishlow (1972FISHLOW, A. (1972). “Brazilian size distribution of income”. American Economic Review, maio., 1973FISHLOW, A. (1973). “Distribuição da renda no Brasil: um novo exame”. Dados nº 11.), Malan e Wells (1973MALAN, P.S. e J. Wells, (1973). “Distribuição de renda e desenvolvimento econômico do Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico 3(4).) e Bacha e Taylor (1978BACHA, E.L. e L. Taylor (1978). “Brazilian income distribution in the 60s: facts, model results and the controversy”. Journal of Development Studies, 14(3).).
  • 30
    O Apêndice contém a definição e descrição do nível de agregação de cada variável. Os dados provêm das PNADs de 1977, 1981, 1985 e 1989 e referem-se a uma amostra de pessoas do sexo masculino, com idade entre dezoito e 65 anos, renda do trabalho positiva, trabalhando pelo menos vinte horas semanais em áreas urbanas.
  • 31
    Esse componente pode ser entendido como a contribuição da partição da população para a desigualdade, na medida em que representa o nível de desigualdade que prevaleceria no caso de uma redistribuição de renda que preservasse a renda média de cada grupo e eliminasse a desigualdade em seu interior.
  • 32
    Assinale-se que a própria aceleração inflacionária pode estar provocando maior variância do erro de medida.
  • 33
    V., por exemplo, Langoni (1973LANGONI, C.G. (1973). Distribuição de Renda e Crescimento Econômico do Brasil. Ed. Expressão e Cultura.), Wajnman (1989WAJNMAN, S. (1989). Estrutura Demográfica da População Economicamente Ativa e Distribuição de Renda: Brasil-1970-80. Tese de mestrado Cederplar, UFMG.), Ramos (1990RAMOS, L. (1990). “The distribution of earnings in Brazil: 1976-1985” Diss. Ph.D. Berkeley: Depto. de Economia, Universidade da Califórnia.) e Barros e Reis (1991BARROS, R.P. e J.G.A. Reis (1991). “Wage inequality and the distribution of education: a study of the evolution of regional differences in inequality in metropolitan Brazil”. Journal of Development Economics, v.36, abril.). Qualquer que tenha sido a metodologia adotada ou o período estudado, uma característica comum desses estudos é o destaque da variável representativa do nível educacional da mão-de-obra na explicação do padrão observado de desigualdade.
  • 34
    V. Apêndice 1 Apêndice 1: Nota sobre a metodologia de decomposição Supondo que uma população possa ser dividida em G grupos, uma medida de desigualdade I é dita decomponível quando pode ser escrita da seguinte forma: I = I a g , b g , I g = I B a g , b g + Σ w a g , b g × I g onde a(g) é a relação entre a renda média do g-ésimo grupo e a renda média total, b(g) é a proporção do grupo g na população total e l(g) é sua dispersão interna conforme medida por 1. Nos termos do lado direito, 1B é a medida da desigualdade entre os grupos (isto é, a desigualdade que prevaleceria após uma redistribuição no interior de cada grupo de tal forma que todos os indivíduos terminassem com a mesma renda, mantida constante a renda média do grupo), e o somatório corresponde a IW, ou desigualdade dentro dos grupos (isto é, o nível remanescente de desigualdade após uma redistribuição que equalizasse as rendas médias de todos os G grupos, sem alterar sua dispersão interna). Portanto, se a população for classificada, por exemplo, segundo grupos educacionais, a contribuição dessa estratificação para a explicação da desigualdade pode ser medida por I: esta seria a redução na desigualdade caso fossem eliminados todos os diferenciais de renda associados à educação (1, nesse caso, refletiria a desigualdade não relacionada à educação). . O primeiro efeito é denominado alocação, o segundo, efeito renda e o terceiro, efeito interno ou desigualdade interna.
  • 35
    Uma escolha melhor teria sido 1977-1980. Os dados para esse período, no entanto, não são disponíveis.
  • 36
    É interessante notar que o poder explicativo da variável idade desaparece quando se considera o efeito conjunto de educação, setor e posição na ocupação. Sua contribuição marginal é negligenciável ou mesmo negativa, significando que mudanças no perfil etário da força de trabalho não relacionadas a essas variáveis não foram relevantes em termos distributivos.
  • 37
    Há evidência de que a hipótese de labor hoarding fornece uma explicação para o fenômeno. V. Ramos (1990RAMOS, L. (1990). “The distribution of earnings in Brazil: 1976-1985” Diss. Ph.D. Berkeley: Depto. de Economia, Universidade da Califórnia.).
  • 38
    JEL Classification: O15.

Apêndice 1: Nota sobre a metodologia de decomposição

Supondo que uma população possa ser dividida em G grupos, uma medida de desigualdade I é dita decomponível quando pode ser escrita da seguinte forma:

I = I a g , b g , I g = I B a g , b g + Σ w a g , b g × I g

onde a(g) é a relação entre a renda média do g-ésimo grupo e a renda média total, b(g) é a proporção do grupo g na população total e l(g) é sua dispersão interna conforme medida por 1. Nos termos do lado direito, 1B é a medida da desigualdade entre os grupos (isto é, a desigualdade que prevaleceria após uma redistribuição no interior de cada grupo de tal forma que todos os indivíduos terminassem com a mesma renda, mantida constante a renda média do grupo), e o somatório corresponde a IW, ou desigualdade dentro dos grupos (isto é, o nível remanescente de desigualdade após uma redistribuição que equalizasse as rendas médias de todos os G grupos, sem alterar sua dispersão interna). Portanto, se a população for classificada, por exemplo, segundo grupos educacionais, a contribuição dessa estratificação para a explicação da desigualdade pode ser medida por I: esta seria a redução na desigualdade caso fossem eliminados todos os diferenciais de renda associados à educação (1, nesse caso, refletiria a desigualdade não relacionada à educação).

Apêndice 2: Base de dados, seleção da amostra e agregação

As Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) têm sido realizadas pelo IBGE desde o final da década de 1960, à exceção dos anos censitários. Desde então a pesquisa passou por diversas etapas que trouxeram modificações em termos do escopo geográfico e de informações. O formato atual, porém, é essencialmente o mesmo desde 1976. Isso toma as análises feitas com essa base consistentes a partir daí.

De modo a minimizar os problemas de auto seleção, de heterogeneidade temporal e peculiaridades do processo de formação de rendas, restringiu-se o universo de análise aos indivíduos: (i) do sexo masculino; (ii) participando da força de trabalho; (iii) não desempregados; (iv) com idade entre 18 e 65 anos; (v) trabalhando pelo menos vinte horas semanais; (vi) vivendo em áreas urbanas; (vii) com atributos de interesse claramente identificados. Desses critérios resultou uma amostra com cerca de 56 mil indivíduos em 1976, algo entre 64 mil e 84 mil entre 1977 e 1985, e cifras da ordem de 43-47 mil de 1986 a 1990.

Os membros da amostra foram agregados segundo nível educacional nas seguintes categorias: (1) menos de um ano de escolaridade; (2) escola elementar - um a quatro anos; (3) escola intermediária-cinco a oito anos; (4) escola secundária-nove a onze anos; (5) educação superior - doze ou mais anos de escolaridade.

A divisão da amostra segundo faixas etárias obedeceu ao seguinte critério: (1) 18 a 24 anos de idade; (2) 25 a 34 anos; (3) 35 a 44 anos; (4) 45 a 54 anos; (5) 55 a 65 anos.

A classificação segundo setor de atividade contemplou a divisão seguinte: (1) indústria pesada; (2) indústria leve; (3) construção civil; (4) comércio; (5) setor financeiro; (6) transportes; (7) serviços; (8) administração pública; (9) agricultura.

Em relação à posição na ocupação, adotou-se a seguinte divisão: (1) empregado; (2) conta própria; (3) empregador.

A tabela a seguir resume as principais estatísticas amostrais segundo variáveis selecionadas.

Tabela A-1

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1993
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