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Estabilização em um ambiente adverso: a experiência brasileira de 1987* * Trabalho escrito originalmente em inglês, traduzido por Otacílio Fernando Nunes Jr.

Stabilization in an adverse environment: the 1987 Brazilian experience

RESUMO

Este artigo é um relato em primeira mão dos programas de estabilização que o Brasil tentou durante a metade da década de 1980 para combater a inflação e considerações sobre como promover reformas eficientes. A principal preocupação é como a política econômica não está separada dos processos políticos e que somente com o apoio político é possível realizar as reformas necessárias.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização

ABSTRACT

This paper is both a first-hand account of the stabilization programs that Brazil tried during the mid-to-late-1980s to combat inflation and considerations regarding how to promote efficient reforms. The main concern is how economic policy is not separated from political processes and that only with political support it is possible to achieve the necessary reforms.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization

1. INTRODUÇÃO

As reformas econômicas terão ou não sucesso, dependendo de sua eficiência ou competência técnica e do apoio político que forem capazes de obter. Nos últimos anos o segundo aspecto ganhou destaque entre economistas, cientistas políticos e responsáveis por políticas, mas não se deveria esquecer que muitas reformas fracassam simplesmente porque são ineficientes, ou seja, porque importam custos de transição ou de ajuste desnecessariamente altos e, portanto, politicamente impraticáveis. Em certos casos reformas ineficientes podem acabar sendo bem-sucedidas porque o Governo - especialmente se se tratar de um governo autoritário - foi capaz de levá-las adiante a despeito de seus custos.1 1 Reformas ineficientes são aquelas cujos custos são desproporcionais aos resultados. Além de ineficiente uma reforma pode ser inefetiva, isto é, incapaz de alcançar seus objetivos. Estou falando apenas de reformas ineficientes Esse foi claramente o caso do Chile, particularmente na década de 70. Mas em circunstâncias normais reformas ineficientes, que não fazem parte de um programa econômico amplo e bem pensado, fracassarão, mesmo que o Governo disponha inicialmente de grande sustentação política, porque seus custos de transição excessivamente elevados lhes retirarão a sustentação política.

No texto-base desta conferência Williamson (1992WILLIAMSON, John (1993). “In search of a manual for technopols”. Texto-base para a conferência “The Political Economy of Policy Reform”, realizada no Institute for International Economics, Washington, 14-16 de janeiro, 1993.) propõe algumas hipóteses visando explicar como os reformadores bem-sucedidos foram capazes de mobilizar e manter apoio político para suas reformas. As reformas seriam facilitadas dependendo (i) da gravidade da crise (“hipótese da crise”), (ii) da proximidade do momento em que um novo governo assumisse (“hipótese da lua-de-mel”), (iii) da fragmentação da oposição, (iv) da existência de uma equipe econômica capaz e coesa, (v) da presença de um estadista à frente do governo, e (vi) da existência de um programa econômico compreensivo. Essa lista poderia ser reduzida a dois pontos: (i) o apoio político às reformas depende da gravidade da crise e da existência de um estadista, e (ii) seu sucesso, da eficiência ou da qualidade do programa econômico (que, por sua vez, depende da existência de uma equipe econômica competente). E, a estes, poder-se-iam acrescentar dois outros fatores: a sensibilidade que as sociedades têm à inflação e à desorganização econômica e a pura sorte. O impacto positivo da crise dependerá da resposta da sociedade às distorções econômicas. Se uma sociedade - como é o caso da alemã - é extremamente sensível à inflação, ela apoiará facilmente medidas anti-inflacionárias duras assim que a inflação comece a crescer, sem esperar até que ocorra uma verdadeira crise econômica. Por outro lado, a sorte ou a fortuna não podem ser esquecidas. Alguns eventos políticos, como o surgimento de um verdadeiro estadista, ou econômicos, como uma melhora repentina nos termos de troca, são uma bênção que só o acaso pode explicar. Nesse contexto ampliado, a “hipótese da lua-de-mel” é um caso particular, e a existência de uma oposição fragmentada só é uma condição positiva se isso não for inconsistente com um governo forte. Nós sabemos, porém, que, nos regimes democráticos, governos fortes, isto é, legítimos, que contam com apoio da sociedade civil, são normalmente acompanhados de partidos de oposição fortes.

Tenho trabalhado com um modelo para explicar o sucesso de reformas econômicas que é próximo do modelo de Williamson. Primeiro é preciso considerar a gravidade da crise e a sensibilidade da sociedade. É muito diferente discutir reformas bem-sucedidas em tempos normais, quando as distorções econômicas estão apenas surgindo, de discuti-las em tempos anormais, quando a crise econômica está beirando a hiperinflação. Segundo, é necessário distinguir os custos de conviver com a crise dos custos de transição ou custos de ajustamento e reforma; subtraindo-se os primeiros dos últimos obteremos os “custos de transição líquidos”.

O apoio político às reformas econômicas necessárias depende da percepção da sociedade sobre a necessidade de reformas e dos custos de transição líquidos. Nem sempre as reformas são percebidas como necessárias. Quando a taxa de inflação ainda está em um nível “razoável”, certas sociedades, como a brasileira, não são sensíveis à inflação e estão dispostas a conviver com ela. Outras reformas, como a liberalização do comércio, podem exigir muito tempo para ser vistas como necessárias porque confrontam interesses ocultos. Uma vez percebida a necessidade de reformar, é necessário considerar os custos de transição líquidos. Eles representam a diferença a curto prazo entre os custos envolvidos na reforma em termos de maiores impostos, desemprego, reestruturação das empresas, e os custos do adiamento das reformas, de conviver com a crise.

Os custos de transição líquidos tendem inicialmente a ser positivos e elevados, porque, no início do desajuste, os custos de não ajustar ou reformar, de viver com a inflação, com problemas de balanço de pagamentos, com o protecionismo, com o uso ineficiente dos recursos, em outras palavras, os custos de empurrar a crise com a barriga ainda são relativamente pequenos, enquanto que os custos de ajustar a economia, estabilizar, alinhar os preços, levar adiante reformas voltadas para o mercado, são altos. Na medida, porém, em que as reformas são adiadas, os custos de conviver com a crise aumentam e finalmente se tornam maiores do que os custos de ajustar a economia. A curva dos custos de não reformar finalmente cruzará a curva dos custos de transição, tornando-os negativos. No limite, devido ao sistemático adiamento ou incompletude das reformas, as distorções levarão a uma crise fiscal aguda e à hiperinflação. Os custos de ajustamento serão altamente negativos. Nesse momento, a sociedade não terá dúvidas de que os custos de conviver com a crise são muito mais altos do que os custos de transição.2 2 Para uma análise mais completa da eficiência das reformas econômicas e dos custos líquidos de transição, v. Bresser-Pereira (1992a) e o comentário de Jairo Abud (1992). Sobre reformas econômicas em tempos normais e anormais v. Bresser-Pereira (1992b).

Contudo, pode passar muito tempo até que o país chegue à hiperinflação. Enquanto isso não acontece, o que leva uma sociedade a dar apoio às reformas econômicas necessárias? Os custos líquidos do ajustamento podem já se haver tornado negativos - embora não infinitamente negativos, como acontece com a hiperinflação aberta - e a sociedade pode continuar resistindo a reformas. Esse comportamento coletivamente irracional pode ter várias explicações. Em primeiro lugar, a sociedade pode não ter percebido este fato - que os custos líquidos do ajustamento se tornaram negativos. A estratégia de crescimento anterior pode ter sido tão bem-sucedida que seja difícil admitir que ela fracassou. Em segundo lugar, os custos de transição líquidos totais podem ser negativos, mas alguns grupos na economia podem ainda estar ganhando com a crise.3 3 Esse último caso foi analisado e formalizado por Przeworski (1991) e Alesina e Drazden (1991). Se traçássemos o conjunto das duas curvas (curva de custo bruto do ajustamento e curva do custo de empurrar a crise com a barriga) para cada grupo, classe ou setor econômico significante na sociedade, provavelmente concluiríamos que para alguns os custos de conviver com a crise cruzam muito cedo a curva dos custos de transição, enquanto para outros essa interseção demora mais para ocorrer, se ocorrer, já que eles estão lucrando com a inflação ou com o desajuste. Em outras palavras, os custos líquidos do ajustamento podem já se haver tornado negativos para a sociedade como um todo, mas, para certos grupos dotados de poder de veto, ainda são positivos.

As reformas também podem ser adiadas ou podem não se completar, fracassando, devido à ausência das instituições que facilitam as negociações para a tomada de decisão sobre como ajustar a economia e que garantem sua implementação. Se as instituições representativas de trabalhadores e empresários dispõem de baixa legitimidade, se os partidos políticos são fracos e desorganizados, se o Estado está fragilizado por uma séria crise fiscal e não conta com órgãos capazes de intermediar as negociações e fazer cumprir os acordos, será muito mais difícil reformar com sucesso.

Finalmente, quando a crise já é muito séria e existe uma percepção confusa da necessidade de reformas econômicas, estas ainda podem ser adiadas pela falta de líderes políticos ou de uma equipe de economistas competente, capaz de definir um programa amplo e eficiente para a transformação da economia. Nesse momento difícil, as sociedades afortunadas disporão de líderes políticos com a visão e a coragem para desafiar os interesses constituídos, o conservadorismo, o medo da mudança - que normalmente aparecem disfarçados como senso comum ou sabedoria convencional -, e para adotar as reformas econômicas radicais e arriscadas que são necessárias. Alguns países, onde as reformas econômicas foram bem-sucedidas, foram claramente beneficiados por estadistas desse tipo.4 4 Estou pensando em Mario Soares, em Portugal, que por duas vezes (1977 e 1984) perdeu eleições por implementar reformas econômicas impopulares, em 1984 quando o ajuste já havia sido alcançado; em Felipe Gonzales, na Espanha, que rompeu com a visão populista e foi capaz de promover reformas sem trair suas crenças de esquerda; em De la Madrid, no México, que a partir de 1985 iniciou o ajuste fiscal e reformas econômicas estruturais voltadas para o mercado, enquanto a maior parte da América Latina permanecia prisioneira de velhas visões nacional-desenvolvimentistas. Se esses líderes forem ajudados por equipes econômicas competentes, capazes de entender as especificidades dos tempos anormais que seus-países estão enfrentando e de definir programas compreensivos e audaciosos para reformar o Estado e permitir que o mercado desempenhe bem seu papel de coordenação, as chances de sucesso serão significativamente aumentadas.

Essa última observação sugere que é importante distinguir reformas econômicas em tempos normais de reformas econômicas em tempos anormais. O Estado cresceu demais em todo o mundo desde a década de 30, foi distorcido, tornou-se vítima de uma grave crise, e precisa ser reformado. Mas, na medida em que a intensidade da crise do Estado varia de país para país, também varia a profundidade das reformas requeridas. A presente crise da economia - essencialmente uma crise do Estado - irrompeu na década de 70. A maioria dos países desenvolvidos e alguns em desenvolvimento, particularmente na Ásia, enfrentaram o problema desde o início, quando os custos de transição líquidos ainda eram positivos, e evitaram uma crise mais profunda. Outros, particularmente na América Latina e na Europa Oriental, recusaram-se a incorrer em custos líquidos de transição positivos, que são sempre custos de curto prazo, e adiaram o ajuste, aprisionando-se numa enorme dívida externa e em distorções internas gravíssimas. Esses países enfrentaram uma profunda crise do Estado, definida por uma crise fiscal - o Estado que perdeu crédito -, e uma crise do modo de intervenção estatal - as estratégias de desenvolvimento lideradas pelo Estado, que haviam sido tão bem-sucedidas, haviam se distorcido e passaram a ser ineficientes. Uma grande crise define tempos anormais. Se os tempos normais autorizam políticas econômicas convencionais, tempos anormais exigirão políticas econômicas heroicas e radicais. O objetivo ainda será estabilizar, alinhar os preços, implementar reformas econômicas voltadas para o mercado, mas as estratégias serão diferentes.

Neste texto tratarei das reformas econômicas que tentei implementar no Brasil em 1987. Fui ministro da Fazenda do Brasil por apenas sete meses e vinte dias, de 29 de abril a 20 de dezembro. Portanto, não tive muito tempo para implementar reformas. Contudo, se alguém me perguntasse qual foi a razão básica pela qual não tive sucesso, eu não diria que foi a falta de tempo, mas o precário apoio político que recebi do presidente e da sociedade. Uma falta de apoio que, em muitos casos, se tornou uma oposição aberta de grupos de interesses. Foi a falta de apoio para o ajuste fiscal com o qual eu e minha equipe estávamos comprometidos que me levou à demissão, apesar da insistência do presidente para que eu permanecesse no cargo.

Cinco anos mais tarde, depois de várias novas tentativas de estabilizar e reformar a economia brasileira, o país permanece numa crise profunda. Essa é provavelmente uma indicação de que as forças que agem contra a reforma eram muito poderosas naquele momento. De que o apoio político às reformas era capenga, na medida em que a sociedade, primeiro, mostrou baixa sensibilidade à inflação e à desorganização econômica e, segundo, não percebeu que os custos de transição líquidos estavam passando a ser negativos. É também uma indicação de que o Brasil carecia do líder político e/ou da equipe econômica competente e estável que em cada momento fosse capaz de formular e implementar um programa econômico compreensivo, isto é, uma reforma eficiente.

Em várias oportunidades, o Brasil fracassou em estabilizar com sucesso a economia por essa última razão. O Plano Cruzado, em 1986, e a maior parte da primeira fase do governo Collor (março de 1990 a maio de 1992)5 5 Em maio de 1992 começa a crise política que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor, em dezembro. Antes disso, duas oportunidades foram perdidas: a primeira na inauguração da nova administração, e a segunda nos primeiros quatro meses de 1992, quando estavam presentes as condições políticas e econômicas para uma estabilização decisiva. são exemplos de reformas econômicas ineficientes quando as condições políticas eram favoráveis.

Dividirei este texto em seis seções. Na primeira descreverei o ambiente econômico e ideológico de quando assumi o cargo. Na segunda, apresentarei o “Plano Bresser”, a forma pela qual ficou conhecida a parte heterodoxa do programa de estabilização. Na terceira, o Plano de Controle MacroeconômicoMINISTÉRIO DA FAZENDA DO BRASIL (1987). Plano de Controle Macroeconômico. Brasília: Ministério da Fazenda., sua parte ortodoxa, além de meu primeiro diagnóstico da crise fiscal como a causa básica da crise brasileira. Na quarta seção, o aspecto da dívida externa de minha gestão relacionado ao ajuste macroeconômico. Na quinta, a definição de uma segunda fase do programa de estabilização, incluindo um novo choque heterodoxo e, como precondições, a conclusão das negociações da dívida externa, definindo os compromissos externos do Brasil e seus aspectos fiscais, e um forte ajuste fiscal, incluindo a redução das despesas e uma reforma fiscal. Na conclusão avaliarei as razões de minha decisão de me demitir e, portanto, o abortamento da segunda fase do programa de estabilização, usando como referência o raciocínio desenvolvido brevemente nesta introdução.

2. UM AMBIENTE POPULISTA

Assumi o cargo de ministro da Fazenda em um momento crucial da história econômica e política do Brasil. O Plano Cruzado, um plano de estabilização heterodoxo bem concebido, mas mal implementado - que passou a ser conhecido como o último “episódio populista” no Brasil (Sachs, 1988SACHS, Jeffrey (1988). “Conflito social e políticas populistas na América Latina”. In Bresser-Pereira, coord. Populismo Econômico. São Paulo: Nobel, 1991.) -, havia acabado de fracassar, e seu fracasso provocava uma crise aguda sem precedentes. A inflação explodia, os salários reais caíam vertiginosamente, as vendas das empresas reduziam-se de forma dramática e a euforia do Plano Cruzado transformava-se em grave recessão, o número de falências e concordatas batia todos os recordes, os estados federados, com suas receitas diminuídas e suas despesas aumentadas também devido à euforia do ano anterior, enfrentavam profunda crise financeira, as reservas internacionais do país tendiam a zero, apesar de uma moratória declarada dois meses antes.

Contudo, por trás do curto prazo e da crise aguda, havia uma crise muito mais séria, da qual a sociedade brasileira começou a tomar conhecimento em 1987: uma profunda crise política e econômica. A crise política originava-se no colapso do “pacto democrático-populista de 1977”, que assinalou a transição para a democracia, no Brasil, de 1977 a 1987 - colapso que era consequência direta do fracasso do Plano Cruzado. A crise econômica estrutural era essencialmente uma crise do Estado. Enquanto ministro da Fazenda, um dos papéis que assumi com maior convicção foi o de diagnosticar a gravidade dessa crise e contribuir para o seu reconhecimento. Denunciar (sic) à nação que o Brasil não estava enfrentando apenas uma crise de curto prazo, mas uma crise estrutural, foi talvez minha mais importante, embora apenas parcialmente bem-sucedida, contribuição ao país em meu curto período como ministro da Fazenda. Enquanto a sociedade brasileira permanecesse inconsciente da crise, a coalizão política populista que comandou a transição para a democracia - coalizão que estou chamando de “pacto democrático-populista de 1987” - tornaria o ambiente político adverso a reformas econômicas.

A transição para a democracia começou em 1974, quando o partido de oposição - o MDB - ganhou as eleições para o Senado em todo o Brasil, e particularmente em 1977, quando o autoritário “pacote de abril” do presidente Geisel provocou a indignação em toda a sociedade brasileira. A partir desse ano as elites empresariais do Brasil, que haviam apoiado o regime militar, desertaram a velha aliança burocrático-capitalista e começaram a tecer um novo pacto com as forças democráticas que haviam sido derrotadas em 1964. Essa mudança de posição da burguesia é o fato histórico novo que explica o processo de democratização no Brasil.6 6 Examinei esse fenômeno originalmente em O colapso de uma aliança de classes (1978). Mas ele explicará também por que, quando a transição foi completada e Sarney assumiu o governo no início de 1985, uma coalizão política democrático-populista estava no poder.

As visões nacional-desenvolvimentistas sobre como administrar a economia, que haviam sido bem-sucedidas entre as décadas de 30 e 50, haviam entrado em crise na década de 60. O golpe militar foi em grande parte uma consequência dessa crise. Mas, uma vez no poder, e particularmente na década de 70, os militares conseguiram adiar o ajuste e retomaram artificialmente políticas populistas, agora baseadas no financiamento externo. Somente em 1981 o governo autoritário iniciou o ajuste, mas de maneira hesitante e incompetente. Desse ano até o final de 1984 o regime autoritário tentou, sem sucesso, estabilizar os preços com a adoção de políticas ortodoxas - inclusive um programa do FMI, em 1983. Logrou apenas a estabilização do balanço de pagamentos. A inflação, entretanto, continuou a se acelerar lentamente, através de um processo em que permanecia por longos períodos em um mesmo patamar para em seguida subir para um patamar mais alto.

O novo governo democrático assumiu em 1985, baseado em uma ampla coalizão de empresários - que afinal haviam definitivamente rompido com os militares - com os grupos democráticos da classe média e da classe trabalhadora que haviam se oposto aos regimes autoritários desde o início. A crítica econômica padrão ao regime militar feita pelos representantes da coalizão democrático-populista incluía as “políticas econômicas ortodoxas” que caracterizaram o período 1981-1984. Todos os males eram atribuídos às políticas ortodoxas do FMI e ao domínio autoritário-tecnocrático.

A ideia subjacente era a de voltar aos velhos bons tempos da década de 50 - ao desenvolvimento acelerado com alguma distribuição de renda e a uma inflação moderada, que prevaleceram nos anos Vargas-Kubitschek (1930-1959). Em outras palavras, o clima era propício a uma nova experiência populista, com a diferença de que o país agora enfrentava uma crise fiscal, o que não ocorrera naqueles anos. O populismo moderado, como foi o nacional-desenvolvimentismo daquele período, podia funcionar bem enquanto a situação fiscal inicial do país era sólida e enquanto havia um setor da economia a partir do qual era possível transferir renda sem criar grandes distorções na economia7 7 Nesse período da história brasileira, os produtos de exportação, particularmente o café, se beneficiaram de altos preços internacionais. Isso tornou possível transferir renda da velha oligarquia exportadora de produtos primários para os novos industriais e trabalhadores urbanos. Essa foi a base do “pacto populista”. Quando os preços caíram, particularmente os do café, em fins da década de 50, o pacto populista se tornou impraticável. . Nenhuma dessas duas condições existia em 1985, quando o regime democrático foi inaugurado. Teríamos o “populismo de mãos vazias” (Faucher, 1992FAUCHER, Philippe (1991). “The improbable stabilization and inconceivable popular market capitalism: Argentina, Brazil, Mexico and Peru”. Paper apresentado ao XV Congresso da International Political Science Association, Buenos Aires, julho de 1991.). Se o populismo em geral não funciona a longo prazo, o populismo sem alguma gordura para ser queimada não é viável nem mesmo no curto prazo. Consequentemente, não foi uma surpresa que os primeiros dois anos da “Nova República”, terminando com o Plano Cruzado, fossem anos populistas. O populismo retornou com força total, usando a democracia e um pretenso keynesianismo como disfarces ou desculpas.

A direita, que havia sido basicamente desenvolvimentista e populista durante a maior parte do regime militar, reassumiu os princípios do cálculo econômico no começo da década de 80, quando a pressão dos bancos internacionais se tornou insuportável. Dado seu comprometimento ideológico básico com o liberalismo, era mais fácil para a direita mudar para uma retórica de disciplina fiscal e de apoio a reformas estruturais visando reduzir o tamanho do Estado. Ela continuava, contudo, presa ao protecionismo e a uma rede de subsídios que favoreciam indústrias e regiões. Para a esquerda e a centro-esquerda - das quais eu e minha equipe nos originávamos - essa mudança era mais difícil, porque também envolvia um aspecto histórico e ideológico. Os vínculos de meu partido - o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que fora o núcleo da oposição democrática durante vinte anos - com o nacional-desenvolvimentismo populista eram muito fortes.

Minha mudança pessoal para uma visão crítica do populismo - o que não significava que eu estivesse abraçando uma abordagem ortodoxa - havia ocorrido no início da década de 80, enquanto eu estava estudando e lecionando Teoria da Inflação e da Estabilização e Teoria do Ajuste Fiscal e do Balanço de Pagamentos a meus alunos de pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas. Isso não significava, entretanto, que passasse a me identificar com a ortodoxia neoclássica e neoliberal. Baseado na teoria neo-estruturalista da inflação inercial, para cujo desenvolvimento eu e meu colega Yoshiaki Nakano contribuímos8 8 Nessa época nós publicamos juntos um livro, Inflação e recessão (São Paulo, Brasiliense, 1984), uma coleção de ensaios sobre inflação inercial, publicado mais tarde em inglês (1987). A inflação inercial (ou alta ou autônoma da demanda ou crônica) é um tipo de inflação entre a inflação moderada e a hiperinflação, definido por seu nível e seu caráter altamente indexado (formal ou informalmente). É possível falar também de um “componente inercial” em todos os três tipos de inflação. , eu permanecia fortemente crítico em relação às estratégias gradualistas e convencionais defendidas pelo FMI para combater a inflação altamente indexada existente no Brasil. Também me mantinha crítico em relação à maneira como os países credores e as instituições financeiras multilaterais estavam administrando a crise da dívida em beneficio dos bancos credores. Mas estava claro para mim que a disciplina fiscal e reformas voltadas para o mercado, visando aumentar a coordenação da economia pelo mercado e reduzir o papel do Estado, eram ingredientes essenciais de qualquer política econômica racional no Brasil. Essa convicção me custaria muito politicamente quando fui nomeado ministro da Fazenda.

Quando meu antecessor e amigo Dilson Funaro caiu em desgraça, depois do fracasso do Plano Cruzado e da fria recepção dada externa e internamente à moratória da dívida externa decidida em fevereiro, o presidente Sarney teve que escolher outro ministro da Fazenda. Além de ser um economista conhecido do partido no Governo, eu tinha uma experiência como presidente do Banco do Estado de São Paulo e como chefe da Casa Civil do governador de São Paulo, André Franco Montoro. A condição que o PMDB impusera ao presidente era que o novo ministro deveria vir do partido. Sarney não me conhecia. Eu não era uma pessoa de sua confiança. Depois de um processo difícil, fui finalmente convidado.

A crise do Plano Cruzado foi séria e aguda. Muitas pessoas ficaram surpresas com o fato de eu aceitar o cargo naquele momento. Eu me lembro, nos dias seguintes, de dois amigos - Celso Furtado, então ministro da Cultura, e Olavo Setúbal, banqueiro e ex-ministro das Relações Exteriores - me dizerem, separadamente, que o Brasil não enfrentava uma crise tão séria e aguda desde pelo menos a década de 30. Porém, eu estava preparado para a tarefa, e sabia que teria condição de formar uma boa equipe econômica. Não avaliava, entretanto, as resistências que enfrentaria quando estivesse no cargo, vindas da esquerda e da direita, dos ortodoxos e dos populistas, das regiões acostumadas ao subsídio estatal, dos rent-seekers, fossem eles clientelistas (ou fisiológicos), protecionistas ou corporativistas.

3. UM PROGRAMA HETERODOXO

Na manhã de 29 de abril, quando eu estava preparando meu discurso de posse, recebi a visita de Roberto Gonzalez Cofiño, Chefe de Divisão de País para o Brasil do Banco Mundial, que estava de partida. Significativamente, foi minha primeira entrevista como ministro da Fazenda.9 9 Um relato de meu período como ministro da Fazenda pode ser encontrado no depoimento que prestei para o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, IUPERJ, “Contra a corrente: a experiência no Ministério da Fazenda” (1988a). . Eu não era conhecido em Washington. Assim, lembro sua agradável surpresa quando eu lhe disse que o Brasil precisava de um ajuste fiscal urgente e da eliminação de todos os subsídios - para permitir a recuperação da capacidade de poupança do Estado -, de uma taxa de juro interna positiva, de um novo programa de estabilização que combinasse políticas ortodoxas e heterodoxas, da regularização da dívida externa por meio de um acordo viável com os bancos comerciais, e de uma estratégia de desenvolvimento orientada para as exportações. Essas ideias, mais a liberalização do comércio internacional e a privatização, que eu adotaria definitivamente pouco tempo depois, orientaram minha ação no Ministério da Fazenda.10 10 A privatização não era minha preocupação direta, dado que o assunto não era atribuição direta do Ministério da Fazenda, mas eu dei a ela um forte apoio. Essas mesmas ideias foram uma fonte de conflito permanente com meu partido, com o staff político do presidente e também com os empresários brasileiros - quando eu deixei claro que o ajuste fiscal envolvia aumento de impostos, além da redução dos gastos do Estado. Minha decisão de deixar o Governo, sete meses depois, derivou da falta de apoio político para uma reforma fiscal que aumentava os impostos e os tornava mais progressivos e para um programa de redução dos gastos públicos que envolvia a eliminação de vários órgãos e setores do aparelho do Estado que interessavam à burocracia estatal e aos seus beneficiários privados.11 11 Propus, por exemplo, a extinção do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca), que é um instrumento político fundamental da “indústria da seca”, ou seja, da distribuição de toda forma de subsídios às elites nordestinas em nome do combate ao flagelo da seca.

Quando eu assumi o ministério, estava claro para mim que a transferência de recursos reais envolvida na crise da dívida era uma causa importante das altas taxas de inflação, na medida em que obrigara a grandes desvalorizações cambiais. Além disso, ela tornara a poupança externa negativa e, por meio dos juros devidos sobre a dívida externa, reduzira a poupança pública. A consequência havia sido uma dramática redução da taxa de crescimento da economia brasileira na década de 80. Era preciso encontrar uma solução para essa questão central. Estava claro, também, que o Brasil não podia permanecer em moratória e que era urgente um acordo com os bancos comerciais e com o Fundo. Mas eu queria uma negociação da dívida que, embora implicando sacrifícios internos, se mostrasse minimamente consistente com a estabilização dos preços e com a retomada da taxa de crescimento. O Plano Baker, com o menu approach e a promessa de financiamento adicional que não se materializou, me parecia insuficiente, mas naquele momento eu não via nenhuma alternativa. Os esquemas de redução de dívida ou alívio de dívida não estavam na agenda naquele momento, já que eles simplesmente não eram conhecidos pelos brasileiros. E se alguém já soubesse dos esquemas que estavam sendo discutidos nos países credores, não os considerava viáveis. Contudo, nos três meses seguintes eu aprenderia muito sobre a crise da dívida. Consequentemente, por fim tive condição de propor formalmente (i) a securitização da dívida (com a criação de uma linha de crédito para a dívida, para administrá-la) e (ii) a relativa desvinculação entre o FMI e os bancos comerciais nas negociações de dívida. Essas duas propostas receberam inicialmente um non starter do secretário Baker, mas depois tornaram-se os alicerces do Plano Brady.12 12 A história da negociação da dívida brasileira foi publicada em meu depoimento “Contra a corrente”, já citado (1988a), e será publicada em inglês no paper “World Bank’s Identity Crisis: a Latin American Perspective”, que faz parte do The World Bank History Project, patrocinado pela Brookings Institutos.

Minha preocupação principal no cargo foi a estabilização. Eu precisava imediatamente de um programa: um plano de estabilização de curto prazo, que paralisasse a inflação - que estava explodindo após o fracasso do Plano Cruzado13 13 A inflação aumentou de cerca de 2% em novembro de 1986 para 26% em junho de 1987. -, e um plano de estabilização a médio prazo, que apresentasse minha avaliação da crise brasileira e as políticas básicas que orientariam minha ação no Ministério. Por outro lado, era essencial introduzir reformas institucionais no aparelho do Estado que tornassem mais efetivas as políticas fiscal e monetária.

O programa de estabilização de curto prazo consistia em um congelamento de preços de emergência acompanhado de reformas institucionais e de algumas medidas de ajuste fiscal, que passaram a ser chamados “Plano Bresser”.14 14 Para uma comparação do Plano Bresser com o Plano Cruzado, v. Bresser-Pereira (1988b). O objetivo era reduzir temporariamente a inflação e retomar um mínimo de controle sobre a economia, de modo a permitir que, em um segundo momento, fosse posto em prática um programa de estabilização definitivo.

O choque heterodoxo era consistente com minhas visões neo-estruturalistas sobre a inflação inercial. Como se tratava de uma política de emergência, o congelamento foi muito curto: os preços começaram a ser liberalizados dois meses mais tarde, e em cinco meses quase todos os preços estavam liberalizados. Não desindexamos a economia, nem fizemos uma reforma monetária, nem usamos a taxa de câmbio como âncora nominal. Não tínhamos como objetivo estabilizar definitivamente a economia, mas interromper a explosão do processo inflacionário. Minha previsão era que seis meses depois do plano a inflação estaria em torno de 10% ao mês, devido ao insuficiente ajuste fiscal e ao desequilíbrio nos preços relativos no momento do congelamento. Consequentemente, um segundo e definitivo plano seria necessário alguns meses depois.15 15 Obviamente eu não transmiti à imprensa essa previsão. Ela só era partilhada por mim e pelos dois economistas que colaboraram mais diretamente comigo na definição do plano: Yoshiaki Nakano e Francisco Lopes.

A inflação inercial é um processo assincrônico ou defasado de aumentos de preços através do qual as firmas e os trabalhadores tentam se proteger da inflação passada indexando seus preços. Nesse processo os preços relativos são continuamente equilibrados e desequilibrados. Políticas monetária e fiscal convencionais, apesar de serem uma condição para o sucesso do programa de estabilização, são per se ineficazes para controlar esse tipo de inflação. A única maneira de pôr fim a ele é combinar políticas monetária e fiscal ortodoxas com uma intervenção heterodoxa direta nos preços, de modo a estabelecer um mecanismo de coordenação das expectativas (Lara Resende, 1991LARA RESENDE, André (1991). “Para evitar a dolarização”. Exame, 26 de junho de 1991.).

À medida que a inflação se acelera e as alterações de preços se tornam mais frequentes, há uma tendência de os preços relativos se equilibrarem. Quando se chega à hiperinflação, as decisões de preços se tornam praticamente sincronizadas, e é suficiente impor e sustentar uma âncora nominal, normalmente a taxa de câmbio. Isso, combinado com uma política fiscal rígida, acabaria com a inflação. Mas, enquanto a inflação não alcança esse nível, enquanto ela é apenas inercial, somente um congelamento de preços - como o adotado em Israel (1985) e no México (1987) - funcionará. Esse congelamento de preços, contudo, não será bem-sucedido se os preços relativos estiverem extremamente desequilibrados, se as tarifas públicas e/ou a taxa de câmbio tiverem sido mantidas artificialmente abaixo da inflação. Uma correção de preços abrupta no momento do congelamento (um “tarifaço” e uma maxidesvalorização) não será uma solução para o desequilíbrio dos preços relativos, porque os agentes econômicos se sentirão prejudicados e tentarão recuperar suas perdas (ou supostas perdas) na primeira oportunidade em que os preços estiverem livres outra vez. Se a inflação inercial é um processo contínuo de equilíbrio e desequilíbrio dos preços relativos, é essencial um equilíbrio de preços razoável (nunca perfeito) no momento do congelamento.

Por outro lado, é inútil decidir fazer um choque heterodoxo sem adotar medidas fiscais fortes. Em junho de 1987 os preços relativos estavam muito desequilibrados e eu não tinha tempo nem poder para adotar um ajuste fiscal pleno. Consequentemente, meu plano era fazer dois congelamentos de preços de curta duração. Um de caráter emergencial, decidido imediatamente, e um segundo, seis ou sete meses depois, após a gradual correção dos preços públicos e da taxa de câmbio e após a realização de um ajuste fiscal. O primeiro seria provisório, o segundo, definitivo.

O Plano Bresser foi efetivado em junho, e eu consegui: normalizar a economia, isto é, obter um equilíbrio econômico mínimo; interromper o declínio vertical dos salários reais combinado com a explosão das taxas de inflação; evitar o prosseguimento de um número recorde de falências das pequenas e médias empresas que, na euforia do Plano Cruzado, haviam contraído empréstimos e realizado investimentos; estabilizar a taxa de juro, que flutuava em níveis altos; recuperar um nível mínimo de controle sobre a economia. As medidas fiscais e institucionais que foram introduzidas junto com o plano permitiram recuperar algum controle sobre o déficit orçamentário, que ficara fora de controle durante o Plano Cruzado e durante os seis primeiros meses de 198716 16 A primeira projeção do déficit público operacional para 1987 era de 7,2%. Essa projeção se baseava quase exclusivamente nas despesas já realizadas ou definitivamente comprometidas. Oficialmente, planejávamos reduzi-lo para 3,5%, mas sabíamos que isso seria praticamente impossível. O número final para 1987 - consequência de um rígido controle das novas despesas, que provocou muita insatisfação, particularmente entre os outros ministros - foi de 5,2%. . Mas, como era esperado, o plano não foi capaz de resolver a crise fiscal nem de neutralizar totalmente o componente inercial da inflação. Depois de cair de 26% em junho para cerca de 3% ao mês em agosto, a taxa de inflação cresceu nos meses seguintes a uma taxa levemente maior do que a esperada. Em dezembro ela alcançou 14%, em vez dos 10% esperados.17 17 O “resíduo inflacionário” de 6% após o congelamento mostrou que os preços relativos estavam altamente desequilibrados no momento do plano de estabilização. Eu sabia que, além de um ajuste fiscal efetivo, a outra condição para um programa heterodoxo bem-sucedido era ter os preços relativos razoavelmente equilibrados no momento do congelamento. É por esse motivo que eu esperava uma taxa de inflação de 10% em dezembro. O ressurgimento da inflação, embora a demanda agregada permanecesse fraca, se devia essencialmente à tentativa dos agentes econômicos de recompor o equilíbrio dos preços relativos tão logo os preços fossem liberados, ou, como eles costumavam dizer, corrigir os “preços atrasados”. Indicava também a falta de crédito do Estado - a característica essencial de toda crise fiscal verdadeira -, que se expressava no vencimento diário dos títulos do Tesouro e na falta de confiança na moeda local.

4. UM PROGRAMA ORTODOXO

O Plano Bresser era a parte heterodoxa do programa de estabilização. O plano de estabilização de médio prazo - Plano de Controle MacroeconômicoMINISTÉRIO DA FAZENDA DO BRASIL (1987). Plano de Controle Macroeconômico. Brasília: Ministério da Fazenda. - era em certo sentido a parte ortodoxa do mesmo programa, e foi preparado por minha equipe entre maio e o início de julho. Incluía um modelo macroeconômico da economia brasileira e pretendia reproduzir em nossos termos uma carta de intenções ao FMI. Ele deveria também definir os parâmetros para a negociação da dívida externa, estabelecendo nossa capacidade de pagamento. Minhas orientações à excelente equipe de economistas que o concebeu foram muito claras18 18 O Plano de Controle Macroeconômico contou, entre outros economistas, com a participação de Yoshiaki Nakano (chefe), Fernando Maida Dall’ Acqua (coordenador), Adroaldo Moura da Silva e Decio Kadota (autores do modelo de simulação macroeconômica), Gustavo Maia Gomes, João do Carmo e Sílvio Rodrigues Alves. . Essas orientações haviam sido antecipadas em um paper que eu havia apresentado em um seminário sobre a América Latina na Universidade de Cambridge, em 5 de abril, vinte dias antes de assumir o cargo (Bresser-Pereira, 1987BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1987). “Changing patterns of financing investment in Brazil”. Bulletin of Latin American Research (University of Glasgow) 7(2), 1987.). O diagnóstico deveria enfatizar a crise fiscal do Estado; o fato de que o déficit orçamentário era alto demais; que a poupança pública, que fora altamente positiva na década de 70, estava se tornando negativa, só sendo possível financiar os investimentos públicos por meio do déficit orçamentário; que a dívida externa pública era muito alta, exigindo um financiamento a longo prazo; e que a dívida interna pública estava crescendo perigosamente.

Eu queria que o Plano de Controle MacroeconômicoMINISTÉRIO DA FAZENDA DO BRASIL (1987). Plano de Controle Macroeconômico. Brasília: Ministério da Fazenda. se parecesse o mais possível com uma carta de intenções para o FMI. Essas cartas, normalmente redigidas pelo staff do Fundo e assinadas pelas autoridades locais, definem algumas metas estratégicas (o déficit orçamentário nominal e operacional, o crescimento do crédito interno líquido, as variações nos agregados monetários básicos etc.). Eu estava decidido a assinar uma carta de intenções propriamente dita com o FMI, mas antes eu devia preparar a sociedade brasileira para essa ideia. Naquele momento eu não tinha nenhuma possibilidade política de assinar um acordo com o Fundo. Os conflitos com o Fundo, devido a sua posição unilateral sobre a crise da dívida, e o fracasso do programa de estabilização de 1983, apoiado pelo FMI, tinham sido potencializados pelas visões populistas que dominavam o Brasil após se completar a transição para a democracia, em 1985. Mas eu sabia que um plano de estabilização não poderia divergir substancialmente da recomendação básica do Fundo na área fiscal. Uma possível divergência estaria na necessidade de um choque heterodoxo, mas eu acreditava que essa seria uma divergência menor ou apenas formal. O FMI, como burocracia internacional prudente que é, não propõe choques, mas os aceita muito facilmente. Eu me lembro muito bem de quando encontrei pela primeira vez Thomas Reichmann, o economista-chefe do FMI para o Brasil, em maio de 1987. A inflação estava explodindo. Eu já havia decidido fazer um congelamento, mas isso era segredo. Eu não falei sobre ele a Reichmann, mas em nossa conversa ele chegou perto de propor um movimento nessa direção.19 19 Mais tarde, Reichmann disse a Yoshiaki Nakano que estava convencido de que um congelamento de preços era necessário naquele momento.

Eu precisava de um programa que orientasse minhas ações e as de minha equipe, e também que pudesse ser entendido por Washington e Nova York - pelas instituições multilaterais, pelo governo norte-americano e pelos bancos comerciais -, que eu planejava visitar no momento em que o plano ficasse pronto e fosse publicado. Nessa viagem eu começaria a negociar a dívida externa. Consequentemente, eu também precisava de um plano que definisse a capacidade de pagamento do Brasil. Para isso minha equipe usou um modelo de simulação macroeconômica para o Brasil, que passou a integrar o plano.20 20 Esse modelo havia sido desenvolvido por Décio Kadota e Adroaldo Moura da Silva. Dados alguns parâmetros, o modelo definiria quanto o Brasil podia pagar. Eu propus a minha equipe dois parâmetros de dívida, ou financeiros, básicos: o Brasil obteria financiamento para 60% dos juros das dívidas com os bancos comerciais, pagando aos bancos 40% líquidos;21 21 Embora os bancos não gostassem de falar em “refinanciamento de juros”, mas em “dinheiro novo”, eles mostravam alguma disposição para financiar entre um terço e a metade dos juros. Eu estava pedindo apenas um pouco mais. com as instituições multilaterais e o Clube de Paris o Brasil manteria um fluxo de caixa constante: a soma de juros e amortizações igualaria os novos desembolsos. Para os empréstimos multilaterais e oficiais parecia razoável a suposição de um fluxo de caixa constante, dado o interesse dos governos credores em resolver a crise. Eu propus também um parâmetro para o crescimento: 5% do PIB. O modelo tinha seus próprios parâmetros - a função poupança, incluindo a poupança pública; a carga fiscal; a função investimento; as dívidas interna e externa; o nível de reservas internacionais; etc.-, que, até certo ponto, podiam também ser considerados variáveis.

Operando o modelo, minha equipe chegou à conclusão de que os dois parâmetros definidos por mim e a meta de crescimento eram viáveis, mas implicavam a necessidade de um aumento na poupança total. Para aumentar a poupança pública, era necessário um acréscimo substancial na tributação e uma redução nas despesas do Estado, para que o déficit público operacional fosse reduzido para 3,5% em 1987, para 2% em 1988 e para 0 em 1989. Desse modo a poupança pública, que havia sido reduzida fortemente no começo da década de 80, seria recuperada. A alternativa seria tentar aumentar a poupança privada, reduzindo os salários e o consumo. Contudo, não havia garantia de que a redução dos salários levaria ao aumento da poupança privada. Por outro lado, ao aumentar a poupança pública - que havia sido reduzida - em vez da privada - que permanecia em seu nível habitual -, o peso sobre os trabalhadores ou consumidores seria menor. Mas eles teriam de suportar algum peso, já que mesmo uma reforma tributária progressiva não deixaria de fora a classe média baixa.

O modelo mostrou que para alcançar um crescimento de 5% do PIB seria necessário um aumento de 5 pontos percentuais do PIB na poupança pública. A meta era muito apertada. A divisão de encargos entre os credores externos e o Brasil não me parecia muito justa. Os credores eram tão culpados como nós pela dívida externa, e a única coisa que eles se dispunham a fazer era refinanciar parte da dívida. Mas naquele momento eu não estava vendo outra alternativa. Para recuperar a confiança externa e interna dos empresários, o essencial era suspender a moratória e regularizar os pagamentos externos do Brasil. Assim, eu decidi publicar o plano com essas restrições, submetê-lo ao presidente e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento e levá-lo aos Estados Unidos.

5. A DÍVIDA EXTERNA

Em meados de julho de 1987, dois meses e meio após assumir o cargo, eu finalmente viajei para Washington, com meu Plano de Controle MacroeconômicoMINISTÉRIO DA FAZENDA DO BRASIL (1987). Plano de Controle Macroeconômico. Brasília: Ministério da Fazenda.. Meu segundo compromisso, depois de uma visita de cortesia ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, foi com o senador Bill Bradley. A caminho de seu escritório, Marcílio Marques Moreira, então embaixador do Brasil em Washington, me disse que duas resoluções já haviam sido aprovadas no Congresso, uma no Senado, outra na Câmara, propondo e autorizando o governo americano a conceder ou patrocinar algumas formas de alívio de dívida (debt relief). Fiquei muito surpreso. Pedi a Marcílio que repetisse, já que eu, como também era o caso de praticamente todos os brasileiros, nunca tinha ouvido aquela expressão. Nem imaginava que isso fosse possível. Marcílio repetiu: “alívio de dívida”, e informou que essa era uma questão já bem discutida nos países credores. Aquilo foi para mim uma revelação, que eu imediatamente associei às conversas que eu havia tido no Brasil, nos últimos dois meses, com alguns banqueiros e economistas sobre securitização da dívida. Naquele dia eu me convenci de que alguma coisa deveria ser feita nessa direção. O clima nos países credores era favorável a novas ideias, ainda que estas fossem ainda muito vagas.

De volta ao Brasil, comecei a preparar minha proposta, ajudado por Fernão Bracher, o chefe dos negociadores brasileiras, por Yoshiaki Nakano, meu colega economista mais próximo, e por muitos outros. Também pedi ajuda técnica a dois bancos de investimento internacionais - First Boston e S.G. Warburg -, para assessorarem o Governo particularmente em relação ao acordo de securitização.22 22 Os dois bancos produziram um memorando conjunto a respeito de “Securitização parcial de dívida bancária”, datado de 16 de novembro de 1987.

As resistências locais à proposta não convencional que eu estava preparando logo surgiram. Primeiro, eu tive alguma dificuldade em convencer minha própria equipe. Eles gostavam da ideia, mas consideravam-na perigosa, pois poderia provocar uma forte reação negativa dos credores. E de fato provocou. Eu me lembro muito bem de Edwin Yeo - o representante secreto de Paul Volcker para a América Latina-, em sua segunda visita, ao me dizer que “depois que Funaro decidiu a moratória, Washington decidiu que ele não podia continuar a ser o ministro da Fazenda do Brasil”. Entretanto, o debate interno terminou quando eu disse, algo dramaticamente, que estava no Ministério da Fazenda para enfrentar e resolver os problemas, mesmo correndo o risco de perder o emprego. Eu estava disposto a assumir compromissos, mas apenas em coisas menores, não no essencial.

Muito mais séria foi a resistência da equipe em torno do presidente. Um diplomata muito capaz, Rubens Ricúpero, era o conselheiro internacional do presidente. Ele obteve o apoio de Marcílio Marques Moreira, na época embaixador brasileiro em Washington, e de Jorge Murad, o conservador genro do presidente, e desenvolveu o argumento de que Sarney já enfrentava internamente uma crise econômica e uma crise política, não sendo aconselhável arriscar-se a uma terceira - a uma crise internacional. Assim, o Brasil deveria fazer aos bancos uma proposta convencional.23 23 O Brasil assinou um acordo convencional com os bancos comerciais oito meses depois que eu deixei o Ministério, em agosto de 1988. Foi um fracasso. Um ano mais tarde o Brasil estava de novo em atraso. Eu argumentei que o risco não era tão grande, já que havia uma convicção crescente nos países credores de que o Plano Baker havia fracassado em resolver a crise da dívida. Além do mais, algum risco faz parte do jogo quando o interesse nacional está envolvido. Depois de um debate difícil, parte do qual ocorreu durante a visita de Sarney ao México, em agosto, o presidente aceitou minhas razões24 24 Um episódio interessante nessa ocasião foi minha conversa com Salinas de Gortari, então ministro do Planejamento do México. Eu sou um velho amigo de Gustavo Petriciolli, então ministro da Fazenda do México. Ele me levou até Salinas com Pedro Haspe. Minha conversa tratou exclusivamente das vantagens de um choque heterodoxo para controlar a inflação mexicana. Salinas, que já era cogitado como futuro presidente, ouviu muito atentamente, mas não fez nenhum comentário. Quatro meses mais tarde a inflação mexicana terminaria com um acordo social e um choque heterodoxo, que complementavam o ajuste fiscal e as reformas estruturais que o presidente De la Madrid havia iniciado. .

A resistência mais forte, no entanto, viria dos bancos comerciais e do Tesouro dos EUA. No final de agosto eu recebi um chamado do secretário James Baker. Ele fora informado de que eu estava preparando uma proposta para a dívida e me convidou para visitá-lo. Um convite do secretário do Tesouro dos EUA a um ministro da Fazenda latino-americano é uma ordem. Eu disse que o visitaria no dia 8 de setembro, depois de participar de uma conferência sobre a crise da dívida que um grupo de congressistas (“The U.S. Congressional Summit”) havia organizado em Viena nos primeiros dias de setembro.

Minha visita a Baker foi inicialmente um desastre, mas afinal uma vitória e um extraordinário avanço. A primeira parte do encontro foi uma conversa privada. Nela, ele rejeitou uma securitização parcial obrigatória da dívida, que eu pretendia incluir na proposta brasileira. Em troca, ele aceitava duas ideias fundamentais: a securitização voluntária e a desvinculação entre o FMI e os bancos comerciais nas negociações da dívida. Contudo, pressionado por sua equipe, que na reunião formal que se seguiu à privada já havia expressado com veemência sua oposição, ele distribuiu à imprensa, uma hora mais tarde, uma nota agressiva dizendo que a proposta brasileira era um non starter, ignorando a concessão que havia feito e confirmado também na reunião com as duas equipes. Entretanto, duas semanas depois, quando começou em Washington a Reunião Anual FMI/Banco Mundial, o non starter tornou-se um starter. A palavra do momento era securitização. Dezoito meses depois o Plano Brady incorporaria as duas propostas brasileiras: securitização e desvinculação.

A despeito da clara e muito razoável proposta feita pelo Brasil em 24 de setembro, de acordo com o que havia sido combinado com Baker, as negociações com os bancos comerciais, intermediadas permanentemente pelo Tesouro, avançaram vagarosamente. Logo Fernão Bracher - o competente negociador-chefe da dívida pelo Brasil - e eu percebemos que o prazo limite de 29 de janeiro para a assinatura do chamado “termo de compromisso” - estabelecido com os bancos quando o Brasil assinou um acordo provisório em outubro - não seria cumprido. Os bancos comerciais estavam confusos, sem saber como agir. Eles provavelmente sentiram que estavam vivendo um período de transição na crise da dívida.

6. O AJUSTE COMO UMA CONDIÇÃO PARA A SEGUNDA FASE

Entretanto, o Brasil não podia ficar e não ficaria indefinidamente na dependência da decisão dos bancos. Como era esperado, a taxa de inflação estava em aceleração. Em novembro ela já ultrapassara os 10% mensais - o número que em junho eu havia projetado para dezembro. De acordo com os planos iniciais de nossa equipe, era hora de começar a preparar a segunda fase do programa de estabilização, que incluiria também um choque heterodoxo. Mas este não podia ser um programa de estabilização de emergência, como havia sido o Plano Bresser.

O novo plano, programado para os primeiros meses de 1988, teria que ser bem planejado e acordado com a sociedade. Primeiro, os preços relativos deveriam estar bem equilibrados, para que no dia do plano não tivéssemos maxidesvalorizações nem grandes aumentos nos preços públicos (“tarifaços”). De acordo com a teoria da inflação inercial, um choque combinado com um “tarifaço” e uma abrupta desvalorização da moeda local está condenado de antemão. Segundo, o plano deveria ser precedido de um ajuste fiscal. Políticas heterodoxas são necessárias quando a inflação é alta e inercial, mas não alcança a hiperinflação plena.25 25 Na hiperinflação aberta acaba a assincronia dos aumentos de preços. Consequentemente, para estabilizar é suficiente promover um ajuste fiscal confiável e usar a taxa de câmbio como âncora nominal. Para isso o país precisa ter reservas internacionais numa magnitude considerável e o apoio da comunidade internacional. Contudo, elas ‘têm necessariamente um alcance limitado. Não substituem, mas complementam políticas monetária e fiscal ortodoxas. Terceiro, eu tinha que ter uma avaliação precisa dos compromissos brasileiros com a dívida externa. Isso era importante para a projeção do balanço de pagamentos e também para o plano de ajuste fiscal. Em termos gerais, eu sabia que o Brasil poderia pagar cerca de um terço dos juros e nada de amortização.

O presidente Sarney foi informado e concordou com a necessidade de um novo plano para o início do ano. Eu estivera preparando essa segunda fase do programa de estabilização desde o início. Os preços relativos estavam basicamente equilibrados. Ao custo de acelerar a inflação a curto prazo, nos últimos meses eu havia aumentado consistentemente os preços públicos acima da inflação, para evitar a necessidade de um “tarifaço” no dia em que o novo plano fosse lançado. A taxa de câmbio fora primeiramente desvalorizada e depois mantida atualizada. Os salários foram indexados numa base mensal. Assim, se o dia do novo congelamento caísse no meio do mês, os salários não precisariam de nenhuma fórmula de conversão especial. Eles estariam automaticamente compatibilizados com os outros preços. Quanto à dívida externa, Sarney concordava que, se não chegássemos a um acordo até o dia 29 de janeiro, o Brasil teria que decidir unilateralmente quanto pagaria, e fazer seus planos e orçamentos de acordo com essa decisão, embora continuasse a negociar. Ele também concordava que era necessário e urgente um plano de ajuste fiscal, mas foi a isso que ele finalmente retirou seu apoio em dezembro. Minha decisão de me demitir derivou desse fato.

No fim de novembro, fiz uma nova visita ao México, agora para participar com Sarney de um encontro de oito presidentes latino-americanos em Acapulco. A dívida externa foi a principal questão da reunião. Eu tive pouca oportunidade de falar com o ministro da Fazenda do México, Gustavo Petriciolli, pois ele estava profundamente envolvido nas negociações com os sindicatos, que, poucos dias depois, levariam a um plano heterodoxo de estabilização, envolvendo um congelamento de preços e salários que, combinado com o ajuste fiscal e as reformas estruturais, estabilizaria desde então a inflação mexicana. Entretanto, tive uma conversa importante com o outro membro do G-3, Jean Sorrouille, ministro da Fazenda da Argentina. Nesse encontro nós combinamos que esperaríamos até o começo de fevereiro do ano seguinte; se até esse momento nenhum dos dois países tivesse obtido um acordo razoável com os bancos, nós adotaríamos, de modo coordenado, uma moratória argentina e uma atitude unilateral do Brasil de começar a pagar cerca de um terço dos juros devidos aos bancos comerciais. Não estávamos criando um cartel dos devedores - que não é viável-, mas definindo um nível mínimo de coordenação para nossas políticas.

Contudo, a segunda fase do programa de estabilização e a coordenação de ações entre o Brasil e a Argentina abortaram com minha demissão do Ministério da Fazenda, vinte dias depois. Desde minha volta de Washington, no fim de setembro, eu havia definido como minha prioridade absoluta um plano de ajuste fiscal, envolvendo uma considerável redução das despesas e subsídios, e uma reforma tributária aumentando a carga fiscal. Contando com o apoio de minha equipe, eu trabalhara incessantemente nesse projeto durante dois meses.26 26 O projeto de reforma tributária, era encabeçado por meu diretor de Receita, Antônio Augusto de Mesquita Neto; a redução de despesas, envolvendo uma minirreforma administrativa, era encabeçada por meu vice-ministro, Mailson da Nóbrega, que mais tarde eu indicaria a Sarney para ser meu sucessor. No meio tempo, eu mantinha o presidente Sarney informado sobre os progressos que eu e minha equipe estávamos fazendo na definição do programa. Entretanto, quando o plano foi completado, no início da terceira semana de dezembro, eu o apresentei ao presidente, e não obtive seu apoio. Por trás de sua decisão estavam forças políticas poderosas. Assim, a despeito de sua insistência para que eu permanecesse no cargo, decidi me demitir. O presidente disse e repetiu que “no ano seguinte” ele aprovaria as reduções de despesas e subsídios e a reforma tributária, mas isso fazia pouco sentido para mim. Por que no ano seguinte, se ele podia aprovar o plano naquele ano?

Deixei o Ministério da Fazenda sem ter conseguido estabilizar a economia. A situação geral era muito mais favorável do que quando havia assumido o cargo. A inflação estava em cerca de 14% ao mês, mas acelerando lentamente. Os salários reais e o consumo haviam sido mantidos muito abaixo dos picos do Cruzado, e estavam estáveis. As falências haviam sido estancadas. O mercado financeiro estava calmo. O nível da taxa de câmbio era realista, o balanço de pagamentos havia sido equilibrado. A moratória da dívida externa não havia sido suspensa, mas já existia um acordo provisório. O ágio do dólar paralelo permanecia estável em torno de 25% sobre o dólar comercial, não havendo necessidade de intervenções do Banco Central no mercado de ouro.27 27 Dada a tributação de 25% nas transações de taxa de câmbio, esse ágio era na verdade próximo de zero. A confiança nos títulos públicos havia sido parcialmente recuperada. A denúncia, que eu fizera tão enfaticamente, da gravidade da crise brasileira e de seu caráter essencialmente fiscal estava começando a ser ouvida pela sociedade brasileira. A economia estava plenamente indexada, embora praticamente todos os preços privados estivessem livres. A economia não estava crescendo, mas o agravamento da recessão havia sido evitado.

Várias reformas institucionais importantes foram implementadas, separando o Tesouro do Banco Central, unificando o orçamento fiscal e o de crédito, estabelecendo controles mais formais e estritos dos desembolsos do Tesouro, criando uma carreira burocrática para os técnicos da Secretaria do Tesouro e do Orçamento, reduzindo o poder do Conselho Monetário Nacional de criar crédito, isto é, moeda. Eram medidas preparatórias para a independência do Banco Central, que eu planejava conceder no segundo programa de estabilização. Por outro lado, as reformas estruturais foram iniciadas. O sistema de crédito à agricultura havia sido totalmente reestruturado: os subsídios foram eliminados; em troca, os agricultores conseguiram preços mínimos mais realistas. Os estudos para reformulação das tarifas aduaneiras - condição essencial para a eliminação de todas as barreiras não tarifárias - estavam completados -, preparando o caminho para a liberalização comercial.28 28 A liberalização comercial estava longe de ser consensual no Brasil em 1987. Contudo, na minha gestão foram dados os primeiros passos nessa direção. José Tavares de Araújo, chefe da Comissão de Política Aduaneira, fez a revisão completa do sistema alfandegário brasileiro, uma condição essencial para a planejada liberalização comercial. Por outro lado, nossas negociações com o Banco Mundial visando um empréstimo de ajuste estrutural estavam bem avançadas. Armeane Choski e Dimitri Papageorgiou, que tinham grande experiência no assunto, estavam diretamente envolvidos nas negociações com Yoshiaki Nakano e Tavares de Araújo. Uma política industrial, que estava sendo estudada no Ministério da Indústria e Comércio, complementaria de forma independente a liberalização comercial. A privatização estava marchando vagarosamente, mas algum progresso havia sido feito.

Mas isso não era suficiente. O déficit orçamentário não estava mais crescendo, mas permanecia alto - e, sem o plano de ajuste fiscal, as chances de reduzi-lo eram limitadas. A inflação, que eu esperava ser de 10% em dezembro, estava em torno de 14%, e apresentava uma moderada, mas clara tendência de aceleração. Consequentemente, quando decidi não levar adiante o segundo programa de estabilização e me demiti, estava orgulhoso dos avanços conseguidos por mim e por minha equipe, mas sabia que, no fim das contas, eu havia fracassado em ajustar e estabilizar a economia brasileira, Eu tinha sido capaz de definir a natureza interna da crise brasileira - a crise fiscal do Estado e o esgotamento da estratégia de desenvolvimento-, tinha sido capaz de tranquilizar a economia e iniciar as reformas institucionais e estruturais que eram necessárias, mas não tinha sido capaz de implementar o ajuste fiscal que era a condição para a estabilização, e eu não tinha implementado a segunda fase de meu plano de estabilização.

7. CONCLUSÃO

Na introdução a este texto eu apresentei minhas ideias sobre as condições necessárias para reformas econômicas bem-sucedidas, que em muitos sentidos coincidem ou complementam o texto de Williamson que serviu de base para esta conferência. Em primeiro lugar, muitos programas de estabilização, ou, em termos mais gerais, programas de reforma econômica, fracassam por serem ineficientes: por não considerarem a situação específica da economia; por não terem por trás de si uma equipe competente e coesa. Embora admitindo que não sou o melhor juiz nesse assunto, este não foi o caso em 1987. O plano de estabilização levou em consideração o caráter inercial da inflação e os tempos anormais que o Brasil estava vivendo.

Em segundo lugar, reformas econômicas precisam de sustentação política. E a sustentação política depende da gravidade da crise e da sensibilidade da sociedade em relação à desorganização econômica e à inflação. A falta de sustentação política para meu programa econômico foi claramente o problema central. Eu não consegui apoio do presidente, nem de meu partido, nem da sociedade civil para o ajuste fiscal que era necessário. A crise já era grave, mas não havia alcançado o nível da hiperinflação. Ela não era percebida como séria. E a sensibilidade da sociedade brasileira à inflação é baixa.

Na primeira seção do texto eu já sublinhei como as visões populistas eram particularmente fortes no Brasil nos dois primeiros anos do novo regime democrático. O fracasso do Plano Cruzado abalou essa visão da economia, mas ela ainda era forte em 1987. Por várias razões, Sarney não foi capaz de dar a sustentação política que eu pedi. Primeiro, porque sua visão da política econômica era essencialmente (embora não puramente) populista. O Plano Cruzado não foi um acidente. Segundo, porque estava profundamente envolvido em conseguir apoio do Congresso para ficar cinco em vez de quatro anos na Presidência. Para obtê-lo, ele precisou agradar ao “Centrão” - o grupo populista e conservador que foi formado no último trimestre de 1987 para dar a ele sustentação política. Terceiro, porque um grupo conservador na equipe do presidente, liderado por Jorge Murad, Mathias Machline (um empresário amigo do presidente) e Antônio Carlos Magalhães (um poderoso político da Bahia), estava descontente com minhas políticas interna e externa independentes e pressionou o presidente para não aceitar meu plano de ajuste fiscal. Eles sabiam que se o presidente não aceitasse o plano eu me demitiria, como de fato o fiz em 20 de dezembro.

Meu partido, o PMDB, foi também incapaz de dar sustentação política, porque ainda prevalecia nele a abordagem nacional-desenvolvimentista. Eu certamente contei com o apoio de alguns líderes políticos, mas eles eram a exceção, e não a regra.29 29 Em vários momentos o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, e Fernando Henrique Cardoso, líder do partido no Senado, tiveram que fazer uma intermediação entre mim e o partido, que não aceitava minhas visões sobre os problemas fiscais, sobre a necessidade de uma taxa de juro positiva, sobre as negociações da dívida externa, etc.

Finalmente, eu não contei com o apoio da sociedade civil. Quando o Plano Bresser foi lançado, a reação contra um suposto “arrocho salarial” foi enorme em toda a sociedade. A resistência não veio só dos sindicatos, mas também da imprensa escrita, que representa principalmente a classe média do Brasil - uma classe que também se sentiu ameaçada por uma possível maior redução dos salários30 30 A aceleração da inflação, que assinalou o fracasso do Plano Cruzado, causou uma redução média dos salários de cerca de 30% entre novembro de 1986 e junho de 1987. Com o plano de estabilização, os salários reais se estabilizaram um pouco acima do nível mais baixo, que correspondia aos salários reais médios de 1985, já que os salários reais tinham crescido rapidamente durante o Plano Cruzado. . Contudo, a verdadeira resistência à reforma veio do empresariado. Quando, em dezembro, eu propus a reforma fiscal, as nove maiores associações empresariais de São Paulo, cujos presidentes costumavam reunir-se habitualmente no que chamavam de “Fórum Informal”, divulgaram um comunicado repudiando o aumento de impostos que eu estava propondo.31 31 O Fórum Informal incluía, entre outros, os presidentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Associação Comercial, da Federação Brasileira de Bancos, da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo e da Sociedade Rural Brasileira. Eu tinha relações muito boas com o empresariado brasileiro, que estava se sentindo mais seguro desde que eu assumira o cargo de ministro da Fazenda. Quando eu me demiti, o presidente da FIESP, Mário Amato, declarou à imprensa que isso “era uma tragédia para o país”. Mas essas visões positivas não impediram a ele e seus associados de redigir o comunicado contra a reforma tributária. Seu populismo e seu conservadorismo impediram-nos de aceitar, respectivamente, um aumento dos impostos e alguma progressividade nesse aumento.

De fato, os custos líquidos de ajustar a economia brasileira ainda eram positivos naquele momento. Ou, pelo menos, a maioria dos brasileiros tinha essa percepção. Somente dois anos mais tarde, quando o primeiro episódio de hiperinflação impactou a economia brasileira, essa visão foi realmente abalada. Percebeu-se que a crise, que eu denunciara tão fortemente em 1987, era mesmo grave, e que algum sacrifício tinha que ser repartido entre todos. A administração que assumia, chefiada pelo presidente Collor, tiraria proveito dessa mudança de disposição, mas ela acabaria sendo desperdiçada por causa da ineficiência das políticas ortodoxas e heterodoxas que foram tentadas nos dois anos e meio seguintes.

Dado que os custos líquidos de transição ainda eram positivos, dado que os trabalhadores não estavam dispostos a aceitar reduções de salário, nem os capitalistas aumentos de impostos, dada a inconsciência das elites brasileiras em relação à gravidade da crise econômica, dada a força das visões populistas ou nacional-desenvolvimentistas ainda prevalecentes em 1987, apenas um estadista na Presidência, dotado de visão e coragem, teria sido capaz de confrontar a sociedade, de prever os custos de ajustar a economia e de realizar as reformas econômicas. Estadistas, entretanto, são uma espécie rara, que só aparecem de vez em quando em sociedades afortunadas. É provavelmente por isso que Bertold Brecht disse uma vez: “Tristes são as nações que precisam de um estadista”. Mais tristes ainda, eu acrescentaria, são as nações que precisam de um estadista mas não o têm, enquanto o povo não está ainda preparado para desempenhar coletivamente o papel que caberia a ele.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Reformas ineficientes são aquelas cujos custos são desproporcionais aos resultados. Além de ineficiente uma reforma pode ser inefetiva, isto é, incapaz de alcançar seus objetivos. Estou falando apenas de reformas ineficientes
  • 2
    Para uma análise mais completa da eficiência das reformas econômicas e dos custos líquidos de transição, v. Bresser-Pereira (1992aBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1992a). “Economic reforms and economic growth: efficiency and politics in Latin America”. In Bresser-Pereira, Przeworski and Maraval. Economic Reforms in New Democracies. Cambridge: Cambridge University Press, 1993. It first circulated as a working paper of the Department of Political Science of the University of Chicago in 1992.) e o comentário de Jairo Abud (1992ABUD, Jairo (1992). “Interpretação gráfica dos custos de programas de ajustamento”. Revista de Economia Política 11(4), outubro.). Sobre reformas econômicas em tempos normais e anormais v. Bresser-Pereira (1992bBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1992b). “Reformas econômicas em tempos anormais”. Revista da USP nº 17, fevereiro 1993.).
  • 3
    Esse último caso foi analisado e formalizado por Przeworski (1991PRZEWORSKI, Adam (1991). Democracy and the Market. Cambridge: Cambridge University Press.) e Alesina e Drazden (1991ALESINA, A. e A. Drazden (1991). “Why are stabilizations delayed?”. American Economic Review 81(5), dezembro.).
  • 4
    Estou pensando em Mario Soares, em Portugal, que por duas vezes (1977 e 1984) perdeu eleições por implementar reformas econômicas impopulares, em 1984 quando o ajuste já havia sido alcançado; em Felipe Gonzales, na Espanha, que rompeu com a visão populista e foi capaz de promover reformas sem trair suas crenças de esquerda; em De la Madrid, no México, que a partir de 1985 iniciou o ajuste fiscal e reformas econômicas estruturais voltadas para o mercado, enquanto a maior parte da América Latina permanecia prisioneira de velhas visões nacional-desenvolvimentistas.
  • 5
    Em maio de 1992 começa a crise política que levou ao impeachment do presidente Fernando Collor, em dezembro. Antes disso, duas oportunidades foram perdidas: a primeira na inauguração da nova administração, e a segunda nos primeiros quatro meses de 1992, quando estavam presentes as condições políticas e econômicas para uma estabilização decisiva.
  • 6
    Examinei esse fenômeno originalmente em O colapso de uma aliança de classes (1978BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1978). O Colapso de uma Aliança de Classes. São Paulo: Brasiliense.).
  • 7
    Nesse período da história brasileira, os produtos de exportação, particularmente o café, se beneficiaram de altos preços internacionais. Isso tornou possível transferir renda da velha oligarquia exportadora de produtos primários para os novos industriais e trabalhadores urbanos. Essa foi a base do “pacto populista”. Quando os preços caíram, particularmente os do café, em fins da década de 50, o pacto populista se tornou impraticável.
  • 8
    Nessa época nós publicamos juntos um livro, Inflação e recessão (São Paulo, Brasiliense, 1984), uma coleção de ensaios sobre inflação inercial, publicado mais tarde em inglês (1987BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos e Y. Nakano (1984). The Theory of Inertial Injlation. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1987. Primeira edição brasileira, 1984.). A inflação inercial (ou alta ou autônoma da demanda ou crônica) é um tipo de inflação entre a inflação moderada e a hiperinflação, definido por seu nível e seu caráter altamente indexado (formal ou informalmente). É possível falar também de um “componente inercial” em todos os três tipos de inflação.
  • 9
    Um relato de meu período como ministro da Fazenda pode ser encontrado no depoimento que prestei para o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, IUPERJ, “Contra a corrente: a experiência no Ministério da Fazenda” (1988aBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1988a). “Contra a corrente: a experiência no Ministério da Fazenda”. Revista Brasileira de Ciências Sociais no.19, julho de 1992. Depoimento ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (apresentado em setembro de 1988 e revisado em 1991). Não disponível em inglês. Em francês: “Experiences d’un Gouvernment”. Problémes d’Amérique Latine, no.93, terceiro trimestre de 1989.).
  • 10
    A privatização não era minha preocupação direta, dado que o assunto não era atribuição direta do Ministério da Fazenda, mas eu dei a ela um forte apoio.
  • 11
    Propus, por exemplo, a extinção do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca), que é um instrumento político fundamental da “indústria da seca”, ou seja, da distribuição de toda forma de subsídios às elites nordestinas em nome do combate ao flagelo da seca.
  • 12
    A história da negociação da dívida brasileira foi publicada em meu depoimento “Contra a corrente”, já citado (1988aBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1988a). “Contra a corrente: a experiência no Ministério da Fazenda”. Revista Brasileira de Ciências Sociais no.19, julho de 1992. Depoimento ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (apresentado em setembro de 1988 e revisado em 1991). Não disponível em inglês. Em francês: “Experiences d’un Gouvernment”. Problémes d’Amérique Latine, no.93, terceiro trimestre de 1989.), e será publicada em inglês no paper “World Bank’s Identity Crisis: a Latin American Perspective”, que faz parte do The World Bank History Project, patrocinado pela Brookings Institutos.
  • 13
    A inflação aumentou de cerca de 2% em novembro de 1986 para 26% em junho de 1987.
  • 14
    Para uma comparação do Plano Bresser com o Plano Cruzado, v. Bresser-Pereira (1988bBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1988b). “Brazil’s inflation and the Cruzado Plan, 1985-1988”. In Pamela S. Falk, ed. Inflation: Are We Next? Hyperinflation and Solutions in Argentina, Brazil and Israel. Boulder: Lynne Rienner, 1990.).
  • 15
    Obviamente eu não transmiti à imprensa essa previsão. Ela só era partilhada por mim e pelos dois economistas que colaboraram mais diretamente comigo na definição do plano: Yoshiaki Nakano e Francisco Lopes.
  • 16
    A primeira projeção do déficit público operacional para 1987 era de 7,2%. Essa projeção se baseava quase exclusivamente nas despesas já realizadas ou definitivamente comprometidas. Oficialmente, planejávamos reduzi-lo para 3,5%, mas sabíamos que isso seria praticamente impossível. O número final para 1987 - consequência de um rígido controle das novas despesas, que provocou muita insatisfação, particularmente entre os outros ministros - foi de 5,2%.
  • 17
    O “resíduo inflacionário” de 6% após o congelamento mostrou que os preços relativos estavam altamente desequilibrados no momento do plano de estabilização. Eu sabia que, além de um ajuste fiscal efetivo, a outra condição para um programa heterodoxo bem-sucedido era ter os preços relativos razoavelmente equilibrados no momento do congelamento. É por esse motivo que eu esperava uma taxa de inflação de 10% em dezembro.
  • 18
    O Plano de Controle MacroeconômicoMINISTÉRIO DA FAZENDA DO BRASIL (1987). Plano de Controle Macroeconômico. Brasília: Ministério da Fazenda. contou, entre outros economistas, com a participação de Yoshiaki Nakano (chefe), Fernando Maida Dall’ Acqua (coordenador), Adroaldo Moura da Silva e Decio Kadota (autores do modelo de simulação macroeconômica), Gustavo Maia Gomes, João do Carmo e Sílvio Rodrigues Alves.
  • 19
    Mais tarde, Reichmann disse a Yoshiaki Nakano que estava convencido de que um congelamento de preços era necessário naquele momento.
  • 20
    Esse modelo havia sido desenvolvido por Décio Kadota e Adroaldo Moura da Silva.
  • 21
    Embora os bancos não gostassem de falar em “refinanciamento de juros”, mas em “dinheiro novo”, eles mostravam alguma disposição para financiar entre um terço e a metade dos juros. Eu estava pedindo apenas um pouco mais.
  • 22
    Os dois bancos produziram um memorando conjunto a respeito de “Securitização parcial de dívida bancária”, datado de 16 de novembro de 1987.
  • 23
    O Brasil assinou um acordo convencional com os bancos comerciais oito meses depois que eu deixei o Ministério, em agosto de 1988. Foi um fracasso. Um ano mais tarde o Brasil estava de novo em atraso.
  • 24
    Um episódio interessante nessa ocasião foi minha conversa com Salinas de Gortari, então ministro do Planejamento do México. Eu sou um velho amigo de Gustavo Petriciolli, então ministro da Fazenda do México. Ele me levou até Salinas com Pedro Haspe. Minha conversa tratou exclusivamente das vantagens de um choque heterodoxo para controlar a inflação mexicana. Salinas, que já era cogitado como futuro presidente, ouviu muito atentamente, mas não fez nenhum comentário. Quatro meses mais tarde a inflação mexicana terminaria com um acordo social e um choque heterodoxo, que complementavam o ajuste fiscal e as reformas estruturais que o presidente De la Madrid havia iniciado.
  • 25
    Na hiperinflação aberta acaba a assincronia dos aumentos de preços. Consequentemente, para estabilizar é suficiente promover um ajuste fiscal confiável e usar a taxa de câmbio como âncora nominal. Para isso o país precisa ter reservas internacionais numa magnitude considerável e o apoio da comunidade internacional.
  • 26
    O projeto de reforma tributária, era encabeçado por meu diretor de Receita, Antônio Augusto de Mesquita Neto; a redução de despesas, envolvendo uma minirreforma administrativa, era encabeçada por meu vice-ministro, Mailson da Nóbrega, que mais tarde eu indicaria a Sarney para ser meu sucessor.
  • 27
    Dada a tributação de 25% nas transações de taxa de câmbio, esse ágio era na verdade próximo de zero.
  • 28
    A liberalização comercial estava longe de ser consensual no Brasil em 1987. Contudo, na minha gestão foram dados os primeiros passos nessa direção. José Tavares de Araújo, chefe da Comissão de Política Aduaneira, fez a revisão completa do sistema alfandegário brasileiro, uma condição essencial para a planejada liberalização comercial. Por outro lado, nossas negociações com o Banco Mundial visando um empréstimo de ajuste estrutural estavam bem avançadas. Armeane Choski e Dimitri Papageorgiou, que tinham grande experiência no assunto, estavam diretamente envolvidos nas negociações com Yoshiaki Nakano e Tavares de Araújo.
  • 29
    Em vários momentos o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, e Fernando Henrique Cardoso, líder do partido no Senado, tiveram que fazer uma intermediação entre mim e o partido, que não aceitava minhas visões sobre os problemas fiscais, sobre a necessidade de uma taxa de juro positiva, sobre as negociações da dívida externa, etc.
  • 30
    A aceleração da inflação, que assinalou o fracasso do Plano Cruzado, causou uma redução média dos salários de cerca de 30% entre novembro de 1986 e junho de 1987. Com o plano de estabilização, os salários reais se estabilizaram um pouco acima do nível mais baixo, que correspondia aos salários reais médios de 1985, já que os salários reais tinham crescido rapidamente durante o Plano Cruzado.
  • 31
    O Fórum Informal incluía, entre outros, os presidentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Associação Comercial, da Federação Brasileira de Bancos, da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo e da Sociedade Rural Brasileira.
  • *
    Trabalho escrito originalmente em inglês, traduzido por Otacílio Fernando Nunes Jr.
  • 33
    JEL Classification: E31; D72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1993
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