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A articulação das políticas industrial e comercial nas economias em desenvolvimento contemporâneas: uma discussão analítica* * Na preparação deste artigo, o autor se beneficiou de discussões com José Eduardo Cassiolato, Mário Luiz Possas, Mário Cordeiro de Carvalho Jr., Antônio Luís Licha, Marcelo Dias Carcanholo e Robson A. Grassi.

The articulation of industrial and commercial policies in contemporary developing economies: an analytical discussion

RESUMO

O artigo discute a importância da conexão entre políticas industriais e comerciais no atual processo de globalização da economia mundial. Apesar de inspiradas na recente liberalização do comércio brasileiro, todas as questões analisadas aqui são basicamente teóricas. O autor discute como a conexão entre políticas industriais e comerciais é analisada nas teorias do comércio internacional, bem como como esta oferece argumentos teóricos favoráveis às políticas industriais.

PALAVRAS-CHAVE:
Globalização; política industrial; industrialização; protecionismo

ABSTRACT

The article discusses the importance of the connection between industrial and trade policies within the current process of globalization in the world economy. In spite of being inspired by the recent Brazilian trade liberalization, all questions analyzed here are basically theoretical ones. The author discusses how the connection between industrial and trade policies are analyzed within the international trade theories as well as how the latter offers theoretical arguments favorable to industrial policies.

KEYWORDS:
Globalization; industrial policy; industrialization; protectionism

INTRODUÇÃO

É quase consensual entre os economistas especializados a conclusão de que as elevadas taxas de proteção efetiva que caracterizaram o processo de industrialização por substituição de importações no Brasil não apenas deixaram muitos segmentos da indústria operando com baixo nível de eficiência em preços e em qualidade dos bens e serviços produzidos, como também acarretaram elevados vieses contra as exportações brasileiras.

Um dos principais objetivos da liberalização comercial consistiu em reconstruir o aparato da estrutura de proteção, eliminando barreiras não-tarifárias redundantes, resgatando o papel das tarifas aduaneiras como o instrumento básico de proteção e modernizando as instituições encarregadas de executar os principais mecanismos das políticas industrial e comercial do país, tais como a defesa comercial externa, os créditos às exportações, os critérios para emissão de documentos nas operações de comércio exterior, as leis de defesa da concorrência etc.

No entanto, esse processo vem sendo conduzido implicitamente de acordo com a concepção de que, no atual processo de globalização, não haveria qualquer justificativa teoricamente só lida para a adoção de estratégias de política industrial, ou mesmo para a articulação desta com os instrumentos da política comercial. O objetivo deste trabalho é mostrar que é possível encontrar, no âmbito das teorias de comércio internacional, argumentos teoricamente favoráveis a intervenções governamentais pró-industrialização, desde que pautadas por critérios rigorosamente seletivos e de racionalidade. Não se trata, de forma alguma, da defesa de retroceder aos mecanismos protecionistas do passado, mas tão somente de apresentar algumas proposições (envolvendo mecanismos seletivos de proteção ou não) que, amparadas pela teoria econômica, poderiam contribuir para a mudança do padrão de especialização e de crescimento da economia brasileira em termos dinâmicos.

O trabalho está organizado da seguinte forma: na segunda seção, apresento uma síntese das principais teorias de comércio internacional, procurando discutir como os conceitos de políticas industrial e comercial são por elas tratados, bem como as implicações normativas pertinentes; na terceira seção, mostram-se as similaridades e as diferenças com que a articulação dos instrumentos inerentes a ambas as políticas é analisada dentro de cada um dos enfoques teóricos; a última seção limita-se a uma breve nota conclusiva.

POLÍTICA INDUSTRIAL E REGIMES COMERCIAS1 1 Por regimes comerciais, estamo-nos aqui referindo às várias formas de intervenção governamental implementadas em alternativa ou com o intuito de afastamento de um regime de livre comércio. As intervenções governamentais podem ser feitas por uma política industrial explícita ou não, utilizando tanto os instrumentos da política comercial (tarifas aduaneiras, quotas e subsídios às exportações) quanto os da doméstica (subsídios à produção e ao consumo, créditos subsidiados etc.). À LUZ DAS TEORIAS DE COMÉRCIO INTERNACIONAL

O debate sobre o regime comercial mais adequado para proporcionar uma alocação eficiente dos recursos produtivos e a maximização da renda real de um país remonta à origem da ciência econômica, podendo-se, inclusive, afirmar que constituiu a razão principal para a formulação de uma teoria clássica de comércio internacional. De fato, ao apresentar a base analítica essencial para explicar o padrão e os ganhos provenientes do comércio internacional, Smith (1776SMITH, Adam (1776). A Riqueza das Nações [Trad. de An Enquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations]. São Paulo: Abril Cultural , 1982.) e Ricardo (1817RICARDO, David (1817). Princípios de Economia Política e Tributação [Trad. de On the Principles of Political Economy and Taxation]- São Paulo: Abril Cultural 1981.), por meio de suas teorias de custos absolutos e comparativos, respectivamente, deflagrara m uma controvérsia plurissecular sobre os argumentos prós e contrários a um regi me puro de livre comércio.

Embora não haja consenso na historiografia econômica em considerar Ricardo um free-trader intransigente em sua época2 2 Com base em uma documentação minuciosa acerca do debate clássico sobre regimes comerciais, o historiador econômico inglês Leonard Gomes (1987, p. 189) conclui que, ao contrário de Smith, Ricardo nunca fora um defensor inveterado do livre comércio em geral, só se revelando um free-trader convicto na defesa da abolição das Leis do Trigo (“Corn Laws”), por acreditar que essas deprimiam a taxa geral de lucro da economia a longo prazo. , a teoria dos custos comparativos veio a servir como um dos suportes complementares para a defesa neoclássica do livre comércio como o regime comercial ótimo (first-best). Em termos gerais, embora a análise teórica posterior, que culmina com o chamado modelo Heckscher-OhlinSamuelson (H-O-S)3 3 Por modelo H-O-S, referimo-nos aqui ao modelo neoclássico de comércio internacional que, a partir do teorema básico de Heckscher-Ohlin (a dotação de fatores como causa explicativa do padrão de comércio entre os países), culmina com os teoremas complementares de Samuelson (sobre ganhos de comércio e equalização dos preços dos fatores), de Stolper-Samuelson (sobre os impactos diferenciados da abertura comercial sobre a distribuição de renda) e de Rybczynski (sobre o crescimento enviesado decorrente de mudança dos fatores de produção). Nos artigos originais, no entanto, nem sempre se conclui que o livre comércio é o melhor regime comercial. Samuelson (1962), por exemplo, ao demonstrar de forma rigorosa a possibilidade de ganhos de bem-estar com maior abertura ao comércio internacional, concluía que, embora “o comércio possa deixar um país potencialmente melhor” (p. 799), “o livre comércio não necessariamente maximizará a renda real, o consumo e as possibilidades sociais de qualquer país” (p. 801). , tenha mantido a condição ricardiana sine qua nom para a existência de algum comércio (diferença de custos comparativos interindustriais entre os países), todo o esforço analítico foi canalizado para a construção de um corpo teórico unificado de que se pudessem extrair predições ora sobre aspectos positivos (como, por exemplo, o padrão de comércio sendo explicado pelas diferenças nas dotações relativas de fatores do país, e não, como em Ricardo, pelas suas distintas tecnologias relativas dadas), ora normativos (como a possibilidade de maximizar os ganhos de comércio para a sociedade, bem como a defesa do livre-comércio como o regime comercial que propiciaria a melhor alocação de recursos para a economia) relacionados a maior abertura ao comércio internacional.

Do ponto de vista operacional, a análise passou a privilegiar os exercícios de estática comparativa por meio dos quais conclusões acerca do volume, padrão, ganhos e efeitos do comércio internacional sobre preços relativos (de bens e fatores) e distribuição de renda pudessem ser feitas a partir de duas situações hipotéticas distintas: ausência de comércio (“autarquia” produtiva) e livre comércio puro. Para Chipman (1987CHIPMAN, John S. (1987). “International Trade”, in Eatwell John, Milgate, Murray e Newman, Peter, The New Palgrave, vol. II. London: MacMillan Press., p. 922), considerando-se a prevalência de barreiras comerciais de todo tipo no mundo real, as “simplificações drásticas e pressupostos fortes” do modelo neoclássico de comércio internacional seriam necessárias para garantir maior precisão qualitativa dos resultados teoricamente previstos. Conforme consta na maioria dos livros-texto de comércio internacional4 4 Ver, por exemplo, Pomfret (1991) e Salvatore (1995). , esses pressupostos poderiam ser resumidos em:

  1. lado da oferta: tecnologias dadas e idênticas entre os países, representadas por funções de produção contínuas, diferenciáveis, sujeitas a retornos não-crescentes (normalmente, constantes) de escala;

  2. lado da demanda: idênticas preferências dos consumidores entre os países, representadas por funções de utilidade bem-comportadas, isto é, que permitam agregar os níveis de utilidade individuais em curvas de indiferença sociais (“da comunidade”);

  3. mercados perfeitamente competitivos (de bens e fatores de produção), ausência de custos de transporte e de informação, bem como inexistência de qualquer forma de intervenção governamental (“laissez-faire”);

  4. market-clearing, ou seja, existência de mecanismos de ajuste intra-mercados que assegurem a eliminação de qualquer excesso de demanda (ou oferta) virtual nos mercados de bens, serviços e fatores de produção.

Em abordagem de equilíbrio geral, as hipóteses (a) a (d) são utilizadas no modelo H-O-S para demonstrar que apenas o livre comércio propicia uma configuração ótima de equilíbrio internacional consistente com o máximo bem-estar social sob o critério paretiano (“ótimo social”)5 5 Para uma exposição mais pormenorizada de como o modelo H-O-S passou a associar o conceito de eficiência como critério de alocação ótima dos recursos disponíveis, de maximização das possibilidades de produção da economia e de avaliação do máximo bem-estar social, ver Nassif (1997). . Uma vez alcançada essa posição ideal, qualquer forma de intervenção governamental seria inócua para produzir melhores resultados sociais, a não ser reduzindo os níveis de bem-estar de, pelo menos, um indivíduo na sociedade.

Em outras palavras, em um mundo em que o sistema de comércio internacional fosse regido de facto pelos critérios paretianos de eficiência econômica, não faria qualquer sentido a adoção de políticas industriais, já que os mecanismos de preços de mercado seriam suficientes para alimentar os agentes econômicos com todas as informações necessárias para alocar eficientemente os recursos disponíveis, de tal forma que conduzissem ao melhor resultado possível para a economia como um todo.

Como não é este o caso geral, ou seja, como no mundo real formas diversas de imperfeição nos mercados de bens, serviços e fatores de produção (como, por exemplo, preços rígidos, externalidades etc.) tendem a produzir divergências entre benefícios marginais privados e sociais, impedindo, consequentemente, o alcance de uma posição idealmente ótima (first-best), a teoria neoclássica passa a admitir a possibilidade de afastamento temporário - e sob condições bastante restritivas - da prática do livre comércio.

Nesse sentido, embora mantendo o princípio de que este seria o regime teoricamente ideal (first-best), o modelo neoclássico-padrão passa, então, a aceitar que mecanismos de intervenções governamentais possam ser implementados em casos excepcionais, com o objetivo de corrigir falhas de mercado e, portanto, compensar perdas virtuais de bem-estar para a sociedade como um todo.6 6 Na literatura neoclássica sobre política comercial, o grande problema consiste em detectar as causas que produzem as divergências entre preços marginais privados e sociais e o instrumento de política pública mais apropriado para debelá-las. Para Corden (1974, p. 13), caso este seja utilizado de forma inadequada, as intervenções governamentais tenderiam a agravar as falhas de mercado, transformando divergências em distorções.

Por outro lado, da vasta literatura neoclássica sobre política comercial que proliferou nos anos 50 e 60, podem ser extraídas duas conclusões fundamentais: em primeiro lugar, a corrente chega a admitir que os argumentos para proteção da indústria nascente possam apresentar resultados, em princípio, first-best, desde que os incentivos sejam concedidos de forma extremamente seletiva e temporária, sujeitando os setores contemplados a rigoroso disciplinamento, mediante exigência de performance de vários tipos, como redução de custos, aprimoramento qualitativo dos produtos, esforço exportador etc., bem como de ameaça de retirada caso os resultados não estejam sendo cumpridos.7 7 Ver Bhagwati (1989).

Essas condições rigorosas, embora não estivessem presentes nas ideias de List (1841LIST, Friedrich G. (1841). Sistema Nacional de Economia Política [Trad. de Nazionaler System der Volkswirtschaftslchrel]. São Paulo: Abril Cultural, 1983.)8 8 Ver especialmente p. 86. - o formulador original do argumento -, foram claramente esboçadas por Mill (1848MILL, John Sturt (1848). Princípios de Economia Política [Trad. de Principles of Political Economy with some of their Application. to Social Philosophy]. São Paulo: Abril Cultural , 1981.), que, ao reconhecer o caso da proteção da indústria nascente, recomendava que esta se limitasse a “casos em que há bons motivos de garantia de que a atividade que a taxa favorece tenha condições de dispensá-la, depois de algum tempo; além disso, nunca se deve permitir que os produtores internos esperem que a taxa protecionista seja mantida para eles além do período necessário para uma tentativa honesta daquilo que são capazes de realizar” (p. 382). De qualquer forma, a aceitação do argumento da indústria nascente pelos neoclássicos é tratada dentro do conceito de falhas de mercado geradas no âmbito do sistema de comércio internacional.9 9 Ver Bhagwati (1989, pp. 25-26).

Além disso, à exceção do argumento da tarifa ótima10 10 O argumento da tarifa ótima, elaborado e recomendado originalmente por Mill (1848) como instrumento de proteção nas situações em que o país se defrontasse com termos de troca desfavoráveis, só funcionaria como instrumento first-best se o país tivesse poder de monopólio suficiente para influenciar os preços relativos de bens tradeables no mercado internacional. , todos os demais instrumentos destinados a corrigir falhas de mercado tendem a apresentar resultados second-best, quando comparados à situação ideal de máxima eficiência no sentido de Pareto, seja no processo de alocação de recursos, seja nas possibilidades de produção e de consumo para a sociedade como um todo. Até porque, a rigor, as proposições pró-intervenção, originalmente recomendadas pelos neoclássicos, não devem ser confundidas com a defesa de uma política industrial stricto sensu, uma vez que as medidas destinadas a atuar sobre as falhas de mercado têm como objetivo primordial a geração de ganhos de comércio do tipo once and for all que estejam consistentes com o padrão estático de vantagens comparativas do país.

As críticas de Prebisch (1949PREBISCH, Raúl (1949). “O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”. Rcvista Brasileira de Economia, 3 (1): 47-111. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, setembro.), que acabaram sedimentando as teses cepalinas pró-industrialização nos países latino-americanos nos anos 50, concentravam-se menos nos pressupostos reconhecidamente restritivos que nas principais implicações práticas da teoria tradicional de comércio para o esquema de divisão internacional do trabalho então vigente. Seu questionamento principal relacionava-se à ideia de que um padrão de desenvolvimento consoante, no plano teórico, com as predições do modelo neoclássico de vantagens comparativas - isto é, baseado apenas nas dotações relativas dos recursos produtivos disponíveis-, e, no plano prático, com a defesa do livre comércio, tendia a manter entre os países latino-americanos um modelo de especialização comercial cujos termos de troca ficavam recorrentemente vulneráveis à deterioração. Essa tendência, por sua vez, por dificultar o processo de acumulação de capital, acabava reservando aos países da região o mero papel de produtores e fornecedores de produtos primários (alimentos e matérias primas) para os países desenvolvidos.11 11 Ver Prebisch (1949), p. 47, e Rodriguez (1980).

Não por acaso, em vez do argumento da tarifa ótima, o principal caso para proteção utilizado por Prebisch foi o da indústria nascente. Assim, seria lícito afirmar que, ao utilizar esse argumento como justificativa básica para a industrialização dos países latino-americanos, Prebisch (1949PREBISCH, Raúl (1949). “O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”. Rcvista Brasileira de Economia, 3 (1): 47-111. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, setembro.) incorporava a ideia, já explícita em List (1841LIST, Friedrich G. (1841). Sistema Nacional de Economia Política [Trad. de Nazionaler System der Volkswirtschaftslchrel]. São Paulo: Abril Cultural, 1983.) - mas que recentemente vem sendo retomada com maior precisão pelos economistas de tradição neo-schumpeteriana -, de que as vantagens comparativas podem ser modificadas dinamicamente mediante mudança tecnológica.

Além disso, nos trabalhos de Prebisch já podiam ser encontradas hipóteses e ideias que só recentemente vêm sendo discutidas com maior ênfase, tanto pela nova teoria de comércio (new trade theory)12 12 Ver Krugman (1990). quanto por trabalhos que procuram atribuir à mudança tecnológica o fator mais relevante para explicar o dinamismo do fluxo de comércio internacional.13 13 Ver Dosi, Pavitt & Soete (1990). Assim, por exemplo, nos documentos prebischianos estava presente a ideia de que o setor industrial tinha maiores possibilidades de promover e difundir inovações tecnológicas (bem como de operar sob retornos crescentes de escala) do que o setor primário da economia (Katz, 1995KATZ, Jorge (1995). “Industrial Organization, International Competitiveness and Public Policy in Latin America in the Nineties”. Revue d’Économie Industrielle, 71: 91-106, ler. trimestre., p. 95).

Nos documentos da CEPAL, havia, é verdade, recomendações claras no sentido de que o nível de proteção se limitasse ao mínimo necessário para viabilizar o crescimento da indústria nascente, evitando, com isso, eliminar totalmente a pressão exercida pela concorrência externa. Paralelamente, sugeria-se que o aparato protecionista não fosse estendido para o conjunto da indústria, procurando, assim, impedir que um número excessivo de setores operasse com níveis reduzidos de eficiência relativa em termos ricardianos, levando, consequentemente, à criação de vieses anti-exportadores (Rodriguez, 1980RODRIGUEZ, Otávio (1980). La Teoria del Subdesarrollo de la CEPAL. 5a. ed. México: Siglo XXI Editores, 1986., p. 166).

No entanto, com relação aos requisitos de temporariedade requeridos para a implementação da política industrial, as recomendações da CEPAL e de Prebisch, em particular, mostravam maior aproximação com as ideias de List do que com as de Mill e dos “novos” economistas internacionais contemporâneos. Assim, por exemplo, Prebisch (1959PREBISCH, Raúl (1959). “Commercial Policy in thc underdeveloped Countries”. American Economic Review. Paper and Proceedings, May., pp. 254-261) justificava como necessária a proteção seletiva do mercado doméstico durante o tempo que fosse necessário para reduzir as diferenças entre produtividades e taxas de salários entre países em processo de industrialização e países desenvolvidos.

Embora não haja na teoria econômica critérios precisos para definir a extensão temporária requerida para a proteção, o problema deve preferencialmente ser levado em conta a priori, sobretudo porque, dependendo dos diferentes ciclos produtivos (de processos e produtos) entre indústrias e países, nem sempre as firmas conseguirão percorrer as curvas de aprendizado ao longo do tempo e, por conseguinte, reduzir os custos unitários, melhorar a qualidade dos bens e aumentar a eficiência em termos dinâmicos.14 14 Uma vez que as estratégias de industrialização dos países latino-americanos foram fortemente influenciadas pelas proposições cepalinas, é possível que esse tipo de argumento tenha influenciado os policymakers do continente. .

Com relação à nova teoria de comércio internacional (new trade theory), cabe ressaltar, inicialmente, que os modelos não rechaçam as dotações relativas de recursos produtivos dos países como a base inicial para a determinação dos seus respectivos padrões de comércio. Em abordagem de equilíbrio geral, Krugman (1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press .), por exemplo, incorpora aos pressupostos do teorema de Heckscher-Ohlin (definição prévia das dotações relativas entre os países, distintas intensidades na utilização do fator no respectivo processo de produção etc.) novas hipóteses, como concorrência monopolística, retornos crescentes e diferenciação de produtos. Sua conclusão é que, embora apareça uma faixa de comércio intra-industrial entre ambos os países que se engajam em trocas mútuas - resultante das economias de escala e da diferenciação de produtos em suas respectivas indústrias -, cada país continuará sendo um exportador líquido do bem em cujo processo de produção utilize o fator abundante e importador líquido do que utilize o fator escasso (Krugman, 1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., pp. 74-83). Desde que esse resultado implique maiores ganhos de comércio, consubstanciados em incremento da quantidade e diversidade de produtos -via comércio inter ou intra-industrial entre os países -, os novos economistas internacionais mantêm a defesa do livre comércio como first-best, de modo que, pelo menos até aqui, não faça qualquer sentido políticas industriais ativas por parte do governo.

No entanto, ao resgatar a hipótese - empiricamente irrefutável - de que no capitalismo contemporâneo existem indústrias fortemente oligopolizadas, cujas firmas operam, à escala internacional, sob condições de retornos crescentes e impondo barreiras à entrada de outros produtores, a nova teoria de comércio internacional abre um poderoso argumento para política industrial, ou seja, o da política comercial estratégica (strategic trade policy). O pressuposto básico é que, como nesses setores, as rendas pagas aos fatores de produção (capital e trabalho) superam significativamente seus respectivos custos de oportunidade, políticas comerciais (via tarifas aduaneiras ou subsídios à produção) poderiam ser, em princípio, eficazes para transferir lucros extraordinários de firmas estrangeiras para as nacionais (profitshifting). Nesse caso, o aumento do bem-estar da sociedade ficaria expresso pela diferença entre as rendas capturadas e o valor dos incentivos governamentais concedidos [Krugman (1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press .) e Brander (1986BRANDER, James A. (1986). “Rationales for Strategic Trade and Industrial Policy”. In KRUGMAN, Paul R., ed. (1986) Strategic Trade Policy and the New International Economics. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press.)].

É preciso ressalvar, porém, que a eficácia da política comercial estratégica fica condicionada a vários fatores. Em primeiro lugar, seria preciso selecionar corretamente os setores verdadeiramente estratégicos, isto é, aqueles cujas firmas ofereçam de facto maiores probabilidades de gerar rendas extraordinárias expressivamente elevadas que representem, em última instância, comprovado diferencial com relação às taxas de retorno dos demais setores da economia (Krugman, 1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., p. 16).15 15 Segundo Krugman (1990, p. 16), embora seja relativamente fácil identificar os setores que apresentem essas peculiaridades, não se devem rotular como estratégicas determinadas indústrias pelo simples fato de que suas firmas operem com salários e lucros elevados, ou mesmo que gerem elevado valor adicionado por trabalhador ocupado. Em segundo lugar, os modelos teóricos de que se extraem as implicações normativas pertinentes (política comercial estratégica), por serem em geral estáticos e pressuporem interações estratégicas entre firmas nacionais e estrangeiras, desconsideram a virtual possibilidade de que o governo do outro país promova retaliações comerciais, o que seria muito pouco provável, tratando-se de indústrias concentradas, que, em geral, estão na fronteira do conhecimento tecnológico e sujeitas a forte concorrência no plano global.16 16 Embora esse ponto tenha sido admitido por Krugman em seu polêmico texto de 1987, a questão da possibilidade de retaliação comercial foi a que mereceu maior crítica na réplica de Bhagwati (1989), que, então, manifestara sua preocupação com o faro de que dilemas de prisioneiro, decorrentes da adoção generalizada de políticas comerciais estratégicas entre países desenvolvidos, pudessem deflagrar guerras comerciais no plano internacional. Para os países em desenvolvimento, pelo menos, esse risco seria menor, dada sua baixa influência nas decisões e nos resultados estratégicos das indústrias de fronteira.

Por outro lado, em uma perspectiva dinâmica, os neo-schumpeterianos vêm procurando analisar o papel das inovações e das mudanças tecnológicas como fatores preponderantes na determinação do padrão de comércio internacional e de crescimento econômico dos países. Resgatando uma tradição que se inicia em List ( 1841LIST, Friedrich G. (1841). Sistema Nacional de Economia Política [Trad. de Nazionaler System der Volkswirtschaftslchrel]. São Paulo: Abril Cultural, 1983.) e alcança Kaldor (1981KALDOR, Nicholas (1981). “The Role of Increasing Returns, Technical Progress and Cumulative Causation in the Theory of International Trade and Economic Growth” [publicado originalmente em Economie Appliquée, 4] In KALDOR, N. Further Essays on Economic Theory and Policy. Duckworth: 1989.), autores como Dosi, Pavitt & Soete (1990DOSI, G., K. PAVITT e L. SOETE (1990). The Economics of Technical Change and International Trade. London: Harvester Wheatsheaf.) e Dosi, Tyson & Zysman (1989DOSI, G., L. TYSON e J. ZYSMAN (1989). “Trade, Technologies, and Development: A Framework for Discussing Japan”. In ZYSMAN, Tyson et alii, ed. (1989) Politics and Productivity. New York: Ballinger.) sustentam que, em vez de vantagens comparativas (ricardiana s ou derivadas de produtividades relativas de fatores de produção), as causas mais importantes para explicar o dinamismo do comércio e do crescimento econômico internacional estão associadas aos hiatos (gaps) tecnológicos absolutos existentes entre setores e países no plano global (Dosi, Pavitt & Soete, 1990DOSI, G., K. PAVITT e L. SOETE (1990). The Economics of Technical Change and International Trade. London: Harvester Wheatsheaf., p. 11, grifo meu).

Embora alguns pressupostos sejam até convergentes entre a teoria neo-schumpeteriana e os novos modelos de comércio internacional - tais como a presença de retornos crescentes e, em alguns casos, a tecnologia como uma variável endógena17 17 Ver Crossman & Helpman (1990 e 1991, cap. 9). , as perspectivas e as conclusões teóricas de ambas as versões são completamente distintas.

Na nova teoria de comércio internacional, como os modelos quase sempre estão presos a um referencial de equilíbrio (geral ou parcial), os resultados acabam dependendo das hipóteses que se acrescentam aos pressupostos canônicos (firmas maximizadoras de lucros, ajustamento por preço ou quantidade etc.). Na maior parte dos casos, as dotações de fatores continuam constituindo a base inicial para a explicação do fluxo de comércio entre os países per se, ainda que apareçam faixas de comércio intra-industrial (elevadas ou não)18 18 O fluxo de comércio intra-industrial será tanto mais intenso quanto maiores as similaridades entre os padrões de produção e de rendas reais entre os países (Krugman, 1990, cap. 5 ). , resultantes da interação entre economias de escala e diferenciação de produtos entre indústrias nacionais e estrangeiras.19 19 Ver Krugman (1990, parte I).

Em outros casos, dependendo da intensidade com que apareçam as economias de escala e das hipóteses adicionais que sejam incorporadas ao modelo, os resulta os quanto ao volume e ao padrão de comércio podem ficar indeterminados ou apresentar equilíbrios múltiplos. Em tais situações, a possibilidade de extrair predições sobre ganhos de bem-estar acaba comprometida.

Os modelos da nova teoria que mais estariam próximos da concepção neoschumpeteriana são aqueles que procuram introduzir o papel da tecnologia e dos gaps tecnológicos entre países mais avançados na fronteira do conhecimento e países em desenvolvimento (Krugman, 1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., cap. 10). No entanto, se bem que alguns resultados aparentem semelhanças com os dos modelos recentes elaborados por Kaldor (1981KALDOR, Nicholas (1981). “The Role of Increasing Returns, Technical Progress and Cumulative Causation in the Theory of International Trade and Economic Growth” [publicado originalmente em Economie Appliquée, 4] In KALDOR, N. Further Essays on Economic Theory and Policy. Duckworth: 1989.) ou autores neo-schumpeterianos (Dosi, Pavitt & Soete, 1990DOSI, G., K. PAVITT e L. SOETE (1990). The Economics of Technical Change and International Trade. London: Harvester Wheatsheaf.) - como, por exemplo, a continuidade do ritmo mais acelerado de inovações no país mais adiantado, cujas tecnologias seriam lentamente (mas não necessariamente) capturadas pelo país mais atrasado -, o enfoque teórico desses últimos é totalmente distinto.

Nos modelos de comércio neo-schumpeterianos, o pressuposto fundamental é que, além de serem os principais fatores determinantes do desenvolvimento econômico, as inovações tecnológicas - entendidas aqui como a introdução de novos processos produtivos, novos produtos, novas fontes de oferta e novas formas de organização industrial, conforme a concepção original de Schumpeter (1942SCHUMPETER, Joseph A. (1942). Capitalismo, Socialismo e Democracia [Trad. de Capitalism, Socialism and Democracy]. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984.) - produzem e reproduzem, simultaneamente, as diferenças absolutas e relativas entre capacitações técnicas e produtividades do trabalho entre os países.

Conforme sugerem Dosi, Pavitt & Soete (1990DOSI, G., K. PAVITT e L. SOETE (1990). The Economics of Technical Change and International Trade. London: Harvester Wheatsheaf., p. 3), a análise deve partir das diferentes capacitações tecnológicas e de inovação entre os países e só então enfocar os efeitos dessas diferenças sobre o padrão internacional de comércio e de crescimento20 20 Em contraste, nos modelos de comércio tradicionais, as vantagens comparativas são determinadas pelas diferentes produtividades relativas do trabalho, cujas causas estão relacionadas ou a diferentes tecnologias relativas (como no caso ricardiano), ou a diferentes dotações relativas dos fatores (como no modelo H-O-S). Em ambos os casos, as tecnologias não são explicadas, mas tomadas como dadas. . Esses autores ressaltam, porém, que, se bem aquelas diferenças determinem o padrão de especialização a curto prazo, os mecanismos que atuam dinamicamente no processo de inovações exercem influência preponderante não somente na mudança do padrão de comércio, como também no potencial de crescimento a longo prazo da economia.

Além disso, e, talvez mais importante, uma vez desencadeados retornos crescentes dinâmicos, que se manifestam, simultaneamente, como causa e efeito das inovações e do progresso técnico, os gaps tecnológicos entre setores e países tendem a se tornar, em princípio, um processo auto-cumulativo, dadas as características de path-dependence e o caráter de lock-in de suas respectivas trajetórias (Arthur, 1989ARTHUR, W. Brian (1989). “Competing Technologies, Increasing Returns, and Lock-in by Historical Events”. The Economic Journal, 99:116-131, March.)21 21 Segundo Arthur (1989), um processo de mudança tecnológica é path-dependent no sentido de que eventos passados (a “ história”) exercem poderosa influência sobre as inovações, o aprendizado e o progresso tecnológico futuros; e torna-se locked-in quando eventos históricos submetem a economia ao monopólio de determinada tecnologia (superior ou não). O problema de eficiência dinâmica consiste na dificuldade de se prever a(s) trajetória(s) tecnológica (s) que conduziria a economia para um padrão eficiente (path-efficiency ) (Arthur, 1989, pp. 117-119). .

Em termos de implicações para a política industrial, considerando-se que as oportunidades para mudança tecnológica são diferenciadas entre produtos e setores, Dosi, Tyson & Zysman (1989DOSI, G., L. TYSON e J. ZYSMAN (1989). “Trade, Technologies, and Development: A Framework for Discussing Japan”. In ZYSMAN, Tyson et alii, ed. (1989) Politics and Productivity. New York: Ballinger., p. 22) sugerem que uma alocação de recursos que seja inteiramente guiada pelos sinais de mercado e pelo livre comércio possa até melhorar a eficiência em termos estáticos, isto é, pelo ajustamento de preços relativos de bens e serviços transacionados no mercado internacional (tradeables), mas às custas do aumento da eficiência em termos dinâmicos, ou seja, em termos da realização do potencial tecnológico e de crescimento a longo prazo da economia.

Em suma, na perspectiva neo-schumpeteriana aparece um argumento teoricamente forte para a adoção de políticas industriais seletivas. Na seção seguinte, procuraremos discutir como poderiam ser articulados os instrumentos inerentes às políticas industrial e comercial, tendo como referência os enfoques das teorias de comércio analisadas anteriormente (ricardiano/neoclássico, nova teoria de comércio internacional e abordagem neo-schumpeteriano).

A ARTICULAÇÃO DAS POLÍTICAS INDUSTRIAL E COMERCIAL: ENFOQUES TEÓRICOS E PROPOSIÇÕES PRÁTICAS

Da seção anterior, pode-se depreender que o debate teórico sobre vantagens comparativas estáticas e dinâmicas divide três posições distintas: a primeira que, por ressaltar os ganhos estáticos de comércio, provenientes, por sua vez, de maior especialização produtiva à medida que a economia tende para uma posição de livre comércio, desconsidera a adoção de políticas industriais como critério racional de política econômica; a segunda que, ao incorporar hipóteses mais condizentes com o mundo real, tais como concorrência imperfeita, economias de escala e externalidades, admite a possibilidade de políticas industriais seletivas, embora mantendo a defesa do livre comércio como o melhor regime de política comercial (first-best); e a terceira que, ao incorporar a existência de gaps tecnológicos como ponto de partida da análise, considera inexorável a implementação de políticas industriais ativas, uma vez que a adesão incondicional ao princípio do livre comércio pode gerar perdas de bem-estar a curto e a longo prazo.

Apesar de defenderem, com maior ou menor ênfase, a adoção de políticas industriais seletivas, tanto os novos economistas internacionais quanto os neo-schumpeterianos são, no entanto, bastante cautelosos quando se trata de sugerir os instrumentos de política econômica (tarifários, não-tarifários, cambiais etc.) adequados para aumentar a probabilidade de eficácia dos resultados esperados. Entretanto, em função dos diferentes enfoques teóricos de ambas as correntes, essa cautela deve ser atribuível a distintas razões.

No caso da nova teoria de comércio, as intervenções governamentais são recomendadas ou para corrigir falhas de mercado - e, a esse respeito, as respectivas proposições de política econômica (comercial ou doméstica) em nada diferem da corrente neoclássica convencional-, ou, tratando-se de política comercial estratégica, para compensar perdas eventuais na posição de vantagens comparativas de indústrias estratégicas, decorrentes da concorrência oligopolística internacional. Em ambos os casos, a melhor alocação possível dos recursos produtivos disponíveis continua sendo o requisito básico para o aumento da eficiência econômica e para a maximização do bem-estar social.22 22 Em seu polêmico livro Pop Internationalism, cujo objetivo principal é criticar os economistas que privilegiam o conceito de vantagens competitivas (competitividade internacional), em detrimento do de vantagens comparativas, Krugman (1996) confirma essa posição, ao afirmar que “a política comercial deveria ser debatida em termos de seu impacto sobre a eficiência, e não em termos das estatísticas sobre empregos criados ou perdidos” (p. 123).

A posição cautelosa dos neo-schumpeterianos está menos associada a critérios estáticos de eficiência econômica que à incerteza e falta de qualquer garantia quanto aos resultados de intervenções governamentais que tenham por objetivo alterar dinamicamente o padrão de comércio e de crescimento de um país. E não poderia ser de outra forma, já que, se a mudança das vantagens comparativas ao longo do tempo depende da implementação de inovações tecnológicas pelas firmas, e se estas, por sua vez, correspondem a decisões tomadas em ambiente de incerteza e risco, cujas possibilidades de retorno futuro não podem ser determinadas a priori pelos sinais correntes de mercado, então “políticas setoriais ou outras intervenções governamentais voltadas para o objetivo de perseguir maior eficiência schumpeteriana ou de crescimento da economia23 23 Os conceitos de eficiência schumpeteriana e de crescimento foram introduzidos por Dosi, Tyson & Zysman (1989). Enquanto o primeiro diz respeito à avaliação dos efeitos da alocação de recursos sobre a trajetória e direção da mudança tecnológica, bem como sobre o dinamismo do processo inovativo, o segundo relaciona as máximas taxas de crescimento possíveis da economia, dadas as restrições do balanço de pagamentos (Dosi, Tyson & Zysman, 1989, p. 13) e, para uma resenha comparativa desses conceitos com o de eficiência estática, ver Nassif (1997). são tão passíveis de falhar quanto os sinais de mercado” (Dosi, Tyson & Zysman, 1989DOSI, G., L. TYSON e J. ZYSMAN (1989). “Trade, Technologies, and Development: A Framework for Discussing Japan”. In ZYSMAN, Tyson et alii, ed. (1989) Politics and Productivity. New York: Ballinger., p. 24).

Apesar disso, para a corrente neo-schumpeteriana, a necessidade de políticas seletivas é reafirmada por duas razões: em primeiro lugar, porque, como os setores industriais diferem entre si quanto à capacidade potencial de gerar inovações e difundir externalidades econômicas positivas para a economia como um todo, os sinais de mercado per se tendem a se mostrar insuficientes para promover uma alocação de recursos que maximize a potencialidade do retorno social24 24 Esse aspecto foi reconhecido por Krugman (1992), ao afirmar que “é amplamente suspeito que as indústrias de alta tecnologia tendem a gerar externalidades positivas, seja no interior delas próprias, seja na economia como um todo. Então, o retorno social de recursos produtivos alocados nestes setores supera o retorno privado; e à medida que a concorrência internacional leva um país a desviar recursos dos setores de alta tecnologia, este processo poderá reduzir o bem-estar social” (p. 14). ; em segundo, porque, em consequência da razão anterior, um trade-off entre as eficiências estática e dinâmica tenderia a aparecer à medida que preços relativos “corretos” determinados pela livre concorrência internacional revelassem as vantagens comparativas estáticas do país, porém às custas de um processo de alocação de recursos que, “incorretamente”, tenderia a ser desviado dos setores com maior potencial de crescimento a longo prazo.25 25 Ver Nassif (1997, p. 20).

Como sublinham Dosi, Pavitt & Soete (1990DOSI, G., K. PAVITT e L. SOETE (1990). The Economics of Technical Change and International Trade. London: Harvester Wheatsheaf.), a questão normativa crucial não está relacionada a “se” as intervenções governamentais são necessárias, mas sim “como e em que grau as políticas afetariam as atividades inovativas” (p. 256, grifo dos autores). Apesar de não haver respostas precisas nem consensuais para a referida questão, tentaremos, no restante desta seção, discutir alguns aspectos relevantes para a rationale de uma articulação entre os instrumentos das políticas industrial e comercial.

O quadro da página seguinte resume os principais objetivos e características dessas políticas, bem como dos mecanismos complementares de política econômica segundo os diferentes enfoques teóricos sobre comércio internacional discutidos na seção anterior.

O conceito de política industrial - entendido aqui como a seleção (targeting) de empresas, segmentos, indústrias ou tecnologias para fins de reestruturação, proteção ou promoção temporárias, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento econômico do país (Suzigan, 1996SUZIGAN, Wilson (1996). “Experiência Histórica de Industrialização no Brasil “. Revista de Economia Política, Vol.16, 1 (61), janeiro-março.) - ou é simplesmente negligenciado pelo enfoque neoclássico, ou, então, não é recomendado. Enquanto o grupo mais ortodoxo (os monetaristas) chega a identificar um virtual problema em determinado setor industrial como resultado de má condução da política macroeconômica (Boyer, 1986BOYER, Robert (1986). “Industrial Policy in Macroeconomic Perspective”. In ADDAMS e STOFFAÈS, ed. (1986) French Industrial Policy. Washington: The Brookings Institution.), os microeconomistas neoclássicos sustentam que uma política deliberadamente ativa por parte do governo só faria aumentar as distorções nos preços relativos de bens, serviços e fatores de produção, dificultando, consequentemente, uma alocação eficiente dos recursos produtivos (Corden, 1974CORDEN, W. M. (1974). Trade Policy and Economic Welfare. Oxford: Oxford University Press.).

No entanto, essa última corrente admite interferências governamentais pontuais quando sejam detectadas falhas de mercado. Argumenta-se que imperfeições ocorridas no mercado de produtos e fatores de produção (problemas de informação, concentração industrial, externalidades etc.) tendem a produzir divergências marginais entre custos privados e sociais (ou benefícios privados e sociais) e, consequentemente, a levar o funcionamento real da economia a se afastar do mundo ótimo de Pareto.

Nesse sentido, a correção das falhas de mercado deve aqui ser interpretada como a aceitação de que, sob certas condições, intervenções governamentais seriam justificadas, desde que com o único objetivo de fazer a economia convergir - mas não necessariamente alcançar - para aquele estado máximo de eficiência econômica. Portanto, ainda que o instrumento de intervenção seja utilizado da melhor forma possível (first-best), os resultados são considerados second-best26 26 Alguns economistas internacionais neoclássicos consideram que esse resultado poderá ser first-best, no sentido de que a correção da falha de mercado aumente o bem-estar social, mesmo que isso acarrete eventual piora na posição de, pelo menos, um indivíduo na sociedade [Corden (1974, caps. 2 e 5) e Bhagwati (1989, pp. 25-35)]. De todo modo, este não seria um resultado estritamente first-best em termos da eficiência de Pareto. , quando comparados àqueles propiciados por uma alocação de recursos compatível com o livre comércio e o equilíbrio geral walrasiano (laissez-faire).


Políticas Industrial e Comercial: Classificação segundo os Enfoques Teóricos em Comércio Internacional Enfoques Teóricos*

Ainda assim, em uma perspectiva neoclássica, não basta apenas reconhecer que existam forças intra-mercado que desviem o sistema econômico do equilíbrio consistente com a eficiência paretiana. É preciso identificá-las corretamente, a fim de evitar que a utilização inadequada de um instrumento de política governamental provoque e/ou agrave distorções no sistema de preços relativos. Em outras palavras, é preciso saber a priori se o foco das divergências marginais entre custos privados e sociais provém do mercado doméstico ou do internacional.

Nessas circunstâncias, os instrumentos da política comercial só seriam first-best se as falhas de mercado forem geradas pelo próprio sistema de comércio internacional. Um atraso relativo (lagging) de uma indústria nacional, por exemplo, somente porque a similar de um outro país tivesse acumulado e continue assegurando as vantagens de ter sido a pioneira, justificaria para aquela a proteção da indústria nascente. Nesse caso, desde que haja expectativas de redução de custo ao longo do tempo, à medida que o conhecimento se acumule dinamicamente pelo aprendizado (learning-by-doing), o uso de tarifas aduaneiras, subsídios e/ou outros instrumentos complementares poderia maximizar o bem-estar nacional a longo prazo.

Ainda assim, os neoclássicos costumam apontar para os riscos de uma possível não-internalização do learning-by-doing, em virtude do virtual aparecimento de novas falhas de mercado (falta de informação dos empresários e do próprio governo sobre retornos privados e sociais futuros, imperfeições no mercado de capitais, entre outras), o que poderia levar a indústria protegida a operar com elevado nível de ineficiência, ou mesmo fadá-la ao fracasso (Corden, 1974CORDEN, W. M. (1974). Trade Policy and Economic Welfare. Oxford: Oxford University Press., cap. 9).

Outro exemplo em que a política comercial poderia ser um instrumento first-best seria quando eventual deterioração dos termos de troca de um setor no qual existam inequívocas vantagens comparativas pudesse ser compensada pela adoção de uma tarifa ótima. De todo modo, ambos os casos - a proteção da indústria nascente ou dos termos de intercâmbio - ficam condicionados às ressalvas de praxe, indicadas na seção anterior.

Da mesma forma, falhas de mercado geradas internamente devem ser corrigidas estritamente mediante utilização de mecanismos da política econômica doméstica (subsídios à produção e/ou à pesquisa e desenvolvimento, treinamento da força de trabalho etc.). Assim, a sugestão neoclássica é que, para cada divergência marginal entre custos privados e sociais, haveria uma hierarquia de políticas econômicas a serem adotadas, começando da ótima (first-best) em direção às subótimas (secondbest, third-best etc.). Quanto mais inapropriados forem os instrumentos adotados para corrigir as falhas de mercado existentes, maiores as distorções na produção, ou no consumo, ou no mercado de trabalho, ou no setor exportador etc. (Corden, 1974CORDEN, W. M. (1974). Trade Policy and Economic Welfare. Oxford: Oxford University Press., pp. 28-31).

Dessa forma, por exemplo, não seria sensato, do ponto de vista da eficiência econômica, utilizar a política comercial para compensar eventual perda de vantagens comparativas em uma situação hipotética em que o custo marginal privado do trabalho excedesse seu custo de oportunidade social. Uma tarifa aduaneira, por exemplo, teria efeitos estáticos adversos sobre o mercado doméstico, provocando redução do consumo e criando um viés anti-exportador. A melhor política nesse caso não seria nem mesmo um subsídio governamental sobre a produção da indústria (que seria apenas um second-best), mas sim aquele que incidisse diretamente sobre o custo da mão-de-obra, que terá sido a fonte primária da referida divergência (Corden, 1974CORDEN, W. M. (1974). Trade Policy and Economic Welfare. Oxford: Oxford University Press., p. 29).

Uma indagação ainda não muito explorada pelos economistas diz respeito a saber se a chamada política comercial estratégica seria aplicável a países em estágio de desenvolvimento como o Brasil. Dadas as dimensões do mercado potencial e a existência de diversos setores sujeitos a retornos crescentes estáticos, tudo levaria a crer que, em primeira instância, alguns segmentos da indústria brasileira poderiam ser candidatos a alguma forma de proteção estratégica, por meio da qual a captura de lucros supranormais do exterior (profit-shifting) pudesse gerar aumento do bem-estar da sociedade como um todo.

No entanto, dadas as características desses setores no processo em curso de reestruturação industrial, pelo menos a médio prazo, não parece haver fortes justificativas para o referido argumento. Como argumentam Moreira & Correa (1996MOREIRA. Maurício M. e P. G. Correa (1996). “ Abertura Comercial e Indústria: O que se Pode Esperar e o que se vem Obtendo”. Texto para Discussão 49. Rio de Janeiro: FINDES, outubro., p. 9), “os setores intensivos em escala nestes países já trabalham, em geral, com escalas subótimas em função do crowd-in, isto é, a proteção elevada atraiu um número excessivo de produtores, fragmentando um mercado que já era reduzido vis-à-vis a escala mínima eficiente”. Contudo, um caso célebre ocorrido recentemente no Brasil contraria essa conclusão: na segunda metade dos anos 90, o argumento foi aplicado de forma bem-sucedida pelo governo brasileiro para defender estrategicamente a posição competitiva internacional da indústria nacional de aeronaves de médio porte, fato que acabou gerando o contencioso entre a EMBRAER e sua rival canadense, a BOMBARDIER, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por outro lado, em trabalho recente, Lima, Nassif & Carvalho Jr. (1997LIMA, Eriksom T., A. L. NASSIF e M. C. CARVALHO JR. (1997). “Infra-estrutura, Diversificação das Exportações e Redução do ‘Custo-Brasil’”. Limites e Possibilidades. Revista do BNDES, 4 (7): 83-121. Rio de Janeiro: BNDES, junho.) demonstraram a possibilidade de modificar o padrão de especialização e de crescimento brasileiro, pelo aproveitamento de externalidades a serem exploradas a partir das próprias fontes de vantagens comparativas estáticas já existentes no país, isto é, aquelas baseadas no perfil relativo da indústria nacional vis-à-vis o resto do mundo e na abundância relativa dos fatores produtivos disponíveis.

Partindo do argumento de Krugman (1989KRUGMAN, Paul R. (1989). “New Trade Theory and the less Developed Countries” In CALVO, G., ed. (1989). Debt, stabilization and development: Essays in Honor of Díaz-Alejandro., p. 356), segundo o qual “as economias de escala e o fenômeno da especialização arbitrária a elas associado exercem um papel bastante significativo no comércio de produtos primários”, sugerimos que intervenções públicas destinadas a criar, ampliar e/ou modernizar os serviços de infra-estrutura nos setores de transporte, energia e comunicações no espaço geoeconômico brasileiro poderiam, pelas externalidades positivas que desencadeiam, tornar-se um poderoso instrumento de política estratégica para a geração de vantagens comparativas dinâmicas, sem que necessariamente fossem rechaçadas as dotações relativas dos fatores produtivos do país.27 27 Para maiores detalhes, ver Lima, Nassif & Carvalho Jr. (1997, pp. 86-94). E, talvez mais importante, como se trata de um estilo de política industrial de corte claramente horizontal, as medidas propostas tenderiam a maximizar o retorno social dos investimentos (públicos ou privados), tornando, ao mesmo tempo, mínimas as chances de serem desencadeadas atividades rent-seeking.28 28 Lima, Nassif & Carvalho Jr. (1997, p. 119 ).

O enfoque neo-schumpeteriano sobre política industrial, em que pesem algumas semelhanças com o da nova teoria de comércio internacional, apresenta diferenças substanciais com relação a esse último. Ressalte-se que a distinção principal não resulta do caráter predominantemente estático das novas teorias de comércio, até porque essa corrente tem, nos últimos anos, envidado esforços no sentido de construir modelos dinâmicos destinados a avaliar os impactos a longo prazo do comércio internacional sobre o crescimento, partindo da hipótese schumpeteriana de que são as inovações tecnológicas pelas firmas que desencadeiam endogenamente mudanças estruturais na economia.29 29 Ver Grossman & Helpman (1990 e 1991, cap. 9)

A diferença fundamental reside em que, enquanto esses modelos dinâmicos procuram, em geral, tratar a interação entre comércio internacional, inovações e crescimento econômico como uma sequência de trajetórias de equilíbrio a longo prazo, a teoria neo-schumpeteriana, em contrapartida, concebe a mudança tecnológica como um processo evolucionista, não-ergódico e path-dependent, no qual as firmas, pressionadas permanentemente pela concorrência e forçadas a tomar decisões em um ambiente de incerteza, acabam pautando-se por um tipo de racionalidade econômica que, em vez de guiar-se unicamente pelo objetivo de alcançar uma posição maximizadora de lucros (racionalidade substantiva), acaba sendo regida por uma diversidade de comportamentos que lhes assegure, em última instância, manter ou ampliar suas posições no(s) mercado(s) em que atuam (racionalidade processual) (Simon, 1979SIMON, Herbert (1979). “From Substantive to Procedural Rationality”. In HAHN, F. e M. HOLLIS. ed. (1979). Philosophy and Economic Theory. Oxford: Oxford University Press .).

Em consequência, para os neo-schumpeterianos, a política industrial deve ser conceituada de forma abrangente, ou seja, não se restringindo apenas aos mecanismos seletivos de firmas e indústrias com maior potencial de desenvolvimento tecnológico e de difusão de externalidades em nível intra e inter-industrial, mas envolvendo também todos os mecanismos necessários para garantir a competitividade da economia em termos sistêmicos. Para isso, não basta apenas utilizar os instrumentos clássicos da política comercial (tarifas, quotas ou subsídios), mas também prover o sistema econômico de todos os requisitos fundamentais para fortalecer o animal spirits dos empresários, levando-os ao aprimoramento e/ou à busca de métodos mais eficientes de produção a longo prazo (eficiência dinâmica).

Ainda que de forma não exaustiva, Possas (1996POSSAS, Mário L. (1996). ‘”Competitividade: Fatores Sistêmicos e Política Industrial. Implicações para o Brasil” In CASTRO, A.B., M.L. POSSAS e A. PROENÇA, org (1996). Estratégias Empresariais na Indústria Brasileira: Discutindo Mudanças. Rio de Janeiro: Forense Universitária., pp. 99-104) aponta como elementos fundamentais para a competitividade sistêmica da economia a manutenção de um ambiente no qual as empresas sejam continuamente disciplinadas pela pressão da concorrência (interna e externa), a criação e o aprimoramento de uma sistema de infra-estrutura material, educacional e de ciência e tecnologia visando à geração de externalidades para a economia como um todo e os fatores de ordem político-institucionais que assegurem um ambiente macroeconômico de crescimento com estabilidade.

Por outro lado, considerando que a visão neo-schumpeteriana privilegia “a importância da eficiência dinâmica, do desenvolvimento da infra-estrutura e, mais especificamente, da geração e assimilação eficiente de tecnologia” (Justman & Teubal, 1989JUSTMAN, M. e M. TEUBAL (1989). A Structuralist Perspective on the Role of Tecnology in Economic Growth and Development. Jerusalem: The Jerusalem Institute for Israel Studies., p. 1), seria mais que evidente, portanto, a recomendação de que as políticas seletivas recaiam preferencialmente sobre as indústrias com maior capacidade de produzir e difundir mudanças tecnológicas (indústrias de alta tecnologia). Como acentua Laura D’Andrea Tyson (1992TYSON, Laura D’Andrea (1992). “ Managing Trade Conflict in High-Technology Industries”. In HARRIS, M. e E. G. MOORE, ed. (1992). Linking Trade and Technology Policies. Washington D.C.: National Academy Press , 1992., pp. 69 e 74), não é por mera casualidade que “o comércio internacional nestas indústrias nunca tenha sido livre no sentido clássico do termo, mas manipulado por uma miríade de políticas formais e informais”, de modo que, em muitos países - incluindo os Estados Unidos, “o objetivo da política comercial tem sido - junto com outros instrumentos de política - assegurar uma parcela nacional da produção mundial, bem como os benefícios associados aos efeitos de spillovers provenientes das indústrias de alta tecnologia”.

Em função do elevado gap tecnológico, políticas comerciais fortemente protecionistas, direcionadas para os setores de alta tecnologia em países em desenvolvimento como o Brasil, envolveriam riscos bastante elevados quanto à possibilidade de retorno social futuro, sobretudo levando-se em conta o rápido ciclo de vida de grande parte dos bens provenientes dessas indústrias. Todavia, como acentua Katz (1995KATZ, Jorge (1995). “Industrial Organization, International Competitiveness and Public Policy in Latin America in the Nineties”. Revue d’Économie Industrielle, 71: 91-106, ler. trimestre., pp. 102-104), existem alguns segmentos industriais de média ou alta tecnologia (basicamente bens de capital, petroquímica e telecomunicações) nos países latino americanos que tiveram maior êxito relativo em termos de desenvolvimento econômico (Brasil, Argentina e México), cujas plantas industriais poderiam ser revitalizadas mediante a modernização dos equipamentos, via novos hardwares e sofwares, treinamento e reciclagem de recursos humanos, mudanças de técnicas organizacionais e, sobretudo, incentivos governamentais para financiamento em despesas de P & D. A importância dos incentivos governamentais a investimentos em P & D, em particular, deve ser realçada, sobretudo quando se leva em conta que a revolução tecnológica recente, conquanto venha proporcionando maior velocidade, facilidade e redução dos custos de transmissão da informação, não assegura necessariamente aos países em desenvolvimento a incorporação efetiva dos serviços de tecnologia relacionados ao estado da arte.

Grossman & Helpman (1991GROSSMAN, G. e E. HELPMAN (1991). Innovation and Growth in the Global Economy. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press .) chegam a sugerir que o aprofundamento da integração econômica e do conhecimento tecnológico em termos globais pode não se traduzir em maior taxa de inovações nos países com menor dotação relativa de capital humano. O argumento é que a maior abundância de trabalho não-qualificado nesses países acaba reduzindo seu custo de oportunidade e incentivando, consequentemente, as atividades que o utilizem intensivamente nos processos produtivos. Em termos normativos, os autores concluem que, “ao fortalecer os incentivos para a pesquisa privada, o governo de um país tecnologicamente atrasado pode nivelar o campo de disputa” (p. 339).

É óbvio que tampouco se pode garantir que políticas nacionais de incentivo a gastos em pesquisa e desenvolvimento eliminem definitivamente gaps tecnológicos acumulados no passado. No entanto, elas contribuem não apenas para atenuá-los, como também para acelerar a taxa de crescimento de longo prazo dos países em desenvolvimento.

CONCLUSÃO

Ao resgatar o conceito de vantagens comparativas ricardianas para criticar uma suposta “obsessão’’ com o uso do termo competitividade, relacionando-o não ao resultado do embate estratégico entre empresas rivais por lucros potenciais, mas à concorrência entre países, Krugman (1996KRUGMAN, Paul R. (1996). Pop Internationalism. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press .) está apenas parcialmente correto. Com efeito, talvez a implicação econômica mais relevante da noção de vantagens comparativas estáticas diga respeito ao fato de que nenhum país poderá ser eficiente, nem em termos estáticos, nem em termos dinâmicos, se pretender produzir a totalidade ou mesmo a maior parte dos bens e serviços de sua matriz insumo-produto. No entanto, é preciso reconhecer que, se bem as fontes mais elementares de competitividade - como, de resto, do próprio crescimento econômico - estejam localizadas nas próprias empresas, que tomam as decisões cruciais quanto a investimentos, inovações em processos, produtos e métodos organizacionais (Nelson, 1996NELSON, Richard R. (1996). The Sources of Economic Growth. Cambridge (Massachusetts): Harvard University Press. ), o termo deve ser tratado, porém, como um processo dinâmico que envolve a interação entre empresas, indústrias e demais instituições públicas e privadas, mas acaba repercutindo nas próprias relações político-econômicas internacionais.

Nesse sentido, este trabalho procurou mostrar a possibilidade de que, no atual estágio de desenvolvimento da economia brasileira, o processo de liberalização comercial em curso - em vez de revertido - poderia ser melhor aproveitado, por meio da rearticulação dos mecanismos inerentes às políticas industrial e comercial. Não se trata de ressuscitar mecanismos exagerados de proteção que orientaram o processo de alocação de recursos durante o processo de substituição de importações, mas de combinar políticas de cunho horizontal com o aproveitamento de nichos seletivos em setores em que haja oportunidades de mudança tecnológica.

Nesse caso, poder-se-iam utilizar, inclusive, instrumentos clássicos da política comercial, como tarifas e subsídios governamentais à produção, ao crédito e a gastos em P & D, mas cuidando para que os segmentos ou empresas contemplados sejam disciplinados pela ameaça de retirada, caso os resultados esperados (redução de custos unitários, performance exportadora etc.) não estejam sendo cumpridos. Ainda assim, seria preciso cuidado para evitar que as taxas intersetoriais de proteção efetiva cheguem aos elevados níveis absolutos e relativos que caracterizaram a estrutura protecionista da economia brasileira nos anos 70 e 80, evitando, com isso, a proliferação de atividades rent-seeking, a perda de eficiência estática e a criação de vieses anti-exportadores.

Por outro lado, é sempre bom lembrar que a política comercial deve ser também utilizada para assegurar aos setores da atividade produtiva condições estáveis e leais de concorrência com seus congêneres do exterior. Até porque, como lembra Rodrik (1992RODRIK, Dani (1992). “Conceptual Issues in the Design of Trade Policy for Industrialization”. World Development, 20 (3): 309-320.), não existem na literatura especializada fortes argumentos justificando que tarifas aduaneiras muito baixas ou próximas de zero exerçam qualquer influência positiva sobre a eficiência no processo de alocação de recursos.

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  • 1
    Por regimes comerciais, estamo-nos aqui referindo às várias formas de intervenção governamental implementadas em alternativa ou com o intuito de afastamento de um regime de livre comércio. As intervenções governamentais podem ser feitas por uma política industrial explícita ou não, utilizando tanto os instrumentos da política comercial (tarifas aduaneiras, quotas e subsídios às exportações) quanto os da doméstica (subsídios à produção e ao consumo, créditos subsidiados etc.).
  • 2
    Com base em uma documentação minuciosa acerca do debate clássico sobre regimes comerciais, o historiador econômico inglês Leonard Gomes (1987GOMES, Leonard (1987). Foreign Trade and the National Economy: Mercantilist and Classical Perspectives. London: MacMillan Press ., p. 189) conclui que, ao contrário de Smith, Ricardo nunca fora um defensor inveterado do livre comércio em geral, só se revelando um free-trader convicto na defesa da abolição das Leis do Trigo (“Corn Laws”), por acreditar que essas deprimiam a taxa geral de lucro da economia a longo prazo.
  • 3
    Por modelo H-O-S, referimo-nos aqui ao modelo neoclássico de comércio internacional que, a partir do teorema básico de Heckscher-Ohlin (a dotação de fatores como causa explicativa do padrão de comércio entre os países), culmina com os teoremas complementares de Samuelson (sobre ganhos de comércio e equalização dos preços dos fatores), de Stolper-Samuelson (sobre os impactos diferenciados da abertura comercial sobre a distribuição de renda) e de Rybczynski (sobre o crescimento enviesado decorrente de mudança dos fatores de produção). Nos artigos originais, no entanto, nem sempre se conclui que o livre comércio é o melhor regime comercial. Samuelson (1962SAMUELSON, Paul (1962). “The Gains from International Trade Once Again “. The Economic Journal, 72: 792-801 December.), por exemplo, ao demonstrar de forma rigorosa a possibilidade de ganhos de bem-estar com maior abertura ao comércio internacional, concluía que, embora “o comércio possa deixar um país potencialmente melhor” (p. 799), “o livre comércio não necessariamente maximizará a renda real, o consumo e as possibilidades sociais de qualquer país” (p. 801).
  • 4
    Ver, por exemplo, Pomfret (1991POMFRET, Richard (1991). International Trade: An Introduction to Theory and Policy. Cambridge (Massachusetts): Blackwell Publisher.) e Salvatore (1995SALVATORE, Dominick (1995). International Economics. 5th. edition. New Jersey: Prentice Hall.).
  • 5
    Para uma exposição mais pormenorizada de como o modelo H-O-S passou a associar o conceito de eficiência como critério de alocação ótima dos recursos disponíveis, de maximização das possibilidades de produção da economia e de avaliação do máximo bem-estar social, ver Nassif (1997NASSIF, André L. (1997). “Eficiencias Paretiana e Schumpeteriana na Teoria de Comércio Internacional: Diferenças Conceituais e Implicações Normativas”. Rio de Janeiro: Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, agosto, mimeo.).
  • 6
    Na literatura neoclássica sobre política comercial, o grande problema consiste em detectar as causas que produzem as divergências entre preços marginais privados e sociais e o instrumento de política pública mais apropriado para debelá-las. Para Corden (1974CORDEN, W. M. (1974). Trade Policy and Economic Welfare. Oxford: Oxford University Press., p. 13), caso este seja utilizado de forma inadequada, as intervenções governamentais tenderiam a agravar as falhas de mercado, transformando divergências em distorções.
  • 7
    Ver Bhagwati (1989BHAGWATI, Jagdish (1989). “Is Free Trade Passé After All?”. Weltwirtschatliches Archiv, 125 (1): 17-44. Kiel: Journal of the Kiel Institute of World Economics.).
  • 8
    Ver especialmente p. 86.
  • 9
    Ver Bhagwati (1989BHAGWATI, Jagdish (1989). “Is Free Trade Passé After All?”. Weltwirtschatliches Archiv, 125 (1): 17-44. Kiel: Journal of the Kiel Institute of World Economics., pp. 25-26).
  • 10
    O argumento da tarifa ótima, elaborado e recomendado originalmente por Mill (1848MILL, John Sturt (1848). Princípios de Economia Política [Trad. de Principles of Political Economy with some of their Application. to Social Philosophy]. São Paulo: Abril Cultural , 1981.) como instrumento de proteção nas situações em que o país se defrontasse com termos de troca desfavoráveis, só funcionaria como instrumento first-best se o país tivesse poder de monopólio suficiente para influenciar os preços relativos de bens tradeables no mercado internacional.
  • 11
    Ver Prebisch (1949PREBISCH, Raúl (1949). “O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”. Rcvista Brasileira de Economia, 3 (1): 47-111. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, setembro.), p. 47, e Rodriguez (1980RODRIGUEZ, Otávio (1980). La Teoria del Subdesarrollo de la CEPAL. 5a. ed. México: Siglo XXI Editores, 1986.).
  • 12
    Ver Krugman (1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press .).
  • 13
    Ver Dosi, Pavitt & Soete (1990DOSI, G., K. PAVITT e L. SOETE (1990). The Economics of Technical Change and International Trade. London: Harvester Wheatsheaf.).
  • 14
    Uma vez que as estratégias de industrialização dos países latino-americanos foram fortemente influenciadas pelas proposições cepalinas, é possível que esse tipo de argumento tenha influenciado os policymakers do continente.
  • 15
    Segundo Krugman (1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., p. 16), embora seja relativamente fácil identificar os setores que apresentem essas peculiaridades, não se devem rotular como estratégicas determinadas indústrias pelo simples fato de que suas firmas operem com salários e lucros elevados, ou mesmo que gerem elevado valor adicionado por trabalhador ocupado.
  • 16
    Embora esse ponto tenha sido admitido por Krugman em seu polêmico texto de 1987, a questão da possibilidade de retaliação comercial foi a que mereceu maior crítica na réplica de Bhagwati (1989BHAGWATI, Jagdish (1989). “Is Free Trade Passé After All?”. Weltwirtschatliches Archiv, 125 (1): 17-44. Kiel: Journal of the Kiel Institute of World Economics.), que, então, manifestara sua preocupação com o faro de que dilemas de prisioneiro, decorrentes da adoção generalizada de políticas comerciais estratégicas entre países desenvolvidos, pudessem deflagrar guerras comerciais no plano internacional. Para os países em desenvolvimento, pelo menos, esse risco seria menor, dada sua baixa influência nas decisões e nos resultados estratégicos das indústrias de fronteira.
  • 17
    Ver Crossman & Helpman (1990GROSSMAN, G. e E. HELPMAN (1990). “Trade, Innovation and Growth”. Papers and Proceedings. The American Economic Review, May. e 1991GROSSMAN, G. e E. HELPMAN (1991). Innovation and Growth in the Global Economy. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., cap. 9).
  • 18
    O fluxo de comércio intra-industrial será tanto mais intenso quanto maiores as similaridades entre os padrões de produção e de rendas reais entre os países (Krugman, 1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., cap. 5 ).
  • 19
    Ver Krugman (1990KRUGMAN, Paul R. (1990). Rethinking International Trade. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., parte I).
  • 20
    Em contraste, nos modelos de comércio tradicionais, as vantagens comparativas são determinadas pelas diferentes produtividades relativas do trabalho, cujas causas estão relacionadas ou a diferentes tecnologias relativas (como no caso ricardiano), ou a diferentes dotações relativas dos fatores (como no modelo H-O-S). Em ambos os casos, as tecnologias não são explicadas, mas tomadas como dadas.
  • 21
    Segundo Arthur (1989ARTHUR, W. Brian (1989). “Competing Technologies, Increasing Returns, and Lock-in by Historical Events”. The Economic Journal, 99:116-131, March.), um processo de mudança tecnológica é path-dependent no sentido de que eventos passados (a “ história”) exercem poderosa influência sobre as inovações, o aprendizado e o progresso tecnológico futuros; e torna-se locked-in quando eventos históricos submetem a economia ao monopólio de determinada tecnologia (superior ou não). O problema de eficiência dinâmica consiste na dificuldade de se prever a(s) trajetória(s) tecnológica (s) que conduziria a economia para um padrão eficiente (path-efficiency ) (Arthur, 1989ARTHUR, W. Brian (1989). “Competing Technologies, Increasing Returns, and Lock-in by Historical Events”. The Economic Journal, 99:116-131, March., pp. 117-119).
  • 22
    Em seu polêmico livro Pop Internationalism, cujo objetivo principal é criticar os economistas que privilegiam o conceito de vantagens competitivas (competitividade internacional), em detrimento do de vantagens comparativas, Krugman (1996KRUGMAN, Paul R. (1996). Pop Internationalism. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press .) confirma essa posição, ao afirmar que “a política comercial deveria ser debatida em termos de seu impacto sobre a eficiência, e não em termos das estatísticas sobre empregos criados ou perdidos” (p. 123).
  • 23
    Os conceitos de eficiência schumpeteriana e de crescimento foram introduzidos por Dosi, Tyson & Zysman (1989DOSI, G., L. TYSON e J. ZYSMAN (1989). “Trade, Technologies, and Development: A Framework for Discussing Japan”. In ZYSMAN, Tyson et alii, ed. (1989) Politics and Productivity. New York: Ballinger.). Enquanto o primeiro diz respeito à avaliação dos efeitos da alocação de recursos sobre a trajetória e direção da mudança tecnológica, bem como sobre o dinamismo do processo inovativo, o segundo relaciona as máximas taxas de crescimento possíveis da economia, dadas as restrições do balanço de pagamentos (Dosi, Tyson & Zysman, 1989DOSI, G., L. TYSON e J. ZYSMAN (1989). “Trade, Technologies, and Development: A Framework for Discussing Japan”. In ZYSMAN, Tyson et alii, ed. (1989) Politics and Productivity. New York: Ballinger., p. 13) e, para uma resenha comparativa desses conceitos com o de eficiência estática, ver Nassif (1997NASSIF, André L. (1997). “Eficiencias Paretiana e Schumpeteriana na Teoria de Comércio Internacional: Diferenças Conceituais e Implicações Normativas”. Rio de Janeiro: Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, agosto, mimeo.).
  • 24
    Esse aspecto foi reconhecido por Krugman (1992KRUGMAN, Paul R. (1992). “Technology and International Competition: A Historial Perspective” In HARRIS, M. e E.G. MOORE, ed. (1992). Linking Trade and Technology Policies. Washington D.C.: National Academy Press.), ao afirmar que “é amplamente suspeito que as indústrias de alta tecnologia tendem a gerar externalidades positivas, seja no interior delas próprias, seja na economia como um todo. Então, o retorno social de recursos produtivos alocados nestes setores supera o retorno privado; e à medida que a concorrência internacional leva um país a desviar recursos dos setores de alta tecnologia, este processo poderá reduzir o bem-estar social” (p. 14).
  • 25
    Ver Nassif (1997NASSIF, André L. (1997). “Eficiencias Paretiana e Schumpeteriana na Teoria de Comércio Internacional: Diferenças Conceituais e Implicações Normativas”. Rio de Janeiro: Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, agosto, mimeo., p. 20).
  • 26
    Alguns economistas internacionais neoclássicos consideram que esse resultado poderá ser first-best, no sentido de que a correção da falha de mercado aumente o bem-estar social, mesmo que isso acarrete eventual piora na posição de, pelo menos, um indivíduo na sociedade [Corden (1974CORDEN, W. M. (1974). Trade Policy and Economic Welfare. Oxford: Oxford University Press., caps. 2 e 5) e Bhagwati (1989BHAGWATI, Jagdish (1989). “Is Free Trade Passé After All?”. Weltwirtschatliches Archiv, 125 (1): 17-44. Kiel: Journal of the Kiel Institute of World Economics., pp. 25-35)]. De todo modo, este não seria um resultado estritamente first-best em termos da eficiência de Pareto.
  • 27
    Para maiores detalhes, ver Lima, Nassif & Carvalho Jr. (1997LIMA, Eriksom T., A. L. NASSIF e M. C. CARVALHO JR. (1997). “Infra-estrutura, Diversificação das Exportações e Redução do ‘Custo-Brasil’”. Limites e Possibilidades. Revista do BNDES, 4 (7): 83-121. Rio de Janeiro: BNDES, junho., pp. 86-94).
  • 28
    Lima, Nassif & Carvalho Jr. (1997LIMA, Eriksom T., A. L. NASSIF e M. C. CARVALHO JR. (1997). “Infra-estrutura, Diversificação das Exportações e Redução do ‘Custo-Brasil’”. Limites e Possibilidades. Revista do BNDES, 4 (7): 83-121. Rio de Janeiro: BNDES, junho., p. 119 ).
  • 29
    Ver Grossman & Helpman (1990GROSSMAN, G. e E. HELPMAN (1990). “Trade, Innovation and Growth”. Papers and Proceedings. The American Economic Review, May. e 1991GROSSMAN, G. e E. HELPMAN (1991). Innovation and Growth in the Global Economy. Cambridge (Massachusetts): The MIT Press ., cap. 9)
  • *
    Na preparação deste artigo, o autor se beneficiou de discussões com José Eduardo Cassiolato, Mário Luiz Possas, Mário Cordeiro de Carvalho Jr., Antônio Luís Licha, Marcelo Dias Carcanholo e Robson A. Grassi.
  • 31
    JEL Classification: L52; F68.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2000
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