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Perspectivas para a implementação de uma política industrial no Brasil

Perspectives for the implementation of an industrial policy in Brazil

Resumo

O principal objetivo deste texto é analisar alguns aspectos relacionados à implementação de uma política industrial no Brasil coerente com os ambientes internos e externos reais. Uma perspectiva de médio e longo prazo é adotada, e aspectos macro e microeconômicos da economia brasileira são enfatizados.

Palavras-chave:
Política industrial; mudança estrutural; globalização; investimento

Abstract

The main purpose of this text is to analyse some aspects related to the implementation of an industrial policy in Brazil coherent with both, actual internal and external environments. A medium and long run perspective is adopted, and macro and micro-economic aspects of Brazilian economy is emphasized.

Keywords:
Industrial policy; structural change; globalization; investment

INTRODUÇÃO

Após o relativo sucesso do Plano Real, indiscutivelmente o mais bem-sucedido programa de estabilização dos últimos trinta anos, a discussão econômica no Brasil, dentro e fora do âmbito acadêmico, tem assumido uma perspectiva menos imediatista. Questões como a transformação do sistema financeiro, o incremento da poupança agregada, a elevação sustentada das exportações etc. vêm assumindo o espaço deixado pela antiga e recorrente preocupação com a alta do nível de preços. É neste (saudável) movimento de recomposição de temas econômicos em debate que pretende inserir-se este artigo. Seu escopo central é enumerar alguns elementos para que se possa pensar um perfil coerente para a implantação de uma política industrial de longo prazo no país, cuja importância, segundo cremos, é central dentre as principais questões econômicas no Brasil pós-Real.

1. GLOBALIZAÇÃO E AVANÇO TECNOLÓGICO: O CONTEXTO INTERNACIONAL

As transformações ocorridas em escala mundial desde meados da década de 70, tanto na base técnica como nos fluxos de capitais e mercadorias, acabaram por impor importantes alterações aos limites e ao escopo da política industrial, por vezes elevando consideravelmente sua relevância no contexto da restruturação produtiva. Em linhas gerais, tais transformações podem ser sintetizadas em dois movimentos de dimensões mundiais: a globalização e as rápidas transformações na base técnica, com a acelerada incorporação de inovações tecnológicas.

O primeiro movimento foi caracterizado pela crescente internacionalização das economias nacionais, levada a cabo através de uma expressiva integração dos mercados financeiros e pela intensificação dos fluxos de comércio e de investimento, sobretudo no âmbito das velhas economias desenvolvidas e de alguns dos novos países industriais.

Por sua vez, a inauguração de novas trajetórias tecnológicas e do chamado “padrão de automação flexível”, em contraste com o antigo paradigma fordista herdado da segunda revolução industrial, emergiu igualmente do ajustamento à crise internacional dos 70 e 80. Como resposta às novas (e significativas) restrições macroeconômicas impostas pela crise, as principais economias industrializadas engajaram-se em um processo de renovação da base técnica, aproximando segmentos emergentes (como eletrônica, novos materiais e biotecnologia) dos setores-chave do antigo paradigma técnico-produtivo (metal-mecânica e química).

A onda de inovações que se seguiu deu novo alento ao desenvolvimento industrial nos países do primeiro mundo; ao mesmo tempo, porém, criaram-se importantes desafios à incorporação desses mesmos avanços pelas economias em desenvolvimento. Em primeiro lugar, as novas tecnologias mostraram-se claramente poupadoras de energia e mão-de-obra, reduzindo a importância das tradicionais vantagens comparativas de diversas economias em desenvolvimento. Por outro lado, elevou-se a apropriação do progresso técnico com crescentes exigências de potenciais genéricos de aprendizado para sua assimilação, representados, entre outros fatores, por níveis adequados de capacitação de mão-de-obra e de qualidade de insumos, infraestrutura de C&T, flexibilidade gerencial etc. Mais do que isto, acentuou-se o componente intransferível do conhecimento técnico, representado pelo aprendizado cumulativo das empresas, característica típica da fase de inauguração de novas trajetórias tecnológicas (ver Dosi, 1991DOSI, G. (1991). “Una reconsideración de las condiciones y los modelos del desarollo: una perspectiva ‘evolucionista’ de la inovación, el comercio y el crescimiento”, Pensamiento Iberoamericano, nº 20.).

Em contraste com o padrão defensivo de ajustamento produtivo, observado no Brasil desde o início do processo de abertura, em 1990, a experiência internacional tem demonstrado que os processos de ajustamento industrial bem-sucedidos, promovidos ao longo dos últimos vinte anos, mantiveram uma estreita relação com o incremento do potencial inovador e de aprendizado do sistema industrial, indo muito além da esfera estritamente microeconômica das técnicas gerenciais ou da tendência à especialização e desverticalização.

Neste sentido, a política industrial promovida pelos Estados Nacionais revestiu-se, com as particularidades inerentes a cada experiência histórica específica, de um duplo caráter (Suzigan, 1989SUZIGAN, W. (1989). “Reestruturação industrial e competitividade nos países avançados e nos NICs asiáticos: lições para o Brasil.” Dados Reestruturação Industrial e Competitividade Internacional. São Paulo: SEADE.):

  1. No que se refere aos segmentos ditos maduros, representantes do antigo paradigma técnico-produtivo, tal política revelou-se defensiva, ou seja, prendeu-se a esquemas de proteção e estímulos seletivos, com vistas ao upgrading de produtos e processos; o objetivo central esteve referido à sustentação ou ampliação da competitividade internacional, ameaçada pela ampliação e pulverização da produção mundial.

  2. No que se refere aos segmentos emergentes, vinculados diretamente às novas trajetórias tecnológicas, adotaram-se estímulos à construção de vantagens competitivas, com o objetivo de consolidar oportunidades de dinamismo futuro.

A operacionalização da política industrial ocorreu, basicamente, segundo três padrões básicos (ver Araújo Jr. et al., 1992ARAÚJO Jr., J.T., CORREA, P.G. & CASTILHO, M.R. (1992). “Oportunidades estratégicas da indústria brasileira nos anos 90”. Série Documentos, nº 06, RJ: IEI­UFRJ.):

  1. Através da atuação (indireta) dos instrumentais clássicos de política econômica sobre a esfera produtiva, via mercado, padrão que inclui a política de gasto público; este é o caso típico dos EUA, onde os gastos militares atuaram fortemente na conformação da estrutura industrial através dos tradicionais efeitos de encadeamento.

  2. Através da ação (direta) do setor produtivo estatal em segmentos considerados estratégicos, como ocorreu na França e na Itália.

  3. Através de uma presença orientadora e mais ou menos discricionária de órgãos oficiais de financiamento e de C&T - claramente o caso de Alemanha e Japão, além de NIC’s asiáticos como Coreia e Taiwan.

A lição mais relevante, oferecida pelas experiências bem-sucedidas de ajustamento produtivo das duas últimas décadas, pode ser sintetizada em três aspectos fundamentais:

  1. Orientação para o mercado externo: direcionando a produção para o exterior com vistas a manter seu padrão histórico de inserção produtiva (Alemanha) ou na tentativa redefinir o mix de exportação (Japão e “tigres asiáticos”), a restruturação industrial convergiu forçosamente para padrões internacionais de competitividade, observadas as especificidades de cada segmento de mercado priorizado; é interessante notar que mesmo nos casos de persistência de baixa contestabilidade do mercado interno (Coreia, tipicamente), a orientação exportadora atuou como importante elemento de pressão concorrencial.

  2. Atuação setorialmente direcionada para os segmentos em restruturação: todas as experiências nacionais mencionadas acima contaram com esquemas de incentivos à restruturação dos chamados segmentos maduros; como vimos, o movimento geral deu-se no sentido de promover o enobrecimento (upgrading) da pauta de produtos desses setores através da introdução de inovações em produtos (química, mecânica) e em processos (têxteis, siderurgia).

  3. Forte preocupação com a geração de condições sistémicas favoráveis à inovação e ao aprendizado: enquanto o Japão promoveu um aprofundamento de seu padrão tradicional de articulação entre os centros geradores de C&T e a esfera produtiva, países como Coreia empreenderam gastos significativos com educação e treinamento da mão-de-obra, em sintonia com a estratégia de catching up; paralelamente, o esforço tecnológico também foi significativo em países europeus como a Alemanha, contribuindo com o upgrading da pauta tradicional de produção da indústria. Adicionalmente, destacou-se sempre a relevância de um estreito grau de articulação financeiro-produtiva, característica altamente funcional para o financiamento do investimento.

Sob a ótica do desempenho comercial, os resultados de todas as experiências mencionadas diante do desafio do ajustamento produtivo das duas últimas décadas foi uma recomposição da pauta de exportações - um verdadeiro movimento de substituição de exportações. A elevação, em escala mundial, dos níveis de oferta e de pulverização na produção de commodities industriais foi enfrentada tanto através da reconversão industrial como da diferenciação associada à elevação do conteúdo tecnológico da pauta exportada. Sob outra ótica, a recomposição do mix de exportação privilegiou aqueles itens de mais elevadas elasticidades-renda e maior valor agregado. Esse movimento exigiu esforços importantes na capacitação inovadora (Japão e Alemanha) e de aprendizado (“tigres asiáticos”), com o objetivo de gerar condições de eficiência produtiva e de inserção externa sustentáveis.

Especificamente no caso brasileiro, a busca de uma reinserção produtiva através de um movimento de upgrading da pauta tradicional de produtos na indústria, que se manifeste também em um processo de substituição de exportações, possui múltiplas vantagens. Em primeiro lugar, garantiria o aproveitamento de potenciais cumulativos já reunidos pela indústria, sobrepondo-se e incrementando o processo de especialização em curso. Estratégias de alteração profunda da pauta de produção e exportação podem levar as empresas a se defrontar com custos elevados de aprendizado, dispersando economias de escala e escopo já auferidas nas atividades tradicionais. Por outro lado, o desempenho exportador brasileiro da década de 80 e os ganhos de produtividade auferidos nos 90 oferecem uma base natural, ainda que reconhecidamente deficiente, para a busca de trajetórias mais sustentáveis de elevação da eficiência da indústria doméstica e a ampliação do grau de internacionalização da economia.

A opção brasileira por uma maior vinculação com o processo de globalização e a preocupação em elevar o potencial competitivo geral da indústria só se fizeram sentir a partir do início do processo de abertura econômica nos anos 90. Como não poderia deixar de ser, tal processo resultou em uma importante modificação na orientação da política industrial, em contraste com o padrão vigente ao longo da industrialização substitutiva de importações. Observou-se, assim, uma alteração da ênfase nos objetivos de expansão da capacidade e adensamento da matriz inter-industrial (visão prevalecente até os anos 70) em direção à busca de competitividade, global. Dentro da dimensão que se poderia chamar de estratégica, essa alteração do objetivo geral da política industrial fez com que a visão relativamente autárquica, predominante ao longo da etapa substitutiva de importações, cedesse espaço para a busca de níveis mais elevados de internacionalização.

É sobre este pano de fundo que se definem os principais parâmetros para a discussão de propostas de política industrial para o Brasil. Mais do que isso, é necessário incorporar elementos específicos, macroeconômicos e produtivos, os quais devem orientar a elaboração de políticas públicas sintonizadas com o objetivo geral de promover a competitividade global da economia e propiciar ganhos de bem-estar doméstico em um contexto marcado pela abertura e, a partir de 1994, pelo processo de estabilização.

2. O CENÁRIO NACIONAL: ELEMENTOS MACROECONÔMICOS E PRODUTIVOS

Compreendido o cenário internacional no qual a economia brasileira tem procurado reinserir-se, é necessário salientar dois blocos de questões que definem o cenário interno no qual deveria operar a política industrial nos próximos anos: os elementos propriamente macroeconômicos e os relacionados à atual estrutura produtiva do país.

Entendida como uma ruptura necessária em relação ao padrão histórico de industrialização, a atual abertura econômica brasileira coloca-se como elemento central na definição daquele cenário interno. Tal processo deve ser compreendido como uma tendência irreversível e direcionado para inserir crescentemente o país nos fluxos internacionais de mercadorias e capitais, tanto em nível regional como global.

Por seu turno, o processo de estabilização, ainda em curso, deve prestar uma importante contribuição para a ampliação do horizonte de planejamento dos agentes econômicos e mesmo dos formuladores de política. A redução significativa dos índices inflacionários não deve ser tomada simplesmente como um elemento constitutivo do ambiente no qual deve operar a política industrial a médio e longo prazos; mais do que isso, a estabilização deve ser encarada como um elemento que contribui com a definição de estratégias públicas e privadas de capacitação competitiva ao ampliar os horizontes de planejamento e permitir um maior grau de confiança nas expectativas de retorno sobre o investimento, inovador ou não.

Adicionalmente, coloca-se como condição necessária para assegurar a permanência do cenário de (relativa) estabilidade monetária o reequilíbrio das contas públicas e a redução da presença do Estado na esfera produtiva. Este fator impõe-se como necessidade vinculada a toda uma série de elementos de extrema relevância para o tema em discussão, contribuindo não apenas com a consolidação da estabilização como também com o alongamento dos prazos de financiamento vigentes na economia, conforme seja possível alongar o perfil da própria dívida pública. A recuperação da capacidade de poupança do governo federal deve também colocar em perspectiva a ampliação do raio de manobra para a utilização não-inflacionária de recursos públicos no estímulo a setores considerados prioritários, sobretudo na forma de mecanismos de financiamento. Além do programa de privatização, estritamente vinculado à questão do reequilíbrio patrimonial do setor público, medidas como a desregulamentação, a concessão de serviços públicos e a racionalização tributária prendem-se, igualmente, à busca de ampliar a competitividade sistêmica da economia pela via da redução do chamado “custo Brasil”.

Quanto à política cambial nos próximos anos, é necessário reconhecer que, com a reforma monetária de 1994, o país assistiu a uma significativa alteração em seu regime cambial, cujo alvo passou a centrar-se não mais na correção da taxa de câmbio por índices de inflação passada, mas sim no equilíbrio do balanço de pagamentos. Diante desse quadro, a promoção de ganhos de competitividade industrial vincula-se diretamente à necessidade de assegurar rentabilidade às exportações e condições adequadas à concorrência com os artigos importados; neste sentido, contrariamente ao que ocorreu em diversos momentos ao longo da década de 80, não será possível contar com alterações das relações câmbio-custos ou câmbio-salários, apoiadas em desvalorizações reais da moeda nacional, fato que coloca ainda mais em relevo a necessidade de uma política industrial sintonizada com o imperativo da promoção sustentada da elevação da competitividade.

Por fim, como veremos com maiores detalhes adiante, têm-se observado, em paralelo à abertura, importantes elevações da produtividade na indústria, mesmo a despeito da alta nos custos industriais por unidade de produção, sobretudo os relativos a salários; essa tendência permanece associada, por sua vez, a reduções persistentes no nível de emprego formal, na esteira de processos de especialização que envolvem a desverticalização e o downsizing. Em geral, as empresas têm-se concentrado em suas atividades-núcleo, cortando postos de trabalho, ampliando a terceirização e promovendo maiores compras de componentes e partes, por vezes via importação. Esses elementos corporificam um desafio importante à política industrial, uma vez que a colocam frente a um certo paradoxo entre os objetivos de elevação da competitividade (produtividade incluída) e de busca da ampliação dos níveis domésticos de bem-estar (renda e emprego).

Em termos dos objetivos a serem perseguidos, a política industrial deve estar em sintonia com o propósito de assegurar uma taxa de crescimento compatível com a elevação do produto per capita sem que, no entanto, seja comprometido o processo de estabilização; a manutenção de certa taxa de crescimento, por sua vez, vincula-se à necessidade de estimular a inversão privada e recuperar a taxa de investimento na economia, tanto por conta de seu papel como acelerador do próprio crescimento do produto, como por sua importância no processo de capacitação competitiva, via incorporação de progresso técnico.

Esse rol de elementos define o enquadramento mais geral para uma política industrial de· médio e longo prazos, colocando em relevo toda uma série de condicionantes macroeconômicos, os quais se somam às deficiências e potenciais propriamente produtivos da indústria nacional.

No que se refere a esses últimos, estudos recentes têm demonstrado a relativa heterogeneidade inter e intra-setorial da matriz industrial brasileira em termos de capacitação competitiva (ver Coutinho e Ferraz, 1994COUTINHO, L. & FERRAZ, J. (1994). Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: Papirus.: 257 e ss.). Dentre os setores com melhores níveis de competitividade, encontram-se segmentos fortemente apoiados em recursos naturais e energia, que se utilizam de produtos e processos já padronizados em nível mundial e com articulação restrita com a microeletrônica (papel e celulose, siderurgia, parcela da agroindústria etc, setores produtores de commodities industriais). Por sua vez, segmentos considerados de ponta apresentam grande dispersão em termos competitivos, em torno de uma média geral indiscutivelmente inferior à best practice internacional (eletrônica, informática, comunicações, entre outros). Mais do que isso, todos os segmentos considerados difusores de progresso técnico, geradores de importantes externalidades positivas para o conjunto das cadeias produtivas (bens de capital, biotecnologia etc.), encontram-se entre os setores tidos como deficientes em termos de competitividade.

Dentre os fatores explicativos da baixa competitividade de diversos segmentos da indústria apontados em Coutinho e Ferraz (1994COUTINHO, L. & FERRAZ, J. (1994). Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: Papirus.) encontra-se a excessiva dependência em relação ao mercado interno, fato que, somado à estagnação econômica dos anos 80, comprometeu as estratégias de expansão produtiva e atualização tecnológica.

Diante de tal caracterização básica do entorno macroeconômico e produtivo da economia brasileira atual, que tipo de política industrial se mostra mais compatível com os objetivos gerais de elevar os níveis domésticos de eficiência e bem-estar? Esta pergunta torna-se tanto mais complexa quando consideramos que deficiências históricas relativas, por exemplo, aos mecanismos de financiamento do investimento ainda se fazem presentes, ao mesmo tempo em que os instrumentos tradicionais vinculados à proteção e aos incentivos de natureza fiscal possuem hoje espaços bastante limitados (respectivamente pelo processo de abertura econômica e pela necessidade do ajuste fiscal).

Antecipando algumas das conclusões que apresentaremos ao final deste trabalho, podemos dizer que, no contexto atual da economia brasileira, a política industrial deve ser crescentemente direcionada para dois focos básicos:

  1. Elevar o potencial global de aprimoramento tecnológico da indústria, sobretudo nos setores vinculados ao “padrão de automação flexível”, reduzindo custos de aprendizado e estreitando o timing da incorporação e difusão de progresso técnico.

  2. Ampliar o grau de internacionalização da economia brasileira, inserindo o setor produtivo nacional nas correntes mais dinâmicas de comércio, capitais e tecnologia.

Se o primeiro elemento pode ser apontado como a tônica geral da política industrial, possuindo um cunho claramente horizontal, o segundo aponta para uma tendência observada em nível internacional, onde ganhos de competitividade duradouros têm ocorrido em ambientes marcados por níveis elevados de participação nos mercados mundiais. Os resultados finais esperados seriam a redução da dependência dos setores que já se mostram competitivos em relação a vantagens comparativas estáticas (energia e recursos naturais), o incremento dos vínculos do conjunto da estrutura produtiva com os segmentos com maior potencial de geração de externalidades positivas e a ampliação do conteúdo tecnológico da produção em segmentos tradicionais, atualmente competitivos ou não, a fim de reduzir o grau de padronização de seu mix de produtos (“descomoditização”). Em termos de desempenho, e tendo em mente o cenário macroeconômico desenhado acima, a meta deve ‘ser uma elevação consistente das exportações, seja em termos de valor total, seja em termos de uma recomposição da pauta em direção a itens de maior valor agregado e maior densidade tecnológica.

3. O PROCESSO RECENTE DE AJUSTAMENTO PRODUTIVO NO BRASIL E SUAS LIMITAÇÕES

A despeito de ter atravessado uma década marcada por acentuada instabilidade macroeconômica e estagnação dos níveis de produto ao longo dos 80, a indústria brasileira revelou uma capacidade relativamente ampla de ajustamento à abertura econômica iniciada em 1990. Em que pesem os percalços da política anti-inflacionária e a forte recessão do período 1990-93, a remoção de toda uma série de barreiras administrativas à importação, somada à significativa redução de médias e variâncias do espectro tarifário, representou uma importante alteração do ambiente de atuação da indústria do país, conduzindo a uma crescente ampliação dos níveis de contestabilidade do mercado interno. A partir de 1993, o avanço no processo de constituição de canais de comercialização de bens importados e o reaquecimento da economia prestaram uma contribuição adicional ao incremento das importações. Este cenário se manteve, grosso modo, até o primeiro trimestre de 1995, com o aprofundamento da abertura comercial potencializado, a partir da reforma monetária de junho de 1994, por um processo de valorização nominal da moeda nacional.

Desde o segundo trimestre de 1995, observou-se uma tendência a um certo recuo nos níveis de abertura através da elevação de tarifas em alguns setores e mesmo a criação de barreiras quantitativas à importação, como no caso da indústria automobilística. Paralelamente, a correção de rumos da política cambial conduziu a uma inflexão no comportamento da taxa de câmbio, efetivada através da adoção de um mecanismo singular de bandas cambiais móveis. Esse relativo retrocesso, no entanto, não significou, nem de longe, um retorno tendencial aos níveis de proteção prevalecentes, por exemplo, ao longo da década de 80.

A reação das empresas estabelecidas no mercado interno ao processo de abertura dos anos 90, sumariado acima, foi bastante significativo, seja pela relativa rapidez do ajustamento promovido, seja por seu caráter inegavelmente defensivo e limitado (ver Laplane e Silva, 1994LAPLANE, M.F. & SILVA, A.L.G. (1994). “Dinâmica recente da indústria brasileira e desenvolvimento competitivo.” Economia e Sociedade, nº 3, dez.).

Em termos da organização gerencial, observou-se uma maior racionalização de tarefas, sempre em torno das atividades-núcleo das empresas. Ampliou-se o recurso à terceirização às custas de uma significativa redução de postos de trabalho, sobretudo aqueles vinculados a níveis mais baixos de capacitação da mão-de-obra. Estratos hierárquicos foram reduzidos, na tentativa de conferir maior flexibilidade administrativa às empresas, agilizando a tomada de decisões. No que se refere ao mix de produtos, também foi observado um movimento de especialização, com o avanço da desverticalização e uma maior compra de componentes, muitas vezes via importação.1 1 Em alguns casos, como na indústria têxtil, adotou-se por vezes uma estratégia ainda mais defensiva, com o abandono da própria atividade produtiva em favor da mera comercialização de produtos importados, aproveitando-se os canais de comercialização já constituídos. Mesmo na indústria automobilística, notou-se uma tendência à importação dos itens de maior valor agregado, com uma certa especialização da produção doméstica nos carros médios e nos chamados “carros populares”.

Quanto às estratégias de investimento, não se definiu uma tendência clara de superação da fragilidade tecnológica histórica da indústria nacional; assim, mostraram-se pequenos os esforços na introdução de inovações em produtos e processos e no incremento do potencial de aprendizado (gastos em P&D e em capital humano). Estudos recentes têm demonstrado, adicionalmente, que a expansão da terceirização desestimula gastos com treinamento de mão-de-obra, dado que boa parte das atividades terceirizadas tem se concentrado na economia informal, onde o investimento em capital humano tende a ser menos valorizado (ver Amadeo et al., 1996AMADEO, E.J., SCANDIUZZI, J.C. & PERO, V (1996). “Ajuste empresarial, empregos e terceirização”, Revista de Economia Política, vol. 16 nº 1, jan.-mar.). Este processo tende a acentuar as deficiências relativas ao aprendizado e à assimilação de progresso técnico, a despeito da ampliação dos canais de acesso, via maiores importações de bens de capital.

Um resultado fundamental desse processo de ajustamento diz respeito aos significativos ganhos de produtividade obtidos pela indústria. Segundo Bonelli (1996aBONELLI, R. (1996a). “Política industrial no Brasil: intenções e resultados (situação atual e perspectivas das políticas de competitividade no Brasil)”. (Mimeo.) Rio de Janeiro: IPEA-DIPES.: 46), a produtividade industrial cresceu 7,35% a.a. em média entre 1991 e 1995, após um período de relativa estagnação entre 1985 e 1990. É importante assinalar, no entanto, que tal movimento tem sido acompanhado de uma tendência de elevação dos custos com mão-de-obra, manifesta sobretudo após o início do processo de estabilização, em meados de 1994 (ver Bonelli, 1996aBONELLI, R. (1996a). “Política industrial no Brasil: intenções e resultados (situação atual e perspectivas das políticas de competitividade no Brasil)”. (Mimeo.) Rio de Janeiro: IPEA-DIPES.: 47-8). Dados da pesquisa industrial mensal do IBGE demonstram que essa tendência persistiu ao longo do primeiro trimestre deste ano: no acumulado de janeiro a abril, a produção física da indústria reduziu-se em 7,5%, ao mesmo tempo em que o emprego industrial acusava queda de 12,7%; paralelamente, o salário contratual médio elevou-se, no mesmo período, 8,2%. Somados ao cenário macroeconômico e, especificamente, aos novos rumos da política cambial, esses números colocam como prioritária a necessidade de elevar de forma sustentada a produtividade e a competitividade industriais, a fim de garantir condições favoráveis para a performance do setor produtivo nacional, interna e externamente.

A despeito de sua descrição sucinta, o quadro que acabamos de apontar parece deixar claras as limitações do processo de ajustamento produtivo por que passa a economia brasileira no contexto de abertura inaugurado em 1990. Como assinalam Esser e outros (1996ESSER, K., HILLEBRAND, W., MESSNER, D. & MEYER-STAMER, J. (1996). “Competitividad sistémica: nuevo desafio a las empresas y a la política”. (Mímeo.) Rio de Janeiro: IPEA-DIPES.: 11-12), a fim de poderem enfrentar com êxito as exigências de um ambiente marcado pela concorrência global, não basta que as empresas adotem o lema de “automatizar o taylorismo” por meio de mudanças meramente incrementais de seu padrão tradicional de atuação. A busca simultânea de eficiência, flexibilidade e de velocidade de reação, elementos de certa forma presentes no ajustamento brasileiro recente, não pode prescindir de estratégias que contemplem a atualização tecnológica e o incremento do potencial de aprendizado; sob este enfoque, o objetivo central das firmas seria não apenas elevar a eficiência produtiva a curto prazo, mas sustentar um potencial de reação frente à concorrência global.

Os autores apontam, ainda, para a caracterização menos pulverizada do atual padrão de concorrência no mercado mundial, fato que coloca em relevo a importância da associação de empresas através de clusters industriais ou redes de cooperação (Esser et al., ibid., loc.cit.). Esse tipo de associação contribui diretamente com o potencial competitivo das empresas ao reduzir os custos de transação (através de um relacionamento mais cooperativo com fornecedores e clientes), gerar economias de escala na comercialização, diluir custos e riscos de investimento em P&D e em marketing, facilitar o acesso ao financiamento etc.

A experiência brasileira de ajustamento produtivo, ainda em curso, não tem contemplado adequadamente esse conjunto de elementos que se sobrepõem e complementam as estratégias de racionalização e especialização produtivas. No entanto, os ganhos de eficiência e produtividade já obtidos podem atuar como uma base favorável para a implementação de políticas públicas que busquem ampliar o potencial inovador e de aprendizado da indústria, com vistas a elevar seu padrão global de eficiência.

A abertura comercial, tomada como um parâmetro básico para a elaboração da política industrial, abre canais explícitos de acesso ao conhecimento técnico gerado externamente (via importação de bens de capital, contratos de licenciamento etc.), ao mesmo tempo em que, ao elevar a concorrência nos mercados internos, pressiona as empresas pela busca de maiores níveis de competitividade (produtividade, qualidade de produtos, estratégias de comercialização etc.). No entanto, embora o conhecimento técnico possa ser parcialmente comercializável, a capacidade de fazer uso eficiente dele não o é (Moreira, 1996MOREIRA, M.M. (1996). “Industrial success and government intervention: searching for the links.” Revista de Economia Política, vol. 16 nº 1, jan.-mar.). Assim, no atual contexto da economia brasileira, caberia à política industrial incrementar o potencial de absorção tecnológica da indústria, procurando não apenas reduzir os custos dos padrões atuais de produção, mas, essencialmente, reduzir os custos de aprendizado, tomando como ponto de partida os ganhos de produtividade já obtidos e procurando lhes dar sustentabilidade em termos de potencial competitivo de longo prazo.

4. ELEMENTOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA INDUSTRIAL

Apesar do caráter não exaustivo, o rol de elementos que segue procura definir as linhas mestras que possam orientar a consecução de uma política industrial de médio e longo prazos, em sintonia com o quadro interno e externo esboçado acima. Como veremos, tais elementos podem ser resumidos a cinco diretrizes básicas, algumas das quais caracterizam as interfaces da política industrial com outros campos de ação das políticas públicas, especialmente a política de comércio exterior (ver também Frischtak, 1994FRISCHTAK, C.R. (1994). “Política industrial.” FORUM: BRASIL, 1995. (Mímeo.) São Paulo: Conselho Consultor Empresarial de Competitividade-CONCEC.; Bonelli, 1996BONELLI, R. (1996). Ensaios sobre política econômica e industrialização no Brasil. Rio de Janeiro: SENAI/DITEC/DPEA.: 160 e ss.; e Suzigan e Villela, 1996SUZIGAN, W. & VILLELA, A.V (1996) “Elementos para discussão de uma política industrial para o Brasil”, Texto para Discussão nº 421. Rio de Janeiro: IPEA.).

4.1 Sustentação dos recentes ganhos de produtividade e estímulo ao aprendizado tecnológico

A despeito dos significativos avanços obtidos pelo setor industrial brasileiro em termos de produtividade, vimos acima que o ajuste microeconômico que resultou nesses avanços foi essencialmente defensivo. Ademais, ainda existe um importante desnível em relação ao padrão de produtividade vigente nas principais economias desenvolvidas (ver Ramos, 1995RAMOS, J. (1995). “El desafio da la competitividad em los años noventa.” (Mimeo.) Santiago do Chile: CEPAL.). Este quadro coloca como uma das prioridades da política industrial para os próximos anos consolidar os avanços neste campo, proporcionando um caráter sustentável à elevação da produtividade.

Assim, trata-se basicamente de ampliar o escopo do ajustamento produtivo já desenvolvido com ênfase em sete frentes:

  1. Dar continuidade ao Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e ao Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria (PACTI), enfatizando a necessidade da geração de potencial competitivo sustentável através de alterações mais pró-ativas nas técnicas de gestão administrativa, na incorporação de progresso técnico, no relacionamento com fornecedores e clientes etc.; tais programas devem buscar, inclusive, uma maior articulação com as agências de financiamento, fornecendo um tratamento integrado à operacionalização da capacitação competitiva (Coutinho e Ferraz, 1994COUTINHO, L. & FERRAZ, J. (1994). Estudo da competitividade da indústria brasileira. Campinas: Papirus.: 218).

  2. Recuperar a “infraestrutura” básica de C&T, buscando estreitar os vínculos entre os centros geradores de conhecimento aplicável à esfera produtiva e a atividade industrial, tanto nos setores de ponta, com o aproveitamento mútuo de sinergias, quanto com os segmentos em restruturação, com vistas ao upgrading da pauta de produção.

  3. Promover treinamento e qualificação da mão-de-obra, buscando atuar sobretudo sobre as falhas de mercado geradas pela presença de externalidades significativas nos investimentos em formação de capital humano genérico.

  4. Dar estímulo fiscal e creditício à conglomeração, com vistas ao aproveitamento de economias de escala e escopo, seja através de fusões e aquisições, seja através da constituição de redes de cooperação.2 2 Em confronto com outros NICs, o Brasil apresenta níveis bastante baixos de concentração de capital, fato que, por vezes, preserva padrões pouco eficientes de produção, baseados em uma estrutura familiar de gestão empresarial. Portanto, a conglomeração, via clusters ou networks, contribui tanto com o auferimento das tradicionais economias de escala quanto com a alteração dos padrões de gestão.

  5. Garantir condições adequadas ao financiamento dos investimentos-em modernização e em P&D, condicionado a metas de desempenho, consolidando e ampliando a ação de agências como o FINEP.

  6. Dar continuidade ao processo de desestatização (privatizações e concessões de serviços públicos), constituindo um aparato regulatório capaz de pressionar as empresas que passarem a atuar nos segmentos desestatizados no sentido da preservação e do incremento da eficiência econômica.

  7. Incentivar programas de normalização e certificação, cujas exigências devem pressionar no sentido da elevação dos padrões de qualidade da produção industrial.

Este rol de elementos teria como alvo mais geral a redução do timing de incorporação e difusão dos ganhos associados ao progresso técnico. Tal estratégia tem como claro pressuposto a elevação do nível de investimento na economia, sem o que seria impossível avançar em termos de ganhos de produtividade.

Adicionalmente, o acesso a bens de capital, a contratos de licenciamento e mesmo à formação de joint-ventures deve atuar, num contexto de aprofundamento da abertura econômica, como importante canal de atualização tecnológica, a ser potencializada pela elevação da capacidade de aprendizado. Para isso é necessário prosseguir nos esforços para igualar o tratamento legal dispensado aos capitais nacionais e estrangeiros, reduzir a carga tributária incidente sobre a remessa de lucros ao exterior, facilitar o registro de ingressos de capital estrangeiro, sobretudo através de tecnologia etc.

Ao mesmo tempo, a atuação do Estado deve ser norteada pelo condicionamento da concessão de incentivos tais como financiamentos a P&D, concessões, isenções fiscais etc. a exigências em termos de desempenho e aprimoramento competitivos. Tal fato exige a existência de organismos capazes de promover o adequado monitoramento da atividade industrial, vis-à-vis as metas de produtividade - CADE, BNDES-FINEP e demais agências regulatórias.

Um último fator a ser explorado na tentativa de imprimir sustentabilidade à elevação da produtividade na indústria refere-se ao prosseguimento dos esforços com vistas à redução do chamado “custo Brasil”: racionalização tributária, desregulamentação, redução dos custos de transporte associados às condições de infraestrutura física etc. É importante destacar, ainda, a importância do todo o rol de elementos que se seguem, como condições igualmente necessárias para sustentar os ganhos de produtividade na indústria.

4.2 Ampliação da internacionalização

Os coeficientes de importação e exportação da economia brasileira, mesmo após a abertura, permanecem em níveis baixos para o padrão dos países desenvolvidos de dimensões semelhantes. A despeito do tamanho relativo do mercado interno brasileiro, as experiências internacionais têm demonstrado a importância da inserção externa como mecanismo de pressão sobre a competitividade da indústria. Além disso, é fundamental avançar na integração regional proporcionada pelo Mercosul, inclusive com a busca da constituição de acordos comerciais com outros blocos de nações - como o NAFTA e a União Europeia.

Além dos mecanismos clássicos de financiamento às exportações e às importações, deve-se procurar expandir o alcance de três outros instrumentos básicos:

  1. Os esquemas de draw back, procurando ampliar seu alcance, com a eventual possibilidade da utilização de créditos fiscais gerados pela atividade exportadora ao longo da cadeia produtiva.

  2. Os mecanismos de nivelamento de taxas de juros, procurando reduzir o ônus do pagamento de prêmios de risco quando do acesso aos mercados financeiros internacionais.

  3. Os mecanismos de seguro de crédito, associados aos chamados “riscos políticos”, isto é, decorrentes de eventuais expectativas de choques macroeconômicos futuros; os seguros contra este tipo de risco permitiriam que as taxas de juros cobradas aos exportadores permanecessem mais diretamente vinculadas às características do empreendimento, isolando-se os efeitos de expectativas sobre a taxa de câmbio, entre outros fatores.

A ampliação do grau de internacionalização da economia brasileira exige, igualmente, que sejam promovidos esforços para a constituição de uma verdadeira atividade de “diplomacia econômica” que atue tanto no âmbito dos atuais foros internacionais, como o GATT ou os acordos regionais de comércio, como no equacionamento de questões mais localizadas, de natureza bilateral. Diante do histórico de instituições como o Itamarati, parece haver um potencial mínimo capaz de fornecer o background necessário a esse tipo de atividade, a qual tem se mostrado de grande relevância em nível internacional.

Por sua vez, medidas visando acentuar a participação brasileira nos fluxos de investimento estrangeiro direto encontram-se intimamente associadas tanto às atividades de diplomacia econômica como à redução dos custos domésticos de aprendizado. No atual contexto internacional, as tradicionais vantagens comparativas de natureza estática, que representaram elementos de atratividade para o ingresso de capitais externos de risco, tendem a ser substituídas por fatores como o grau de capacitação da mão-de-obra, a presença de externalidades representadas por facilidades de comercialização doméstica, regional e global etc. Portanto, além da equalização no tratamento legal dispensado a empresas nacionais e estrangeiras, processo já em andamento, cabe reforçar a política de atração do investimento direto externo através de um conjunto articulado de medidas nas esferas de aprendizado, de redução do “custo Brasil” e da atividade diplomática. Adicionalmente, deve-se buscar o estímulo à constituição de joint-ventures e ao ingresso de capitais na forma de tecnologia (licenças), sobretudo nos setores de ponta.

4.3 Criação de mecanismos adequados ao financiamento do investimento

Este elemento de estímulo à capacitação competitiva coloca-se, na verdade, como uma condição necessária ao implemento de uma política industrial coerente a médio e longo prazos. No entanto, a indispensável ampliação da poupança doméstica e a geração de crédito direcionado ao financiamento do investimento fogem ao escopo imediato da política industrial. Ainda assim, a incapacidade histórica do sistema financeiro brasileiro na oferta de créditos de longo prazo é de tal importância para esta discussão que não se poderia deixar de citá-la.

Neste sentido, Ferreira (1993FERREIRA, C.K.L. (1993). “Custo de capital, condições de crédito e competitividade: instituições oficiais de crédito, financiamento de longo prazo e mercados de capitais.” Nota Técnica Temática do Bloco “Condicionantes Macroeconômicos da Competitividade”, Estudo da competitividade da indústria brasileira. (Mímeo.) Campinas: IE-UNICAMP/IEI-UFRJ/FDC/FUNCEX.) destaca a importância de dois elementos centrais: o papel dos investidores institucionais (fundos de pensão, essencialmente) na oferta de recursos destinados ao crédito de longo prazo e a necessidade de uma adequada regulação do mercado de capitais. Esses elementos envolvem a necessidade de incentivar a criação de fundos privados de previdência e proporcionar uma regulação do mercado de capitais capaz de garantir maior segurança ao acionista minoritário e aos pequenos investidores. Ao menos nos primeiros momentos de um processo de estímulo ao crédito de longo prazo, seria imprescindível a atuação de um órgão que garantisse o refinanciamento (redesconto seletivo) de títulos de longa maturação. Segundo diversos autores, o candidato natural a esse papel seria o sistema BNDES, o qual poderia constituir um núcleo de atuação que caminhasse progressivamente para uma maior parceria com o setor bancário privado (ver também Frischtak, 1994FRISCHTAK, C.R. (1994). “Política industrial.” FORUM: BRASIL, 1995. (Mímeo.) São Paulo: Conselho Consultor Empresarial de Competitividade-CONCEC.).

A despeito dos percalços recentes dos fundos de pensão em diversos países do mundo, é necessário reconhecer que, em termos comparativos, sua participação na economia brasileira é extremamente tímida3 3 Segundo dados de Ferreira (1993: 46), ao final da década de 80, os ativos dos fundos de pensão equivaliam a 50% do PNB nos EUA, 55% no Reino Unido, 24% no Japão, 13% na Alemanha, 20% no Chile e apenas 5% do PNB no Brasil. , e a adequada regulamentação desse ramo de atividade financeira poderia contribuir para um incremento importante na geração de poupança interna.

É necessário reconhecer que o calcanhar-de-Aquiles da questão do financiamento refere-se à baixa atratividade representada pelas operações de longo prazo sob a ótica do sistema financeiro. O equacionamento dessa questão é de extrema complexidade, envolvendo desde o perfil histórico de atuação do sistema até a necessidade de ajustamento do setor público. No entanto, a partir da perspectiva da política industrial, deve-se buscar reduzir os riscos inerentes a essas operações através de mecanismos de redesconto e securitização, aumentando sua atratividade para o setor bancária e, eventualmente, obtendo do Banco Central uma classificação menos conservadora no âmbito das normas relativas ao Acordo da Basiléia. Assim, caso a Autoridade Monetária reconheça níveis mais baixos de risco para títulos de longo prazo securitizados, seriam reduzidos os custos desse tipo de operação para os agentes intermediários, com um comprometimento mais baixo em termos do capital próprio dos bancos, estimulando-os a operar nesse mercado.

4.4 Defesa da concorrência

A manutenção de uma adequada estrutura institucional de defesa da concorrência é colocada em relevo e sob nova ótica pela ampliação do grau de internacionalização da economia. Por um lado, é necessário salvaguardar a indústria nacional em relação ao dumping nas importações; além disso, na eventualidade da entrada de capitais estrangeiros de risco, ou mesmo diante de alterações nas estruturas de mercado em direção a maiores graus de conglomeração, é preciso estar atento para que a elevação do poder (share) de mercado das empresas não resulte em práticas monopolistas que reduzam o bem-estar doméstico. Ainda assim, diante de processos inevitáveis de conglomeração via fusões e aquisições, é preciso evitar uma lógica simplista que meramente coíba o crescimento das fatias de mercado das firmas remanescentes; ao contrário, se a elevação da concentração em certos mercados puder levar a ganhos de eficiência e bem-estar, seu resultado não será apenas benéfico como também desejável (ver Possas et al., 1996POSSAS, M.L. (1996). “Competitividade: fatores sistémicos e política industrial - implicações para o Brasil.” In CASTRO, A.B., POSSAS, M.L. & PROENÇA, A. Estratégias empresariais na indústria brasileira: discutindo mudanças. Rio de Janeiro: Forense Universitária.).

4.5 Restruturação

Finalmente, é preciso definir claramente políticas de apoio à restruturação dos setores mais seriamente atingidos pelo processo de abertura. A partir de uma visão estratégica que passe pela (necessária) eleição de níveis mínimos de competitividade, é necessário colocar em marcha dois movimentos básicos:

  1. O downsizing: com a redução da capacidade instalada em setores cujos custos ou timing de restruturação mostrem-se incompatíveis com metas definidas de elevação da competitividade; nestes casos, deve-se buscar promover esforços no sentido de retreinar a mão-de-obra, com vistas a reduzir o impacto em termos de desemprego4 4 A despeito de uma certa ambiguidade revelada pela experiência internacional (ver Baily et al., 1994), pode-se citar como exemplo relevante de sucesso em termos de downsizing em setores tradicionais com baixa competitividade o processo de reestruturação-com-privatização, promovido pelo governo italiano na indústria siderúrgica daquele país. ,

  2. O upgrading: diante da constatação da existência de potenciais mínimos de capacitação competitiva, uma alternativa para os setores em declínio ou ameaçados pela concorrência externa é a busca de uma alteração dos nichos de mercado explorados, sobretudo no mercado internacional; o enobrecimento da pauta de produção, com a incorporação de níveis mais elevados de sofisticação e densidade tecnológica, permitiria a exploração de mercados mais dinâmicos, onde as elasticidades-renda fossem mais elevadas.

Finalmente, dois elementos devem atuar no processo de restruturação, sobretudo nos segmentos onde for possível o upgrading. Em primeiro lugar, a constituição de redes, tal como citada acima, mostra-se de grande interesse, sobretudo com vistas a reduzir os custos de gastos em comercialização e marketing, associados à busca de novos mercados. Finalmente, setores tradicionais como têxteis e calçados, onde as marcas (ou presença) da antiga firma familiar ainda são significativas, poderiam beneficiar-se de programas de treinamento voltados para a introdução de inovações gerenciais, contribuindo com o avanço em termos de produtividade, em paralelo a movimentos de alteração do mix ou dos processos de produção, stritu sensu.

5. CONCLUSÃO

Seja a partir de uma reflexão comparativa, que coloque em perspectiva a experiência internacional das últimas décadas, seja a partir das características intrínsecas da atual fase do desenvolvimento brasileiro, emerge clara a importância estratégica da definição de uma política industrial com uma necessária perspectiva de longo prazo. No entanto, frente à ruptura do padrão histórico de industrialização adotado no país ao longo deste século, é necessário lançar luz para um novo conjunto de questões, mecanismos e instrumentos.

Diante do imperativo da elevação do nível de abertura econômica, do desafio da elevação simultânea da competitividade e do bem-estar domésticos, e dos cenários externo e interno esboçados acima, conclui-se pela urgência de aprofundar o ajustamento produtivo, atualmente em curso na economia brasileira. Cabe, portanto, à política industrial a tarefa de facilitar esse processo, articulando esforços públicos e privados no sentido de aproximar a estrutura produtiva nacional da best practice mundial, facilitando a incorporação de progresso técnico e a restruturação industrial, reduzindo o “custo Brasil” etc. Neste cenário, o conjunto de diretrizes apontado acima tem por objetivo a ampliação do potencial competitivo da indústria, o qual deve se materializar em dois elementos essenciais: um processo de crescimento-com-recomposição-de-pauta das vendas ao exterior, através do avanço relativo de bens de maior valor agregado e conteúdo tecnológico; e a geração de melhores condições de competitividade interna, pela elevação da produtividade e da qualidade na atividade industrial.

Em suma, cabe à política industrial atuar catalisando esforços no sentido da construção de um “sistema nacional de inovação”, à laNelson (1993NELSON, R. (org.) (1993). National innovation systems: a comparative analysis. Nova York: Oxford University Press.), ou seja, procurar conciliar um ambiente marcado por contínua pressão concorrencial (essencialmente via preservação da estratégia de abertura econômica) à geração de condições sistémicas e externalidades favoráveis à inovação e ao aprendizado (ver Possas, 1996POSSAS, M.L. (1996). “Competitividade: fatores sistémicos e política industrial - implicações para o Brasil.” In CASTRO, A.B., POSSAS, M.L. & PROENÇA, A. Estratégias empresariais na indústria brasileira: discutindo mudanças. Rio de Janeiro: Forense Universitária.: 100 e ss.).

Se parecem descartados os antigos esquemas de proteção e promoção, via barreiras à importação e estímulos de natureza fiscal, tal fato não implica que a política industrial se encontre, na atualidade, desprovida de instrumentos de atuação. Ao contrário, coloca-se hoje todo um novo rol de mecanismos de ação, de natureza mais complexa e de resultados a mais longo prazo, relacionados aos determinantes sistémicos da competitividade. Se a estabilização e a abertura representam elementos essenciais para a implementação de uma política industrial coerente a longo prazo, essa mesma coerência é hoje impensável sem a presença de requisitos mínimos, necessários à continuada incorporação de progresso técnico pela atividade produtiva. Criar condições para a geração de tais requisitos representa, na atualidade, o escopo mais geral da política industrial.

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  • 1
    Em alguns casos, como na indústria têxtil, adotou-se por vezes uma estratégia ainda mais defensiva, com o abandono da própria atividade produtiva em favor da mera comercialização de produtos importados, aproveitando-se os canais de comercialização já constituídos. Mesmo na indústria automobilística, notou-se uma tendência à importação dos itens de maior valor agregado, com uma certa especialização da produção doméstica nos carros médios e nos chamados “carros populares”.
  • 2
    Em confronto com outros NICs, o Brasil apresenta níveis bastante baixos de concentração de capital, fato que, por vezes, preserva padrões pouco eficientes de produção, baseados em uma estrutura familiar de gestão empresarial. Portanto, a conglomeração, via clusters ou networks, contribui tanto com o auferimento das tradicionais economias de escala quanto com a alteração dos padrões de gestão.
  • 3
    Segundo dados de Ferreira (1993FERREIRA, C.K.L. (1993). “Custo de capital, condições de crédito e competitividade: instituições oficiais de crédito, financiamento de longo prazo e mercados de capitais.” Nota Técnica Temática do Bloco “Condicionantes Macroeconômicos da Competitividade”, Estudo da competitividade da indústria brasileira. (Mímeo.) Campinas: IE-UNICAMP/IEI-UFRJ/FDC/FUNCEX.: 46), ao final da década de 80, os ativos dos fundos de pensão equivaliam a 50% do PNB nos EUA, 55% no Reino Unido, 24% no Japão, 13% na Alemanha, 20% no Chile e apenas 5% do PNB no Brasil.
  • 4
    A despeito de uma certa ambiguidade revelada pela experiência internacional (ver Baily et al., 1994BAILY, M.N., BARTELSMAN, E.J. & HALTIWANGER, J. (1994) “Downsizing and productivity growth: myth or reality?” Working Paper nº 4741. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research.), pode-se citar como exemplo relevante de sucesso em termos de downsizing em setores tradicionais com baixa competitividade o processo de reestruturação-com-privatização, promovido pelo governo italiano na indústria siderúrgica daquele país.
  • 6
    JEL classification: O25; F63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1998
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