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Alternativas de estabilização: gradualismo, dolarização e populismo

Alternatives to stabilization: gradualismo, dollarization, and populism

RESUMO

O artigo discute as questões envolvidas em três diferentes variedades de planos de estabilização: gradualismo, dolarização e pactos sociais. Argumenta-se que a eficiência de cada alternativa depende de condições especiais pertinentes, em geral à dinâmica da fixação de preços na economia brasileira. Diz-se que alternativas de choque, em particular, congelamentos de preços ou esquemas de prefixação, têm sua utilidade associada ao comportamento de fixação de preços “voltado para trás”. Estratégias graduais, por outro lado, especialmente quando ortodoxamente inequivocamente, são consideradas mais eficientes quando o comportamento “prospectivo” é adotado pelos formadores de preços. O artigo também discute as condições para a aplicação de uma dolarização do tipo argentina no Brasil e também as peculiaridades institucionais que afetam a viabilidade de “pactos sociais” no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilizacão; dolarização

ABSTRACT

The paper discusses the issues involved in three different varieties of stabilization plans: gradualism, dollarization, and social pacts. It is argued that the efficiency of each alternative depends upon special conditions pertaining, by and large to the dynamics of price fixing in the Brazilian economy. Shock alternatives in particular, namely, price freezes or pre-fixing schemes, are said to have their usefulness attached to “backwards looking” price fixing behavior. Gradual strategies, on the other hand, especially when unambiguously orthodox, are said to be more efficient when “forward looking” behavior is adopted by price setters. The paper also discusses the conditions for the application of an Argentinean type dollarization in Brazil and also institutional peculiarities affecting the feasibility of “social pacts” in Brazil.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization; dollarization

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho discute os limites de três diferentes famílias de alternativas de combate à inflação: o gradualismo, a dolarização e o pacto social. Procura-se argumentar que a eficácia de cada uma delas depende de condições especiais, mais especificamente relativas à dinâmica de fixação de preços na economia brasileira. Argumenta-se também que, como as alternativas de choque - dolarização, congelamento ou prefixação negociada - envolvem altíssimos riscos se executadas sem uma correção prévia dos fundamentos, o país deve necessariamente dedicar-se à construção das precondições para uma iniciativa consequente, e apenas depois de frutificar esse esforço é que se deveria pensar em iniciativas contundentes de estabilização.

2. O FRACASSO DO NOVO GRADUALISMO

A maior parte dos economistas brasileiros mostrou uma simpatia cautelosa para com as políticas macroeconômicas praticadas pelo ministro Marcílio Marques Moreira, especialmente nos terrenos fiscal e monetário. Essa surpreendente adesão ao gradualismo se explica pela experiência dos últimos anos, abundante em demonstrações de que o tratamento de choque não funciona quando os fundamentos fiscais não estão corretos. Por outro lado, sabe-se que a correção desses fundamentos, isto é, a solução de nossa crise fiscal, é um processo longo e complexo, que envolve obrigatoriamente iniciativas do Congresso Nacional - seja por conta de alterações necessárias na Constituição, ou da regulamentação de alguns de seus artigos, seja para o respaldo político para medidas de impacto de responsabilidade do Executivo - e, como se sabe, os espaços políticos para o encaminhamento de ações coordenadas neste domínio têm sido muito restritos. Diante disso, firmou-se uma nova modalidade de gradualismo redivivo, versão 1991-92, baseando-se na ideia de que seria possível atacar os fundamentos de forma gradual, ou seja, efetuar “aos bocadinhos” a mudança de regime de políticas e instituições que regulam a execução orçamentária e o processo de criação de moeda1 1 A terminologia se deve a Thomas Sargent. V. “Os finais de quatro hiperinflações”. In: J. M. Rego, ed. Inflação inercial: teorias sobre o Plano Cruzado. São Paulo: Nobel. . Acreditava-se na noção de um círculo virtuoso, segundo o qual pequenas vitórias táticas contra a inflação, produzidas pela recessão, e sem o concurso de choques de nenhuma espécie, gerariam mais credibilidade e novos espaços políticos para ataques aos fundamentos, o que, por sua vez, daria mais credibilidade ao empreendimento, produzindo novas pequenas vitórias contra a inflação, e assim sucessivamente.

Do ponto de vista analítico, o pressuposto básico desse neogradualismo consiste em que a dinâmica de preços na economia é predominantemente forward looking; e a memória inflacionária, ou o componente autorregressivo da inflação, tem uma influência pequena sobre a inflação corrente. Alguns autores até mesmo sugerem que esta seja uma elas principais características da alta inflação ou da hiperinflação2 2 V., por exemplo, Roberto Frenkel (1989) “EI regímen de alta inflación y la hiperinflación en Argentina”, mimeo. Muitos modelos novos trabalham a interação entre regras de preço forward looking e a percepção que os agentes econômicos têm das finanças públicas. Uma forma típica de resumir um modelo dessa família é a seguinte:

p t = a · p t - 1 + 1 - a · p * q * (1)

V F M t = V F M t - 1 q + u (2)

onde p(t) é a inflação corrente, p* é a inflação esperada, que se assume função da percepção dos agentes acerca dos fundamentos fiscais designados pelo vetor q. A inflação corrente depende de fatores ditos inerciais, ou seja, a. p (t-1) e fatores expectacionais, representados por (1-a).p*(q*). O público apreende a natureza elos fundamentos fiscais pelos valores realizados de q, designados por q* através das realizações da variável fiscal-monetária VFM(t), que é grandemente determinada por seu passado, mas também é afetada pelas políticas do governo q e por fatores estocásticos designados por u. O público que não conhece q e presume que a distribuição de u tenha média zero e variância constante. A partir dos valores realizados de q, o público infere (bayesianamente) sobre o processo que os gerou e forma suas expectativas de inflação.3 3 Para uma apresentação mais completa desse modelo, bem como para aplicações empíricas, v. Marianne Baxtcr (1985) The role of expectations in stabilization policy”, Journal of Monetary Economics n. 15. A passagem de expectativas individuais idiossincráticas para médias, definidas para a coletividade, se processa no âmbito de mercados que cumprem exatamente essa função, ou seja, transacionam expectativas de forma informacionalmente eficiente. Esses mercados - tipicamente mercados futuros, de ativos financeiros e de câmbio - exercem um papel coordenador importantíssimo, pois são considerados termômetros fiéis da realidade econômica, ou pelo menos do modo como os agentes econômicos a percebem.

Outra variante interessante deste tipo de modelo toma a relação entre governo e setor privado como um jogo ao longo do tempo, onde cada qual maximiza suas funções objetivo. O público não consegue identificar com clareza se o governo é inflacionista (propenso a explorar inconsistências temporais) ou se é sério no tocante à estabilização, e a partir daí se desenvolve um jogo sob informação imperfeita onde pode haver a construção de reputações e aumentos, mediante promessas cumpridas, da credibilidade do governo. Nesse contexto, políticas gradualistas poderão facilmente constituir-se na única alternativa ótima.4 4 V. Cukicrman A. e N. Liviatan (1992). “The dynmics of optirnal gradual stabilizations”, The World Bank Economic Review·6(3), setembro; e também Kieguel M. A. e N. Liviatan (1990). “Some implications of policy games for high inflation economies”, The World Bank Policy, Macroeconomic and Growth Division, Working Paper nº 379, março.

Note-se que, numa política como a do ministro Marcílio, a ideia consistia em que era possível, como no primeiro modelo, modificar gradualmente a percepção dos agentes acerca de q, e que isso se expressaria nos mercados de ativos e se transmitiria às expectativas de inflação. No caso de modelos estratégicos, o pressuposto seria o de construção gradual de credibilidade através da coerência na gestão ortodoxa da economia. Note-se que o processo seria tanto mais eficaz quanto menor a, ou seja, quanto mais importantes fossem as práticas forward looking de fixação de preços. Nessas condições, as políticas ditas ortodoxas seriam mais eficazes.5 5 Vários autores mostram que os custos da estabilização (em políticas ortodoxas, ou seja, de contração monetária) são maiores quanto mais disseminada é a indexação vis-à-vis processos otimizadores de fixação de preços. V., por exemplo, Bonomo M. e R. Garcia (1992) “Indexation, staggering and disinflation”. Texto para Discussão n” 281. Departamento de Economia, maio.

De fato, o modelo gradualista parece ter funcionado de forma surpreendentemente eficaz até o mês de abril de 1992, como mostra a Tabela I, ainda que a decomposição dos índices indique que um choque agrícola favorável teve papel importante para o desempenho da inflação. De qualquer modo, observe-se que a inflação se reduziu de números beirando os 30% para valores ligeiramente abaixo de 20% em um período de aproximadamente seis meses, fazendo crer que o modelo do círculo virtuoso estava funcionando. A continuar a mesma orientação, assinalavam alguns analistas, não seria despropositado prever índices de inflação próximos de 10% ao fim do ano - sem dúvida, uma vitória consagradora do novo gradualismo. Todavia, a tendência de queda inverteu-se em abril, ficando a impressão de que a reviravolta não se deveu a fatores econômicos, mas à sucessão de escândalos políticos que cortou um dos elos mais importantes do modelo do círculo virtuoso: a ideia de que o acúmulo de credibilidade por parte do governo levaria a um ataque sensível aos fundamentos da estabilização. Em tais condições, a política gradualista perdeu eficácia, as expectativas se deterioraram e a inflação experimentou uma aceleração significativa.

Tabela 1
Metas de inflação do acordo com o FMI (para IGP-DI) e resultados alcançados

A primeira preocupação levantada pelo fracasso do novo gradualismo diz respeito à demanda, cada vez mais intensa, por fazer alguma coisa no tocante à inflação. Têm estado sobre a mesa as possibilidades de dolarização segundo o figurino do Plano Cavallo e, alternativamente, algum aperfeiçoamento de choques heterodoxos como os que tivemos no passado, agora com a vestimenta de prefixação negociada. No que se segue, ambas as alternativas serão objeto de discussão.

3. O PODER DA ÂNCORA CAMBIAL

No caso de uma tentativa de dolarização tendo como base a experiência argentina, há consenso em que inúmeras adaptações seriam necessárias às condições brasileiras, e a primeira delas diz respeito à evidente diferença entre Brasil e Argentina no tocante à extensão da indexação pela taxa de câmbio6 6 Para uma discussão que, além dos aspectos levantados neste ensaio, considere os problemas de consistência macroeconômica envolvidos em programas de dolarização, v. Franco, Gustavo H. B. “Dolarização, mecanismos, mágicas e fundamentos”, 19º Encontro Nacional de Economia, Anais, Curitiba, volume 1. . Sabidamente, no Brasil, a indexação pelo dólar é pouco disseminada e restrita a apenas alguns poucos mercados de bens exportáveis e importados, um grupo consideravelmente menor do que o grupo de tradables7 7 Note-se que, ainda que potencialmente todos os produtos comercializáveis pudessem ter seus preços atrelados aos mercados internacionais, este não é nosso caso em função do ainda vergonhosamente baixo grau de abertura exibido pela economia brasileira, que em 1990 tinha um grau de penetração de importações (sobre oferta global) da ordem de 4,5%, ou seja, metade do existente na Índia! , Exportáveis e importados fazem uma percentagem pequena dos IPCs brasileiros (FIPE e FGV), restrita a bens agrícolas cujos preços no mercado interno têm comunicação com as cotações internacionais, e possuem uma influência maior sobre os preços por atacado, onde predominam manufaturados cujos preços são mais sensiveis ao mercado externo. Essa assimetria entre IPC e IPA relativamente à taxa de câmbio é bastante clara na experiência recente da Argentina, onde se verificou, nos primeiros meses, uma pequena deflação nos preços por atacado e uma pequena inflação pelo IPC. Na verdade, tal assimetria de comportamento entre os índices é característica de todo choque, e reflete inevitáveis alterações de preços relativos associadas à queda súbita da inflação.8 8 Existe uma considerável literatura tratando do tema. V. Franco, G. H. B. e C. Pareias, “Inflação, preços relativos e clientelas”. Revista de Economia Política 11(3), setembro, 1991; Amadeo, E. e Franco, G. H. B., “Inflação e preços relativos no Plano Collor: avaliação e perspectivas”. Revista Brasileira de Economia 45(2), junho, 1991; Cunha, L. R. A., “Congelamento e preços relativos: a experiência brasileira”. Departamento de Economia da PUC/RJ, Texto para Discussão n. 253. Existem dois problemas associados a essas mudanças de preços relativos: (i) a ocorrência de inflação residual, o que arrasta consigo um arrazoado de pleitos de recomposição de perdas que põe em perigo a estabilização; e (ii) o perigo de atraso cambial pois, com efeito, como no Brasil a influência da taxa de câmbio sobre os preços, ou o peso da âncora cambial, é muito menor que na Argentina, é fácil prever que a fixação do câmbio geraria em pouco tempo um atraso cambial muito mais sério que na Argentina9 9 Na verdade, o problema do atraso cambial em programas de dolarização enfrenta um problema adicional, qual seja, o da mudança nos termos do equilíbrio externo que ocorre quando se reduz a inflação. Com isso, muda o nível de taxa de câmbio real consistente com o equilíbrio externo. Para uma discussão desses problemas, bem como do modo como foram resolvidos em programas bem-sucedidos baseados em dolarização, v. Franco, Dolarização, op. cit. .

Diante desse problema, uma alternativa que se apresenta é a de que os preços não dolarizados sejam congelados e sujeitos a uma tablita, tal como se fez na Argentina para aluguéis e mensalidades escolares. É claro que, no caso brasileiro, a cobertura desse congelamento teria de ser bem mais ampla. Provavelmente não se faria um congelamento generalizado, para evitar as semelhanças com nossos outros choques e facilitar a vendagem do programa. Idealmente se faria uma prefixação, ou seja, um semicongelamento envolvendo mecanismos ativos de administração de preços e um enorme esforço de marketing para convencer os agentes de que se trata de um esquema negociado. Tarifas públicas seriam congeladas (ou prefixadas), aluguéis, mensalidades escolares e prestações seriam tablitados e congelados (ou prefixados) e os preços por atacado ficariam sujeitos a algum mecanismo de administração de preços do tipo câmara setorial com amparo da Lei 8178. Com isso, cerca de 35% do IPC ficaria livre de controles (preços determinados em mercados competitivos e serviços) e, talvez, com alguma ajuda da recessão, possamos nos livrar dos conhecidos e complexos problemas com inflação residual e defasagem cambial.

4. SISTEMAS BIMONETÁRIOS

Há grande má vontade, mesmo entre os economistas simpáticos à dolarização, com respeito ao congelamento e à prefixação. Segundo Lara Rezende, “O congelamento, por mais ideais que sejam as condições prévias, e por mais curta que seja a sua duração, provoca problemas de toda ordem. Seu efeito mais grave ... é ... a interrupção do funcionamento do sistema de preços [que] não é uma estrutura rígida, mas uma teia viva de comunicação de sinais. Uma permanente agitação, que transmite um número infinito e não formalizável de informações dispersas. Informações que permitem a descoberta de preferências e possibilidades desconhecidas, que conduzem a processo contínuo de infinitas tomadas de decisões num mundo de ignorância e desequilíbrio. Os custos de desorganização dessa teia viva de informações vão muito além dos efeitos visíveis do congelamento”.10 10 Lara Resende, A. “O processo hiperinflacionário e as reformas modernizadoras” em H. Jaguaribe, ed. Economia e política da crise brasileira: a perspectiva social-democrata. Rio de Janeiro: Rio Fundo, p. 89.

O problema, no entanto, é que mecanismo empregar para fazer a coordenação das expectativas, ou seja, o mecanismo para induzir a indexação pelo dólar em economias onde esta não avançou espontaneamente. Uma alternativa para isto seria a da implementação de um sistema bimonetário, onde uma nova moeda percebida como de boa qualidade se tornaria uma unidade de conta amplamente disseminada pela economia. Este é o espírito da proposta recente do currency board11 11 Lara Resende, A. (1992). “O conselho da moeda: um órgão emissor independente”. Revista de Economia Política 12 (4), outubro, 1992. , e também do Plano Real12 12 Lopes, F. O desafio da hiperinflação: em busca da moeda real, Rio de Janeiro: Campus. , para os quais o pressuposto básico é o de que, se os preços são estáveis com relação a uma determinada moeda forte, então que seja esta a moeda nacional. Se a economia já está dolarizada, no sentido de que todos os preços estão indexados ao dólar, trata-se de estabelecer alguma forma de padrão-ouro ou seja, de fixar um vínculo (conversibilidade) entre a moeda nacional e o dólar. A ideia é que é possível introduzir gradualmente uma nova moeda, possivelmente conversível, e a inflação em termos dessa moeda se tornaria nula por construção. É claro que não há nada de simples no mecanismo, e construir artificialmente as condições que ensejaram experiências desse tipo em outros países pode ter consequências desastrosas. O grande problema envolvido é a possibilidade de explosão hiperinflacionária na moeda velha, uma possibilidade ilustrada na Tabela 2 a seguir.

Tabela 2
Hiperinflações em sistemas bimonetários (taxas de inflação mensais)

A Tabela 2 exibe as consequências da introdução de moedas indexadas, ou de um novo meio de pagamento, em meio a inflações altas. O argumento pode se resumir da seguinte maneira: sob inflação alta, a demanda por meios de pagamento foi reduzida a um mínimo altamente inelástico, de modo que se for introduzida uma quantidade adicional, deverá haver uma inflação corretiva para reduzir o valor real da oferta existente ao tamanho da demanda. Se a quantidade adicional é de um meio de pagamento melhor (por ser indexado ou conversível) toda a inflação ocorrerá na moeda pior, daí ocorrendo o fenômeno do mico preto. A moeda velha é expelida, isto é, todos querem passá-la adiante, tal como previsto pela lei de Gresham, e sua velocidade de circulação tende ao infinito, ou seja, os preços em moeda velha também tendem ao infinito. No caso brasileiro, suponhamos que a demanda por MI seja de, digamos, 9 bilhões de dólares. Se emitimos 3 bilhões de uma moeda conversível, os 9 bilhões de moeda velha terão de tornar-se 6 bilhões para caber dentro da demanda por MI que é igual a 9 bilhões. Para isso os preços em moeda velha terão de aumentar 50%. Se uma segunda emissão de moeda conversível for feita, também de 3 bilhões, os 6 bilhões de moeda velha em circulação terão de reduzir-se à metade, ou seja, haverá uma inflação de 100% nos preços em moeda velha. E assim sucessivamente.

Para evitar esse problema, seria necessário substituir o meio de pagamento velho pelo novo, de modo a não haver excesso de meio de pagamento e de modo a não haver risco de alguém não conseguir se livrar da moeda velha em condições desfavoráveis. É certamente possível conceber um mecanismo desse tipo, tal como, por exemplo, na Hungria de 1946, durante certo tempo, e também na União Soviética em 1922. O passo mais importante, todavia, é o que transforma uma engenharia financeira esperta (a de concepção da nova moeda, ou título, que tenha valor estável em dólar) numa reforma monetária: fazer a conexão da moeda nova com o orçamento público. Na verdade, não é difícil inventar um título ou moeda indexada que seja confiável e que tenha valor estável com relação ao dólar, no gênero rentenmark13 13 A experiência alemã com moedas privadas do tipo wertbestandiges, ou de valor estável, bem como o mecanismo que explica o chamado milagre do rentenmark são estudados em detalhe em Franco, G. H. B. 1989. “O milagre do rentenmark: uma experiência bem-sucedida com moeda indexada”. Revista Brasileira de Economia 43(3), setembro, 1989. , ou como moeda emitida por um currency board, ou um mecanismo do tipo Caixa de Estabilização (ou de Amortização) como tivemos quando o Brasil esteve sob o padrão-ouro em 1906-14 e 1926-29. O passo realmente decisivo para a estabilização é o de transformar a moeda nova na moeda nacional, ou seja, quando a conexão é estabelecida entre a nova moeda e as finanças públicas. Nesse momento, a moeda velha deixa de existir e a qualidade da nova moeda passa a depender da qualidade da gestão das contas públicas. Se não houver uma modificação qualitativa nesse terreno, isto é, se não houver uma mudança de regime, a moeda nova em nada será diferente da velha, e o esforço terá sido em vão.

Há grande hesitação entre os partidários de sistemas bimonetários em estabelecer prontamente o vínculo entre a nova moeda e a execução orçamentária, pois não seria possível estabelecer limites rígidos e confiáveis a sua emissão. Mas se o vínculo não é feito no momento da introdução da nova moeda, e a situação fiscal segue desequilibrada, corre-se o sério risco de uma catástrofe monetária como as da Tabela 2, não tanto pelo fenômeno do mico-preto acima descrito, mas pelo fato de que existe um déficit a financiar e a base de coleta do imposto inflacionário foi reduzida, de modo que se torna necessária uma inflação cada vez maior para produzir o imposto inflacionário necessário para financiar o déficit14 14 Na verdade, a explicação mais aceita para a explosão hiperinflacionária na Hungria em 1946 é justamente esta. V. Bomberg, W. e Makinen G. Journal of Political Economy. Publicado em português in: Rego, ed. Inflação inercial, op. cit.

Tais riscos tendem a reduzir a atratividade da introdução de uma nova moeda conversível e, em consequência, elevam o interesse pela discussão de uma possível reprodução do plano de conversibilidade argentino: a dolarização.

5. ABRASILEIRANDO O PLANO CAVALLO

A transposição do plano de conversibilidade argentino para o Brasil levanta vários problemas. O primeiro é o do poder da âncora cambial, discutido na seção 3, e que pode ser resolvido, afora o recurso às duas moedas, com algum mecanismo de controle de preço. Todavia, os problemas com a dolarização estão longe de se esgotar aí. Um outro, muito popular, é relativo ao volume de reservas internacionais necessário para manter fixa a taxa de câmbio. É preciso ter claro que não se fixa a taxa de câmbio por decreto: é preciso que o Banco Central tenha dólares nas quantidades demandadas pelos interessados à taxa em vigor. Do contrário, a desvalorização é inevitável. Há três temas envolvidos: (i) se a conversibilidade seria da base monetária, como na Argentina, ou dos meios de pagamento (MI); (ii) qual seria a taxa de cobertura; (iii) como prevenir que os ativos financeiros (CDBs, cadernetas etc.) se convertam em dinheiro para, em seguida, acorrer aos guichês do Banco Central para se converter dólar.

No tocante a (i), note-se, com o auxílio da Tabela 3, em primeiro lugar, que na Argentina faz pouca diferença tornar conversível a base ou M1, basicamente porque o chamado multiplicador monetário é mais ou menos unitário, de modo que a base monetária é mais ou menos igual a M1. Observe-se que, também em contraste com o Brasil, a distância entre o agregado financeiro mais amplo, o M3, e Ml é, na Argentina, muito menor que no Brasil.

Tabela 3
Agregados monetários, Brasil e Argentina (milhões de dólares)

Assim sendo, do ponto de vista das reservas necessárias para garantir a conversibilidade, faz muita diferença a escolha do agregado monetário. Todavia, o maior problema reside em que os valores em dólares dos agregados menos amplos estão muito reduzidos em função da própria inflação. Com o fenômeno, já bastante conhecido, da remonetização, esses agregados crescem substancialmente, uma vez que a inflação atinge níveis baixos. Estimar os valores prováveis desses agregados para níveis baixos de inflação é uma tarefa muito complexa, que a Tabela 4 abaixo não chega a efetuar por inteiro. Os valores utilizados para os cálculos ali indicados são educated guesses baseados na experiência de remonetização observada em choques anteriores.15 15 As estimativas são informadas pelas taxas de crescimento real dos diversos agregados monetários, observadas nos diversos choques anteriores, tal como disposto em Franco, High and hyperinflation, op. cit. A margem de erro é evidentemente muito grande, mas o exercício procura apenas atingir uma ordem de grandeza. Deve-se observar também que, para o cálculo das reservas necessárias, foram usadas diferentes taxas de cobertura. Na própria Argentina, a conversibilidade não é de 100%, pois 15% do lastro pode ser constituído em Bonex, ou seja, um título indexado ao dólar e que paga juros em dólares. Além disso, cerca de 10% a 15% das reservas que compõem o lastro são de ativos ilíquidos, ou seja, autênticas polonetas. É claro que poderíamos perfeitamente aplicar truques semelhantes, introduzindo um título do mesmo gênero, e elevando de 15% para 30% o percentual do lastro a ser coberto pelo Bonex brasileiro.

Tabela 4
Reservas necessárias para dolarizar a economia (ordens de grandeza, em bilhões de dólares)

Escolher entre os agregados é importante, mas não se trata meramente de escolher o que exige menos comprometimento de reservas, pois as alternativas que envolvem restrições à conversibilidade resultam em menor credibilidade. De um modo ou de outro, é bastante claro que os valores envolvidos não estão fora de nosso alcance.

O problema (iii), ou seja, ode prevenir que M5 se transforme em Ml, é mais sério, principalmente se a conversibilidade se estabelecer para MI. Em tese, não há como prevenir que a riqueza hoje alocada em ativos financeiros - FAFs, CDBs, cadernetas etc. - migre para os ativos monetários, ou seja, seja realizada em seu vencimento, transformando-se em depósitos à vista. Não se trata de ativos longos, ou reais, dos quais alguém somente pode se livrar se outra pessoa os comprar. Assim, um aumento na preferência pela liquidez não reduz o estoque desses ativos em circulação, apenas seu preço se reduz. Ativos curtos, pelo contrário, extinguem-se rapidamente (alguns, como se sabe, são rolados diariamente), e com isso poderia haver uma migração de ativos financeiros para depósitos à vista cujas dimensões é difícil prever. Assim sendo, a cobertura cambial necessária para garantir a conversibilidade teria de se elevar a um valor muito maior, ou seja, não mais aos valores da Tabela 4, mas para algo que poderia atingir, digamos, 84 bilhões de dólares correspondentes ao estoque de ativos financeiros em circulação16 16 Deve-se notar, além disso, que, como percentagem do PIB, esse valor de M5 não chega a 18%, já tendo chegado a 41% em 1988, e observando uma média histórica de 30%. . Tudo dependeria, é claro, da disposição do poupador brasileiro de possuir dólares em vez de CDBs, DERs etc. Historicamente a dolarização da riqueza no Brasil é muito pequena comparada à de outros países latino-americanos, conforme se pode verificar na Tabela 5. A fuga para os ativos no exterior, ou para moedas estrangeiras, é um corolário de processos de desintermediação e repressão financeira. A tabela ilustra a dimensão que isso pode assumir em três países latino-americanos além do Brasil, onde o fenômeno é muito menos grave. A tabela traz valores como proporção do PIB para a riqueza alocada em ativos financeiros domésticos, inclusive moeda, e a que está imobilizada em dólares, que se assume igual ao volume acumulado de fugas de capital que se estima tenham ocorrido nesses países, e também em ativos domésticos indexados ou conversíveis em dólar. A dolarização da riqueza não é um processo que ocorre da noite para o dia, e no Brasil a situação, nesse aspecto, ainda não é comparativamente alarmante, ainda que a tendência nesse sentido seja inequívoca.

Tabela 5
Composição da riqueza (como proporção do PIB)

Diante desses problemas, três medidas, ou uma combinação delas, têm sido aventadas para prevenir o colapso da conversibilidade. A primeira é simples: colocar os juros reais na lua para as aplicações não dolarizadas, o que certamente é eficaz, mas dentro de certos limites. A segunda é uma mega desvalorização cambial (a solução Hiroshima) que transforme 84 bilhões de dólares em 22, ou seja, trata-se de encolher o valor em dólares de M5 a um valor consistente com as reservas existentes. Uma desvalorização dessa magnitude, digamos 200%, pertence certamente ao reino da fantasia. Uma de uns 30%, a máxi preventiva para evitar atraso cambial no começo do programa, ajudaria nesse terreno, mas não o suficiente.

A terceira possibilidade é uma conversão compulsória dos ativos financeiros em um título dolarizado mais longo, provavelmente o nosso clone do Bonex argentino, para o qual o governo em hipótese alguma daria liquidez. Ou seja, trata-se de um novo sequestro de ativos. Poderia haver um mercado secundário para esses títulos, no qual os agentes poderiam vender a outros, e idealmente haveria um enorme IOF para penalizar a saída desses títulos para ativos monetários. Idealmente, também essa conversão compulsória atingiria apenas as grandes aplicações dentro do M5, deixando de fora as pequenas contas de poupança e talvez algumas outras janelinhas, de modo a evitar alguns dos casos mais complicados observados durante os primeiros meses do Plano Collor 1. Outra possível inovação, vis-à-vis o Plano Collor 1, seria tornar a conversão voluntária, mediante alternativas oferecidas ao mercado17 17 Destaque-se nessa linha a ousada proposta de “renegociação” da dívida interna sugerida por F. Giambiagi e A. Zini Jr., neste número da Revista de Economia Política. , mas, em tese, se o problema se torna o de perguntar aos detentores de riqueza sobre o preço que aceitariam para renunciar à liquidez (comprando um novo papel mais longo), então voltamos à primeira solução, ou seja, evitar a monetização em excesso usando a taxa de juros.

Os partidários da dolarização não acreditam que uma nova modalidade de sequestro de ativos seja necessária e que a política de juros seria suficiente. Uma evidência nesse sentido é a experiência recente de entradas de capitais estrangeiros atraídos pelas taxas de juros elevadas praticadas no Brasil. Todavia, é difícil avaliar a priori. Os riscos envolvidos são grandes e a comoção resultante de qualquer intervenção em mecanismos financeiros seria tão grande que a melhor alternativa parece se situar na tentativa de outros caminhos.

6. PREFIXAÇÃO NEGOCIADA: NOVA VESTIMENTA PARA UM VELHO PRODUTO

O nacional-populismo adota uma atitude crítica para com o uso da âncora cambial, em vista da reduzida dolarização dos preços domésticos, mas não é especialmente crítico a congelamentos e prefixações. Na verdade, tornou-se típica do nacional-populismo dos anos 90 a ideia de que é necessário o controle e a administração de preços como mecanismo de coordenação de expectativas e de que tais mecanismos devem ser acionados de forma negociada. A equipe econômica do presidente Itamar já mencionou que a prefixação poderá resultar da negociação entre governo, empresários e trabalhadores.

O que torna hoje a prefixação mais atraente é a desmoralização do congelamento e a suposição de que a existência de mecanismos eficazes de administração de preços permitiria uma flexibilidade no trato das expectativas que o congelamento estrito não tem. É preciso, todavia, não perder de vista o que está em jogo na discussão. Por trás de ideias sobre coordenação de expectativas estão pontos de vista muito definidos sobre a natureza da intervenção do Estado na economia. Na verdade, no domínio da administração de preços e da política de competição, nossa tradição, bem expressa pelas práticas do antigo CIP, é de corporativismo e relações incestuosas entre o público e o privado. Hoje o debate nesse tema se trava, grosso modo, entre neoliberais e populistas, os primeiros favorecendo a reconstrução de relações de mercado e os outros procurando institucionalizar e estender a teia de relações corporativas entre Estado e setor privado.

O debate envolve muitos outros temas associados à política industrial, que não cabem no escopo deste ensaio, mas no domínio do controle de preços o grande tema é o da conveniência da administração de preços e, em particular, da existência das chamadas câmaras setoriais. Criadas pela Lei 8178 da 1/3/91 (Plano Collor 2), as câmaras eram uma extensão da experiência dos GEPS (Grupos Executivos de Política Setorial), criados pela ministra Zélia, e tinham origem mais remota nos decretos 2433-35 de 1988 (a Nova Política Industrial do presidente Sarney) e nos grupos setoriais do CDI e do CIP. Trata-se da adoção de um “enfoque de complexo” e que privilegia “o crescimento integrado e balanceado de todos os setores componentes das cadeias produtivas”.18 18 V. MEFP/SNE- Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. “As câmaras setoriais no contexto da política industrial e de comércio exterior - relatório da situação”. Brasília, s/d, p. 3.

A proposta absorvida na Lei 8178 veio do PT e continha diversos elementos não incorporados na lei. As questões em discussão envolviam: (i) se haveria controle formal de preços, persuasão, ou só conversa; (ii) se o mecanismo seria temporário, apenas para administrar o descongelamento, ou permanente; (iii) se as câmaras seriam deliberativas ou meramente consultivas; e (iv) se tratariam apenas de preços ou de outros temas de política industrial.

Embora representassem de forma evidente o que havia de mais lamentável na política industrial anterior em matéria de corporativismo, supressão da competição (no “âmbito dos complexos”) e privatização de funções regulatórias, surpreendentemente, a equipe do ministro Marcílio adotou e estendeu as câmaras para muito além do descongelamento e do controle de preços. Graças à atuação da secretária Dorothea Werneck, existem, nos dias de hoje, mais de cinquenta dessas câmaras19 19 Na verdade, a única câmara setorial que avançou significativamente no sentido de influenciar as políticas do governo foi a do setor automobilístico. Quase todas as outras se limitaram a reuniões preliminares sem consequências práticas. . Essencialmente, trata-se de um mecanismo de substituição de relações de mercado por negociações no âmbito de uma economia organizada de forma corporativista através de sindicatos e entidades patronais20 20 V. “Inflação, câmaras setoriais e o caminho”. Folha de S.Paulo, 30/3/1992; e Singcr, Paul (1991) “Câmaras setoriais - pouco demais, tarde demais”, Folha de S.Paulo, 24/4/91. . Uma vez que, necessariamente, cada grupo de pressão defende, nesses espaços, os seus próprios interesses, as câmaras terminam sendo um veículo para a criação de privilégios particulares cujos ônus podem ser repassados para os que estão fora do arranjo, categorias por natureza desorganizadas: consumidores e contribuintes21 21 V. Franco, Gustavo H. B. (1992). “Câmaras setoriais, mercados e negociações”, Folha de S.Paulo, 3/6/1992. .

De um modo ou de outro, as câmaras tornaram-se um instrumento através do qual o controle de preços, bem como outras formas supostamente moribundas de intervenção estatal na economia, foi reabilitado e certamente seriam as estrelas de um novo experimento de estabilização envolvendo prefixação e negociação. O figurino dos acordos setoriais, na linha do exemplo recente do acordo com a indústria automobilística, se aplicaria a outros setores, permanecendo a impressão de que se trata de exercício democrático de negociação para o bem comum, uma espécie de pacto social construído setorialmente. Nada mais ilusório e demagógico, como se verá a seguir.

7. O PACTO SOCIAL: UMA VELHA PANACÉIA

Nos últimos anos estabeleceu-se um consenso sobre a necessidade de mecanismos de coordenação de expectativas ou políticas de rendas como um complemento indispensável ou uma condição necessária, mas não suficiente para o sucesso de programas de estabilização22 22 Dornbusch, R. e M. H. Simonsen (1985). “lnflation and stabilization with income policy support: a review of the experience of Argentina, Brazil and Israel”, Nova York: Group of Thirty, mimeo. . A eficácia desses mecanismos de coordenação, todavia, é um problema muito delicado. Quando a economia é dolarizada, e todas as decisões de preços e salários seguem o dólar, o problema não existe e a coordenação decisória se faz através da fixação da taxa de câmbio. Em outras circunstâncias, principalmente quando a inflação é grandemente explicada por seu próprio passado, é preciso fazer algum esquema do tipo pacto social, congelamento ou prefixação, e a eficácia desse tipo de mecanismo depende fundamentalmente do grau de adesão. Em termos da equação de preços da seção (1), trata-se de situações em que o parâmetro a é grande, de modo que o mecanismo de coordenação que elimine a memória inflacionária tem efeito decisivo sobre a inflação.

No fundo, trata-se de um problema de decisão coletiva para a provisão de um bem público, um problema extensamente estudado no domínio das finanças públicas. Sabe-se que há uma tendência crônica de sub-provisão de bens públicos porque há um incentivo evidente à não adesão: quem não quer a ponte, o parque, ou qualquer outro bem público não paga por ele. Mas como ninguém pode ser excluído do consumo do bem público, então não vale a pena aderir ao esforço coletivo de provisão, mesmo que se queira o bem público. Este é o fenômeno do free-rider, o carona, ou franco-atirador.

O problema é exatamente o mesmo quando se trata de adesão a um esforço de estabilização. Há incentivo para não aderir (não se sujeitar a um congelamento, por exemplo) principalmente quando muitos aderem, e portanto, algum consumo do bem público se torna possível (a inflação cai), o indivíduo que não aderiu não pode ser excluído do consumo do bem público e o efeito da não adesão não é importante para o resultado do esforço coletivo (pelo menos quando visto do ponto de vista do indivíduo)23 23 O fenômeno, entendido em seus contornos mais gerais, foi extensamente estudado pelo livro clássico de Olson, Mancur, (1965). The logic of collective action. Cambridge: Harvard University Press. Para uma discussão técnica do assunto quando referente ao problema da estabilização, ver Franco, G. H. B. (1989). “Pactos, congelamentos e seus problemas”, Pesquisa e Planejamento Econômico 19 (1), abril, 1989. . Na verdade, mostra-se que esse incentivo à não-cooperação é tanto maior quanto o tamanho da comunidade envolvida24 24 O assunto é desenvolvido em Franco, Pactos, op. cit. e não, como afirma M. H. Simonsen (em “Macroeconomia e teoria dos jogos” Revista Brasileira de Economia 43(3) setembro, 1989) in A. Fraga, A e S. Werlang (1983). “Uma visão da inflação como conflito distributivo”, Revista Brasileira de Economia 37(3), setembro, 1983. , um problema especialmente sério em se tratando especificamente do combate à inflação.

A literatura acadêmica relativa ao assunto explorou bastante a associação entre o grau de organização de urna determinada comunidade e o grau de adesão a um esforço de estabilização25 25 A noção de grau de organização, ou do conjunto de atributos que compõe a capacidade de responder positivamente a iniciativas de coordenação, difere de autor para autor. Mais comum é a noção de grau de centralização nas negociações salariais. V. Calfords, L. e E. Driffil. “Centralization of wage bargaining” Economic Policy, abril, 1988. . Baseando-se na ideia de que, quanto mais organizada uma sociedade é, menor seria o número de agentes a negociar a provisão do bem público e, portanto, menor o espaço para free-riders e melhores as chances do programa de estabilização funcionar. O grau de organização seria determinado por atributos como extensão da sindicalização, federalização sindical e uma extensa gama de características institucionais de diferentes sociedades. Grosso modo, o resultado das investigações empíricas sobre sucesso de programas de estabilização e grau de organização26 26 A literatura nesse assunto é muito extensa. Um trabalho recente trazendo um sumário de outros nessa área é o de Soskice, D. “Wage determination: the changing role of institutions in advanced countries”, Oxford Rcview of Economic Policy 6(4), inverno, 1990. confirma a existência da curva exibida no Gráfico 1.

GRÁFICO 1

A curva é geralmente utilizada para descrever a experiência macroeconômica de diferentes países em resposta a choques externos dos anos 70. A explicação para a curva é a de que as sociedades muito desorganizadas não enfrentam muitas dificuldades em programas de estabilização de caráter mais ortodoxo, porque são sistemas sociais onde a disciplina dos mercados é dominante (EUA). No outro extremo, sociedades muito organizadas (países escandinavos) têm sucesso com esquemas do tipo pacto social. O pior dos mundos se observa nas sociedades intermediárias, nas quais o grau de organização não é suficientemente alto para garantir adesão e nem suficientemente baixo para deixar operar a disciplina dos mercados. Este é exatamente o caso brasileiro. Nossos pactos sociais não funcionam em função do baixo nível de adesão. Como a maior parte da economia, tanto do lado empresarial quanto do lado trabalhista, não pode ser apropriadamente representada na mesa de negociação, a tendência dos interlocutores, que necessariamente representam minorias, é adotar posturas irresponsáveis, cujo ônus conseguirão sempre jogar sobre os ombros dos grupos ausentes27 27 Observe que não se trata de irresponsabilidade strictu senso da parte de líderes sindicais e patronais, mas. da postura mais racional em função de seus interesses, dado que existe incerteza sobre como a grande massa de consumidores, contribuintes e trabalhadores fora do acordo vai reagir ao que for decidido, principalmente se o acordo for altruísta. . Este é o pacto inflacionário: o melhor acordo é aquele em que todos ganham, e para que isso seja possível, é necessário que haja uma massa desorganizada fora do acordo, para os quais os custos sejam remetidos. As entidades organizadas recompõem supostas perdas que todos repassam adiante para os de fora, e ao governo resta a única coisa que torna consistentes os pleitos: a inflação, ou seja, a tributação muda de uma categoria incapaz de mobilização, os detentores de moeda.

Na formulação mais genérica do problema da provisão do bem público, Mancur Olson argumenta que somente a coerção pode suplantar os incentivos perversos que existem para a provisão do bem público; e coerção, quando se trata de programas de estabilização, significa congelamento ou prefixação, ou seja, algum esquema de adesão compulsória e que envolve penalidades para free-riders. No Brasil, esquemas coercitivos no sentido de Olson foram implementados em todos os nossos choques e é lícito dizer que sempre funcionaram de forma razoável no primeiro momento. Tal eficácia foi diminuindo, todavia, e hoje prevalece a sensação de que os esquemas coercitivos atingem um universo muito restrito de preços. A desmoralização do instrumento se deve em primeira instância a seu mau uso, mas também à transição operada nos mecanismos de fixação de preços na economia brasileira nos últimos anos. Quando regras de fixação de preço backward looking e regidas pelo sistema oficial de indexação eram extensamente adotadas (era grande o parâmetro a), o poder coordenador de instrumentos coercitivos no sentido de Olson era muito grande. Quando as regras de preço se tornam quase que universalmente forward looking, a economia se tornou de facto desindexada, e por conta disso o poder coordenador de instrumentos como o congelamento e a prefixação se tornou consideravelmente menor. Isso significa, em termos da equação de preços da seção 2, que mecanismos de coordenação são mais eficientes quanto maior o parâmetro a e que, embora este possa ter sido o caso no passado não muito remoto, a experiência de cinco choques e da hiperinflação mudou a dinâmica de determinação de preços na economia brasileira talvez de forma irreversível. Com isso, a impressão que se tem é de que o Brasil se tornou uma economia mais desorganizada (no sentido da curva acima), e por isso mesmo mais imune a mecanismos de coordenação decisória e talvez mais sensível a políticas ortodoxas de estabilização.

8. ACORDOS SETORIAIS: UMA NOVA PANACÉIA

Se em nível macroeconômico o pacto social é inviável no Brasil, por conta da dimensão do fenômeno do free-rider, o mesmo vale para o terreno microeconômico, onde o incentivo à irresponsabilidade em causa própria por conta da propriedade de não-exclusão é ainda maior. Como se trata, via de regra, de um setor da economia, temos certamente um grupo cujo comportamento isolado não tem efeito sobre a inflação, de modo que o resultado de sua irresponsabilidade não o atinge, e a propriedade da não-exclusão, em se tratando da taxa de inflação relevante para o setor, também se aplica.

Um exemplo admirável nessa linha é o do acordo tripartite recentemente concluído para a indústria automobilística, segundo o qual os “sacrifícios” de seus signatários - sob forma de redução de margens de lucros e redução de impostos principalmente - gerariam benefícios para si e para o país. Em primeiro lugar, os fatos: (i) é duvidoso que tenha havido redução real nos preços dos automóveis, tendo em vista os aumentos prévios28 28 Segundo fica claro através do próprio documento do MEFP-SNE, As câmaras setoriais, op. cit., quadro II. ; (ii) é duvidoso que tenha havido mais que um aumento estatístico nas vendas, tendo em vista o represamento anterior; e (iii) se houve, é duvidoso que tenha sido causado por uma redução de preços provavelmente de natureza fictícia. Foi alegado pelos representantes da indústria, não obstante, que uma redução de 22% no preço dos automóveis produziu um aumento de 130% nas vendas29 29 Jorge, Miguel, Quem ganha com o acordo das montadoras”, Folha de S.Paulo, 6/7/1992. , o que significaria uma elasticidade preço de 6, tão plausível quanto a captura de um celacanto na ilha de São Sebastião30 30 V. Franco, G. H. B. (1992). “Maravilhas do acordo automobilístico”, Folha de S. Paulo, 14/7/1992. . Considerando que, muito provavelmente, a elasticidade preço é menor que um e que a redução de imposto foi muito maior que a redução de margens de lucro (a primeira da ordem de 30%, a segunda da ordem de 20% ), uma pequena reação nas vendas pode manter constante a massa de lucros, mas ao preço de uma renúncia fiscal considerável. Seria necessário que a elasticidade preço fosse superior a 2.0 para que o aumento de vendas correspondente a uma redução de preços de 22% mantivesse a receita fiscal inalterada31 31 Esta análise é de Pinho, Marcelo, “Limites dos acordos setoriais no combate à inflação”, Boletim de Conjuntura CECON Unicamp IV(4), agosto, 1992. .

Em resumo, o acordo nada mais foi que uma operação para reduzir a carga tributária que incide sobre automóveis, um velho pleito dessa indústria. Tudo o mais parece puro teatro. Em tese, uma redução de impostos indiretos tem efeito expansionista no setor beneficiado, ainda que muito pequeno: é percentualmente da mesma ordem da redução no preço (e, no caso em pauta, é duvidoso que tenha havido tal coisa) e once and for all. Cabe observar, todavia, que reduzir a carga tributária para automóveis tem pelo menos quatro consequências desagradáveis: (i) subsidiar (relativamente) uma mercadoria de luxo; (ii) defender os lucros de um grupo de poderosas multinacionais; (iii) elevar o déficit público num país assolado por uma crise fiscal; e (iv) defender os empregos dos maiores e mais poderosos sindicatos do país às custas dos empregos que se perdem pelos cortes de gasto público, ou aumentos de impostos necessários para financiar a renúncia fiscal gerada pelo acordo.

Os efeitos desse “acordo” em termos de concentração de renda são bastante evidentes, de modo que parece muito difícil tomar a experiência como bem-sucedida e, mais importante, é difícil ver como possa se generalizar. Note-se que reduzir significativamente a carga tributária de muitos outros setores terá, sem dúvida, um efeito expansionista muito forte à custa de uma notável deterioração no quadro fiscal e inflacionário.

Não obstante essa trágica experiência, a implementação de outros acordos setoriais como “uma alternativa real à política recessiva de estabilização” tem sido abertamente propugnada por economistas do PT32 32 Por exemplo, Singer, Paul, “Quem ganhou e quem perdeu com o acordo automobilístico”, Folha de S. Paulo. O argumento é o de que elasticidades maiores que um estão presentes em todos os setores da economia de modo que haveria espaço para reduções de preço e, em consequência, elevação mais que proporcional de vendas. É claro que o pressuposto é falso, e mesmo se não fosse, é difícil argumentar que as empresas já não teriam aproveitado as oportunidades que existem em seus mercados, ou que fixaram seus preços erradamente, acima dos níveis que lhes maximizariam os lucros. A razão para essas alegações é o que menos importa diante da conclusão óbvia: os acordos setoriais, a julgar pelo exemplo automobilístico, e à luz dos argumentos de seus defensores do PT e da assessoria de imprensa das montadoras, é um expediente que beneficia seus signatários e socializa os custos do benefício através de uma renúncia fiscal.

9. POLÍTICA FISCAL E MONETÁRIA: OS LIMITES DO POSSÍVEL

A natureza de nossa crise fiscal leva a que as políticas monetária e fiscal tenham características muito singulares. Grosso modo, o setor público opera com um orçamento autorizativo, ou seja, apenas autoriza o Executivo a gastar, mas não o obriga33 33 Juridicamente, todavia, não é inteiramente líquido que uma rubrica no orçamento não seja necessariamente um direito adquirido. . Talvez por conta disso, ao longo dos anos, os níveis de despesa autorizada tenham crescido desmesuradamente e atingido, nos dias de hoje, níveis absolutamente irreais, uma distorção que se deve exclusivamente à natureza do processo orçamentário. É muito provável que o principal elemento da nossa crise fiscal seja justamente o ataque fisiológico ao orçamento público, uma vez que caíram em desuso algumas velhas falácias como a do caráter financeiro do déficit público, bem como a da influência dominante do custo fiscal da dívida externa34 34 V. Giambiagi, V. F. e J. C. G. Soares, (1992). “Consumo do governo. juros externos e inflação reprimida: o problema da dívida externa revisitado”. Revista de Economia Política 12(3), setembro, 1992; e Carneiro, D. D. e R. Werneck. “Public savings and private investment: requirements for growth ressumption in the Brazilian econorny”, Departamento de Economia da PUC/RJ, Texto para Discussão n. 283; e Franco, G. H. 8. (1991). “Estado e economia ao fim dos anos 80: problemas fiscais e regulatórios”, Nova Economia n. 2. .

A administração da política fiscal nessas condições, ou seja, na presença de um orçamento irresponsável, ainda que apenas autorizativo, ensejou o desenvolvimento da prática do contingenciamento, ou seja, o racionamento da despesa pública em níveis condizentes com a arrecadação, aí incluindo o imposto inflacionário e a colocação de títulos35 35 Note-se que esse padrão subdesenvolvido de administração das finanças públicas resulta do vácuo normativo que existe na matéria. Os capítulos da Constituição que regulam temas como orçamento, dívida pública e sistema financeiro até hoje não foram regulamentados. . Pode-se supor que aproximadamente 1/4 do total da despesa orçada simplesmente não é realizada por conta de contingenciamento. Para esse racionamento existem diversos critérios de precedência, baseados principalmente nas penalidades jurídicas pelo não-cumprimento do que dispõe o orçamento. Salários, por exemplo, não podem deixar de ser pagos, ainda que o Executivo possa criar enormes perdas, que em algum ponto no futuro terão de ser repostas. O mesmo vale para despesas, por exemplo, de conservação de infraestrutura: o adiamento funciona como um empréstimo, que deverá ser saldado no futuro. Tecnicamente, esses expedientes são chamados de repressão fiscal36 36 V. Tanzi, Vito, (1991). “Fiscal policy and economic restructuring in Latin America: a discussion of some basic issues”, mimeo, 1991. ; e se observam em muitos outros países, em particular na Argentina.

As distorções geradas por esse processo são imensas, proeminente entre as quais a proliferação da corrupção. Cabe verificar que, como em qualquer sistema de racionamento, desenvolve-se um mercado negro onde a corretagem de verbas orçamentárias permite enorme espaço para a corrupção. Estimativas alarmantes dos valores envolvidos foram feitas37 37 Franco, G. H. B., (1992). “Contingenciamento, corrupção e reforma fiscal” Folha de S.Paulo, 9/8/1992. , e o assunto mereceu grande atenção no relatório final da CPI do senhor Paulo César Farias, no capítulo X, “Dos fatores que possibilitam ‘esquemas’ do tipo PC”.

Apesar de todas as ruminações contra a ortodoxia na administração monetária e fiscal, é muito difícil perceber como seria a alternativa não ortodoxa à administração das políticas monetária e fiscal em condições de crise fiscal. Embora seja caracteristicamente populista a noção de que o problema fiscal pode ser empurrado com a barriga, a nossa crise fiscal se tornou de tal modo contundente que mesmo os apóstolos mais empedernidos do nacional-populismo se converteram, ainda que com evidente má vontade, ao catecismo do ajuste fiscal. Este não é um fenômeno brasileiro, como demonstram as políticas de populistas indisputados, como Carlos Menem na Argentina e Andrés Peres na Venezuela. Diante disso, a impressão que se tem é de que, afora o recurso à irresponsabilidade, a alternativa nacional-populista à ortodoxia fiscal e monetária é basicamente um tigre de papel.

Uma das maiores dificuldades operacionais para uma reorganização das finanças públicas de modo a tornar possível um programa de estabilização de verdade é a insistência em apresentar o problema como se fora um de reforma “tributária”, ou seja, um problema no lado da receita. É claro que há muito o que fazer no tocante a melhorar nosso sistema tributário, mas o problema é certamente mais amplo. Como o déficit é financiado através do chamado “imposto inflacionário”, a solução seria simplesmente substituí-lo por impostos comuns. Todavia, a carga tributária parece ser um dado cultural, sujeito a um impressionante grau de inércia. É um número que muda muito lentamente ao longo do tempo, pois expressa o conceito que os agentes econômicos têm do que é “justo” pagar como imposto. É sempre muito difícil mudar, e isso vale para qualquer país. No nosso, em especial, a iniciativa de tentar cobrar mais impostos, quando o lado da despesa está profundamente corroído pelo desperdício e pela fisiologia, simplesmente não decola. Se é generalizada a percepção de que as aspirações expressas no orçamento são determinadas por uma máquina viciada e irresponsável e governada pela fisiologia mais torpe, certamente a má vontade para pagar impostos será grande. E quando a sonegação começa a adquirir ares de “resistência cívica”, alguma coisa de muito errada está acontecendo, e certamente a solução não se situa na elevação da carga tributária.

Uma maneira de pensar nosso desequilíbrio fiscal consiste em que ele exprime um descompasso entre aspirações sociais expressas no orçamento (ou em compromisso de despesa) e disposição da sociedade para incorrer nos sacrifícios para financiar tais aspirações. O déficit resulta de um sistema político que multiplicou “conquistas” e “direitos adquiridos” (todos eles traduzindo aspirações legítimas) sem se preocupar com o financiamento.

Havendo “aspirações” em excesso, o primeiro passo deveria ser enumerá-las, priorizá-las e, em seguida, reduzi-las a um montante economicamente viável. Na verdade, esta deveria ser a função do orçamento público, mas como não foi ainda regulamentado o artigo da Constituição que trata do assunto (tal como os que tratam de dívida pública e do sistema financeiro), o processo orçamentário é regido por um conjunto de leis velhas, inadaptadas aos imperativos macroeconômicos do Brasil dos anos 90 e impermeável aos avanços registrados na contabilidade pública nesses anos todos. Destaque-se nessa linha, especialmente, a dificuldade de tornar o orçamento imune à inflação bem como a de alocar corretamente as contas “abaixo da linha”, como, por exemplo, as “receitas” do Banco Central. Seria extraordinariamente interessante começar a discussão de nosso ajuste fiscal definindo um processo orçamentário transparente e eficiente, no âmbito do qual se definisse com total precisão quanto se gasta, em que se gasta, com que dinheiro e, mais importante, o verdadeiro tamanho do desequilíbrio. Falta-nos definir, portanto, essa importante arena de negociação política, dentro da qual haja uma competição sadia entre prioridades e limitada pelo imperativo da estabilidade de preços, como em qualquer país sério.

  • 1
    A terminologia se deve a Thomas Sargent. V. “Os finais de quatro hiperinflações”. In: J. M. Rego, ed. Inflação inercial: teorias sobre o Plano Cruzado. São Paulo: Nobel.
  • 2
    V., por exemplo, Roberto Frenkel (1989) “EI regímen de alta inflación y la hiperinflación en Argentina”, mimeo.
  • 3
    Para uma apresentação mais completa desse modelo, bem como para aplicações empíricas, v. Marianne Baxtcr (1985) The role of expectations in stabilization policy”, Journal of Monetary Economics n. 15.
  • 4
    V. Cukicrman A. e N. Liviatan (1992). “The dynmics of optirnal gradual stabilizations”, The World Bank Economic Review·6(3), setembro; e também Kieguel M. A. e N. Liviatan (1990). “Some implications of policy games for high inflation economies”, The World Bank Policy, Macroeconomic and Growth Division, Working Paper nº 379, março.
  • 5
    Vários autores mostram que os custos da estabilização (em políticas ortodoxas, ou seja, de contração monetária) são maiores quanto mais disseminada é a indexação vis-à-vis processos otimizadores de fixação de preços. V., por exemplo, Bonomo M. e R. Garcia (1992) “Indexation, staggering and disinflation”. Texto para Discussão n” 281. Departamento de Economia, maio.
  • 6
    Para uma discussão que, além dos aspectos levantados neste ensaio, considere os problemas de consistência macroeconômica envolvidos em programas de dolarização, v. Franco, Gustavo H. B. “Dolarização, mecanismos, mágicas e fundamentos”, 19º Encontro Nacional de Economia, Anais, Curitiba, volume 1.
  • 7
    Note-se que, ainda que potencialmente todos os produtos comercializáveis pudessem ter seus preços atrelados aos mercados internacionais, este não é nosso caso em função do ainda vergonhosamente baixo grau de abertura exibido pela economia brasileira, que em 1990 tinha um grau de penetração de importações (sobre oferta global) da ordem de 4,5%, ou seja, metade do existente na Índia!
  • 8
    Existe uma considerável literatura tratando do tema. V. Franco, G. H. B. e C. Pareias, “Inflação, preços relativos e clientelas”. Revista de Economia Política 11(3), setembro, 1991; Amadeo, E. e Franco, G. H. B., “Inflação e preços relativos no Plano Collor: avaliação e perspectivas”. Revista Brasileira de Economia 45(2), junho, 1991; Cunha, L. R. A., “Congelamento e preços relativos: a experiência brasileira”. Departamento de Economia da PUC/RJ, Texto para Discussão n. 253.
  • 9
    Na verdade, o problema do atraso cambial em programas de dolarização enfrenta um problema adicional, qual seja, o da mudança nos termos do equilíbrio externo que ocorre quando se reduz a inflação. Com isso, muda o nível de taxa de câmbio real consistente com o equilíbrio externo. Para uma discussão desses problemas, bem como do modo como foram resolvidos em programas bem-sucedidos baseados em dolarização, v. Franco, Dolarização, op. cit.
  • 10
    Lara Resende, A. “O processo hiperinflacionário e as reformas modernizadoras” em H. Jaguaribe, ed. Economia e política da crise brasileira: a perspectiva social-democrata. Rio de Janeiro: Rio Fundo, p. 89.
  • 11
    Lara Resende, A. (1992). “O conselho da moeda: um órgão emissor independente”. Revista de Economia Política 12 (4), outubro, 1992.
  • 12
    Lopes, F. O desafio da hiperinflação: em busca da moeda real, Rio de Janeiro: Campus.
  • 13
    A experiência alemã com moedas privadas do tipo wertbestandiges, ou de valor estável, bem como o mecanismo que explica o chamado milagre do rentenmark são estudados em detalhe em Franco, G. H. B. 1989. “O milagre do rentenmark: uma experiência bem-sucedida com moeda indexada”. Revista Brasileira de Economia 43(3), setembro, 1989.
  • 14
    Na verdade, a explicação mais aceita para a explosão hiperinflacionária na Hungria em 1946 é justamente esta. V. Bomberg, W. e Makinen G. Journal of Political Economy. Publicado em português in: Rego, ed. Inflação inercial, op. cit.
  • 15
    As estimativas são informadas pelas taxas de crescimento real dos diversos agregados monetários, observadas nos diversos choques anteriores, tal como disposto em Franco, High and hyperinflation, op. cit.
  • 16
    Deve-se notar, além disso, que, como percentagem do PIB, esse valor de M5 não chega a 18%, já tendo chegado a 41% em 1988, e observando uma média histórica de 30%.
  • 17
    Destaque-se nessa linha a ousada proposta de “renegociação” da dívida interna sugerida por F. Giambiagi e A. Zini Jr., neste número da Revista de Economia Política.
  • 18
    V. MEFP/SNE- Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento. “As câmaras setoriais no contexto da política industrial e de comércio exterior - relatório da situação”. Brasília, s/d, p. 3.
  • 19
    Na verdade, a única câmara setorial que avançou significativamente no sentido de influenciar as políticas do governo foi a do setor automobilístico. Quase todas as outras se limitaram a reuniões preliminares sem consequências práticas.
  • 20
    V. “Inflação, câmaras setoriais e o caminho”. Folha de S.Paulo, 30/3/1992; e Singcr, Paul (1991) “Câmaras setoriais - pouco demais, tarde demais”, Folha de S.Paulo, 24/4/91.
  • 21
    V. Franco, Gustavo H. B. (1992). “Câmaras setoriais, mercados e negociações”, Folha de S.Paulo, 3/6/1992.
  • 22
    Dornbusch, R. e M. H. Simonsen (1985). “lnflation and stabilization with income policy support: a review of the experience of Argentina, Brazil and Israel”, Nova York: Group of Thirty, mimeo.
  • 23
    O fenômeno, entendido em seus contornos mais gerais, foi extensamente estudado pelo livro clássico de Olson, Mancur, (1965). The logic of collective action. Cambridge: Harvard University Press. Para uma discussão técnica do assunto quando referente ao problema da estabilização, ver Franco, G. H. B. (1989). “Pactos, congelamentos e seus problemas”, Pesquisa e Planejamento Econômico 19 (1), abril, 1989.
  • 24
    O assunto é desenvolvido em Franco, Pactos, op. cit. e não, como afirma M. H. Simonsen (em “Macroeconomia e teoria dos jogos” Revista Brasileira de Economia 43(3) setembro, 1989) in A. Fraga, A e S. Werlang (1983). “Uma visão da inflação como conflito distributivo”, Revista Brasileira de Economia 37(3), setembro, 1983.
  • 25
    A noção de grau de organização, ou do conjunto de atributos que compõe a capacidade de responder positivamente a iniciativas de coordenação, difere de autor para autor. Mais comum é a noção de grau de centralização nas negociações salariais. V. Calfords, L. e E. Driffil. “Centralization of wage bargaining” Economic Policy, abril, 1988.
  • 26
    A literatura nesse assunto é muito extensa. Um trabalho recente trazendo um sumário de outros nessa área é o de Soskice, D. “Wage determination: the changing role of institutions in advanced countries”, Oxford Rcview of Economic Policy 6(4), inverno, 1990.
  • 27
    Observe que não se trata de irresponsabilidade strictu senso da parte de líderes sindicais e patronais, mas. da postura mais racional em função de seus interesses, dado que existe incerteza sobre como a grande massa de consumidores, contribuintes e trabalhadores fora do acordo vai reagir ao que for decidido, principalmente se o acordo for altruísta.
  • 28
    Segundo fica claro através do próprio documento do MEFP-SNE, As câmaras setoriais, op. cit., quadro II.
  • 29
    Jorge, Miguel, Quem ganha com o acordo das montadoras”, Folha de S.Paulo, 6/7/1992.
  • 30
    V. Franco, G. H. B. (1992). “Maravilhas do acordo automobilístico”, Folha de S. Paulo, 14/7/1992.
  • 31
    Esta análise é de Pinho, Marcelo, “Limites dos acordos setoriais no combate à inflação”, Boletim de Conjuntura CECON Unicamp IV(4), agosto, 1992.
  • 32
    Por exemplo, Singer, Paul, “Quem ganhou e quem perdeu com o acordo automobilístico”, Folha de S. Paulo.
  • 33
    Juridicamente, todavia, não é inteiramente líquido que uma rubrica no orçamento não seja necessariamente um direito adquirido.
  • 34
    V. Giambiagi, V. F. e J. C. G. Soares, (1992). “Consumo do governo. juros externos e inflação reprimida: o problema da dívida externa revisitado”. Revista de Economia Política 12(3), setembro, 1992; e Carneiro, D. D. e R. Werneck. “Public savings and private investment: requirements for growth ressumption in the Brazilian econorny”, Departamento de Economia da PUC/RJ, Texto para Discussão n. 283; e Franco, G. H. 8. (1991). “Estado e economia ao fim dos anos 80: problemas fiscais e regulatórios”, Nova Economia n. 2.
  • 35
    Note-se que esse padrão subdesenvolvido de administração das finanças públicas resulta do vácuo normativo que existe na matéria. Os capítulos da Constituição que regulam temas como orçamento, dívida pública e sistema financeiro até hoje não foram regulamentados.
  • 36
    V. Tanzi, Vito, (1991). “Fiscal policy and economic restructuring in Latin America: a discussion of some basic issues”, mimeo, 1991.
  • 37
    Franco, G. H. B., (1992). “Contingenciamento, corrupção e reforma fiscal” Folha de S.Paulo, 9/8/1992.
  • 38
    JEL Classification: E31; F31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1993
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