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Open-access Prevalência de erros que causaram eventos supostamente atribuíveis à vacinação/imunização: revisão sistemática e metanálise

RESUMO

Objetivo:  Identificar a prevalência de erros que causaram eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização.

Método:  Revisão sistemática da literatura com metanálise realizada nas bases Medline, Cochrane Library, Cinahl, Web of Science, Lilacs, Scopus; Embase; Open Grey; Google Scholar; e Grey Lit; com estudos que apresentassem prevalência de erros de imunização que causaram eventos ou que disponibilizassem dados que permitissem o cálculo deste indicador.

Resultados:  Avaliou-se 11 artigos publicados entre 2010 e 2021, apontando prevalência de 0,044 erros por 10.000 doses administradas (n=762; IC95%: 0,026 - 0,075; I2= 99%, p < 0,01). A prevalência foi maior em crianças menores de 5 anos (0,334 / 10.000 doses; n=14). Quanto aos eventos, predominou-se: febre, dor local, edema, rubor.

Conclusão:  Identificou-se uma prevalência baixa de erros que causaram eventos. Entretanto, os eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização podem contribuir para a hesitação vacinal e, consequentemente, impactar nas coberturas vacinais.

Descritores: Imunização; Vacinação; Erros de medicação; Revisão sistemática

ABSTRACT

Objective:  To identify the prevalence of errors that caused events supposedly attributable to vaccination or immunization.

Method:  Systematic literature review with meta-analysis carried out on the Medline, Cochrane Library, Cinahl, Web of Science, Lilacs, Scopus; Embase; Open Grey; Google Scholar; and Grey Lit databases; with studies that presented the prevalence of immunization errors that caused events or that provided data that allowed this indicator to be calculated.

Results:  We evaluated 11 articles published between 2010 and 2021, indicating a prevalence of 0.044 errors per 10,000 doses administered (n=762; CI95%: 0.026 - 0.075; I2 = 99%, p < 0.01). The prevalence was higher in children under 5 (0.334 / 10,000 doses; n=14). The predominant events were fever, local pain, edema and redness.

Conclusion:  A low prevalence of errors causing events was identified. However, events supposedly attributable to vaccination or immunization can contribute to vaccine hesitancy and, consequently, have an impact on vaccination coverage.

Descriptors: Immunization; Vaccination; Medication errors; Systematic review

RESUMEN

Objetivo:  Identificar la prevalencia de errores que causaron eventos supuestamente atribuibles a la vacunación o inmunización.

Método:  Revisión sistemática de la literatura con metaanálisis realizada en las bases de datos Medline, Cochrane Library, Cinahl, Web of Science, Lilacs, Scopus; Embase; Open Grey; Google Scholar; y Grey Lit; con estudios que presentaran la prevalencia de errores de inmunización que causaron eventos o que aportaran datos que permitieran calcular este indicador.

Resultados:  Se evaluaron 11 artículos publicados entre 2010 y 2021, indicando una prevalencia de 0,044 errores por cada 10.000 dosis administradas (n=762; IC95%: 0,026 - 0,075; I2 = 99%, p < 0,01). La prevalencia fue mayor en niños menores de 5 años (0,334 / 10.000 dosis; n=14). Los eventos predominantes fueron fiebre, dolor local, edema y enrojecimiento.

Conclusión:  Se identificó una baja prevalencia de eventos causantes de errores. Sin embargo, los eventos supuestamente atribuibles a la vacunación o inmunización pueden contribuir a la indecisión sobre la vacunación y, en consecuencia, repercutir en la cobertura vacunal.

Descriptores: Inmunización; Vacunación; Errores de medicación; Revisión sistemática

INTRODUÇÃO

A vacinação pode ser considerada uma das principais intervenções de saúde pública mundial, contribuindo para a erradicação, redução de casos e prevenção de inúmeras mortes por doenças imunopreveníveis, mudando o cenário epidemiológico mundial1,2.

Como ocorre na administração de medicamentos, na vacinação também podem acontecer erros. Um dos fatores contribuintes para o crescimento no número de erros de imunização é o aumento considerável de imunobiológicos e a complexidade dos calendários de vacinação3, além das práticas inadequadas em sala de vacinação. Tais erros podem vir acompanhados ou não de eventos leves, moderados ou até fatais4-10, além de gerar custos diretos e indiretos aos serviços de saúde11,12; reduzir a confiança da população nos programas nacionais de imunizações (PNI) e repercutir diretamente nas coberturas vacinais e no controle e erradicação de doenças imunopreveníveis6,13.

O erro de imunização é conceituado como qualquer ocorrência que pode ser evitada, causada por uso inapropriado de imunobiológicos e pode relacionar-se à prática profissional e com o não cumprimento das técnicas corretas de imunização14.

Ao longo dos anos, discussões e estudos envolvendo erros de imunização vêm sendo publicizados em diversos países, por ser um dos principais fatores que favorecem o surgimento de eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização (ESAVI). Estes erros têm sido destacados nos dias atuais como ocorrências graves e são considerados um problema de nível internacional, ligado diretamente às boas práticas de imunização5-9,13.

A baixa percepção da população sobre o risco da ocorrência das doenças imunopreveníveis, já controladas ou com sintomas leves, fez com que a preocupação com o ESAVI ganhasse destaque. Essa preocupação, principalmente com mortes relatadas após a vacinação, resultou em descontinuidade dos esquemas vacinais por parte da população, reduzindo as coberturas de vacinação mundialmente4. Além disso, ao contrário dos medicamentos, as vacinas são administradas em pessoas aparentemente saudáveis, especialmente nas crianças. Dito isso, os ESAVI devem ser monitorados para manter a confiança da população nos PNI15.

O erro de imunização pode causar ESAVI grave e contribuir para a hesitação vacinal. No atual cenário vivenciado, em que se observa o fortalecimento dos movimentos antivacinas e a disseminação de fake news, outros fatores que podem interferir na aceitabilidade das vacinas pela população, como o erro de imunização, devem ser prevenidos.

Fornecer informações baseadas em evidências, sobre a prevalência de erros de imunização que causaram ESAVI, pode subsidiar o desenvolvimento de estratégias organizacionais com o objetivo de garantir boas práticas em imunização. Além disso, a divulgação dessas informações para os profissionais de saúde e gestores pode aumentar a conscientização sobre a importância da segurança em sala de vacinação.

Ante o exposto, o objetivo deste estudo foi identificar a prevalência de erros que causaram eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização.

MÉTODO

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura com metanálise desenvolvida de acordo com o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA)16 e protocolada no Registro Prospectivo Internacional de Revisões Sistemáticas (PROSPERO), sob identificação CRD42021258335.

A questão de estudo foi formulada por meio da estratégia PECO: Participantes/População (P): indivíduos que foram vacinados; Exposição (E): erro de imunização; Comparação ou controle (C): não se aplica; e Desfecho/outcome (O): ocorrência de ESAVI. Dessa forma, a seguinte questão norteadora foi elaborada: Qual a prevalência de erros que causaram eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização em indivíduos vacinados?

Para a recuperação dos artigos potenciais, foram conduzidas buscas sistemáticas em sete bases de dados eletrônicas (Medline via Pubmed, Cochrane Library, Cinahl, Web of Science, Lilacs, Scopus e Embase), que abrangeram a literatura disponível desde seu início até 1º de julho de 2021 e posteriormente atualizada até 1º de outubro de 2022. Foi desenvolvida uma estratégia de busca específica para cada uma das bases, devido às suas particularidades. Utilizou-se os operadores booleanos “OR” e “AND” na combinação dos termos selecionados, sendo “OR” utilizado nas intracategorias e entre variações de termos, e “AND” entre as categorias, combinando-as entre si. Foram consideradas três categorias: População, Exposição e Outcomes, e não foram utilizados filtros durante as buscas. No desenvolvimento das chaves de busca utilizadas, houve auxílio de uma bibliotecária com expertise em busca bibliográfica. Além da busca nas bases de dados, foram realizadas buscas na literatura cinzenta por meio do Open Grey, Google Scholar, Grey Lit e busca manual.

Foram utilizados os seguintes termos extraídos dos Descritores em Ciências da Saúde em língua portuguesa: Erro, Errado, Imunização, Imunizações, Vacinação, Vacina, Vacinas, Imunizado, Administração de Vacina, Aplicação de Vacina, Efeito Colateral, Reação Adversa, Evento Adverso, Efeito Adverso, Efeitos Adversos, Efeitos Colaterais, Reações Adversas, e do e Medical Subject Headings em língua inglesa: Side Effect, Adverse Reaction, Adverse Event, Adverse Effect, Adverse Reactions, Error, Wrong, Immunization, Vaccine, Immunizations, Immunized, Vaccine Administration, Vaccine application e suas variações.

Foram considerados como critérios de inclusão estudos primários conduzidos em qualquer ambiente de saúde que apresentassem prevalência de erros que causaram ESAVI ou que disponibilizassem dados que permitissem o cálculo desse indicador, bem como estudos com análises retrospectivas usando sistemas de notificação de erros de imunização e/ou ESAVI. Foi considerada a ocorrência do ESAVI como desfecho principal, e o erro de imunização como circunstância em que o participante do estudo foi exposto.

Foram excluídos estudos de intervenção, revisões sistemáticas, revisões da literatura, editoriais, resenhas, relatos de experiência, estudos de caso, resumos publicados em anais de eventos e afins, dissertações, teses e monografias. Os estudos de intervenção ou experimentais foram excluídos em função da realização de uma revisão sistemática com foco no cálculo de prevalência, cujos dados primários foram decorrentes de estudos transversais. Neste tipo de estudo observacional, o pesquisador não interage com a população amostral de modo direto senão por análise e avaliação conseguidas através da observação17. Não foi delimitado ano de publicação, idioma do estudo e nem público-alvo acometido pelo erro de imunização.

Para seleção dos estudos, foi usado o software Rayyan18, que permite exportar os estudos identificados nas bases de dados para o software e realizar a exposição de títulos e resumos, com o cegamento entre os pesquisadores. Isso garante a fidedignidade na seleção das informações, além de acurácia e precisão metodológica.

Identificados os estudos potencialmente elegíveis, segundo os critérios pré-estabelecidos, foi realizada a leitura do texto completo dos mesmos para decisão da amostra final, utilizando o método duplo cego. Estudos em que houve dúvidas ou divergências entre os dois revisores quanto à sua elegibilidade passaram por avaliação de um terceiro revisor especialista no assunto e posterior discussão entre os três revisores quanto à inclusão ou exclusão dos mesmos. Da mesma forma, os dados dos estudos selecionados foram extraídos de forma independente, e inseridos e analisados utilizando uma planilha do Microsoft Excel ®. Foram extraídos título, ano e país do estudo, período, população exposta, erro de imunização que causaram ESAVI e quantidade de vacinas administradas no período. Em situações de ausência de informações, os autores dos estudos foram contatados para esclarecimentos, e em situações em que não se obteve resposta, o estudo foi excluído. Discordâncias entre os pesquisadores em algum dado coletado foram solucionadas por um terceiro revisor.

Para classificação dos níveis de evidência dos estudos, utilizou-se as recomendações da literatura19, a saber: nível I: Evidências oriundas de revisão sistemática ou metanálise de todos os relevantes ensaios clínicos randomizados controlados ou provenientes de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados; nível II: Evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; nível III: Evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; nível IV: Evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; nível V: Evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; nível VI: Evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; e nível VII: Evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.

Com relação à avaliação do risco de viés, todos os estudos incluídos foram avaliados utilizando o instrumento Appraisal for Cross-Sectional Studies (AXIS)20. Este instrumento foi selecionado considerando que a maioria dos estudos incluídos na amostra final possuía desenho transversal. As descrições de possíveis fontes de vieses foram mencionadas no estudo.

Para o cálculo de prevalência do erro de imunização que causou o ESAVI, as doses administradas/dispensadas foram ajustadas para 10.000, a fim de permitir a comparação dos dados. O cálculo utilizou como numerador o número de erros que causou o ESAVI documentado, e como denominador o número de doses administradas/dispensadas no período17. Os cálculos de prevalência foram feitos separadamente por artigo, devido ao perfil diferente de dados encontrados e também pela apresentação dos mesmos em cada artigo.

Complementarmente, os dados individuais dos artigos incluídos foram combinados em metanálise de efeitos aleatórios, considerando intervalo de confiança de 95% (IC95%). A heterogeneidade entre as estimativas geradas nos estudos individuais foi analisada por meio do teste Q e pela estatística I-quadrado (I²). Aqui, valores de I2 ≥ 75% foram considerados indicativos de heterogeneidade substancial. Foram considerados significativos p < 0,05. As análises foram realizadas usando o software Comprehensive Meta-Analysis, versão 4.

Os tipos de ESAVI decorrentes dos erros de imunização, quando detalhados nos artigos incluídos, foram coletados, analisados e classificados quanto à gravidade (graves e não graves) e quanto ao tipo de manifestação (local e sistêmico).

RESULTADOS

O fluxograma das etapas conduzidas da busca até a inclusão dos artigos nesta revisão sistemática está apresentado na Figura 1. Foram recuperados um total de 2.071 registros, por meio das buscas em bases de dados, literatura cinzenta e busca manual, e removidos 634 estudos duplicados. Posteriormente, foi realizada a leitura de título e resumo de 1.437 estudos, selecionando-se 42 artigos potencialmente elegíveis, seguindo os critérios definidos.

Após a leitura do texto completo dos estudos pré-selecionados, foram incluídos na amostra final 11 estudos. Dos 31 estudos excluídos, nove não se enquadravam nos critérios de inclusão (tipo de estudo), sete não associaram o ESAVI ao erro de imunização, 14 citavam apenas o erro ou o ESAVI. Um artigo foi excluído por duplicidade de dados sobre erro de imunização com ESAVI publicado pelo mesmo autor em dois artigos que avaliaram eventos adversos em gestantes.

Figura 1 -
Diagrama PRISMA representando etapas conduzidas da busca e inclusão de artigos. Minas Gerais, Brasil, 2023

Do total de artigos incluídos, seis possuem origem nacional6-8,10,21,22, quatro dos Estados Unidos12,23-25; e um da China26. Os artigos analisados permitiram apontar para o erro de imunização a partir de 2010, entretanto, a maior concentração de artigos foi em 2020 e 20217,10,21,22 (Quadro 1).

Quatro estudos foram conduzidos com análises retrospectivas de sistemas de notificação de erros de imunização do Brasil, China e Estados Unidos6,7,22,26. Três estudos no Brasil foram realizados para analisar ESAVI8,10,21. Três estudos foram realizados para vigilância pós-licenciamento de vacinas nos Estados Unidos23-25. E um estudo utilizou o banco de dados de um grande sistema de saúde acadêmico por meio de prontuários eletrônicos12 (Quadro 1).

Observou-se que a maior parte dos estudos teve como população o público geral, não sendo discriminado idade, sexo ou condição6,7,22-26, um estudo avaliou crianças menores de cinco anos7; um avaliou gestante10, um avaliou crianças e adolescentes entre zero e dezenove anos12 e outro estudo avaliou o público idoso21. Quatro estudos incluíram dados de erro em uma única vacina23-26.

Em relação ao tipo de ESAVI decorrente dos erros, foi relatado com maior frequência febre, dor local, edema, rubor7,8,12,21,23,25,26. Dentre os ESAVI graves, destaca-se a incidência de abscesso quente (0,032/10.000 doses aplicadas)6; um óbito após 16 dias da administração de uma dose de vacina influenza fora da idade recomendada24; e um estudo não especificou o ESAVI decorrente dos erros22.

Analisando o erro de imunização que gerou o ESAVI, quatro estudos constataram que o erro mais encontrado estava relacionado à dosagem incorreta8,12,21,26; três estudos citaram a ocorrência da administração de vacina fora da idade recomendada12,23,24; um estudo citou o intervalo inadequado7; dois estudos citaram a administração inadequada8,12; e um estudo não relatou o tipo de erro22.

Quadro 1 -
Visão geral dos estudos recuperados e incluídos na amostra final (n = 11). Minas Gerais, Brasil, 2023

A Tabela 1 apresenta para cada estudo incluído a prevalência de erros de imunização que causaram ESAVI por 10.000 doses de vacinas administradas/dispensadas.

Tabela 1 -
Prevalência de erros de imunização com eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização. Minas Gerais, Brasil, 2023

Como pode ser observado na figura 2, a metanálise evidenciou a baixa prevalência global de ESAVI, i.e, 0,044 erros por 10.000 doses administradas (n=762; N: 139.771.113; IC95%: 0,026 - 0,075; I2 99%, p < 0,01). Em conjunto, resultados apresentados na Tabela 1 e na Figura 2 evidenciam que a maior prevalência foi observada em um estudo realizado com crianças com idade inferior a cinco anos8; e a menor em estudo realizado com idosos21; ambos no Brasil.

Figura 2 -
Metanálise da prevalência de erros de imunização com eventos supostamente atribuíveis à vacinação ou imunização. Minas Gerais, Brasil, 2023

Em relação à avaliação de risco de viés ou práticas de comunicação, realizada com o instrumento AXIS20, dentre os estudos recuperados, cinco avaliaram os dados coletados que apresentaram associação estatisticamente significativa6,7,10,23,24. Três descreveram de forma limitada a metodologia utilizada, sendo assim, difícil a reprodução do mesmo com base nas informações disponíveis8,25,26. Cinco estudos não descreveram conflitos de interesse ou apoio financeiro7,21,22,24,25. Observou-se que a maioria dos estudos não mencionou quanto à aprovação em comitê de ética, justifica-se pelo fato de serem de fonte secundária e não haver necessidade de aprovação6,22-26. A maioria dos estudos destacou as limitações encontradas durante sua realização6-8,10,12,21-26.

DISCUSSÃO

Os achados apontam que a prevalência de erros de imunização que causaram ESAVI pode ser considerada baixa. Embora grande parte dos estudos tenham incluído como participantes a população geral, observou-se que a prevalência desses erros associados a ESAVI por 10.000 doses administradas variou de 0,001 em idosos21 a 0,334 em crianças menores de cinco anos8. Os ESAVI identificados, em sua maioria, foram considerados de leves a moderados, entretanto, foi relatado um óbito em idoso que recebeu vacina fora da idade recomendada.

O número de notificações de erros de imunização, com e sem ESAVI, vem aumentado em todo o mundo6,27,28, refletindo diretamente no número de estudos publicados nos últimos cinco anos identificados nesta revisão6-8,10,12,21,22,25. Este aumento crescente na ocorrência de erros pode estar relacionado a vários fatores, como a ampliação do calendário de vacinação, constantes mudanças e inclusão de novos imunobiológicos e, consequentemente, a complexidade do calendário vacinal8,11, e a melhora na vigilância de ESAVI6.

Nesta revisão, 27% dos estudos recuperados utilizaram a base de dados Vaccine Adverse Event Reporting System dos Estados Unidos23-25 e 54% a base de dados do Sistema de Informação de Vigilância de Eventos Adversos Pós-vacinação do Brasil6-8,10,21,22.

Ambos os sistemas de informação são de vigilância passiva, o que pode estar associado a uma maior subnotificação de casos, devido à sua não obrigatoriedade6-7,29) e, consequentemente, subestimação da real ocorrência de erros de imunização. A vigilância passiva, apesar do baixo custo e da possibilidade de manter e alimentar um sistema de informação, tem a desvantagem de subnotificar os ESAVI6,30.

A maior parte dos estudos discorreu que os erros de imunização, com ESAVI reportados, foram considerados leves a moderados e ocasionaram ao vacinado sintomas transitórios, e em sua maioria não geraram danos aos afetados e nem desencadearam sequelas5-7,12,21,25,26. Houve um relato de morte súbita cardíaca após administração de vacina fora da idade recomendada, sem relação causal estabelecida24.

A ocorrência de tal situação gera preocupação, visto que mesmo em menor proporção os erros de imunização podem gerar hospitalização, além de disfunção, sequelas e óbito5 e acarretar na redução da confiança e credibilidade dos cuidados em saúde prestados pelos PNI31.

O estudo realizado com base de dados secundários6, apesar de avaliar a população geral, identificou que as crianças menores de um ano foram as mais atingidas pelo erro de imunização com ESAVI, e a vacina BCG foi a responsável por esse aumento. Sabe-se que as crianças apresentam maior probabilidade de desenvolver os ESAVI pela imaturidade do sistema imunológico e pelo maior número de vacinas administradas, visto que o calendário vacinal nesta faixa etária é mais extenso12,32,33.

Os estudos encontrados e analisados apresentaram evidências derivadas de um único delineamento metodológico, transversal descritivo6-8,10,21,22,25,26. Ressalta-se a importância de estudos com maior nível de evidência para estabelecer uma associação causal entre desfecho e exposição.

A alta heterogeneidade identificada na metanálise era esperada em função da diversidade em termos de população de estudo, tamanho amostral, tipo de imunizante, etc., e não necessariamente reflete uma fragilidade deste estudo. Foi considerada como limitação a concentração de estudos sobre erros de imunização no Brasil e nos Estados Unidos. Visto que a força de uma revisão está diretamente ligada à sua abrangência de estudos a nível mundial, a aplicabilidade dos achados deste estudo fica limitada.

CONCLUSÃO

A revisão identificou uma prevalência baixa de erros de imunização que causaram ESAVI, se considerado o número elevado de doses administradas. E os eventos identificados, em sua maioria, foram considerados leves. Entretanto, o ESAVI, principalmente causado pelo erro de imunização, pode contribuir para a hesitação vacinal e, consequentemente, impactar nas coberturas vacinais.

O estudo pretende contribuir para auxiliar os serviços de saúde na adoção de medidas adequadas que visam à prevenção dos erros, indispensável para uma vacinação segura; no ensino a partir de reflexões sobre a segurança do paciente em sala de vacinação; e na pesquisa apontando a necessidade de estudos sobre a temática com melhores níveis de evidência.

Agradecimentos:

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Código 001) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo 420760/2018-0). Os autores agradecem a valiosa contribuição do Prof. Vinícius Silva Belo (Universidade Federal de São João del-Rei) na condução da metanálise, e do bibliotecário Gesner Francisco Xavier Junior (Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais) na estruturação do protocolo de pesquisa.

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Editado por

  • Editor associado:
    Carlise Rigon Dalla Nora
  • Editor-chefe:
    João Lucas Campos de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2023
  • Aceito
    25 Set 2023
  • Corrigido
    13 Maio 2024
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