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Validação por peritos: importância na tradução e adaptação de instrumentos

Validación por expertos: importancia en la traducción y adaptación de instrumentos

RESUMO

Objetivo

Apresentar a validação de conteúdo por peritos, como etapa essencial da validação, tradução e adaptação cultural de instrumentos de psicometria, tendo como exemplo o processo de adaptação realizado com o questionário de sensibilidade moral para Portugal e Brasil.

Método

Trata-se de estudo metodológico, com um comitê de doze peritos, sete do Brasil e cinco de Portugal. A coleta e análise dos dados ocorreu em 2015, entre os meses de setembro e outubro, em Portugal e novembro e dezembro, no Brasil.

Resultados

Dos 30 itens apresentados aos peritos, 20 tiveram sugestão de adaptação. Algumas adaptações foram necessárias para que os itens ficassem claros e de fácil compreensão. A versão final permaneceu com 28 itens.

Conclusão

A validação de conteúdo dos instrumentos de psicometria por um comitê de peritos é essencial para pesquisadores e enfermeiros, cada vez mais preocupados em utilizar medidas confiáveis e apropriadas para pesquisas e avaliação da assistência.

Inquéritos e questionários; Estudos de validação; Pesquisa em enfermagem; Revisão por pares

RESUMEN

Objetivo

Presentar una validación de contenido por los expertos como un paso esencial en la validación, la traducción y adaptación cultural de los instrumentos psicométricos, tomando el ejemplo del cuestionario de la sensibilidad moral a Portugal y Brasil.

Métodos

Se trata de un estudio metodológico, con un comité de doce expertos, siete de Brasil y cinco de Portugal. La recolección y el análisis de los datos se llevó a cabo en 2015, entre los meses de septiembre y octubre en Portugal y en noviembre y diciembre, en Brasil.

Resultados

De los 30 ítems presentados a los expertos, 20 tuvieron sugerencia de adaptación. Algunos ajustes fueron necesarios para que los elementos quedaran claros y fácilmente comprensibles. La versión final se mantuvo con 28 ítems.

Conclusión

La validación de contenido de los instrumentos de psicometría por un comité de expertos es esencial para investigadores y enfermeras, cada vez más preocupados en utilizar medidas confiables y apropiadas para investigaciones y evaluación de la asistencia.

Encuestas y cuestionarios; Estudios de validación; Investigación en enfermería; Revisión por pares

ABSTRACT

Objective

To present the content validation by experts as an essential step in validation, translation and cultural adaptation of psychometric instruments, having the example of the questionnaire of moral sensitivity in Portugal and Brazil.

Method

This is a methodological study, with a committee of twelve experts, seven from Brazil and five from Portugal. The data collection and analysis occurred in 2015, between the months of September and October in Portugal and November and December in Brazil.

Results

Of the 30 items presented to the experts, 20 had adaptation suggestions. Some adjustments were necessary so that the items were clear and easily comprehensible. The final version remained with 28 items.

Conclusion

The content validation of psychometry instruments by a committee of experts is essential for researchers and nurses, who are increasingly concerned about the use of reliable and appropriate measures for research and evaluation of care.

Surveys and questionnaires; Validation studies; Nursing research; Peer review

INTRODUÇÃO

Na área da saúde, evidencia-se um crescente número de questionários e escalas disponíveis que procuram verificar e avaliar fenômenos determinados em diferentes âmbitos da assistência e pesquisa(11. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(7):3061-8.), sendo fundamental que esses instrumentos possuam fidedignidade e credibilidade.

Muitos instrumentos são produzidos em um idioma e depois traduzidos para outros. A validação de por peritos é etapa importante nestes processos de tradução e adaptação cultural e linguística das escalas e questionários. Para a avaliação da qualidade dos instrumentos, os atributos ou propriedades mais importantes são: validade; confiabilidade, praticabilidade, sensibilidade e responsividade. A determinação desses atributos é particularmente essencial na tradução e adaptação de um questionário, pois, permite verificar a qualidade metodológica do instrumento utilizado(11. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(7):3061-8.).

Na validação de instrumentos os psicometristas recomendam, fundamentalmente, técnicas que visam verificar a validade de: constructo; critério e conteúdo(22. Pasquali L. Psicometria. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(Esp.):992-9.). A validação de conteúdo por peritos, busca aperfeiçoar o conteúdo do instrumento, torna-o mais confiável, preciso, válido e decisivo no que se propõe a medir(33. Moreira RP, Guedes NG, Lopes MVO, Cavalcante TF, Araújo TL. Diagnóstico de enfermagem estilo de vida sedentário: validação por especialistas. Texto Contexto Enferm, 2014;23(3):547-54.). A validação por peritos é o julgamento realizado por um grupo de peritos experientes na área temática do instrumento, aos quais cabe analisar a correção, coerência e adequação do conteúdo(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.).

A validação de conteúdo é essencial no desenvolvimento de um questionário, pois permite verificar o quanto os itens incluídos correspondem à construção teórica que fundamenta o instrumento, a fim de tornar possível avaliar o fenômeno de interesse. Ou seja, permite verificar se os itens incluídos no instrumento são representativos e relevantes para abranger o fenômeno, considerando as possibilidades de questões sobre o tópico em estudo(11. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(7):3061-8.).

Adotou-se o termo perito para descrever os participantes do estudo que validaram o conteúdo do Moral Sensitivity Questionnaire (MSQ). Os termos especialista ou experts são utilizados como sinônimos de perito na literatura, porém há discretas diferenças entre estes. A palavra perito, ou expert refere-se ao profissional que aprimorou o conhecimento e as habilidades no tema do instrumento em decorrência do exercício profissional, ou seja, o perito é o profissional que adquiriu o domínio de diferentes dimensões de seu saber e fazer ao exercer sua profissão. O termo especialista relaciona-se ao profissional que se dedica, especial ou exclusivamente, ao estudo ou a um ramo determinado de sua profissão(55. Weiszflog W. Michaelis: moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos; 2009. p. 992.).

A sensibilidade moral objeto do Questionário de Sensibilidade Moral (MSQ), é compreendida como a compreensão contextual e intuitiva da situação de vulnerabilidade do paciente, considerando as consequências éticas das decisões tomadas em nome deste(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.). É relevante a divulgação e a discussão de instrumentos para verificar a sensibilidade moral dos enfermeiros, pois, muitas vezes, a responsabilidade ética supera a responsabilidade técnica no exercício da profissão. Assim, espera-se que os enfermeiros estejam sensíveis aos problemas éticos que ocorrem no cuidado ao paciente com vistas à excelência ética e técnica do cuidado prestado(77. Van Der Zande M, Baart A, Vosman F. Ethical sensitivity in practice: finding tacit moral knowing. J Adv Nurs. 2014;70(1):68-76.).

O questionário de sensibilidade moral trata-se de um questionário auto-aplicado, desenvolvido, originalmente, para enfermeiros da Suécia. Tem 30 itens com afirmações que remetem à inclusão da visão, vontade e benefício do paciente na tomada de decisão do enfermeiro. A cada item segue-se uma escala do tipo Likert com 7 opções de resposta (sendo 1 “completamente de acordo” e 7 “Completamente em desacordo”)(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.). Os itens distribuem-se em seis dimensões teóricas da sensibilidade moral: orientação interpessoal, estruturação do significado moral, benevolência, autonomia, vivência do conflito moral e confiança no conhecimento do profissional(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.).

Na literatura, verifica-se quantidade considerável de pesquisas que utilizaram o MSQ com enfermeiros em diferentes países(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.

7. Van Der Zande M, Baart A, Vosman F. Ethical sensitivity in practice: finding tacit moral knowing. J Adv Nurs. 2014;70(1):68-76.

8. Lützén K, Dahlqvist V, Eriksson S, Norberg A. Developing the concept of moral sensitivity in health care practice. Nurs Ethics. 2006;13(2):187-96.

9. Han SS, Kim J, Kim YS, Ahn S. Validation of a Korean version of the Moral Sensitivity Questionnaire. Nurs Ethics. 2010;17(1):99-105.

10. Kim YS, Kang SW, Ahn JA. Moral sensitivity relating to the application of the code of ethics. Nurs Ethics. 2013;20(4):470-8.
-1111. Sahin SY, Iyigun E, Acikel C. Validity and reliability of a Turkish version of the Modified Moral Sensitivity Questionnaire for Student Nurses. Ethics Behav. 2015;25(4):351-9.) como na Suécia(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.), Coreia(99. Han SS, Kim J, Kim YS, Ahn S. Validation of a Korean version of the Moral Sensitivity Questionnaire. Nurs Ethics. 2010;17(1):99-105.-1010. Kim YS, Kang SW, Ahn JA. Moral sensitivity relating to the application of the code of ethics. Nurs Ethics. 2013;20(4):470-8.) e Turquia(1111. Sahin SY, Iyigun E, Acikel C. Validity and reliability of a Turkish version of the Modified Moral Sensitivity Questionnaire for Student Nurses. Ethics Behav. 2015;25(4):351-9.). O artigo tem como objetivo apresentar a validação de conteúdo por peritos, como etapa essencial da validação, tradução e adaptação cultural de instrumentos de psicometria, tendo como exemplo o processo de adaptação realizado com o questionário de sensibilidade moral para Portugal e Brasil.

MÉTODO

Trata-se de estudo metodológico, descritivo, desenvolvido no âmbito do doutorado em enfermagem, que pesquisa a sensibilidade moral de enfermeiros na Atenção Primária à Saúde (APS) de Portugal e Brasil. Nesse estudo, os participantes foram peritos de Portugal e do Brasil. Para a tradução e adaptação do MSQ para o português de Portugal e do Brasil seguiu-se um protocolo de tradução e adaptação amplamente utilizado(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.or (22. Pasquali L. Psicometria. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(Esp.):992-9.). Na primeira etapa, foi obtida a autorização da autora do estudo original(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.). O contato com a autora da escala, por meio eletrônico, foi mantido durante todas as etapas da tradução do instrumento.

Na segunda etapa, realizou-se a tradução dos 30 itens do MSQ do original em inglês para o português, por dois tradutores independentes e qualificados, em cada país. Em Portugal um tradutor era linguista profissional, graduado em letras, com especialização em inglês e com experiência na área. O segundo era mestre em enfermagem, proficiente em inglês e com experiência na área da ética. No Brasil, os dois tradutores eram linguistas profissionais, sendo um graduado em letras, com especialização em inglês e experiência na área. O segundo era tradutor de uma empresa renomada de tradução simultânea e escrita no Brasil. Cada tradutor recebeu orientações para realização do seu trabalho, sendo solicitado ênfase na equivalência semântica.

Na terceira etapa constituiu-se o comitê de peritos para a validação do conteúdo do instrumento traduzido. Esta etapa é objeto do presente artigo. O comitê de peritos reproduzia uma equipe multidisciplinar(11. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(7):3061-8.), com profissionais que atendessem os requisitos: ser da área da enfermagem, saúde ou bioética; ter titulação mínima de mestre; ser pesquisador de temas relacionados as questões éticas, com publicação na área(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.).

A identificação dos peritos foi feita por busca na Plataforma Lattes para o Brasil e DeGóis, em Portugal. Incluiram-se, também profissionais do universo relacional dos pesquisadores. A coleta e análise dos dados ocorreu em 2015, entre os meses de setembro e outubro, em Portugal e novembro e dezembro, no Brasil.

Dos 15 peritos contatados, três do Brasil não responderam ao convite, Assim, os participantes foram 12 peritos, sete do Brasil e cinco de Portugal. Optou-se por utilizar um número ímpar de peritos para evitar empate nas opiniões. O contato, por meio de mensagem no correio eletrônico registrado nas plataformas, continha o convite para participar do estudo e esclarecia os objetivos da pesquisa. Ao final do e-mail havia um link de acesso ao questionário, elaborado no Google Docs. O primeiro item do questionário era o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual o perito concordava ou não em participar da pesquisa (Figura 1). No caso de não concordância o instrumento era encerrado automaticamente.

Figura 1
– Fluxograma da etapa de coleta de dados com o Comitê de Peritos, Porto, Portugal

O propósito do comitê, ou painel, de peritos foi consolidar a versão traduzida do questionário, por intermédio da equivalência em quatro áreas: Semântica (avalia o significado das palavras para preservar o significado e a formulação dos itens); Idiomática (tradução de expressões idiomáticas e coloquiais que não podem ser traduzidas literalmente, mas devem ser adaptadas); Cultural (coerência entre os termos utilizados e as experiências vividas pelos profissionais ao qual o questionário se destina, para verificar a adequação deste ao contexto cultural); Conceitual (equivalência de significado e conceito, ou seja, adequação dos conceitos à linguagem do contexto específico para onde a tradução se destina)(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.).

No Brasil, o MSQ traduzido pelos tradutores brasileiros foi enviado ao comitê de peritos do Brasil. Em Portugal, o MSQ traduzido pelos tradutores Portugueses foi enviado ao comitê de peritos de Portugal. Para o comitê de peritos de cada País, foi solicitado que: selecionassem uma das duas traduções apresentadas; analisassem o conteúdo do instrumento; modificassem ou excluíssem os itens inadequados ao questionário, e, se desejassem, propusessem nova redação para os itens.

A equipe de pesquisadores determinou que os itens com mais de 51% de concordância seriam selecionados para compor a versão “português” do MSQ(1212. Keeney S, Hasson F, Mckenna H. Consulting the oracle: ten lessons using the Delphi technique in nursing research. J Adv Nurs. 2006;53(2):205-12.). Quando houve sugestão de nova redação de adaptação estas foram consideradas desde que não alterassem o sentido do item. Mesmo tendo um número ímpar de peritos, ocorreu empate em alguns itens, isso se justifica, pois quando um perito fazia sugestão de nova redação ele não optava pelos itens da tradução. Nesses casos, a equipe de pesquisadores selecionou o item que estava mais semelhante a nova redação.

O protocolo de aprovação do projeto de pesquisa foi aprovado em 11 de agosto de 2015 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob parecer nº 1.180.518. Os princípios éticos foram seguidos em todas as fases do estudo.

RESULTADOS

Dos 12 peritos, 11 possuíam título de doutorado. O perito que não possuía o título de doutor, era mestre com doutorado em andamento. Sete dos 12 peritos eram professores universitários. Quanto às áreas de formação dos peritos, sete eram da enfermagem, dois da bioética, dois da medicina e um da filosofia. Como era um critério de inclusão do estudo todos possuíam pelo menos uma publicação sobre o tema em estudo. No quadro 1, apresenta-se um exemplo de como foi realizada a coleta de dados com os peritos. Todos os demais 29 itens seguiram a mesma estrutura de apresentação.

Quadro 1
– Modelo formulário de coleta de dados enviado ao comitê de peritos, Porto, Portugal

Após a devolução online do questionário preenchido pelos peritos, as respostas foram tabuladas, os comentários e as sugestões ordenados em um quadro para análise, conforme quadro 2.

Quadro 2
– Instrumento utilizado para análise dos dados após a resposta do comitê de peritos, Porto, Portugal

Na coluna 1, descreviam-se os itens do questionário original em inglês(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.). Na segunda coluna, apresentava-se a redação do tradutor 1 e na terceira coluna, o número de peritos que optou por esta tradução. A quarta coluna continha a tradução realizada pelo tradutor 2 e na quinta coluna registrava-se o número de peritos que optou por esta tradução. A sexta coluna apresentava o número de peritos que considerou o item adequado para o MSQ nas versões para Português de Portugal e do Brasil. Na sétima coluna, apresentava-se as sugestões de reescrita dos itens feita pelos peritos e a última coluna trazia a versão final do item para o português dos dois países.

Algumas adaptações foram necessárias para que os itens do questionário ficassem claros e de fácil compreensibilidade; os peritos sugeriram adaptações para 20 dos 30 itens apresentados. No quadro 3, apresentam-se algumas dessas sugestões.

Quadro 3
– Sugestões feitas pelo comitê de peritos, Porto, Portugal

Após essa etapa, a versão final do MSQ para o Português, adequado para enfermeiros, ficou com 28 itens, em Portugal e no Brasil (Quadro 4). O MSQ foi retro-traduzido e comparado com a versão original em inglês do instrumento pelos pesquisadores. A versão final retro traduzida foi enviada à autora do MSQ que deu parecer favorável.

Quadro 4
– Questionário de Sensibilidade Moral (MSQ) traduzido e adaptado para o Português de Portugal e do Brasil, Porto, Portugal

Algumas alterações surgem em decorrência das diferenças dos sistemas de saúde em cada país. Em Portugal é após a revolução de 1974, que passa a ser reconhecido o direito à proteção e defesa da saúde, mediante a criação de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito. Em 1989, esse termo foi revisto como “tendencialmente gratuito”. Os centros de saúde são os que maioritariamente concretizam a possibilidade de acesso aos cuidados de saúde primários à população portuguesa(1313. Varela R, Pereira L B. O ‘direito ao trabalho’, saúde, educação e o nascimento do estado social. Trab Educ Saúde. 2016;14(1):11-32.).

No Brasil, a Constituição Federal Brasileira promulgada em 1988 definiu as bases legais para a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo os princípios doutrinários da universalidade, equidade e integralidade. A Estratégia de Saúde da Família (ESF) passou a ser a política oficial do SUS para a organização dos serviços de saúde primários, que tem sua assistência centrada na família e direcionada para a comunidade(1414. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Atenção Básica. Brasília; Ministério da Saúde; 2011.).

DISCUSSÃO

Os resultados da validação de conteúdo pelos peritos identificaram a necessidade de algumas adaptações no questionário devido às peculiaridades do idioma português em Portugal e no Brasil. É preciso estar atento, na adaptação de instrumentos, ao contexto cultural e às diferenças da língua pátria de cada local, para que sejam usados em países diferentes de onde foram originalmente desenvolvidos(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.). Ou seja, não basta realizar a tradução literal dos itens do questionário do idioma original para um outro, é necessária a adaptação em relação às particularidades locais da linguagem, ao contexto cultural e de trabalho dos profissionais que utilizarão o instrumento.

Nesse processo, é preciso analisar a equivalência de significado dos termos, pois, por exemplo alguns itens do MSQ sofreram alteração do significado original com a sugestão de redação feita pelos peritos. Nesse caso, não eram aceitas. Assim, no item 8, da versão portuguesa, a sugestão do perito foi: “devo adotar estratégias que lhe permitam ser adequadamente esclarecido”, enquanto o perito brasileiro sugeriu: “há muito o que fazer por ele(a)”. Esta nova redação sugeria, ainda que sutilmente, uma forma de resolução do problema, o que não era objetivo do item e tão pouco coerente com o propósito do MSQ.

No item 9 não foi atendida a sugestão do perito português, para utilizar a expressão “sinto conflitos”, pois esta tinha significado diferente que “experiencio conflitos”. Os pesquisadores acreditam que o uso do verbo “experienciar”, remete a ideia de que a situação já foi vivida pelos enfermeiros. Nesse item, os peritos brasileiros usaram a expressão “me deparo com conflitos”, sendo as diferenças mantidas na versão de Portugal e do Brasil.

Nos itens 1, 7, 13, 15, 16, 22, 25 e 29 do questionário foi necessário fazer uma substituição de psiquiatra para enfermeiro, já que o MSQ publicado originalmente foi elaborado para psiquiatras da Suécia(66. Lützén K, Evertzon M, Nordin C. Moral sensitivity in psychiatric practice. Nurs Ethics. 1997;4(6):472-82.).

No item 16, um perito de Portugal sugeriu a redação “tomar decisões com o doente”. A sugestão não foi considerada, pois modificava o sentido do original que era “tomar decisões pelo doente”, ou seja, no “lugar do doente” e não “com o doente”. Para o questionário do Brasil optou-se por manter o termo “bom atendimento de enfermagem” e no questionário de Portugal utilizou-se o termo “bom cuidado de enfermagem”, mantendo as diferenças semânticas e o “jargão profissional” de cada País.

É importante utilizar peritos na tradução e adaptação de instrumentos, pois estes colaboram para uniformizar os termos, tornando os itens mais claros e de fácil compreensibilidade. A adaptação de instrumentos para outra língua, é um processo complexo, pois envolve levar em consideração o idioma, o contexto cultural e o estilo de vida(11. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(7):3061-8.).

Nesse sentido, os itens 21 e 24 do questionário eram específicos do cuidado a pacientes psiquiátricos, assim, os pesquisadores optaram pela exclusão de ambos, tendo em vista que o instrumento seguirá a validação com enfermeiros que atuam na Atenção Primária à Saúde. A literatura apresenta que o comitê de peritos é autônomo para modificar ou eliminar itens irrelevantes, inadequados, âmbíguos, sugerir palavras substitutas que se ajustem melhor ao item em avaliação, desde que mantenha o conceito original dos itens(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.).

No item 30, optou-se por substituir os termos: “função”, (sugestão de um perito brasileiro) e “profissão”, (sugestão de um perito português), pelo termo “atividade”. Esta expressão parece ser mais utilizada na prática e está descrita no regulamento do exercício profissional dos enfermeiros de Portugal(1515. Decreto-Lei nº 161/96, de 4 de setembro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 104/98 de 21 de abril). Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE). Lisboa: Ordem dos Enfermeiros, 1998.) e do Brasil(1616. Presidência da República (BR). Decreto no 94.406, de 8 de junho de 1987. Regulamenta a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre o exercício da Enfermagem, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil. 1987 jun 9;124(Seção 1):8853-5.). Os sistemas de saúde vigentes nos dois países guardam estreita relação nas suas políticas públicas, entretanto, a organização geral do trabalho é diferenciada e, portanto, essas características podem determinar diferenças na atuação profissional e na nomenclatura das atividades desenvolvidas em cada País.

A obtenção de peritos é uma dificuldade nos estudos de tradução e adaptação, pois não há consenso quanto às características definidoras de um perito. A falta de uniformidade nos critérios para se considerar um profissional como perito é descrita na literatura(1717. Pompeo DA, Rossi LA, Paiva L. Validação de conteúdo do diagnóstico de enfermagem náusea. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(1):49-57.), gerando discussões e sugestões variadas sobre o perfil de um perito. Por exemplo, pode-se questionar os anos de experiência; tempo de graduação; grau de titulação; experiência com pesquisa; publicações sobre o tema estudado e local de atuação. Estudo(1717. Pompeo DA, Rossi LA, Paiva L. Validação de conteúdo do diagnóstico de enfermagem náusea. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(1):49-57.) corrobora ao afirmar que existem dúvidas na definição dos atributos de um perito.

Estudo(1818. Baker J, Lovell K, Harris N. How expert are the experts? an exploration of the concept of ‘expert’ within Delphi panel techniques. Nurse Res. 2006;14(1):59-70.) refere que a escolha de peritos por possuir um determinado número de anos de experiência clínica, é uma decisão que tem que ser tomada com cautela. Pois, é impossível prever se o profissional possui a competência necessária, conhecimento ou habilidades se “anos de experiência” for o único critério sobre o qual eles serão escolhidos.

Nesse contexto de indefinição, a fim de viabilizar a identificação de peritos, estudo(1919. Melo RP, Moreira RP, Fontenele FC, Aguiar ASC, Joventino ES, Carvalho EC. Critérios de seleção de experts para estudos de validação de fenômenos de enfermagem. Rev Rene. 2011;12(2):424-31.) refere que cada pesquisador elabora os seus próprios critérios como forma de direcioná-los aos objetivos do estudo, respeitando os requisitos necessários para considerar um profissional um perito. De qualquer forma, os critérios devem ser claros, justificando-se as escolhas do pesquisador, a fim de aumentar a credibilidade das pesquisas futuras, é fundamental que se estabeleça a definição de perito(1919. Melo RP, Moreira RP, Fontenele FC, Aguiar ASC, Joventino ES, Carvalho EC. Critérios de seleção de experts para estudos de validação de fenômenos de enfermagem. Rev Rene. 2011;12(2):424-31.).

Tendo em consideração os resultados deste estudo, destaca-se que a validação de conteúdo fundamenta-se na opinião de peritos sobre o tema em estudo, portanto é fundamental que seja feita uma adequada identificação e escolha desses profissionais. A escolha inadequada dos peritos irá interferir na fidedignidade dos resultados, pois cabe a esses profissionais a tarefa de julgar a compreensibilidade dos itens do questionário, que posteriormente serão confirmados pela etapa da validação em uma amostra maior.

Considera-se como atributos de um perito, neste estudo, possuir elevada titulação acadêmica (mestre, doutor ou pós-doutor); ser pesquisador na temática em questão e ter publicações na área. Pois, considera-se que a sensibilidade moral é mais estudada no âmbito acadêmico e não tanto na prática dos serviços. Ou seja, foram estabelecidos os critérios de seleção pela produção acadêmica e não pelos anos de experiência clínica profissional. Estudo corrobora com nossa escolha ao afirmar que indivíduos podem estar de posse do conhecimento sem ter experiência clínica(1818. Baker J, Lovell K, Harris N. How expert are the experts? an exploration of the concept of ‘expert’ within Delphi panel techniques. Nurse Res. 2006;14(1):59-70.).

Quando se trata de adaptação cultural, sugere-se a formação de um comitê de peritos multidisciplinar(44. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32.). No presente estudo, como há um número reduzido de profissionais que trabalham com o tema da sensibilidade moral, é provável que estes não disponham de tempo para responder todas as pesquisas para as quais são convidados.

Também há divergências quanto ao número de peritos a serem consultados. Há recomendações para que sejam, no mínimo, cinco e, no máximo, 10. Mas há orientações para que a decisão seja tomada depois de considerar as características do instrumento, a formação, a qualificação e a disponibilidade dos peritos necessários(11. Alexandre NMC, Coluci MZO. Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Cienc Saude Coletiva, 2011;16(7):3061-8.).

Nesse contexto, o uso de softwares para coleta de dados de forma online facilita o acesso aos peritos, especialmente em locais distantes, economizando tempo e agilizando o processo(2020. Wright KB. Researching internet-based populations: advantages and disadvantages of online survey research, online questionnaire authoring software packages, and web survey services. J Comput-Mediat Commun. 2005;10(3):00.). Os softwares que possibilitam a coleta de dados online tornam a investigação muito mais fácil e rápida. Por outro lado, há desvantagens como incerteza sobre a veracidade dos dados e questões relativas à concepção, implementação e avaliação de uma pesquisa online(2020. Wright KB. Researching internet-based populations: advantages and disadvantages of online survey research, online questionnaire authoring software packages, and web survey services. J Comput-Mediat Commun. 2005;10(3):00.). Algumas das desvantagens são os problemas em relação a amostra, pois alguns indivíduos respondem ao convite para participar, enquanto outros podem ignorá-lo. Alguns dos pacotes de software de pesquisa online são pagos, além de limitar o número de dados armazenados(2020. Wright KB. Researching internet-based populations: advantages and disadvantages of online survey research, online questionnaire authoring software packages, and web survey services. J Comput-Mediat Commun. 2005;10(3):00.).

Como o MSQ é um instrumento já utilizado em diferentes línguas (inglesa, turca, coreana) e aplicado no âmbito da enfermagem, considerou-se que poderia ser utilizado o critério de 51% de concordância entre os peritos(1212. Keeney S, Hasson F, Mckenna H. Consulting the oracle: ten lessons using the Delphi technique in nursing research. J Adv Nurs. 2006;53(2):205-12.). Estudos que realizaram a validação do MSQ na Turquia(1111. Sahin SY, Iyigun E, Acikel C. Validity and reliability of a Turkish version of the Modified Moral Sensitivity Questionnaire for Student Nurses. Ethics Behav. 2015;25(4):351-9.) e na Coréia(99. Han SS, Kim J, Kim YS, Ahn S. Validation of a Korean version of the Moral Sensitivity Questionnaire. Nurs Ethics. 2010;17(1):99-105.) utilizaram opinião de peritos para determinar a validade de conteúdo, sendo, os itens confirmados como de fácil compreensão e sem quaisquer problemas. Os peritos que eram enfermeiros foram convidados, a avaliar se os itens possuíam expressões inadequadas ou que fossem de difícil entendimento para o contexto das enfermeiras coreanas, não foi relatado pelos peritos dificuldade nesse processo de revisão(99. Han SS, Kim J, Kim YS, Ahn S. Validation of a Korean version of the Moral Sensitivity Questionnaire. Nurs Ethics. 2010;17(1):99-105.).

Os instrumentos de medida utilizados em pesquisas precisam ser consistentes e confiáveis a fim de garantir a validade e a qualidade dos resultados. Estes instrumentos podem servir como suporte para o planejamento de novas pesquisas, possibilitar as comparações entre diferentes culturas e a aplicação dos conhecimentos nos diversos contextos assistenciais, gerenciais e de ensino da enfermagem.

CONCLUSÕES

Foi possível compreender que a validação de conteúdo por peritos, é ferramenta essencial para a validação, tradução e adaptação cultural de instrumentos de psicometria na enfermagem, pois aumenta a confiabilidade destes. Esse estudo explicitou o processo de adaptação realizado com o questionário de sensibilidade moral para Portugal e Brasil. Destaca-se, a importância da utilização de peritos para confirmar que o questionário constituí um universo de itens que delimita com clareza o tema em estudo, bem como, colabora para uniformizar os termos, mantendo as diferenças linguísticas de cada País. A descrição detalhada de todas a etapas do processo de seleção dos peritos, recolha e análise dos dados, é essencial para que os leitores e pesquisadores aquilatem a confiabilidade da tradução e adaptação de instrumentos.

Os resultados dessa validação de conteúdo por peritos são úteis para a assistência, ensino e pesquisa em enfermagem, na medida que permitem oferecer um instrumento padronizado para mensurar a sensibilidade moral de enfermeiros de Portugal e do Brasil, possibilitando comparações internacionais. Compreender o procedimento da validação de conteúdo dos instrumentos de psicometria por um comitê de peritos é essencial para pesquisadores e enfermeiros, cada vez mais preocupados em utilizar medidas confiáveis e apropriadas para pesquisas e avaliação da assistência.

Como limitações dessa pesquisa, menciona-se o reduzido número de peritos na área da sensibilidade moral, bem como, de estudos de validação de conteúdo na área da Atenção Primária à Saúde na literatura.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2016
  • Aceito
    12 Maio 2017
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