Open-access ENTRE O SUBSÍDIO E A SUBVERSÃO: NEGOCIAÇÕES E DISPUTAS AO REDOR DOS "BATUQUES" E DAS "DANÇAS NATIVAS" NO SUL DE MOÇAMBIQUE (1900-1950)

BETWEEN THE AID AND THE OVERTHROW: NEGOTIATIONS AND DISPUTES AROUND THE "BATUQUES" AND THE "NATIVE DANCES" IN THE SOUTH OF MOZAMBIQUE (1900-1950)

Resumo

Ao longo da primeira metade do século XX, o linguajar colonial português unificou diferentes práticas musicais e dançantes das populações do sul de Moçambique no termo batuque. Por um lado, o artigo pretende analisar os processos de transformação dessas práticas no contexto de colonização portuguesa, promovedor de uma homogeneização e espetacularização das diversidades socioculturais existentes naquela região, incorporando-as à retórica da dominação. Por outro lado, acompanhar as entrelinhas das apresentações dos "batuques" e das "danças nativas" para um público não praticante revela traços de uma multifacetada experiência das populações sul-moçambicanas colonizadas que, por meio de suas ações, produziram incontáveis e inesperadas reinterpretações e ressignificações de suas próprias práticas e experiências.

Palavras-chave: Sul de Moçambique; música; dança; espetacularização; colonialismo

Abstract

During the first half of the twentieth century, the colonial Portuguese regime unified different musical and dance practices of the populations from the south of Mozambique inside the word batuque. On the one hand, the article intends to analyze the processes of transformation of these practices by the Portuguese power that promoted a homogenization and spectacularization of the socio-cultural diversities existing in that region, seeking to incorporate them into the rhetoric of domination. On the other hand, follow the lines of these specific moments of "batuques" and "native dances" presented to a non-practicing audience reveal how theses experiences of the south Mozambican populations dominated by Portuguese power produced innumerable and unexpected reinterpretations and resignifications of their own practices.

Keywords: South of Mozambique; music; dance; spectacularization; colonialism

1. Apropriações, negociações e resistências

No dia 15 de junho de 1901, o jornal O Português divulgou com pompa a ocorrência da "festa da abertura de uma igreja na Manhiça". 1 No dia seguinte ao anúncio, a vila de Manhiça, sede do atual distrito de mesmo nome localizado ao norte da cidade de Maputo - naquela época chamada de Lourenço Marques -, capital de Moçambique no período colonial e pós-colonial, recebeu a presença de representantes da imprensa e de ilustres figuras da administração colonial. Durante os eventos, buscou-se demonstrar algumas qualidades do caráter evangelizador e missionário civilizacional da empreitada colonial. Num determinado momento, um dos correspondentes da imprensa descreveu como um "espetáculo curioso" a presença de "5.000 negros" obedecendo de maneira ordeira a entrega das sacas de arroz que plantaram e colheram nas propriedades da igreja, com o objetivo de angariar fundos em um leilão beneficente. 2

Após os demonstrativos potenciais da capacidade de produção da terra e de exploração da mão de obra local, os convidados foram levados para assistir a um "grande batuque". Organizado para entreter o público presente, primeiramente dançaram cerca de 30 "mulheres da Manhiça" que acompanharam o "compasso de um enorme bombo". Em seguida, foi a vez das "danças dos m'chopes". A apresentação foi dividida em diferentes movimentos. Conjuntamente com a música provinda de "enormes marimbas e ao compasso marcado pelo conjunto dos sons destas e dos bombos", duas fileiras de dançarinos realizaram "uns movimentos cadenciados e com muita precisão". Depois, dois outros grupos "executaram (...) diferentes números de dança". Seus passos acompanhavam a música, auxiliando-a com "violentas pancadas dadas com a perna direita a cujos tornozelos traziam presos grandes números de bogathos". Apesar de empregar adjetivos valorativos da capacidade dos músicos e dançarinos, o autor dos relatos buscou explicar que aquelas práticas não eram, necessariamente, novidades para si ou para seus leitores. Afinal, mesmo ficando impressionado, o "espetáculo curiosíssimo (...) [era] para nós já conhecido". 3

Mapa 1

Mapa publicado em TRACEY, Hugh. Chopi musicians. Their music, poetry, and instruments. Londres: Oxford University Press, 1970 (sem página). Em vermelho estão as referências a Manhiça e a Zavala. Ambas as regiões aparecem nas fontes como locais com uma proliferação de práticas musicais e dançantes que dialogaram com o poder colonial português. Manhiça, nas proximidades de Lourenço Marques, era uma região importante por estar localizada na fronteira entre os grupos denominados como shangana e chopi.

O relato do jornal apresenta os "5.000 negros", as dançarinas de Manhiça e os membros da orquestra de "dança dos m'chopes", como perfeitos representantes das populações nativas cooptadas pela administração colonial. Ordeiros, trabalhadores, mas permanecendo "exóticos" e, portanto, dependentes dos agentes tutelares coloniais, representavam o ideal almejado pela administração colonial. A ênfase dos relatos publicados sobre aquela celebração recaiu na capacidade portuguesa em promover o controle e o ordenamento dessas populações superficialmente delineadas na descrição do "grande batuque". Efetivamente, a localização de Manhiça facilitou novas experiências e, consequentemente, transformações em diferentes práticas socioculturais locais. As pressões desenvolvidas pela empreitada colonial portuguesa tentaram empurrar esses grupos para se inserir em lógicas da venda de sua força de trabalho dentro de mecanismos criados pelo próprio colonialismo. Como consequência, ocasionaram, principalmente, fortes pressões migratórias para o meio urbano laurentino e para as minas da África do Sul. 4

Nessas celebrações que mimetizavam processos desenvolvidos pela colonização portuguesa no sul de Moçambique, região atualmente dividida administrativamente de forma semelhante ao período colonial, correspondendo as províncias de Maputo, Gaza e Inhambane, evidenciam-se importantes perspectivas de análise a respeito das lógicas do Império português na sua dinâmica com as práticas socioculturais das populações nativas africanas. Essa vasta gama de indivíduos interagiu com esses agentes não apenas como consolidadores das pretensões exploratórias portuguesas. Agindo dentro das possibilidades que lhes eram abertas e forçando-as para seus proveitos, terminaram por produzir inúmeras desventuras na construção do fenômeno colonial.

Diferentes pesquisas enfocaram suas análises para a questão da poesia oral e de suas performances abordando-as como um importante mecanismo de comunicação existente em diversas formas de expressão da África subsaariana. A obra do etnomusicólogo Hugh Tracey, produzida nos anos 1940 e 1950, sobre as timbila e os migodo, dos grupos chopi, 5 identificou nessas práticas um local "para expressar seus sentimentos ou vozes de protesto contra a dificuldade" e "cheio de palavrório, humor e fofocas" (TRACEY, 1970, p. 3 e 48). 6 Buscando compreendê-las a partir de uma perspectiva que valorizasse a voz africana que emanava dessas práticas, demonstrou-se como a liberdade de expressão reinante nessas formas orais de relatar a experiência puderam ser acionadas como mecanismos de críticas às práticas de controle europeu no continente africano. 7 Outras pesquisas foram além ao tentarem compreendê-las enquanto mais do que versões modernas de "joking relationships". Investigações como as de Leroy Vail e Landeg White levaram-nos a entender as canções dos trabalhadores da Sena Sugar Estates Ltd., "apesar do seu conteúdo irreverente, (...) como 'um mapa' da experiência, no centro de Moçambique, de toda uma população" (VAIL & WHITE, 1997, p. 54). 8

Uma parcela significativa das pesquisas produzidas no pós-independência moçambicano e durante o contexto de conflito armado que assolou o país entre 1977 e 1992, preocupou-se em recolher canções que versavam sobre as experiências dos trabalhadores africanos no período colonial, atentando para a necessidade de construir uma história do país em oposição às perspectivas colonialistas portuguesas (MANGHEZI, 2003). 9 Como afirma Alpheus Manghezi, as canções "cantadas no passado como um ato de protesto e desafio contra o opressor colonial", que teriam sido usadas "direta e abertamente" como "uma arma cultural contra o colonialismo", teriam continuado a ser cantadas com "grande firmeza" mesmo depois da independência (MANGHEZI, 2003, p. 4). 10

Trabalhos recentes têm encarado essas práticas a partir da formação de um campo musical das populações de origem africana nos subúrbios de Lourenço Marques e seus arredores, e de sua relação com a construção de perspectivas a respeito das disputas pela concepção de uma cultura moçambicana em oposição ao regime colonial (SOPA, 2014; LARANJEIRA, 2014; FILIPE, 2017). 11 Outros têm enfocado como essas práticas podem ser classificadas como constituintes de uma cultura popular urbana laurentina e, sobretudo, como esse conjunto de manifestações estabeleceram relações diversas com o poder colonial, dependendo do contexto de interação que constituíram (DOMINGOS, 2002). 12 Fosse através das tentativas de patrimonialização dos chamados batuques nas cerimônias oficiais do regime colonial ou pelo movimento das associações africanas existentes em Lourenço Marques na construção de um "folclore moçambicano" que simbolizasse um pertencimento nacional a Moçambique em oposição a Portugal (CRAVEIRINHA, 2009), 13 esses estudos abordaram as maneiras como as variadas formas de dançar e de cantar das populações chamadas de indígenas pelo colonialismo português foram acionadas politicamente por agentes sociais que as praticavam ou que as assistiam de acordo com os seus objetivos específicos.

De maneira geral, é perceptível como as apresentações que genericamente aparecem designadas nas fontes como batuques passaram por um processo de espetacularização que as tornou, durante a primeira metade do século XX, num momento propício para expressar desejos e intenções de maneira pública e coletiva. Cada prática, com suas particularidades, transformando-se na medida em que interagiam entre si e com as modificações pelas quais eram obrigadas a passar com as pressões exercidas pelos poderes coloniais, ganharam novos e inesperados significados. Nesse sentido, é importante encarar de maneira genealógica as apresentações desses ditos batuques realizadas para um público não praticante. O fenômeno da espetacularização dessas práticas por meio da orquestração de apresentações para um público específico, composto majoritariamente por homens e mulheres brancas/europeus, será explorado aqui por meio da análise de exemplos ocorridos ao longo do decorrer da primeira metade do século XX. As frestas abertas pelo paradoxo colonial da diferenciação e assimilação das populações africanas ficam evidentes nesses casos, em que pretendo perceber as maneiras como essas danças e músicas foram acionadas em determinadas horas como subsídio dos projetos coloniais e, em outras, como possibilidades levadas a cabo pelos seus praticantes de subversão da ação colonial. 14

2. Subsídios

As "danças dos m'chopes", realizadas para expedições exploratórias portuguesas de acordo com os interesses e anseios dos próprios grupos que as praticavam, haviam entrado em 1901, quando das descrições que iniciam esse artigo, na ciranda da dominação colonial. 15 Operacionalizadas para a celebração da inauguração de uma igreja católica, foram apresentadas como uma forma de espetáculo capaz de representar o exótico e o selvagem das populações nativas africanas, ao mesmo tempo em que valorizavam a capacidade controladora portuguesa.

Desde o início da expansão da presença europeia no sul de Moçambique, a partir da segunda metade do século XIX, as apresentações dos grupos chopi atraíram fascínio. Vicent Erskine, o primeiro europeu a ir da nascente até a foz do rio Limpopo, descreveu com deslumbramento, em 1875, o ngodo que havia presenciado durante sua viagem. Quando chegou em uma importante localidade, foi recebido por

Quatro ou cinco pianos nativos (...), e vários tambores, grandes e pequenos, com chocalhos que contêm as sementes cafres fechadas em cápsulas de caniços; também outros chocalhos fixos em alças, e um tipo peculiar preso acima da panturrilha e do tornozelo da perna direita. O piano começou a melodia, que formava uma espécie de acompanhamento para o canto no ar; os pequenos tambores tiveram sua própria parte e os grandes tambores a sua; os chocalhos de um tipo e os chocalhos nas pernas também tiveram partes separadas. Os instrumentos de tipos diferentes foram tocados em conjunto, cada um na sua vez e, em intervalos, uma vez que fosse considerado necessário; um estrondo de todos veio num coro conjunto. O efeito foi bom, e a música muito regular. No momento em que ela morreu quase em silêncio, e então gradualmente foi ficando mais alto como se cada instrumento entrasse em conversação, até que os grandes tambores, os chocalhos de mão, os chocalhos das pernas, a voz grave e o coro vieram para o final crescendo e depois gradualmente morreram novamente. Eu nunca ouvi novamente música nativa tão eficaz, em parte porque no nosso regresso, os homens estavam ausentes em uma expedição guerreira (ERSKINE, 1875, p. 56-57). 16

Características semelhantes às descritas por Vincent Erskine, como a relação desse tipo de prática com funções militares, puderam ser percebidas no século XIX por militares portugueses que expedicionaram pela região (ANDRADE, 1894, p. 70-75). 17 As letras elaboradas previamente por um compositor que as imprimia como um mecanismo de comunicação entre aqueles que realizavam a performance e aqueles que a assistiam, as ricas coreografias ensaiadas e, principalmente, suas grandiosas orquestras de timbila, o instrumento musical que marcava com uma característica ímpar o ngodo, rapidamente transformaram-se em objeto de deslumbre e de análise dos administradores coloniais portugueses.

Elencada como ponto focal dessas apresentações em detrimento dos outros instrumentos e elementos que compunham o ngodo, a timbila ganhou destaque. O instrumento tornou-se o centro nervoso dessas apresentações e das descrições produzidas durante o período colonial sobre essa prática sociocultural. Henri Junod, por exemplo, publicou um artigo em 1927 dedicado à análise do "piano nativo da tribo chopi". Segundo o missionário e etnógrafo, os xilofones seriam instrumentos que recorrentemente foram empregados pelos chamados Bantu. Porém, os chopi teriam desenvolvido técnicas tão apuradas na confecção e no tocar desses instrumentos que justificaria considerá-los enquanto uma genuína produção da genialidade desse grupo. Esse ponto seria corroborado pelas "tribos Bantus que os cercavam [que] não hesitavam em chamar os chopi de 'mestres' da mbila" (JUNOD, 1927, p. 275). 18

A timbila também impressionou o administrador colonial António Augusto Pereira Cabral, que a apresentou como "o mais engenhoso instrumento usado pelos indígenas" (CABRAL, 1925, p. 41). 19 Outros, como Fernando de Lima que buscou realizar uma tipificação do "folclore de Moçambique", chamaram a mbila apenas pela designação em português de marimba. Lima afirmou ser esse o "grande instrumento" usado para tocar "música indígena [e] músicas europeias" (LIMA, 1934, p, 10). 20 Sua interpretação do instrumento e da sua execução incorporava-os a cosmogonia do Império português na África. Fazendo parte de um ethos nacional que emanava da metrópole englobando todas as possessões ultramarinas, o som da timbila conseguiria deixar de ser "a música de Pretos", tornando-se para o "coração saudoso autênticas melodias da terra natal", sendo "frequente ouvirem-se os acordes do Hino Nacional" português. Sua conclusão era de que mesmo sendo uma "música indígena, bem tocada, é autêntica música portuguesa" (LIMA, 1934, p, 11). 21

Não deixa de ser irônico imaginar que para ouvidos portugueses aqueles sons tenham sido incorporados a uma perspectiva de representação da ação colonizadora civilizatória enquanto uma "autêntica música portuguesa". Afinal, as orquestras eram muito importantes para as chefias chopi, sendo usadas pelos mesmos para representar o seu triunfo cultural frente a outras comunidades, inclusive a portuguesa. De qualquer forma, eram os músicos e dançarinos de práticas como o migodo que passaram a ser constantemente selecionados para representar a engenhosidade dos "indígenas moçambicanos" em momentos específicos de celebração do Império português.

2.1. Espetacularização dos "batuques" e das "danças nativas" como projeto colonial

As grandes exposições internacionais surgiram na segunda metade do século XIX e ganharam força rapidamente, atingindo seu auge na primeira metade do século XX. Tornaram-se um grande palco ritual no qual os impérios selecionavam e produziam realidades das suas possessões ultramarinas. 22 Para Portugal, foi por meio delas que se buscou glorificar a "nação como um espaço pluricontinental" (THOMAZ, 2002, P. 193). 23 Pesquisas como as de Omar Ribeiro Thomaz e Patrícia Ferraz de Matos foram capazes de demonstrar a importância dessas exposições na construção de uma linha argumentativa que apresentava a colonização como fundamental para a própria sobrevivência da nação portuguesa (THOMAZ, 2002; MATOS, 2006). 24 No entanto, ao enfocarem as exposições a partir da metrópole, deixaram de lado as relações travadas durante seus preparativos no terreno das colônias e, consequentemente, os significados e as disputas que o processo seletivo daquilo que deveria ser enviado para ser exposto poderia acarretar.

Como tentativa de produzir uma "experiência sensorial da vida colonial" (MARTINS, 2014, p.166), 25 a exibição de grupos humanos nessas exposições foi desde cedo um fator importante para a concretização do seu desígnio pedagógico e como forma de atrativo do público. A participação viva de africanos da Guiné, Angola e Moçambique, objetificados em gabinetes de curiosidade, ocorreu em diferentes cidades e exposições realizadas em Portugal ao longo do período analisado. 26 Na seção colonial da Exposição do Mundo Português, realizada em 1940 em Lisboa, a participação de indivíduos nativos provindos das diversas possessões portuguesas africanas foi substancialmente operacionalizada como chamariz para a atração do público metropolitano e como conferidor de legitimidade aos projetos coloniais portugueses.

A princípio, o comissário geral da Exposição do Mundo Português havia solicitado "um grupo de indígenas que reúna em tudo uma forte expressão etnográfica" para serem remetidos para Lisboa. Sua lista era grande. Instava o governador geral de Moçambique que, por meio da Secretaria dos Negócios Indígenas, deveriam ser enviados de "4 a 6 indígenas da Zambézia", "30 indígenas do norte da Colônia, de preferência 'macondes', 'angonis' ou macuas (...) que ofereçam interesse para exibições", "1 casal de mestiços do Ibo", mais outras duas famílias "compostas cada uma de 4 membros" da região de Inhambane e que pudessem construir "as cubatas típicas das respectivas regiões e nelas habitarem consoante os seus usos". Além desses, as festas que estavam sendo organizadas deveriam contar com a presença de um destacado grupo de "40 indígenas do Sul da Colônia, landins ou machopes que possam exibir o celebre batuque dos guerreiros". 27

A secretaria mostrou-se bastante preocupada com essa solicitação. As correspondências entre administradores coloniais indicam que os gastos seriam demasiado altos para conseguir satisfazer às expectativas metropolitanas. A saída foi a de selecionar com mais agudeza aqueles indivíduos que supostamente melhor serviriam como atrativos na exposição e que, no conjunto, seriam representativos do "indígena de Moçambique". A preocupação foi de, não conseguindo corresponder às demandas lisboetas, selecionar um "grupo de indígenas moçambicanos" para figurarem na Exposição do Mundo Português, "formado por duas das mais representativas sub-raças bantus" que povoavam o território. 28

Sendo assim, em 27 de abril de 1940, saíram de Lourenço Marques rumo a Lisboa 46 pessoas. Desse total, seis eram macondes, três homens e três mulheres, todos com alguma habilidade específica - escultores em madeira ou fabricantes de cestas e esteiras -; alguns traziam no corpo tatuado "a marca tribal". O principal destaque recaiu no grupo chopi formado por 30 homens, cinco mulheres e cinco crianças. Todos estariam levando "os seus trajes de batuque". Os homens faziam parte de "uma orquestra de timbila (vulgarmente, marimbas), com os seus bailarinos". A popularidade e a fama desse grupo pareciam ser significativas, o que indicava uma boa e anterior relação com setores da administração colonial. Comandados por um régulo da circunscrição de Zavala, distrito localizado na atual província de Inhambane, distante cerca de 350 km de Lourenço Marques, os bailarinos e o "compositor de melodias africanas que serão executadas pela orquestra" previamente teriam se apresentado com relativo sucesso na África do Sul. É importante destacar o local de procedência desse grupo, originário especificamente de Zavala, o que pode indicar um capital cultural e simbólico que tenha sido acionado pelos administradores coloniais e praticantes das orquestras de timbila. Como aponta o etnomusicólogo Marílio Wane, o distrito, descrito pelo autor como "a terra dos chopi por excelência", é considerado pela bibliografia como o berço dessas orquestras (WANE, 2010, p.7). 29 Para além, um administrador colonial defendeu a validade da escolha desses bailarinos e músicos apelando para o conhecimento disseminado de que "as orquestras chopi de timbila" seriam a "expressão mais apurada da música indígena e os chopi são, das populações do nosso território, aqueles que melhor traduzem o gênio musical dos bantu" (WANE, 2010, p.7). 30 Buscava-se repetir o sucesso que os "tocadores de marimbas moçambicanos" haviam feito na I Exposição Colonial Portuguesa, ocorrida em 1934 (SERRA, 2016, p. 54). 31

Na década de 1930 e 1940, esse tipo de apresentação organizado por diferentes setores do poder colonial, com objetivos relacionados a um processo de espetacularização da vida e de práticas socioculturais específicas das populações nativas, numa ação de apropriação das mesmas para preceitos dos projetos coloniais, estava bastante consolidado. As orquestras de timbila foram incorporadas nessas apresentações ignorando aspectos que as inseriam nas lógicas do migodo e dentro de nexos de poder dos chopi, conectando-as ao poderio colonial português. As experiências advindas desse processo foram ferramentas importantes para a demonstração e para a consolidação do controle colonial.

Ao longo das primeiras décadas do século XX foram organizadas apresentações para figuras ilustres do cenário político português e para membros de famílias reais europeias durante suas passagens por Moçambique. A prática de receber uma autoridade portuguesa com um "grande batuque" parece ter se disseminado tão rapidamente quanto a própria presença da administração colonial portuguesa pelo território. São vários os exemplos. O governador geral, em 1905, ao viajar para o norte de Moçambique, teria sido recebido em Quelimane por "um batuque de três mil negros". 32 No ano seguinte, quem teve o privilégio de assistir a algo parecido, mas agora em Lourenço Marques, foram os duques de Connaught. O jornal O Progresso anunciou, poucos dias antes da chegada dos membros da família real britânica, a vinda de "1.200 indígenas para tomar parte do batuque" organizado para recepcionar a ilustre comitiva. Esses "indígenas" provinham da província de Inhambane, onde está Zavala, e, possivelmente, traziam suas orquestras de timbila com o intuito de realizarem uma performance em solo laurentino. 33 O total de "indígenas que estiveram presentes no batuque", segundo o Lourenço Marques Guardian, provindos de diferentes sedes administrativas coloniais que circundavam a cidade, adicionados alguns outros de Inhambane, corresponderiam ao inflado número de 15.250. 34

A apresentação ocorreu no "centro da cidade", onde "um exército de indígenas, completo em todos os detalhes, incluindo mesmo armas de ataque e defesa - azagaias, machadas e escudos" - teria sido dirigido por "somente três europeus e um pequeno número da polícia indígena". Mesmo com a exorbitante quantidade de "indígenas (...) no local do batuque" e a reduzida quantidade de autoridades postas para evitar qualquer imaginável tumulto, o evento havia, supostamente, ocorrido de maneira primorosamente ordeira. Com relação àqueles que haviam sido deslocados para Lourenço Marques com o intuito de apresentarem-se nesse espetáculo, o jornal afirmou que demonstraram "deleite e interesse", não tendo ninguém notado "qualquer sinal de 'aviltamento' ou de descontentamento por parte dos indígenas". 35 Todos esses fatores evidenciam como o intento do evento e das descrições subsequentes buscou valorizar a capacidade portuguesa de convocar, reunir e organizar, sem esforço excessivo e sempre sob muito controle, um grande número daqueles que se encontravam sob o seu domínio. Ao mesmo tempo, ao insistirem na passividade dos ditos indígenas, reforçavam uma suposta demonstração de adesão dessas populações às causas colonizadoras portuguesas.

Aquilo que foi realizado em março de 1906 serviu como ensaio para o que veio a ocorrer em 1907, quando da passagem do príncipe-herdeiro português d. Luiz Filipe de Bragança pela capital moçambicana. A imprensa de Lourenço Marques esteve em clima de rebuliço com a vinda de "Sua Alteza Real". 36 Foram longos os preparativos para esse dia, assim como o das inúmeras recepções. 37 A "colônia chinesa", os "negociantes mouros", os "notáveis de Lourenço Marques" e tantos outros grupos que habitavam a cidade tentaram participar e se mostrar presentes naqueles festejos. 38 A enorme quantidade de correspondências entre diferentes setores dos poderes coloniais e, principalmente, o tom adotado nelas, sempre muito zeloso para tornar a visita mais agradável possível, sem preocupações em economizar dinheiro para isso, demonstram a importância que o evento havia ganhado para a administração colonial portuguesa em Moçambique. Aquele era o momento propício para corroborar a eficácia dos administradores em efetivar o processo de colonização. 39

Dentre esses vários preparativos, coube aos "administradores das circunscrições" organizarem "os régulos para apresentarem [em Lourenço Marques] 6.000 a 7.000 indígenas em trajes de gala". 40 Os administradores e os régulos conseguiram fazer um trabalho ímpar de angariar representantes capazes de demonstrar suas habilidades. Impressionando os estrangeiros que se encontravam na cidade, teriam permanecido nas ruas laurentinas "cerca de vinte mil indígenas armados em guerra, mantendo-se na perfeita ordem sem o mais ligeiro auxílio de força e apenas pela obediência aos administradores das respectivas circunscrições". 41 Essa capacidade de reunir tantos "indígenas" para "um espetáculo sem precedente e sem imitação possível em qualquer outra colônia" parece ter impressionado o filho do rei português, que recebeu os régulos do distrito de Lourenço Marques e alguns de Gaza. Em troca, as autoridades africanas "manifestaram o seu entusiasmo pela presença" real. 42

Foi por meio da "concorrência de pretos" que se apresentaram com uma "orquestra dos Chopi" e com o "batuque de guerra", realizados numa das principais avenidas de Lourenço Marques, que as celebrações alcançaram um patamar classificado pela imprensa laurentina como "um dos mais sensacionais espetáculos com que assombramos o mundo". Essa era, em menos de um ano, a segunda vez que a administração colonial conseguia, em parceria com os régulos locais, organizar a apresentação de um número exorbitante de "negros armados e equipados" para serem vistos desempenhando um "batuque de guerra (...) no coração da cidade". O "formigueiro humano de zagaias" que traziam consigo "penachos estupendos a cobrir-lhe a cabeça e o rosto", dando a impressão de "milhões de Diabos saídos das profundezas do Inferno", certamente impressionou. 43 Porém, a magnitude do espetáculo esteve na capacidade daqueles que se apresentaram em serem mantidos ordenados em comunhão com os objetivos que a cerimônia previa, nutrindo uma suposta cooperação e comunicação entre partes distintas. 44

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Apud SOPA, António. A alegria é uma coisa rara..., op. cit., 2014, p. 259-260. As lentes dos irmãos Joseph e Moses Lazarus, responsáveis pelo principal estúdio fotográfico de Lourenço Marques na primeira década do século XX, registraram a “orquestra chopi” e o “batuque de guerra” realizados em 1907. Utilizando-se de planos que captassem a vastidão de pessoas que se apresentaram no espetáculo, as fotos referentes ao “batuque” passam a ideia da grandiosidade daquele evento.

A interpretação oficial foi exatamente a de que as festas apresentaram apenas cenas de regozijo e entusiasmo por parte daqueles que tomaram lugar no "espetáculo". Ao desfilarem performaticamente com seus batuques perante "Sua Alteza", os homens, com suas armas em punhos, estariam demonstrando para todos que lá assistiam à "perfeita compreensão" que tinham do domínio português "sobre os indígenas". Esse fator era reforçado pelas recorrentes referências a maneira como esses mantiveram-se controlados e obedientes sob "as ordens de 6 ou 7 europeus". Tudo isso serviria para demonstrar que, naquelas paragens moçambicanas, estaria sendo "válido o trabalho português". 45 Ao excluírem o medo que em outros momentos esses tipos de "movimentos (...) de guerra" e de cantos poderiam ter causado, tratando-os como manifestações folclóricas de usos e costumes locais, o resultado do processo de espetacularização do domínio português a partir de práticas socioculturais nativas sul-moçambicanas não poderia ser mais satisfatório para as autoridades coloniais que presidiram o evento.

3. Subversões

O entusiasmo gerado pelas apresentações organizadas em 1907 por vezes esmoreceu quando era percebida a ocorrência de "uns pequenos distúrbios". 46 As "três prisões por desordens indígenas" ocorridas durante o evento foram minimizadas pelas autoridades, frente a enorme quantidade de pessoas que permaneceram em Lourenço Marques por cerca de três dias. 47 Para além dessas prisões, nos meses seguintes ao "batuque em honra de S. A. o Príncipe Real", apareceram algumas reclamações mais acaloradas por conta das ações dos indivíduos que se encontravam na cidade para realizarem as apresentações. Queixando-se da incapacidade dos administradores coloniais de controlarem seus comandados, o serralheiro João Gomes Jardim, por exemplo, dirigiu uma solicitação de indenização pelos arames que teriam sido roubados de sua propriedade durante os festejos. 48

Esse não foi o único caso em que setores da administração colonial foram acionados para responder às ações daqueles que se encontravam em Lourenço Marques para engrandecer os festejos e a recepção ao príncipe. O jornal O Progresso, mostrando-se preocupado em saber como haviam sido tratados os participantes da "parada de guerreiros negros", afirmou que viu muitos partirem "levando grossas peças de carne para a viagem" e que também "se distribuiu vinho". 49 Utilizando-se de tom depreciativo, alguns relatos sobre os "batuques" enfatizaram que esses poderiam ser apresentados para qualquer plateia, desde que aqueles que os realizassem recebessem um pagamento em comida ou bebida pela sua performance. A necessidade de angariar um número exorbitante de "guerreiros negros" para as apresentações de 1907 teve como resposta possíveis demandas que dificilmente a administração colonial seria capaz de responder. As peças de carnes nas mãos dos "guerreiros negros" talvez não tenham sido fornecidas pelos responsáveis dos preparativos da festa como forma de retribuição. Tomadas a força, atenderam exigências daqueles que se apresentaram em Lourenço Marques.

Contrariando o discurso empregado para engrandecer as qualidades de subjugação dos nativos ao poder colonial português, os comerciantes Corrêa & Martins exigiram uma larga quantia de indenização às autoridades, pois "os pretos que deviam fazer parte do batuque" de 1907 teriam matado quatorze bois, dos 384 que estavam sendo descarregados na cidade durante o evento. Segundo o relato anexado às demandas, os "suplicantes ou seus serviçais" nada puderam fazer para deter "uma avalanche de pretos que de azagaia em punho atacaram os animais". 50 Ao que parece, as reclamações de Corrêa & Martins não surtiram efeito. A comissão dos festejos se absteve de qualquer responsabilidade. Não podendo averiguar a veracidade do relato respondeu que nada tinha "com os desmandos dos indígenas". 51 O desembarque dos bois ocorreu próximo a um local onde se "achavam indígenas de todas as circunscrições" acampados. O administrador de Manhiça, local do relato que abriu esse artigo, foi o único a prestar alguma informação. Disse ter visto "alguns pretos" da sua circunscrição com uma pequena quantidade de carne e um outro grupo "com uma perna de boi". Perguntando a proveniência da carne foi informado "ser de uns bois que tinham morrido na praia e que um branco [que] ali estava lhes havia dado". A Secretaria dos Negócios Indígenas, que havia ficado de averiguar a procedência das reclamações, adotou a postura de informar que os requerentes deveriam procurar os tribunais ordinários para cogitar sobre o recebimento de indenização. 52

O mesmo administrador teve que responder a outra averiguação a respeito das ações daqueles que o mesmo deveria controlar durante a recepção ao príncipe. Uma das testemunhas ouvidas nesse segundo caso relatou que quando voltava "de ver o batuque", presenciou "Luciano Ignácio Felix (...) a berrar pelos pretos, que, tendo chegado primeiro do batuque" furtavam uma grande quantidade de lenha que o mesmo armazenava perto do local onde esses acampavam. O proprietário teria ali "uns pretos guardando a lenha, mas que, com medo dos referidos indígenas, deixaram praticar o furto". Outro depoente viu "passar os pretos que recolhiam do batuque em honra de Sua Alteza o Príncipe Real, levando uma grande parte deles alguma lenha". 53

Em resposta às acusações, o administrador de Manhiça afirmou que, antes de ir "com os pretos" para os festejos, havia realizado todos os preparativos necessários para a sua chegada na cidade. Tentando salvaguardar a sua competência enquanto funcionário colonial, que passava diretamente pela sua capacidade de manter o controle efetivo sobre aquele largo número de indivíduos que se encontravam em Lourenço Marques, disse que não houvera "durante os dias que ali permaneceram qualquer desordem entre os indígenas, nem estes se recusaram vez alguma a cumprir ou a desacatar quaisquer ordens dadas". Isso não era de todo verdade. Nem todos respeitaram a autoridade colonial, assim como não foi possível vigiar todos que se encontravam sob sua responsabilidade. Afinal, o administrador colonial admitiu ser possível que "alguns pretos durante a noite (...) roubassem alguma lenha miúda e que ardesse melhor", sem que esse fato fosse de seu conhecimento. No final, concluiu, em sua defesa, que era praticamente impossível "vigiar 5000 pretos que se julgam em festa e que segundo o costume natural não se querem incomodar". Na conclusão desse caso, diferente dos anteriores, a parte que denunciou as ações dos chamados indígenas e acusou a incapacidade de vigilância da autoridade colonial recebeu as 30 toneladas de lenha que havia exigido inicialmente como indenização.

Os números dados pelos proprietários para a perda de seus patrimônios podem ser considerados exagerados, mas é sintomático perceber que, no momento que deveria representar a comunhão entre lados opostos do processo de colonização, aqueles que participaram diretamente enquanto realizadores das apresentações espetacularizadas agiram de forma a sobrepujar o próprio controle exercido pelo poderio colonial sobre suas vidas. Foram momentos como esses que acabaram por servir de pressão das populações nativas para suas reivindicações ou, ao menos, para demonstrar que suas exigências perpassavam por uma autonomia dos seus modos de vida frente às tentativas de transformações impostas pelas forças coloniais.

3.1. Bricolagens e resistências nos "batuques" e nas "danças nativas"

Ao longo de diferentes momentos selecionados especificamente para demonstrar a força colonial portuguesa, em que a celebração dessa capacidade de dominação deveria ocorrer por meio da apresentação instrumentalizada dessas práticas vulgarmente designadas como batuques, percebe-se um processo que não foi pacífico e que rapidamente tornou-se num momento precioso para expressar a capacidade de pressão daqueles que tentavam ser cooptados sob seus algozes. A apropriação dessas práticas aos intuitos colonizadores teve que lidar com a sua incapacidade de controlar todas as forças envolvidas nesse processo, assim como o gingado que os "indígenas" souberam dançar quando pressionados para participarem dessas formas de publicização da capacidade colonizadora portuguesa.

O elencar de heróis que participaram das batalhas pelo desmantelo dos reinos africanos que se encontravam em territórios pleiteados pelos portugueses, no final do século XIX, e a biografia de alguns dos personagens que atuaram nesses conflitos foram valorizadas dentro das narrativas sobre a conquista da África. Um dos momentos entendidos pelos contemporâneos desse processo como chave para a consolidação do poder português no sul de Moçambique foram as batalhas ocorridas em Marracuene, em 1895. O atual distrito de mesmo nome está situado na província de Maputo, fazendo fronteira, ao sul, com a capital moçambicana e, ao norte, com o distrito de Manhiça. A região foi descrita por Lourenço Cayolla, autor de uma série de livros que louvavam eventos e figuras ilustres do colonialismo português publicados pela Agência Geral das Colónias entre 1930 e 1960, como um "desolado e árido local, a pouco mais de trinta quilómetros, por caminho de sertão, de Lourenço Marques" (CAYOLLA, 1935, p.5). 54 Os conflitos travados em Marracuene, entre forças militares portuguesas e régulos contrários à presença europeia, foram considerados pelos intérpretes da colonização como um dos momentos mais importantes para a derrocada do reino de Gaza e da prisão de Gungunhana (CAYOLLA, 1935, p.5). 55

Ao longo de toda a primeira metade do século XX, Marracuene e os combates por lá travados foram utilizados como símbolo da força e do heroísmo militar português. No aniversário de cinquenta anos das batalhas, o jornal O Oriente promoveu o que chamou de "romagem cívica", que consistia de uma espécie de passeata, rumo ao cemitério municipal de Lourenço Marques "em homenagem aos heróis (...) de Marracuene". 56 O Lourenço Marques Guardian valorizou aquela data como a "base de todo (...) esforço feito para a ocupação definitiva de Moçambique". 57 Ao mesmo tempo em que eventos como esses entraram para a narrativa colonizadora portuguesa, a proximidade de Marracuene com Lourenço Marques certamente foi um facilitador no momento da construção daquela paragem como local propício para a realização dessas celebrações. Constantemente, a imprensa laurentina anunciou a realização de excursões recreativas. 58 Um tipo de evento recorrentemente noticiado foi o da visita de autoridades portuguesas acompanhadas por "batuques organizados" pelos responsáveis por esses passeios. 59 Não é de surpreender que durante o tour do príncipe herdeiro português, em 1907, depois dos batuques em sua homenagem, o mesmo deslocou-se acompanhado do governador geral e do ministro da Marinha para aquele sítio. Seu objetivo era o de prestar homenagens no "campo onde se feriu a batalha que primeiro imortalizou o exército português". 60

Não parece ter sido de um regime político específico em vigor em Portugal a prerrogativa de tentar tirar algum proveito de apresentações de "batuques" em Marracuene. O advento do regime republicano em 1910 não alterou o estilo dos eventos, com a adoção de símbolos do poder português e a utilização de uma presença maciça das populações nativas em suas cerimônias, muito menos significou uma alteração do local escolhido para a sua realização. O jornal O Africano noticiou a ocorrência em 1912 de grandes "festas da República em Marracuene". Com a participação do governador geral de Moçambique, os régulos receberam "a bandeira do novo regime" e foram realizados "batuques e mais manifestações de estilo" assistidas por cerca de "cinco mil indígenas". 61 Para atrair a presença desse grande contingente de pessoas à solenidade de "entrega (...) das bandeiras aos régulos", haviam sido preparados vários "bois para o sacrifício". 62

Tomar parte em celebrações organizadas pelas autoridades coloniais não foi tão linear como a princípio pode parecer. Nenhum movimento que emergia das entranhas do controle colonial se espelhava sem encontrar resistências em setores daquela sociedade. Os eventos ocorridos em Marracuene, local que, por um lado, simbolizava a vitória portuguesa sobre grupos contrários a essa presença e, por outro lado, a submissão dos derrotados à constituição de um novo poder, exigiu mais do que o emprego das forças armadas europeias. Aqueles bois não estiveram ali, prontos para sacrifício, à toa. Como vimos anteriormente, os participantes das apresentações espetacularizadas de práticas nativas tomavam determinadas ações de acordo com o que entendiam ser o justo para estarem naquelas festas. O aprendizado da colonização promoveu uma pedagogia na qual mostrava-se necessário um diálogo para garantir a realização de alguns eventos, constituindo espaços de barganha.

Alguns anos antes, em 1905, dez anos após as batalhas travadas em Marracuene, o administrador colonial daquela circunscrição tentou organizar uma grande festa que deveria durar um final de semana inteiro. A concorrência para o evento foi grande. Muitos aproveitaram para visitar "o sítio onde se feriu o combate de (...) 1895". 63 O que havia realmente chamado a atenção do público foi a promessa da realização de um batuque com a presença de diversos régulos e seus homens. Contudo, os relatos publicados pela imprensa foram muito negativos. O enviado do jornal O Progresso afirmou já ter "visto muitos batuques", o que o gabaritava em afirmar que aquilo que presenciou não foi "mais que um simulacro de batuque", nunca tendo assistido "a um fiasco daquela ordem". 64

Por que, naquele ano, diferente dos demais, esse evento havia fracassado? Os régulos haviam trazido uma quantidade significativa de participantes. No começo, parecia que tudo iria dar certo. O administrador da circunscrição de Marracuene e seu secretário conseguiram distribuir "os pretos ao longo da margem do rio" para saudarem a chegada do governador geral no local da cerimônia. Entretanto, quando foi a vez de principiar o "batuque, (...) resultou muito desanimado e falto de efeito". Do começo lânguido para um final melancólico. "A certa altura do batuque, os pretos foram debandando e as 9 e meia da noite já não havia um único que dançasse". 65

O Diário de Notícias apontou para o fato de que fazia frio e de que muitos passaram "bastantes horas sem comer". 66 Os próprios régulos teriam tido dificuldades em conseguir "levar ali a sua gente". Ainda seria muito cedo para os guerreiros derrotados na batalha de Marracuene mostrarem-se coletivamente controlados por meio da sua participação em uma celebração simbólica dos vitoriosos? É uma hipótese. O que ficou constatado foi a "sagacidade do preto que, mais uma vez, se não deixou levar pelos lindos olhos de quem lhe endereçou o amável convite de o fazer rebentar de fome". 67 A contrapartida esperada por aqueles que participavam dessas performances apresentando-se para um público majoritariamente branco, ou não inserido nas lógicas socioculturais dessas práticas, era de serem compensados com uma significativa quantidade de comida. No caso das apresentações realizadas em 1907 para o príncipe real, os "indígenas" que se encontravam em Lourenço Marques, talvez insatisfeitos com o que tinha sido prometido previamente, parecem ter resolvido essa questão passando por cima das autoridades que deveriam controlá-los e tomando à força o que entendiam ser seu por direito. Mesmo assim, o único caso registrado envolveu apenas indivíduos provindos da Manhiça, correspondendo a um episódio aparentemente isolado, se pensarmos na enorme quantidade de pessoas que se encontravam na cidade. Dois anos antes, em Marracuene, o administrador da circunscrição e todas as demais figuras de autoridade colonial, por um lado, haviam aprendido que sem uma contrapartida entendida como satisfatória, existiriam debandadas dos "indígenas" responsáveis pelas performances. Por outro lado, esses rapidamente entenderam a importância dessas cerimônias e as utilizaram para angariar algum benefício, nem que fosse a oportunidade de comer carne bovina.

Essas apresentações performáticas nem sempre trouxeram apenas embaraços para a administração colonial. Nem todas as 40 pessoas que compunham o grupo chopi que havia zarpado para Lisboa em 1940 para representar Moçambique na seção colonial da Exposição do Mundo Português conseguiram voltar. O régulo que chefiou o grupo, nomeado na documentação portuguesa como Magengo, ficou doente e faleceu. Sepultado em Lisboa, sua viúva e seu filho voltaram sozinhos sem o corpo do finado. Quando do regresso dos "indígenas que foram representar" Moçambique nos festejos portugueses, Armando Magengo, filho do régulo Magengo, dirigiu-se para um órgão administrativo colonial localizado em Lourenço Marques para informar que seu pai havia falecido ainda em solo europeu. O chefe da repartição viu com preocupação o ocorrido. Sua leitura foi de que "a morte daquele régulo" deveria ser considerada "como tendo sido aos serviços da Nação" portuguesa. Para evitar qualquer sentimento de revolta e para que "entre os indígenas" não ficasse "a mais leve impressão desagradável do Governo Português", foi concedida a família do régulo uma indenização de 3.000 escudos. Além dessa quantia, previa-se que a compensação fosse publicitada o máximo possível entre as "autoridades gentílicas (...) e os indígenas que fizeram parte do grupo que foi a Lisboa". O intuito era de aproveitar o ocorrido para "elevar ainda mais o prestígio das autoridades entre os indígenas". 68

O fato de uma importante liderança nativa ter morrido e ter sido enterrada longe de sua terra natal provocou sentimentos angustiantes nos membros que compunham a comitiva, especialmente em Katini, compositor e músico que passou a ser o responsável pela orquestra de timbila anteriormente coordenada por Magengo. Katini foi um dos principais informantes de Hugh Tracey durante sua investigação sobre a musicalidade e os músicos chopi, nos anos 1940. As experiências decorridas daquela viagem haveriam de marcar a vida de Katini. Muitas das composições que foram apresentadas pelo informante do etnomusicólogo haviam sido feitas "enquanto est[eve] a bordo do navio entre Lourenço Marques e Lisboa". A morte de Magengo, que aparece grafado no livro de Hught Tracey como Manjengwe, também se tornou inspiração para uma de suas composições. Em um determinado movimento do ngodo composto por Katini, em fevereiro de 1943, ele cantava:

Fizemos novas músicas para a Timbila no meio do mar

Quando passamos por terras estrangeiras.

Ela veio trinando,

A filha Dewesiyane de Nyabindini,

Para incentivar a Timbila.

Você, Manjengwe, por que foi e morreu?

Agora você está morto, Manjengwe,

Não vamos vê-lo novamente.

Se você aparecer nós não devemos acreditar nos nossos olhos.

Pergunte Chinzawane, esposa de Manjengwe,

Sobre a sua morte. (TRACEY, 1970, p. 18) 69

Em nenhum momento as composições de Katini fizeram qualquer referência a indenização concedida pelas autoridades coloniais portuguesas. O sinal de prestígio que se pretendia inculcar parece ter sido em vão. Para além dos eventos ocorridos no início da década de 1940, nos trânsitos dessas pessoas entre Lisboa, Lourenço Marques e suas terras de origem, as letras de Katini e de outros compositores, recolhidas por Hugh Tracey, versam sobre aspectos da realidade política e cotidiana do mundo colonial vivenciado pelos "indígenas". Os temas variaram. Por um lado, enfocaram a importância dos régulos como patronos para a realização das orquestras de timbila, ao mesmo tempo em que os criticavam quando não agiam em prol do bem comum. Utilizaram de suas vozes para se autovangloriar, valorizar aspectos da história e da cultura chopi e a existência de rivalidades entre esses e outros grupos locais. Por outro lado, ainda que seja possível perceber a recorrência de temáticas engrandecedoras das capacidades chopi, a crítica às políticas coloniais portuguesas foram temas recorrentes dessas composições. Nesses casos, os enfoques recaíram sobre os mecanismos de exploração da mão de obra local, especialmente aqueles referentes às transformações nas formas de vida existentes anteriormente ao advento do trabalho migratório rumo as minas sul-africanas. 70

Como apontam Leroy Vail e Landeg White, os "alvos dos ataques mais ferozes no migodo são consistentemente aqueles que representam a autoridade portuguesa" (VAIL & WHITE, 1991, p. 135). 71 Os portugueses, em geral, apareciam como agentes usurpadores do poder que controlavam homens e mulheres por meio dos impostos que cobravam e dos castigos físicos que infligiam. Os versos de Katini eram cheios dessas acusações. Os portugueses seriam aqueles que, por meio dos impostos, conseguiam se alimentar com "ovos e galinhas", enquanto que os trabalhadores passavam fome (TRACEY, 1970, p. 10). 72 Era necessário bastante cuidado, porque os "portugueses batem nas nossas mãos / Em nós e nas nossas esposas" (TRACEY, 1970, p. 15). 73 Nas composições que exploravam as dificuldades do cotidiano no mundo colonial racialmente hierarquizado, os músicos versaram sobre as penúrias da migração para os locais de trabalho e como essa ausência afetou as relações sociais, especialmente as matrimoniais (TRACEY, 1970, p. 46). 74 É nesse vai e vem entre imposição do poder colonial português, através da taxação e da coerção física, e a consolidação dos movimentos migratórios para as minas sul-africanas, que essas canções e orquestras de timbila adquiriram uma forma de disseminação de um sentimento anticolonial efervescente que conseguiu ir para além das fronteiras chopi. "O-oh, escute as ordens, / Escute as ordens do Português. / Homens! O Português diz, "Pague seu pound" / Isso é maravilhoso, pai! / Onde devo achar o pound?" (TRACEY, 1970, p. 14). 75 A pergunta provocadora de Katini demonstra como a poesia cantada incorporou a espetacularização que buscou controlar suas formas de expressão numa narrativa de pertencimento nacional português como um palco para expressar angústias e insatisfações.

Foi assim que o fascínio pelos "batuques" e as "danças nativas" causaram um embaraço internacional. Em 1928, os alunos da Universidade de Witwatersrand resolveram promover uma festa. O objetivo era angariar fundos para a construção de algumas instalações esportivas. Para isso, organizaram a apresentação de "indígenas portugueses das raças 'Shangane' e 'Mchope'". O espetáculo da "dança usual" desses homens moçambicanos trabalhadores nas minas sul-africanas ocorreu no dia 21 de abril daquele ano e teria atraído mais de 5.000 espectadores. O trabalho de marketing dos alunos, divulgando o evento na imprensa local, havia dado resultado. O grande público presente, mas, principalmente, o programa do espetáculo com uma descrição breve do que seria apresentado, duas fotografias das danças e um sumário com trechos das letras das músicas que seriam cantadas, acabou por atrair a atenção das autoridades portuguesas. Aquela teria sido a "primeira vez que em danças indígenas se imprime programa". 76

Imagem 5

Imagem 6

Imagem 7

Imagens 5, 6 e 7 - Capa e fotografias usadas no programa do evento organizado pelos alunos da Universidade de Witwatersrand. In: Explanatory Programme of Monster Native Dance at the Wanderers. AHM, DSNI, diversos, caixa 37.

Um dos funcionários do órgão responsável pelos "indígenas portugueses" nas minas de Joanesburgo assistiu ao evento e rapidamente informou ao seu superior como havia "ficado positivamente vexado com o que ali se tinha passado". O que tanto o incomodou foi o fato de terem sido apresentados cantos "ofensivos para a autoridade portuguesa". O problema não estava exatamente nas canções fazerem essas críticas. Afinal, "toda a gente" saberia que "é hábito dos indígenas nas suas cantigas criticarem os brancos". O problema estava na realização dessas críticas num espetáculo ocorrido em um "campo de um clube" para uma numerosa plateia e no programa vendido conter "a tradução em inglês do que os pretos cantavam". Como agravante, para demarcar com clareza o que era apresentado pelos músicos e dançarinos, foi utilizado um megafone que anunciava o número correspondente no programa. Segundo o funcionário colonial português, se não fosse por essas características "ninguém correspondia o que os pretos diziam e a coisa passava". Em momento algum a correspondência entre os funcionários coloniais portugueses e as diferentes autoridades sul-africanas que prontamente mostraram-se preocupadas com o desentendimento, dão a entender que os próprios praticantes daquelas danças e músicas tiveram a intenção de realizar aquelas críticas. A interpretação foi de que todos estavam "de acordo que o programa é uma estupidez (...) e confeccionado por pessoa ignorante dos atritos que poderia ocasionar". 77

Contudo, o comitê organizador do evento insistiu em afirmar que não teve nenhuma influência direta na opção dos "nativos para escolher suas canções ou em exercer propaganda de qualquer natureza". 78 A espetacularização dessas práticas e sua organização para um público majoritariamente branco revelam uma perda de autonomia e, ao mesmo tempo, uma apropriação por parte de diferentes segmentos coloniais dessas práticas locais ao mundo simbólico do dominador. Esse processo marcou uma série de mudanças, como a não correlação entre uma orquestra de timbila e um régulo específico, por exemplo. A emergência de novos patrocinadores dessas orquestras indica uma nova correlação entre essas práticas e os intentos narrativos de suas composições. Outras evidências dessas transformações podem ser encontradas na descrição das apresentações existente no programa do evento. Segundo o documento, os dois grupos chopi iriam dançar acompanhados da "Timbila, o piano nativo" e, como eram todos homens que trabalhavam nas minas, as mulheres que deveriam exibir passos de dança específicos do ngodo foram substituídas pelos homens. Semelhante a isso, os dois grupos shangana trocaram a presença feminina em suas danças por "um grupo de homens vestidos de mulheres, que batem as mãos e cantam, mantendo o ritmo da dança". 79

Como um momento de recreação capaz de aliviar as duras condições de trabalho nas minas, as letras descritas revelam a importância dessas práticas como um canal de comunicação interno e externo dessas comunidades. As transformações ocorridas graças à presença colonial não impediram que esses trabalhadores, por meio das suas músicas e danças, interpretassem e agissem frente às transformações vivenciadas durante aquele contexto. O primeiro grupo chopi que se apresentou, por exemplo, cantou sobre a experiência de saírem de suas terras, indo num trem até o seu destino no Transvaal e, para sua surpresa, encontrar o local envolto em distúrbios provocados pela greve de 1922. 80 O segundo grupo chopi cantou: "Lá vai o trem da Costa Leste; ele vai para a terra dos Portugueses, que estão nos tratando tão mal". O primeiro grupo shangana reclamou que os portugueses estavam "sempre coletando dinheiro da gente", e, para piorar, estariam dispostos a fechar os caminhos migratórios para o Transvaal. 81 Em seguida, o grupo enalteceu o seu compositor: "Há muitos compositores no compound, mas o nosso compositor, David, era um bardo na nossa casa, em Gazaland. Deixe os resmungões sozinhos no compound; deixe-os reclamar; todo mundo sabe que nós, homens de Chai Chai, somos famosos no mundo inteiro como dançarinos". 82 Falar mal dos seus concorrentes diretos por um emprego ou elevar as capacidades dos seus pares poderiam significar uma melhor ocupação no duro mercado de trabalho das minas. 83

4. Considerações finais

Desempenhados para olhos e ouvidos estranhos àquelas práticas, as orquestras de timbila, o ngodo, os "batuques de guerra", e tantas outras danças e cantos passaram por um processo de ressignificação acelerado durante as primeiras décadas do século XX. Por um lado, buscou-se, por meio de uma espetacularização daquelas apresentações, abrandar sentidos nativos das mesmas que poderiam ser nocivos aos intuitos dominadores portugueses, ao mesmo tempo em que se tentou a apropriação das mesmas para reverberar aspectos importantes dos projetos coloniais. Por outro lado, independente das adaptações que aqueles praticantes se viram obrigados a promover no bojo desse processo, participar ou não dessas performances espetacularizadas que ressignificavam tais práticas era angariar para si um espaço de diálogo que dificilmente existiria de outra maneira dentro da estrutura racista excludente colonial.

Enquanto situações sociais, os casos aqui analisados permitem entender formas de poder e de intercâmbios dentro do mundo colonial moçambicano racialmente desigual, construído pela estrutura colonial portuguesa, que interagiram entre si. Ao forçarem as frestas das estruturas de controle produzidas pelo arcabouço do poder colonial, as populações nativas transformaram o próprio projeto colonizador, mas também foram transformadas a partir das trocas desenvolvidas pelas interações obrigatórias criadas pela colonização. As mudanças ocorridas nessas práticas, advindas das pressões da dominação colonial, abriram portas para novos contextos. Ao dançarem e cantarem para o príncipe ou para plateias que não compartilhavam das lógicas socioculturais que atribuíam um significado específico para essas práticas, fez-se um espetáculo. Nesse sentido, era algo que deveria ser visto e que possuía um propósito que fugia aos grupos que desempenhavam as performances.

A apresentação de questões que preocupavam os trabalhadores provindos do sul de Moçambique nas minas sul-africanas e a possibilidade de dialogarem com outros que compunham aquela sociedade, fossem eles os colonizadores brancos, seus patrões ou mesmo os demais grupos rivais oriundos de diferentes regiões de Moçambique que arriscavam suas vidas nas profundezas da terra, revelam como essas apresentações também foram apropriadas por aqueles que fizeram das apresentações artísticas um mecanismo de ação concreta sobre aquela realidade. As transformações provocadas pelo processo de espetacularização das "danças nativas", que buscou ressignificá-las incorporando-as ao discurso do controle que legitimava a própria empresa colonial portuguesa, teve que lidar com esse processo inverso de apropriação daqueles palanques feita pelos próprios praticantes dessas músicas e danças. Na medida em que os significados daquelas práticas estavam em disputa, o momento da celebração do poder português sobre aquelas pessoas foi uma ocasião preciosa para reivindicar a capacidade de dizer o que se pensa e mostrar do que é capaz. As populações nativas agiram ao se negarem a participar das celebrações que não achavam serem próprias para si ou quando eram quebrados acordos consuetudinariamente estabelecidos, causando embaraços e resistindo aos intentos controladores coloniais. Ao mesmo tempo, quando participaram de maneira relativamente espontânea nos momentos em que foram chamadas para apresentarem seus ditos batuques, aproveitaram o público branco para dialogarem entre si, mas, principalmente, para expressarem suas queixas ao regime colonial. Ou seja, esses foram momentos importantes para as populações nativas sul-moçambicanas dizerem o que pensavam e mostrarem do que eram capazes frente a um sistema construído para as oprimirem.

  • 1
    O Português, 15 de junho de 1901. Biblioteca Nacional de Portugal (BNP).
  • 2
    O Português, 26 de junho de 1901. BNP.
  • 3
    Idem.
  • 4
    Desde o início do século XX, consolidou-se, de maneira estável, um sistema migratório e de fornecimento de trabalhadores moçambicanos para as minas sul-africanas. Em 1904, por exemplo, os mineiros de origem moçambicana correspondiam a 60,2% da mão de obra das minas e, em 1906, a 65,4%. Cf. CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS. O mineiro moçambicano: um estudo sobre a exportação de mão de obra em Inhambane. Maputo: Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, [1977] 1998, p. 35. Para uma visão geral sobre o impacto da ação colonial nas relações de trabalho nas regiões central e sul de Moçambique ver ALLINA, Eric. Para compreender a "escravidão moderna": vozes dos arquivos. Cadernos de Estudos Africanos (online), n. 33, jan.-jun. 2017, p. 131-155. ISSN: 2182-7400. Disponível em https://journals.openedition.org/cea/pdf/2216. Acesso em: 21 set. 2018. DOI: 10.4000/cea.2216.
  • 5
    Os chopi, termo que aparece grafado de diferentes maneiras nas fontes, compõem uma vasta gama de grupos cujas fronteiras étnicas são pouco evidentes, mas que aparentam compartilhar um universo de intercomunicação linguístico e institucional com as populações originárias do sul de Moçambique. A partir de finais do século XIX, os grupos populacionais dessa região foram e continuam sendo classificados comum e genericamente dentro de um grupo maior denominado Tonga/Tsonga. Uma bibliografia contemporânea, preocupada em perceber a historicidade das designações étnicas em contextos coloniais africanos, questiona a capacidade desse termo em designar objetivamente essas populações e emprega termos de autointitulação, como o de Changana, Ronga, Tsua, Bitonga e Chopi. Os chopi estariam localizados majoritariamente no distrito de Zavala, na província de Inhambane, e venderam caro sua autonomia quando do processo de expansão e formação do reino de Gaza, fundado pelos ngunis, originários da atual África do Sul, no início do século XIX, por meio de movimentos migratórios que subjugaram outros povos do sul de Moçambique. A resistência ao reino de Gaza pode estar no cerne de uma aproximação dos chopi aos portugueses ocorrida desde o final do século XIX. A mbila, no plural timbila, é uma espécie de xilofone, muito comum exatamente entre os chopi, e que possui diferentes tamanhos. A mbila foi usada por orquestras financiadas pelos régulos chopi (régulo era o termo usado pelos portugueses para designar os chefes locais) que funcionavam, principalmente, como um importante demarcador de pertencimento cultural empregado nas apresentações do ngodo (no plural, migodo): "um conjunto de canções e instrumentos organizados em uma composição". In: VAIL, Leroy & WHITE, Landeg. The development of forms. The Chopi Migodo. In: Idem. Power and the praise poem. Southern African voices in history. Virginia: University Press of Virginia, 1991, p. 112 (tradução livre).
  • 6
    TRACEY, Hugh. Chopi musicians. Their music, poetry, and instruments. Londres: Oxford University Press, 1970, p. 3 e 48 (tradução livre).
  • 7
    Para um balanço bibliográfico ver VAIL Leroy & WHITE, Landeg. Maps of experience. Songs and poetry in southern Africa. In: Idem. Power and the praise poem. Southern African voices in history. Virginia: University Press of Virginia, 1991.
  • 8
    VAIL, Leroy & WHITE, Landeg. Plantation protest. The history of a Mozambican song. In: BARBER, Karin (ed.). Readings in African popular culture. Londres: The International African Institute School of Oriental & African Studies/ Oxford: James Currey Publishers/ Indiana: Indiana University Press, 1997, p. 54 (tradução livre).
  • 9
    MANGHEZI, Alpheus. Massacane: uma cooperativa de mulheres velhas no sul de Moçambique. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique, 2003.
  • 10
    MANGHEZI, Alpheus. Guijá, província de Gaza, 1895-1977: trabalho forçado, cultura obrigatória do algodão, o colonato do Limpopo e reassentamento pós-independência. Entrevistas e canções recolhidas 1979-1981. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique, 2003, p. 4. Alpheus Manghezi também recolheu canções que protestavam contra as políticas implementadas no contexto pós-colonial. Um exemplo disso seria a canção "Tsutsumani Ngopfu (corram, rápido!)". Porém, na década de 1980, quando a pesquisa foi realizada, o autor tendeu a evitar análises das letras dessas canções.
  • 11
    SOPA, António. A alegria é uma coisa rara - subsídios para a história da música popular urbana em Lourenço Marques (1920-1975). Maputo: Marimbique, Conteúdos e Publicações Ltda., 2014; LARANJEIRA, Rui. A Marrabenta - sua evolução e estilização, 1950 - 2002. Maputo: Minerva Print, 2014; FILIPE, Eléusio dos Prazeres Viegas. A invenção de uma sociedade lusotropical na era da descolonização em África: música e espaços culturais em Lourenço Marques entre 1960-1974. In: MATTOS, Regiane Augusto de (org.). Áfricas: histórias, identidades e narrativas. Rio de Janeiro: Editora Prismas, 2017.
  • 12
    DOMINGOS, Nuno. Cultura popular urbana e configurações imperiais. In: JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). O Império colonial em questão (séc. XIX-XX). Poderes, saberes e instituições. Lisboa: Edições 70, 2002.
  • 13
    CRAVEIRINHA, José. O folclore moçambicano e as suas tendências. Maputo: Alcance Editores, 2009.
  • 14
    Diferentes pesquisas vêm buscando compreender o que ficou convencionado como um paradoxo do processo de civilizar e evangelizar desempenhado enquanto missão pelos projetos colonialistas europeus, de maneira simplificada, um paradoxo colonial. Como explica Patrícia Ferraz de Matos, por um lado, "defendia-se a necessidade de proteger os 'usos e costumes' dos nativos; por outro, defendia-se a necessidade de conduzir os nativos a um processo assimilatório (onde naturalmente parte desses 'usos' se esvaneceria)". In: MATOS, Patrícia Ferraz de. As cores do Império: representações raciais no Império colonial português. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais - ICS, 2006, p. 253. Para uma perspectiva de análise para diferentes contextos coloniais ver COOPER, Frederick. Colonialism in question: theory, knowledge, history. Berkeley e Los Angeles: University of California, 2005.
  • 15
    Sobre as apresentações de danças e músicas chopi para corpos expedicionários portugueses no final do século XIX ver PEREIRA, Matheus Serva. The Lourenço Marques Frontier Limitation Committe and its pictorial records (Mozambique - 1891). In: RICE-UNICAMP SEMINAR III. CROSSING PLACES, CROSSING CULTURES. Resumos. Houston, 2015.
  • 16
    ERSKINE, Vincent. Journey to Umzila's, south-east Africa, in 1871-1872. The Journal of the Royal Geographical Society of London, vol. 45, 1875, p. 56-57 (tradução livre).
  • 17
    ANDRADE, Alfredo Freire de & MATHEUS SERRANO, José António. Explorações portuguesas em Lourenço Marques. Relatórios da Comissão de Limitação da Fronteira de Lourenço Marques. Lisboa: Imprensa Nacional, 1894, p. 70-75.
  • 18
    JUNOD, Henry. The mbila orn ative piano of the Tchopi tribe. Bantu Studies, vol. 3, n. 1, 1927, p. 275 (tradução livre).
  • 19
    CABRAL, António Augusto Pereira. Raças, usos e costumes dos indígenas da província de Moçambique. Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1925, p. 41.
  • 20
    LIMA, Fernando de Castro Pires. Contribuição para o estudo do folclore de Moçambique. Separata da Revista de Etnografia n. 14, Porto: Museu de Etnografia e História, 1934, p. 10.
  • 21
    Idem, p. 11.
  • 22
    Para uma análise sobre o fenômeno das exposições universais e sua relação com o poder colonial europeu ver CORBEY, Raymond. Ethnographic showcases, 1870-1930. Cultural Anthropology, vol. 8, n. 3, 1993, p. 338-369.
  • 23
    THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico sul: representações sobre o terceiro Império português. Rio de Janeiro: Editora UERJ/Fapesp, 2002, p. 193.
  • 24
    THOMAZ, Omar Ribeiro, Ecos do Atlântico sul..., op. cit., 2002; e MATOS, Patrícia Ferraz de. As cores do Império..., op. cit., 2006.
  • 25
    MARTINS, Leonor Pires. Um império de papel: imagens do colonialismo português na imprensa periódica ilustrada (1875-1940). Lisboa: Edições 70, 2014, p. 166.
  • 26
    Para uma análise da primeira experiência centrada na presença de nativos nesse tipo de exposição ver MEDEIROS, António Fernando Gomes. A primeira exposição colonial portuguesa e a representação etnográfica das províncias. In: Dois lados de um rio: nacionalismo e etnografias na Galiza e em Portugal. Lisboa: ICS, 2006.
  • 27
    Carta do comissário geral da Exposição do Mundo Português para o governador geral de Moçambique, 21 de junho de 1939. AHM, Direção dos Serviços dos Negócios Indígenas (DSNI), diversos, caixa 84. Machope era uma das muitas grafias do nome do grupo chopi.
  • 28
    Circular do chefe da Repartição Técnica de Estatística para o secretário dos Negócios Indígenas, Lourenço Marques, 27 de abril de 1940. AHM, DSNI, diversos, caixa 84.
  • 29
    WANE, Marílio. A timbila chopi: construção de identidade étnica e política da diversidade cultural em Moçambique (1934-2005). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da UFBa, Salvador, 2010, p. 7.
  • 30
    Idem.
  • 31
    SERRA, Filomena. Visões do Império: a 1ª Exposição Colonial Portuguesa de 1934 e alguns dos seus álbuns. Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM), vol. 5, n. 1, jan.-jun. 2016, p. 54. Sobre a exposição de 1934 e seus registros iconográficos, inclusive dos "marimbeiros da colônia de Moçambique" ver SERÉM, Maria do Carmo. A porta do meio: a Exposição Colonial de 1934: fotografias da casa Alvão. Porto: Centro Português de Fotografia, 2001. Infelizmente, não consegui encontrar informações específicas sobre o grupo de pessoas que participaram dessa exposição.
  • 32
    O Progresso, 5 de agosto de 1905. BNP.
  • 33
    O Progresso, 22 de fevereiro de 1906. BNP.
  • 34
    Lourenço Marques Guardian, 12 de março de 1906. AHM.
  • 35
    Lourenço Marques Guardian, 8 de março de 1906. AHM.
  • 36
    A Tribuna, 29 de julho de 1907. BNP.
  • 37
    Carta do secretário geral, em Lourenço Marques, para o presidente da Direção do "Instituto Goano" de Lourenço Marques, 15 de junho de 1907. AHM, Fundo da Direção dos Serviços de Administração Civil (FDSAC), caixa 2195.
  • 38
    O Progresso, 15 de julho de 1907. BNP.
  • 39
    Carta do secretário geral aos cônsules de Portugal em Pretória, Durban e Cabo, 17 de junho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
  • 40
    Carta do secretário geral ao governador do distrito de Lourenço Marques, 17 de junho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
  • 41
    Telegrama do ministro da Marinha e do Ultramar para Lisboa, Lourenço Marques, 30 de julho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
  • 42
    Telegrama do ministro da Marinha e do Ultramar para Lisboa, Lourenço Marques, 2 de agosto de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
  • 43
    O Progresso, 1 de agosto de 1907. BNP.
  • 44
    A Tribuna, 30 de julho de 1907. BNP.
  • 45
    Telegrama do ministro da Marinha e do Ultramar para Lisboa, Lourenço Marques, 2 de agosto de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
  • 46
    O Progresso, 5 de agosto de 1907. BNP.
  • 47
    Telegrama do ministro da Marinha e do Ultramar para Lisboa, Lourenço Marques, 30 de julho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
  • 48
    Processo referente a solicitação de indenização de danos causados em propriedade, 28 de agosto de 1907 e 4 de setembro de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
  • 49
    O Progresso, 5 de agosto de 1907. BNP.
  • 50
    Cartas dos comerciantes Corrêa & Martins ao presidente e vogais da Grande Comissão promotora de festejos e recepção de S. A. o Príncipe Real, 5 de agosto de 1907 e 23 de agosto de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
  • 51
    Informação prestada pelo presidente da Comissão promotora de festejos e recepção de S. A. o Príncipe Real, 25 de agosto de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
  • 52
    Informação prestada pelo administrador da circunscrição de Manhiça, 26 de agosto de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
  • 53
    Auto de investigação procedido pelo secretário da Administração do Concelho de Lourenço Marques, 20 de agosto de 1907 e 26 de agosto de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
  • 54
    CAYOLLA, Lourenço. Marracuene. Lisboa: Divisão de Publicações e Biblioteca, Agência Geral das Colônias, 1935, p. 5.
  • 55
    Idem.
  • 56
    Lourenço Marques Guardian, 25 e 30 de janeiro de 1945. BNP.
  • 57
    Lourenço Marques Guardian, 3 de fevereiro de 1945. BNP.
  • 58
    Exemplos dos preparativos e da realização dessas excursões podem ser vistos em O Brado Africano, 6 de fevereiro de 1943 e 20 de março de 1943. BNP.
  • 59
    O Africano, 7 de agosto de 1912. Word Newspaper Archives (WNA). Nesse mesmo ano teria sido inaugurada uma estátua em homenagem aos combatentes portugueses mortos durante os eventos de 1895. Ver O Africano, 29 de agosto de 1912. WNA.
  • 60
    O Progresso, 5 de agosto de 1907. BNP.
  • 61
    O Africano, 17 de outubro de 1912. WNA.
  • 62
    O Africano, 19 de setembro de 1912. WNA.
  • 63
  • 64
    O Progresso, 15 de junho de 1905. BNP.
  • 65
    Diário de Notícias, 13 de junho de 1904. BNP.
  • 66
    Idem.
  • 67
    O Progresso, 15 de junho de 1905. BNP.
  • 68
    Carta do chefe da Repartição Central de Lourenço Marques ao governador geral, 24 de dezembro de 1940. Carta do chefe da Repartição Central de Lourenço Marques ao administrador da circunscrição de Zavala, 25 de janeiro de 1941. AHM, DSNI, diversos, caixa 84.
  • 69
    TRACEY, Hugh. Chopi musicians..., op. cit., 1970, p. 18, (tradução livre).
  • 70
    Era prática recorrente dos gerentes das empresas mineradoras, por exemplo, encorajarem as diferenças étnicas como mecanismo de controle da força de trabalho. Ver HARRIES, Patrick. Work, culture and identity: migrant laborers in Mozambique and South Africa, c. 1860-1910. Portsmouth: Heinemann/ Joanesburgo: Witwatersrand University Press/ Londres: James Currey, 1994.
  • 71
    VAIL, Leroy & WHITE, Landeg. Power and the praise poem..., op. cit., 1991, p. 135 (tradução livre).
  • 72
    TRACEY, Hugh. Chopi musicians..., op. cit., 1970, p. 10 (tradução livre).
  • 73
    Ibidem, p. 15 (tradução livre).
  • 74
    "I am most distressed, / I am most distressed as may man has gone off to work, / And he does not give me clothes to wear, / Not even black cloth". Ibidem, p. 46.
  • 75
    Ibidem, p. 14 (tradução livre).
  • 76
    Correspondência confidencial do curador dos negócios indígenas em Johanesburgo para o diretor dos Serviços e Negócios Indígenas em Lourenço Marques, 27 de abril de 1928. AHM, DSNI, diversos, caixa 37.
  • 77
    Idem.
  • 78
    Carta do Gold Producers Committee para a Curadoria dos Indígenas Portugueses no Transvaal, 26 de abril de 1928. AHM, DSNI, diversos, caixa 37 (tradução livre).
  • 79
    Explanatory Programme of Monster Native Dance at the Wanderers. AHM, DSNI, diversos, caixa 37 (tradução livre).
  • 80
    Idem. "We leave home, enter the train and are rushed through a tunnel, when we have to clutch our hats, as the wind threatens to blow them away. Arrived at our destination we find there is a strike, and we see the white people chasing each other with the flying machine".
  • 81
    Idem. "The Portuguese are always collecting money from us, and now they want to close the way".
  • 82
    Idem (tradução livre).
  • 83
    Nos anos 1940, Gomukomu cantou para Hugh Tracey: "There is no relish left, you Shangaans, it hans been eaten by the Sotho. / Cast of your skins! / There is no relish left, you Shangaans, it hans been eaten by the Sotho. / It has been eaten by the Sotho and the Xhosa, and we will not get it. / They came to the gatekeeper and wanted good Jobs. / Even the cooks in the kitchen know it". In: TRACEY, Hugh. Chopi musicians..., op. cit., 1970, p. 30-31.
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  • Fontes e documentos

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    • Auto de investigação procedido pelo secretário da Administração do Concelho de Lourenço Marques, 20 de agosto de 1907 e 26 de agosto de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
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    • Cartas dos comerciantes Corrêa & Martins ao presidente e vogais da Grande Comissão promotora de festejos e recepção de S. A. o Príncipe Real, 5 de agosto de 1907 e 23 de agosto de 1907. AHM, DSNI, Tribunais Indígenas, caixa 1630.
    • Carta do Comissário Geral da Exposição do Mundo Português para o governador geral de Moçambique, 21 de junho de 1939. AHM, DSNI, diversos, caixa 84.
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    • Carta do secretário geral aos cônsules de Portugal em Pretória, Durban e Cabo, 17 de junho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
    • Carta do secretário geral ao governador do Distrito de Lourenço Marques, 17 de junho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
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    • Circular do chefe da repartição técnica de estatística para o secretário dos Negócios Indígenas, Lourenço Marques, 27 de abril de 1940. AHM, DSNI, diversos, caixa 84.
    • Correspondência confidencial do curador dos negócios indígenas em Joanesburgo para o diretor dos Serviços e Negócios Indígenas em Lourenço Marques, 27 de abril de 1928. AHM, DSNI, diversos, caixa 37.
    • Diário de Notícias, 13 de junho de 1904, 13 de junho de 1905. Periódico (jornal), BNP.
    • ERSKINE, Vincent. Journey to Umzila's, South-East Africa, in 1871-1872. The Journal of the Royal Geographical Society of London, vol. 45, 1875.
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    • Telegrama do ministro da Marinha e do Ultramar para Lisboa, Lourenço Marques, 30 de julho de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
    • Telegrama do ministro da Marinha e do Ultramar para Lisboa, Lourenço Marques, 2 de agosto de 1907. AHM, FDSAC, caixa 2195.
    • A Tribuna, 29 de julho de 1907, 30 de julho de 1907. Imprensa, BNP.

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Dez 2019
    • Data do Fascículo
      2019

    Histórico

    • Recebido
      16 Jan 2018
    • Aceito
      23 Nov 2018
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