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Empreendedorismo popular e a economia moral da vida sem salário

Popular entrepreneurship and the moral economy of wageless life

RESUMO

Este artigo investiga pequenos comerciantes da periferia da zona sul de São Paulo em uma época de crescente difusão do empreendedorismo fazendo uso do conceito de “economia moral”. O texto emprega uma abordagem etnográfica para o debate teórico acerca das transformações históricas ocorridas nas periferias urbanas nas últimas décadas. Por um lado, são relações que exprimem a sociabilidade na “vida sob cerco” ou nos “enclaves fortificados”; por outro, essas relações demonstram a monetarização nesses territórios. De modo que esse “resgate” da comunidade pela utopia da autonomia renasce degenerado por condições estruturais modificadas.

PALAVRAS-CHAVE
Periferias urbanas; empreendedorismo; comunidade

ABSTRACT

This article investigates small traders in the outskirts of southern São Paulo in a time of increasing diffusion of entrepreneurship, making use of the concept of “moral economy”. The text employs an ethnographic approach to the theoretical debate about the historical transformations that have occurred in urban peripheries in recent. On the one hand, they are relationships that express sociability under “life under siege” or to “fortified enclaves”; on the other hand, to monetization in these territories. So that this “rescue” of the community by the utopia of autonomy is reborn degenerated by modified structural conditions.

KEYWORDS
Urban peripheries; entrepreneurship; community

Este texto analisa relações comunitárias, entendidas como experiências de afinidades mútuas significativas associadas ao local de moradia, entre trabalhadores por conta própria da periferia da zona sul de São Paulo em uma época de crescente difusão do empreendedorismo (CATINI, 2020CATINI, Carolina.Empreendedorismo, privatização e o trabalho sujo da educação. Revista USP, n. 127, 2020, p. 53-68.https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.i127p53-68.
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; CRUZ JUNIOR, 2019CRUZ JUNIOR, Brauner. A empresa de si mesmo: a assimilação do discurso empreendedor pelas camadas populares brasileiras. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais). Universidade Federal do ABC, 2019.; COLBARI, 2007COLBARI, Antônia. A retórica do empreendedorismo e a formação para o trabalho na sociedade brasileira. Sinais, v. 1, n. 1, 2007, p. 75-111. https://doi.org/10.25067/s.v1i01.2681.
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). Em diferentes contextos populares, trabalhadores autônomos, pequenos comerciantes e microempreendedores estabelecem relações que estão condicionadas à proximidade do trabalho com a moradia e à localização desta no tecido da metrópole. Em cada caso, ser um trabalhador por conta própria pode robustecer o senso de comunidade ou afrouxá-lo. A difusão recente do discurso empreendedor na cultura popular, por sua vez, expõe com ainda mais ênfase as contradições desse tipo de atividade e seu impacto na sociedade.

A hipótese explorada neste artigo é a de que, a despeito da caracterização predominante do empreendedorismo na literatura sociológica, que o vê ressaltando seus aspectos ideológicos e manipuladores, resultando em um reforço do individualismo neoliberal (AMORIM; MODA; MEVIS, 2021AMORIM, Henrique; MODA, Felipe; MEVIS, Camila.Empreendedorismo: uma forma de americanismo contemporâneo?. Caderno CRH, v. 34, 2021, p. 1-16. https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.36219.
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; LEITE; LINDÔSO, 2021LEITE, Marcia; LINDÔSO, Raquel. Empreendedorismo, neoliberalismo e pandemia. O desmascaramento de uma ideologia. Contemporânea, v. 11, n. 3, 2021, p. 971-987. https://doi.org/10.4322/2316-1329.2021027.
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; LAVAL; DARDOT, 2013LAVAL, Christian; DARDOT, Pierre. La nueva razón del mundo: ensayo sobre la sociedad neoliberal. Barcelona: Gedisa, 2013.), sua assimilação popular pode exprimir, isso sim, uma economia moral, em que a aspiração por autonomia instiga relações pessoais locais. No caso, as experiências que saturam o cotidiano das classes populares - e especificamente nos casos narrados neste artigo - são marcadas essencialmente pela vida sem salário (wageless life)2 2 Para Denning (2010, p. 81 - tradução minha), trata-se de reafirmar que o “desemprego precede o emprego, e a economia informal precede a formal, tanto historicamente quanto conceitualmente”. , um modo de vida que não é preenchido, via de regra, pelo assalariamento, mas sim pelo passado atual de precariedade das relações de trabalho no Brasil, “um todo em que muitos estratos de tempos anteriores estão simultaneamente presentes, sem que haja referência a um antes e um depois” (KOSELLECK, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006., p. 311).

Essa apropriação popular do empreendedorismo se faz de maneira específica e, por suposto, contraditória. Por um lado, o discurso empreendedor é modernizante e busca por meio da racionalização “destradicionalizar” relações de trabalho e processos produtivos (ROY, 2010ROY, Ananya. Poverty capital: microfinance and the making of development. New York: Routledge, 2010.; BECK, 2011BECK, Ulrich. Sociedade de risco. São Paulo: Editora 34, 2011.); o empreendedorismo contemporâneo, assim, incorpora uma série de prescrições para a conduta individual racional, quais sejam, inovação, protagonismo e autogerenciamento (ILLOUZ, 2007ILLOUZ, Eva. Intimidades congeladas: las emociones em el capitalismo. Buenos Aires: Katz, 2007.; SOUZA, 2008SOUZA, Regina M. O discurso do protagonismo juvenil. São Paulo: Paulus, 2008.; TOMMASI, 2016TOMMASI, Livia de. Culto da performance e performance da cultura: os produtores culturais periféricos e seus múltiplos agenciamentos. Crítica e sociedade, v. 5, n. 2, 2016, p. 100-126. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/criticasociedade/article/view/34838. Acesso em: ago. 2023.
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). Já em contextos populares, a oposição ao “mercado”, visto como imposição de racionalização e despersonalização, encontra no mesmo empreendedorismo um mecanismo de resistência por meio da aspiração ao trabalho não subordinado, pois é através de uma ficcionalização da autonomia que, ao assumir forma narrativa, se permite aos sujeitos estabelecer conexões entre incertezas atuais e estados futuros (BECKERT, 2013BECKERT, Jens. Imagined futures: fictional expectations in the economy. Theory and Society, v. 42, n. 3, 2013, p. 210-240. https://www.jstor.org/stable/43694686.
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).

Na cultura plebeia do século XVIII, E. P. Thompson (1998THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 23) analisou a maneira como os costumes eram mobilizados na tentativa de frear o avanço da racionalização, que afinal vinha da camada superior da sociedade como imposição produtiva. Ali o historiador percebeu um paradoxo, o de uma cultura que era tradicional e rebelde ao mesmo tempo; uma “economia moral” que afrontava a economia de mercado em defesa dos costumes.

A cultura conservadora da plebe quase sempre resiste, em nome do costume, às racionalizações e inovações da economia (tais como os cercamentos, a disciplina de trabalho, os “livres” mercados não regulamentados de cereais) que os governantes, os comerciantes ou os empregadores querem impor. A inovação é mais evidente na camada superior da sociedade, mas, como ela não é um processo tecnológico/social neutro e sem normas (“modernização”, “racionalização”), mas sim a inovação do processo capitalista, é quase sempre experimentada pela plebe como uma exploração, a expropriação de direitos de uso costumeiros, ou a destruição violenta de padrões valorizados de trabalho e lazer. Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes [...]. (THOMPSON, 1998THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1988., p. 21).

No contexto da formação da cultura operária inglesa de meados do século XX, Richard Hoggart apontava que valores reconhecíveis da classe operária local, como a tolerância (simbolizada na expressão “live and let live”, “viva e deixe viver”), o senso de grupo e a necessidade de viver no presente, poderiam ser degenerados pelo progresso, sobretudo pela crescente presença da cultura de massa na vida cotidiana, e a despeito das melhorias na vida material trazidas por esse mesmo progresso. Para Hoggart (2009HOGGART, Richard. The uses of literacy. London: Penguin, 2009., p. 151 - tradução minha), a cultura de massa criava técnicas de indulgência mútua, na medida em que “as sanções tradicionais foram removidas ou, na crença popular, mostraram-se irrelevantes”, transformando assim os laços comunitários que sustentavam aqueles valores. O ceticismo que emerge daí serve como uma armadura contra um mundo suspeito.

A economia moral da plebe exprimia uma identidade de classe ancorada na experiência histórica, mas a sociabilidade que constituiu os bairros operários em várias partes do mundo, assim como o impulso para a solidariedade, que combinava local de moradia e situação de classe (SADER, 1988SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.; CALDEIRA, 1984CALDEIRA, Teresa. P. R. A política dos outros: cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984.; THOMPSON, 2012THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. v. 2. A maldição de Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2012.), não encontra as condições necessárias no capitalismo contemporâneo, pós-reestruturação produtiva (CARDOSO, 2019CARDOSO, Adalberto. A construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. 2. ed. Rio de Janeiro: Amazon, 2019.; HARVEY, 2008HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultura. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola, 2008.; BRAGA, 2012BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. São Paulo: Boitempo, 2012.). Fatores próprios às dinâmicas urbana e econômica implicam sua inviabilidade: por um lado, a redução da sociabilidade por causa da “vida sob cerco” ou dos “enclaves fortificados”, que se proliferam pelas periferias das grandes cidades (SILVA; MENEZES, 2019SILVA, Luiz Antonio Machado da; MENEZES, Palloma V. (Des)continuidades na experiência de “vida sob cerco” e na “sociabilidade violenta”. Novos estudos Cebrap, v. 38, n. 3, 2019, p. 529-551. https://doi.org/10.25091/S01013300201900030005.
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; CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34; Edusp, 2000.); por outro, a autoconstrução, posse da propriedade e monetarização nesses territórios (FELTRAN, 2014FELTRAN, Gabriel. O valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo. Caderno CRH, v. 27, n. 72, 2014. https://doi.org/10.1590/S0103-49792014000300004.
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; GIAVAROTTI, 2019GIAVAROTTI, Daniel M. Eles não usam macacão: crise do trabalho e reprodução do colapso a partir da periferia da metrópole de São Paulo. Tese (Doutorado em Geografia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2019.). De modo que esse “resgate” da comunidade pela utopia da autonomia renasce degenerada por aquelas condições estruturais aviltadas3 3 Essa consideração refere-se apenas à sociabilidade dos bairros operários, e não implica que padrões de sociabilidade não possam existir sob outras condições. . Assim, ceticismo e empreendedorismo se combinam na experiência popular em busca de uma relação comunitária perdida que desconfia da economia de mercado e do mundo público que se confunde com ela sob a lente da economia moral do empreendedor popular.

Este artigo investiga, com base em etnografia conduzida na zona sul de São Paulo desde 2017, possibilidades de formação de relações comunitárias feitas a partir da aspiração de autonomia de alguns de seus trabalhadores;além do trabalho de campo, utilizo neste estudo parte das entrevistas feitas à época. Na sequência desta introdução, o miolo do texto reúne relatos etnográficos em busca de um gradiente de situações em que relações comunitárias aparecem a partir de pressupostos semelhantes: o pequeno comércio instalado em regiões populares, empreendidos por trabalhadores à beira da informalidade. Neste artigo, busquei forjar uma etnografia teoricamente informada (WILLIS; TRONDMAN, 2008WILLIS, Paul; TRONDMAN, Mats. Manifesto pela etnografia. Educação, Sociedade & Culturas, n. 27, 2008, p. 211-220. Disponível em: https://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc/ESC27/27_arquivo.pdf. Acesso em: ago. 2023.
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, p. 212), reconhecendo “o modo como a experiência é entrelaçada no fluxo da história contemporânea, ampla e restrita”.Reservo ainda alguns parágrafos para considerações finais.

Mundo sem culpa

Nas ruas de terra batida de Vargem Grande, uma avenida asfaltada corta o bairro com um movimentado comércio local. Lá fui recebido por Renato4 4 Os nomes dos interlocutores foram alterados. , dono de uma bicicletaria que mantém há 25 anos. Com seus pais, saiu do Paraná no final da década de 1970 e se estabeleceu na favela do Jardim Iporanga, também no extremo da zona sul. O pai desapareceu quando ele tinha sete anos, a mãe permaneceu onde estava, e Renato se mudou para Parelheiros, onde se casou, teve filhos e realizou seu desejo de trabalhar com bicicletas. “Vieram em busca de vida melhor aqui em São Paulo, porque nessa época era aquela... putz, para ganhar dinheiro era em São Paulo”5 5 Na transcrição de trechos das entrevistas, foram mantidas as marcas de oralidade, comuns na linguagem informal. .

Renato tem um conhecimento excepcional da periferia, porque, além de comerciante há muitos anos, foi candidato a vereador em três ocasiões, o que o faz uma figura carimbada no bairro. Baseado nesse repertório, ele analisa o bom momento da sua bicicletaria sob o governo Lula e o declínio que se seguiu. Ele mesmo chegou a ter quatro funcionários na loja e hoje tem dois. Assim ele define sua vida em Vargem Grande:

Viver na periferia é você morar longe do emprego, as pessoas levam tempo no transporte, é supercansativo. Eu digo que tem o outro lado, que as pessoas são “privilegiadas”, que conseguem romper esse vínculo com empresas, com comércios das áreas centrais e conseguem abrir o seu comércio. Eu sou uma dessas pessoas que venceu já essa barreira, e é negociar ali com a galera que tem menor poder aquisitivo. Se você pensar em... a gente vai ter um recurso menor, mas é prazeroso morar aqui e comercializar aqui, porque você não tem aquele transtorno de pegar o ônibus, trabalhar nas áreas centrais, então esse é um ponto da periferia legal. Você está negociando com o seu vizinho, com pessoas legais, você dá um crédito porque o cara vende fiado para ele, isso é muito comum na periferia, e as pessoas são fiéis em pagar, tem salvo um ou outro, a gente toma uns calotes, mas no grosso modo você consegue receber da maioria, então isso é bom, você cria um vínculo semelhante ao familiar. Na minha loja eu tenho várias pessoas que são clientes meus, mas estão ali, às vezes nem vão consertar bicicleta, mas estão ali para conversar, para discutir coisas do dia a dia, do cotidiano, do emprego ou de lazer. A região aqui ela é muito rica disso, as áreas verdes proporcionam muito lazer para a gente fazer as discussões, a gente organiza os [passeios] ciclísticos, e é isso. A outra parte é a parte que utiliza, eu acho que 70% do bairro utiliza o bairro como dormitório, são as pessoas que trabalham nas áreas centrais e aí não tem a participação do dia a dia. No final de semana você vê aquele fluxo grande na periferia e inverte isso [com] as [regiões] centrais, porque é justamente o cara que trabalha lá que movimenta e aí faz o inverso, [fica] na periferia nos finais de semana, tem um fluxo grande de pessoas andando, indo na feira, indo no mercado, e o centro já fica mais vazio. (Renato, 46 anos, Vargem Grande, comerciante).

Chama a atenção nas falas de Renato a maneira como ele associa o comércio popular na periferia a um modo de vida virtuoso. Luiz Antonio Machado da Silva (2018)SILVA, Luiz Antonio Machado da. Notas sobre os pequenos estabelecimentos comerciais. In: CAVALCANTI, M.; MOTTA, E.; ARAUJO, M. (Org.). O mundo popular: trabalho e condições de vida. Rio de Janeiro: Papeis Selvagens, 2018, p. 45-60., por exemplo, é desconfiado em relação à prática do fiado, associando-a ao mero cálculo mesquinho do comerciante e a atos de “piedade”. Na percepção do dono da bicicletaria em Vargem Grande, atitudes como essa não apenas são essenciais para a sociabilidade local como representam uma virtude sedimentada na confiança que apenas a proximidade e o reconhecimento podem proporcionar. Enquanto a identidade de classe se baseia no processo de trabalho no ambiente da fábrica, aqui se sugere uma identidade diferente, tipicamente popular.Apesar de se considerar mais um “ativista social”, Renato não é reticente ao afirmar que o que o fortaleceu a seguir adiante com a bicicletaria foi o empreendedorismo. Como exemplo, conta que participou com a esposa de cursos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) há alguns anos, “Qualidade máxima de atendimento ao cliente”6 6 O Sebrae foi fundado em 1972 e fez parte da administração federal até 1990, quando se desvinculou do poder público e se tornou um serviço social autônomo, financiado pelo Sistema S. .

Na cidade de São Paulo, o setor de comércio era responsável, em 2020, por cerca de 1 milhão de empregos7 7 Precisamente 864 mil em 2020, segundo dados da Fundação Seade. . As extraordinárias dimensões da zona sul impõem distâncias inexequíveis para a maioria dos moradores da periferia, que raramente têm acesso a hipermercados e atacadistas, sendo que o consumo mais imediato é garantido pelos pequenos negócios de bairro mesmo que seu produto seja menos em conta (PRANDI, 1978PRANDI, Reginaldo.O trabalhador por conta própria sob o capital. São Paulo: Símbolo, 1978.). Também certos itens não essenciais, como assessórios para telefone celular, brinquedos e objetos de decoração, são mais baratos por causa da procedência - produtos chineses comprados no Paraguai e revendidos na rua 25 de março ou na Santa Ifigênia (PINHEIRO-MACHADO, 2008PINHEIRO-MACHADO, Rosana. China-Paraguai-Brasil: uma rota para pensar a economia informal. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, 2008, p. 117-192. https://doi.org/10.1590/S0102-69092008000200009.
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; RANGEL, 2019RANGEL, Felipe. A empresarização do comércio popular em São Paulo: trabalho, empreendedorismo e formalização excludente. Tese (Doutorado em Sociologia). Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, 2019.).

O preço a pagar por uma vida menos desgastante se percebe no bolso, mas é sentida também de outras formas não monetárias. Na pequena loja de Delei, entre DVDs piratas, carregadores de celular, bonecos de super-heróis e máscaras de pano penduradas na parede, senta-se solitário no estabelecimento sem funcionários esse baiano de 50 anos, há 20 morando em Vargem Grande. Delei saiu de Aporá, no norte da Bahia, com 18 anos. Com cinco começou a trabalhar na roça, fazendo “serviço mais leve”, como plantar milho e feijão. Rumou para o Sudeste planejando ficar apenas um ano, pois “foi criado com a família da roça, mas que não passava necessidade”. Ficou sete anos em São Paulo e, quando voltou para a Bahia, não se adaptou mais.

Delei foi segurança em um condomínio, do qual se demitiu para se tornar camelô em Santo Amaro com a esposa. Lá, vendia cerveja, brinquedos e amendoim. Com o aumento da repressão aos ambulantes no entorno da estação da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), por onde ele circulava, começou a comerciar nas proximidades de seu domicílio, em Vargem Grande.

É como se, para Delei, trabalhar por conta própria destravasse o espírito capitalista, mas ele percebe que não prospera porque precisa gastar, para sua sobrevivência e de sua família, tudo o que recebe. De segunda a segunda Delei atende na loja, das 9 às 20 horas, praticamente sem interrupção, exceto quando vai ao centro buscar mais produtos. Seu trabalho ali na loja não chega a ser exaustivo, diz. De fato, Delei passa a maior parte do dia sentado em seu banquinho, consultando o celular e sendo interrompido de vez em quando por algum cliente. Bem diferente da sua rotina fugindo do rapa na estação Santo Amaro ou na roça na Bahia.

O fator determinante aqui é que a vida sem salário, entre os mais pobres, é inevitavelmente cercada de incertezas, mas, excetuando-se situações de miséria e privação, vale a pena pelo desafio, pelo propósito que parece haver nessa escolha pelo trabalho autônomo. Delei sente que, nesse período, se tornou uma pessoa mais desenvolvida, enquanto o trabalho assalariado não lhe exigia esforço para isso. Ao fazê-lo, se tornou alguém conhecido no bairro, o que lhe garantiu reconhecimento pela comunidade.

A relação que se estabelece entre os comerciantes e seu território é certamente uma das principais características das ruas de comércio dos bairros periféricos, onde a maioria deles também reside, algo que Hoggart (2009)HOGGART, Richard. The uses of literacy. London: Penguin, 2009. já havia observado: nessas situações, o comerciante se vê e é visto como alguém pertencente à comunidade, um trabalhador de igual status dentro daquele espaço; quando mantém um negócio distante de seu domicílio, especialmente em um bairro de classe média, ele tende a subjetivar uma relação de servidão em relação ao cliente, que se encontra em situação social superior. Com frequência se ouve dos comerciantes de Vargem Grande que lá eles não têm clientes, mas sim “amigos”.

A poucas quadras da loja de acessórios de Delei, Lígia comanda uma ótica que se destaca na rua de comércio local pela organização e pelas três funcionárias devidamente uniformizadas. Até 2015 ela era atendente no estabelecimento, quando o comprou dos antigos donos. Afirma que, desde então, toca a loja “lutando muito”. Com 46 anos e ensino médio completo, a paulistana começou a trabalhar com 13 anos. Seu primeiro emprego foi como arrematadora de costura, depois trabalhou em um restaurante Habib’s, em lojas de disco e como feirante em uma barraca de frutas.

Lígia demonstra uma sólida ética do trabalho com ecos de pentecostalismo (ALENCAR, 2010ALENCAR, Gedeon. Assembleias de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010.). Para ela, que é evangélica da Assembleia de Deus, ser uma empreendedora significa “sair cedo, trabalhar, construir nosso patrimônio. Oferecer o que a gente tem para os nossos clientes, dar toda a atenção, atendimento, não só o ‘pré’, mas o ‘pós’. Ajudar o nosso próximo”. Como seu colega Delei, ela tem uma relação afetiva com o bairro, sua “segunda casa”, diz, pois mora no Grajaú, contando que sempre é convidada para batizados e casamentos. Sua expectativa de futuro repõe um ideal de boa vida na acepção popular. “Hoje eu já não crio mais expectativas, acho que estou no patamar que eu queria, estou bem. Então quero, assim, quero poder me aposentar e tomar bastante água de coco lá na praia, sem doença, com boa saúde.”

A imprevisibilidade como um aspecto perene do cotidiano popular implica em saídas que podem não ser bem-vistas, mas que, no jogo entre formal e informal, legal e ilegal, acabam justificadas no interior de sua própria normatividade (FONTES, 2022FONTES, Leonardo. Violência, trabalho e periferia:conflitos morais e convívios nas fronteiras entre dois mundos. Caderno CRH, v. 35, 2022, p. 1-19. https://doi.org/10.9771/ccrh.v35i0.35924.
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; TELLES, 2006TELLES, Vera S. Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo Social, v. 18, n. 1, 2006, p. 173-195. https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000100010.
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). O paulistano Luís Alberto tem 50 anos e é dono de um petshop em Vargem Grande há mais de duas décadas. Na sua loja, sacos de ração para gato, cachorro, gaiolas de pássaros e outras provisões criam uma barreira entre a porta de correr e a pequena mesa em que ele se acomoda, nos fundos, entre calculadoras e calendários.

Ele tem apreço pelo bairro e assim como os demais considera seus clientes, todos vizinhos, seus amigos, o que observei durante a visita de dois garotos que não sabiam precisamente o que queriam. Eles procuravam um produto específico para pássaros de criação, solicitado pelo pai de um deles, a quem Luís identificou prontamente, apontando a respectiva gôndola onde a ração se encontrava. Luís ainda tem um bar na mesma rua, que opera clandestinamente e que, por suposto, não fechou nem perdeu clientela na quarentena. “No momento, eu tô sonegando”, confessa sem muito remorso.

O dono do petshop e do bar irregular começou trabalhando no supermercado de um tio aos 12 anos, estudou até o ensino médio e nunca mais saiu do comércio. Trabalha dez horas diárias no estabelecimento nos sete dias da semana. Luís Alberto conta que já chegou a se desfazer da loja por não conseguir conciliá-la com o casamento. Entediado, comprou de volta e enfureceu a esposa, indicando que o estabelecimento para ele não é apenas uma fonte de renda, mas o fator preponderante que organiza sua vida. A esposa o fez escolher entre ela e o negócio; ele escolheu o petshop, e o casamento acabou.A loja está no centro de sua ética empreendedora:

Essa loja aqui direto eu mudo alguma coisa nela. Eu pego mercadorias diferentes para não ficar na mesma, senão tinha quebrado. Então isso é empreendedorismo, você ter visão do que o mercado está precisando naquela hora, então eu acho que me considero empreendedor. Eu tava com a loja aqui meio capenga, meio ruim antes da pandemia por causa de problemas pessoais, aí eu já inventei um barzinho, já pus para rodar e voltei de novo, você tem que mudar para poder... se você ficar parado pedindo para Deus só, não vai dar, você vai morrer. Eu acho que eu sou guerreiro. Eu procuro tá sempre olhando o mercado como está, as rações que estão mais rodando no momento para não ficar na mesmice. O povo enjoa da mesma coisa, então você tem que mudar sempre e aí você tem sempre mercado. Parou no tempo, se lascou. Eu acho que isso é ser empreendedor. (Luís Alberto, 50 anos, Vargem Grande, comerciante).

Para Luís Alberto, empreendedor é sobretudo aquele que batalha, passa por reveses, mas sabe se reinventar. Longe do perfil mencionado, por exemplo, por Jessé Souza (2010)SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010., essa percepção se serve de uma ambição modesta e de trabalho duro, que envolve recusas pessoais para, simplesmente, ganhar o dia, manter a família (que precisa se adaptar a sua rotina de trabalho, e não o contrário) e a fidelidade dos clientes, eventualmente se valendo de pequenos delitos como tocar um bar clandestino. Funciona na chave do “mundo sem culpa” de Antonio Candido (1970)CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 8, 1970.https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i8p67-89.
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, acreditando que seus atos têm pouca ou nenhuma repercussão no andamento da sociedade, entre limites sempre tênues no mundo popular entre o legal e o ilegal.

Batalhadores

Mudanças no perfil de consumo da população e até crises sanitárias de larga escala (notavelmente a pandemia de covid-19) estremecem contas familiares sempre muito estreitas e sujeitas a abalos imprevistos. A contingência pode fazer balançar os padrões de vida dessas pessoas, mas é nos modos de vida que uma sociedade de indivíduos à moda Thatcher revela mudanças mais significativas.

Milhares de trabalhadores, especialmente nas periferias, se mobilizaram nesse sentido, e foi esse o caso de Raphaela e Eduardo. Ela tinha 42 anos e ele 51 quando me contaram do empreendimento de comida italiana que estavam engatando naquele momento. Também pegaram carona em uma das principais modalidades de negócio da pandemia, o serviço de delivery, ele como chefe de cozinha e ela ocupada com a parte administrativa. Foi um passo intuitivo para os dois, pois Eduardo trabalhava havia mais de três décadas com cozinha, e Raphaela teve experiência com a gestão de um restaurante na Vila Olímpia por quatro anos.

Ainda jovem, o porto-alegrense Eduardo conta ter se deslumbrado com sua primeira impressão de São Paulo: alugou logo um flat na avenida Paulista, mas sua fantasia durou pouco; por seu lado, Raphaela caiu diretamente na dura realidade da periferia paulistana, e não disfarça muito a irritação com a “cobertura” que seu marido arrumou no Valo Velho, bairro que pertence ao distrito do Capão Redondo e que fica próximo de algumas das favelas mais precárias da zona sul. O tempo passou e eles se adaptaram, tiveram uma segunda filha e se mudaram para um condomínio no Campo Limpo, que, segundo eles, assegura para as filhas uma infância como a que eles tiveram, com espaço para correr. Não exatamente igual, já que lá eles dispõem de área verde, playground, academia de ginástica, salão de festas e tudo o mais que minimize as saídas à rua, sobretudo contam com um eficiente sistema de segurança.

Isso aqui é um oásis, claro, dentro da realidade aqui da região, Capão Redondo, Campo Limpo... A gente mora num oásis, que a gente sabe da realidade aqui fora, do bairro, bem pesado... tem pessoas maravilhosas [também]. Nossas filhas estudam em escola pública por opção nossa, entendeu? Até porque elas têm uma... seguindo a inteligência delas, têm oportunidade, a gente complementa o estudo delas com outros cursos: línguas, informática etc. Mas elas têm a realidade em contato com as pessoas do nosso dia a dia que moram aqui na nossa comunidade e elas se dão superbem, são super “camaleoas”, tá bem bacana. Graças a Deus, tá bem bacana. (Eduardo, 51 anos, Campo Limpo, cozinheiro).

A verticalização do Campo Limpo é um bom exemplo de região periférica que vem se transformando nas últimas décadas. Empreendimentos com mais de uma torre ergueram-se ali no período lulista, basicamente financiados no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida (SINGER, 2012SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.)8 8 O distrito foi o líder em lançamentos de unidades residenciais entre 2013 e 2017 na cidade de São Paulo - apartamentos com 49,3 metros quadrados em média (FERRASOLI, 2018). . A acelerada mudança na paisagem do distrito proporcionou ainda uma estação da Linha 5-Lilás do metrô em 2002.

Raphaela e Eduardo têm grande apreço pelo condomínio em que vivem e acreditam conseguir reproduzir ali a vida mais tranquila que tinham no Vale dos Sinos, com segurança e espaço para as meninas brincarem. O casal também valoriza a vida comunitária, mas o que os enclaves fortificados causam é uma deterioração disso. Foi justamente o convívio social precário intensificado pelo isolamento social que proporcionou o êxito da empreitada do restaurante delivery. A vida em condomínio, por mais que reparta indivíduos e famílias em células refratárias, cria formas de interação que transmitem uma ilusão de comunidade bastante adequada nesses casos. Lógica que só serve para quem está dentro, “afinal, o condomínio implica a tentativa de criar certas regras e normas públicas, nos limites da vida privada, mas sempre à condição de um espaço de excepcionalidade, erigido como defesa contra a barbárie exterior” (DUNKER, 2009DUNKER, Christian.A lógica do condomínio ou: o síndico e seus descontentes. Revista Leitura Flutuante, v. 1, n. 1, 2009. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/leituraflutuante/article/view/7623/5578. Acesso em: ago. 2023.
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, p. 3).

Nas circunstâncias da pandemia de covid-19, a capacidade de perceber o perigo foi decisiva para eles, que transformaram a adversidade do desemprego na realização de um projeto familiar. Atribuem seu êxito por confiarem em suas experiências práticas e na familiaridade com seu público, mostrando “pras pessoas que estão aqui na região que sim, que se pode comer uma coisa de bom restaurante com um preço justo”. Deram para o público local que ascendeu socialmente nos últimos anos o que eles queriam, “fazendo uma diferença aqui na nossa região, no nosso condomínio”.

Perguntados se tinham o restaurante como um sonho, Eduardo me corrigiu com seu tom moderado: “um projeto, né, cara. Tinha que montar uma estrutura. Eu costumo dizer que sonho é bom na cama, o problema das coisas é que a gente acorda”. De modo que eles trabalham hoje por volta de 14 horas por dia. Eles não se queixam e se permitem poucas ilusões, não minimizam as dificuldades do trabalho por conta própria e inclusive as compartilham com as filhas - a mais velha, com 15 anos à época, já ajudava fazendo as entregas dentro do condomínio.

É nesses episódios de relativo sucesso, contudo, que emerge no empreendedorismo popular uma de suas características mais notáveis - a confiança no mérito -, fortalecendo no imaginário a miragem de que quem trabalha e se prepara alcança a prosperidade. Por fim, comentando sobre o auxílio emergencial da pandemia, acreditavam que, como diz a velha máxima, “não adianta simplesmente largar o peixe na mão deles, tem que ensiná-los a pescar”.

Eles e nós

Em Paraisópolis, há mais de 14 mil estabelecimentos comerciais, que empregam 21% dos seus moradores (BERNARDO; SANTOS, 2021BERNARDO, Jéssica; SANTOS, Cleberson. Paraisópolis faz 100 anos e aposta no comércio local para se recuperar da pandemia. Folha de S. Paulo, 15 set. 2021.). Um deles é Celso, de 35 anos. Nascido em São Paulo e filho de pais alagoanos, ele morou a vida toda em Paraisópolis, onde cresceram também seus quatro filhos. Na sua pequena loja de consertos se empilham máquinas de lavar roupa, geladeiras, micro-ondas e o que mais couber, além de uma brecha para o dono e para um ou dois clientes. No ambiente espartano que caracteriza esse tipo de comércio popular, não há espaço para decoração. O único item que se permite é a TV pendurada na parede branca e sintonizada em José Luiz Datena, que divide a atenção de Celso com o movimento da rua.

Celso é um típico representante do comércio popular, sem grandes ambições além de ter uma vida honesta de trabalho em que a exaustão possa ser evitada, um tempo para a família, para a religiosidade (católica) e para algum lazer modesto (LÖWY, 2014LÖWY, Michel. A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano. São Paulo: Boitempo, 2014.; WEBER, 2002WEBER, Florence. Práticas econômicas e formas ordinárias de cálculo. Mana, v. 8, n. 2, 2002, p. 151-182. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200006.
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). Ele gostaria de ter algum período de férias, mas pacientemente espera prosperidade suficiente para isso; por ora, crê essencialmente na família como motivação. Sua saída para o trabalho por conta própria ele atribui ao talento para o reparo dos aparelhos domésticos da família. Assim, pegou o pequeno imóvel que herdou do pai junto com os irmãos e transformou a garagem em loja de consertos.

Comentando sobre a pandemia, Celso relata o susto inicial e a dificuldade em tocar o negócio com as medidas de isolamento. Mas a crise sanitária deixa revelar um incômodo que vai além do momento excepcional. Conta que “aqui embaixo” (extremidade mais próxima ao Morumbi), as pessoas vinham seguindo as recomendações (uso de máscaras, álcool em gel etc.), mas “lá pra cima no ‘meião’ [...] você vai nos lugares e o pessoal tá sem máscara, não tá se cuidando, o pessoal tá em roda conversando. Então, eu acho que lá pra cima tá mais um pouco - desculpa a palavra - um pouco mais relaxado”.

Obviamente, narrativas de crime ou de perseverança podem coexistir ou criar dissonâncias quando a realidade se impõe. Por exemplo, Paraisópolis é palco do Baile da Dz7, um dos maiores fluxos9 9 Bailes funk organizados de maneira espontânea, com carros e imensos alto-falantes disputando espaço nas estreitas vielas da favela da cidade, frequentado por milhares de jovens de toda a cidade, quase todas as noites de quarta a domingo. Na madrugada de 1º de dezembro de 2019, alegando perseguição a assaltantes de moto, a Polícia Militar(PM) encurralou cerca de 5 mil frequentadores; nove deles, jovens entre 14 e 23 anos, morreram pisoteados durante o pânico causado pela operação policial. Apesar de relevar o fato de que há muitos moradores de Paraisópolis que vivem da renda obtida durante o baile, Celso, ao ser perguntado sobre violência no bairro, remete imediatamente ao evento, “porque tem muitos que vêm de fora e não respeitam nós moradores, que vêm colocar o carro na sua porta, largar o carro, sair andando. Então fica difícil até pra nós. Mas é igual eu falei, pra aqueles que trabalham lá dentro, que sobrevivem dessa renda é bom, graças a Deus”.

Diferenciações entre pontos distintos dos bairros são comuns, geralmente em tom depreciativo aos vizinhos, que podem estar a apenas algumas ruas. É o lado degradado do senso de comunidade, que Hoggart(2009)HOGGART, Richard. The uses of literacy. London: Penguin, 2009. observou na distinção entre nós e eles num contexto muito menos opressivo do que o de uma colossal favela brasileira no século XXI: na classe operária inglesa dos anos 1950, a noção de “nós” tinha ainda um forte caráter de classe que se opunha aos “de cima”, algo que parece utópico diante do retraimento do indivíduo no mundo contemporâneo e o enfraquecimento de sua identidade coletiva.

Dos anos 1990 até os dias de hoje, ao mesmo tempo que melhoravam o padrão de consumo e o acesso a bens, crédito, serviços e políticas públicas, a insegurança e a incerteza acompanharam o solapamento de modos de vida das classes populares, cercadas e gradeadas em suas casas (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34; Edusp, 2000.). No contexto que se aproximava, Jurandir Freire Costa (1988COSTA, Jurandir F. Narcisismo em tempos sombrios. In: BIRMAN, J. (Org.). Recursos na história da psicanálise. Rio de Janeiro: Taurus, 1988, p. 151-174., p. 165) via a sedimentação de um país “onde a experiência de impotência/desamparo é levada a um ponto tal que torna conflitante e extremamente difícil a prática da solidariedade social”.

A controvérsia em relação ao fluxo é grande. Aqueles que conseguem fazer algum dinheiro com ele geralmente adaptam suas rotinas: além dos vendedores, há quem explore estacionamentos e até suas lajes, que se transformam em camarotes; os demais, incluindo idosos e pessoas com filhos pequenos, condenam o barulho excessivo e a sujeira em quase todas as noites da semana, sem disfarçar muito a injúria moral com as letras sexualizadas do funk e a baixa média de idade dos frequentadores.

A ambiguidade com que muitos comerciantes observam Paraisópolis aparece também entre aqueles que têm comércios no “meião”, sugerindo que crescimento econômico e decadência moral evoluem na mesma medida para todos, e que as opiniões moralistas se fortalecem junto da ascensão social da família (FONTES, 2022FONTES, Leonardo. Violência, trabalho e periferia:conflitos morais e convívios nas fronteiras entre dois mundos. Caderno CRH, v. 35, 2022, p. 1-19. https://doi.org/10.9771/ccrh.v35i0.35924.
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). Otávio, de 41 anos, tem um pequeno mercado na favela que toca com a esposa há cerca de dois anos. Ele conhece bem o ramo, já que começou com 14 anos trabalhando no Grupo Pão de Açúcar (GPA), onde foi registrado por duas décadas. Teve ainda uma passagem pelo Carrefour, mais sete anos em um atacarejo e entre um e outro tentou seu primeiro negócio próprio, uma pizzaria, que não vingou.

Refletindo sobre o bairro, Otávio se reconhece em um perfil que vem surgindo em Paraisópolis, que demanda produtos mais caros e geralmente associados a um tipo empreendedor que ele aprecia muito: trabalhador, honesto, que acorda cedo “e que fica muito chateado quando não consegue pagar alguma dívida”.

Relações comunitárias significativas não estão imunes a conflitos e exibições de distinção (BOURDIEU, 2012BOURDIEU, Pierre. As contradições da herança. In: BOURDIEU, Pierre (Org.). A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 2012.)10 10 Keila, também interlocutora da pesquisa, trocou o salão de beleza em que trabalhava no Campo Limpo por um negócio próprio no bairro Chácara Santo Antônio, de classe média alta. Sua justificava é que, conforme adquiria certificados, percebia que “aquilo tava pouco pra mim [...] quando eu voltava não tinha esse retorno do pessoal do bairro, e não porque as pessoas não podem pagar, é porque as pessoas valorizam os profissionais de fora”. . Frequentemente, os ricos são vistos como exploradores do trabalho alheio, afinal, são donos dos meios de produção, enquanto a situação dos pobres se assemelha muito a uma sina, ao incontornável ritmo da mera reprodução social. No estudo de Teresa Caldeira (1984)CALDEIRA, Teresa. P. R. A política dos outros: cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984., o mais notável, contudo, era a forma como viam a si mesmos: “nós”, que precisamos trabalhar para o próprio sustento (já que os donos, os verdadeiros ricos nesta interpretação, não precisam trabalhar); os pobres, mas também os “pobres de tudo”, moradores dos viadutos e que reviram o lixo por comida; há, na opinião de outros, uma “classe média”, que também precisa trabalhar, mas vive melhor; e aqueles que vivem melhor simplesmente por terem “estudo”. Como diz Caldeira (1984, p. 160)CALDEIRA, Teresa. P. R. A política dos outros: cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense, 1984., “o mundo social não é, para os entrevistados, feito apenas de oposições; ele é também um mundo de diferenças entre os iguais e sob este ponto de vista o ‘nós’ se dilui”.

Otávio e sua esposa nasceram e foram criados em Paraisópolis, mas, apesar de ter seu comércio na comunidade, não vivem mais lá. Um pouco antes de assumirem o mercado, mudaram-se com seus dois filhos para Taboão da Serra, onde moram em um condomínio. “Graças a Deus tive a condição de criar os filhos fora”, diz sem nenhum remorso. A família experimentou uma mobilidade social nas últimas décadas: seus filhos estudaram como bolsistas no Colégio Porto Seguro, e a mais velha atualmente faz Administração de Empresas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Muito mais que um meio de ascensão social, Otávio considera que ter o ensino superior no currículo é questão de sobrevivência no mercado de trabalho (MACEDO, 2019MACEDO, Renata.Escolhas possíveis: narrativas de classe e gênero no ensino superior privado. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2019.; COSTA, 2018COSTA, Henrique. Entre o lulismo e o ceticismo: um estudo com bolsistas do Prouni de São Paulo. São Paulo: Alameda Editorial, 2018.). Isso fica evidente quando ele atribui todo o êxito de sua família ao trabalho, mas intimamente desconfia que seus filhos precisarão de outras credenciais.

Por outro lado, um motivo tão real quanto aquele pelo qual tirou seus filhos de Paraisópolis é a influência que vem do que é alheio, do que foge ao seu controle e que recrudesce com a chegada deles à adolescência, impondo-lhe a necessidade de blindá-los de tudo o que vê de errado na favela. “Não digo a criminalidade, mas sim o acesso fácil: o acesso fácil à droga, à bebida, ao baile, ao sexo precoce, a todo tipo de coisa... tá em todo lugar, um pouco mais maquiado, às vezes não, mas tá lá”.Otávio anseia dar para os seus filhos aquilo que julga não ter tido. “Quando eu pego minha infância, uma infância bem dolorida, bem pobre, sem muita condição, tendo que sair de casa pra trabalhar muito cedo, com 11 anos...”, compara. Se do ponto de vista meramente material não parece haver justificativa para a mudança de bairro - pois há um processo de mobilidade acontecendo lá, segundo vários interlocutores -, ela se acomoda então na moralidade.

Como comerciante, Otávio percebe a burocracia como empecilho, se vê desamparado e a todo momento provocado a apelar para o ilícito. “Tudo que é feito é para que você sonegue, para que você faça errado, entende?”, dilema que Luís Alberto, como vimos antes, não teve. Otávio se ressente, pois para empreendedores como ele não há suporte “nem de banco, nem de ONG”, duas instituições carregadas da mesma dubiedade no cotidiano de Paraisópolis. Como acontece com frequência entre os interlocutores desta pesquisa, há consciência da desigualdade e dos privilégios dos mais ricos. Mas é um sentimento represado, que não encontra vazão adequada em um contexto carregado de ceticismo.

A Paraisópolis da inclusão pelo consumo é para Otávio um bom lugar para manter um negócio, mas não para o que ele percebe como ideal para uma família que alcançou certo padrão, e esse padrão não é meramente econômico, mas ancorado em valores morais. Enquanto ele tenta seguir as regras e viver honestamente segundo sua rígida ética de trabalho, foi a desconfiança com seus ex-vizinhos de comunidade que determinou que ali não era mais um lugar decente para sua família. Junto ao orgulho que sente pelos filhos universitários e pela mobilidade social alcançada, está afinal a distinção para com seus concorrentes, explícita no que eles fazem e ele não faz - sonegar, adquirir produtos roubados etc. “Como comprar algo que pode vir manchado de sangue? Quantos pais de família perderam a vida pra isso chegar até mim?”, indigna-se Otávio, resumindo o código moral do sujeito popular.

Ceticismo

Ronaldo é vigilante e motorista de aplicativos. É casado, tem 36 anos e mora há dez em Vargem Grande, justamente onde conheceu a atual esposa, e diz apreciar o clima de interior do bairro. “Tem um ônibus que você entra no [terminal] Varginha, faz um passeio desses aí, no final de semana, legal, ecoturismo que tem, né? [...] Eu nunca fui não, mas eu acompanho também na rede social, é legal”. Conta que tem cachoeiras na mata, mas ele também não foi.

Não chegava, na época da pesquisa, a ganhar dois salários mínimos no seu emprego como vigilante e, incapaz de pagar as contas com ele, começou a dirigir para os aplicativos Uber e 99, mas não sabia dizer o quanto tirava com isso, “porque eu não me achei na rua ainda”, dizia. Nos últimos onze anos trabalhou entre uma “empresinha” e outra, na primeira delas fazendo a segurança de uma farmácia. Depois que fez o curso profissionalizante para ser vigilante, Ronaldo permanece na função de que, aparentemente, não gosta e busca formas de sair. Uma delas é como motorista, outra ainda está em seus planos, fazer um curso de auxiliar de veterinária. Segundo ele, a vigilância é uma área que “está se acabando”, em que a maior parte do pessoal vai sendo substituída por portarias eletrônicas e controladores de acesso.

Com o carro em situação irregular, sob risco de “busca e apreensão”, Ronaldo continua circulando. Situações de incerteza como essa apontam numa direção de retraimento do indivíduo diante das imensas transformações trazidas pelo desenvolvimento da tecnologia e da racionalidade gerencial, da qual a uberização é sua última atualização (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, Ludmila C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time?. Estudos Avançados, v. 34, n. 98, 2020, p. 111-126. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.008.
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). O smartphone de Ronaldo satisfaz sua necessidade de “natureza” e manipula as fronteiras do legal e do ilegal para que ele permaneça dirigindo. Sua subjetividade cada vez mais diluída entre esses mundos de extremo individualismo e incerteza é o total oposto do que se encontra entre os pequenos comerciantes do bairro que vimos no início, plenamente integrados na dinâmica comunitária, que,para Ronaldo, se resume a alguns serviços - e ele mal sabe mencionar as atividades de lazer que se praticam ali, apesar de achar tudo “muito interessante”.

Reconstituindo sua juventude, Ronaldo revela com mais intensidade os conflitos que tenta a todo custo disfarçar. Diz ter saudade daquela época, já que “tinha os amiguinhos, os colegas, era bem bacana, né? Tinha as festinhas na escola, era bom, era bem legal. Hoje em dia você não vê nada disso, hoje em dia é tudo mais...”, o que leva a conversa diretamente para seus filhos, um rapaz de 15 anos e uma adolescente de 13. Ronaldo diz que é preciso vigiá-los, porque “é tudo livre aí” nas redes sociais, mas pornografia é o que o preocupa em especial. Seu raciocínio sugere fortemente algo que é recorrente entre meus interlocutores nessa faixa de idade, um sentimento de nostalgia. A presença de filhos adolescentes se torna assim gatilho para opiniões mais reacionárias e para maior preocupação com a segurança.

Ronaldo vinha frequentando a Igreja Apostólica da Fé, em Guarulhos, a mais de 70 quilômetros de Vargem Grande11 11 Como aponta Rui (2010, p. 57), nota-se aqui “um elo discursivo entre ‘drogas’, criminalidade, descontrole e autodestruição”. . Incertezas demais rondam sua vida - o carro sob risco de busca e apreensão, uma eventual recaída nas drogas, o desemprego pela crise no setor de vigilância privada, e com os filhos, para quem ele gostaria de ser um bom exemplo. Na comunidade, sua vida resta retraída, aumentando sua sensação de isolamento.

Considerações finais

No relato etnográfico exposto neste artigo busquei apresentar as experiências de comerciantes, trabalhadores por conta própria e microempreendedores moradores da periferia da zona sul paulistana, que,através desse ethos particular, estabelecem relações comunitárias na realidade opressiva das periferias brasileiras neste século.

Entre meus interlocutores instalados nas regiões mais periféricas - Vargem Grande é o melhor exemplo - percebe-se uma resiliente relação com seus bairros, em que o pequeno comerciante é percebido e se entende como uma referência, casos de Renato, de Delei e de Lígia. Veem seus clientes como amigos, e são comuns os acenos entre vizinhos. Aqui, é notável um valor de reconhecimento e uma relação muito orgânica entre eles e os demais trabalhadores na comunidade. Relação semelhante àquela observada por Hoggart (2009)HOGGART, Richard. The uses of literacy. London: Penguin, 2009. entre membros da classe trabalhadora inglesa de meados do século XX.

Em grandes comunidades da zona sul, como a favela de Paraisópolis, a magnitude dos conflitos é proporcional à sua diversidade, que mistura situações de vulnerabilidade, regulação da entrada e saída de alguns pontos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC)12 12 O PCC surgiu em 1993 entre detidos na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no estado de São Paulo. De acordo com Karina Biondi (2010), alguns presos dessa cadeia de segurança máxima, após massacre sofrido durante um jogo de futebol entre facções rivais, tinham o objetivo de “se organizarem para tentar evitar os maus-tratos que diziam sofrer no sistema penitenciário e, ao mesmo tempo, regular as relações entre os presos, para que os maus-tratos não partissem deles próprios. A orientação era a de que tinham de se unir (pois, afinal, compartilhavam uma mesma situação) para então reivindicar o que consideravam um tratamento digno no sistema carcerário”. e sua relevância no imaginário tanto dentro como fora dela. Colado ao Morumbi, distrito de classe média alta em que muitos dos moradores de Paraisópolis trabalham, as oposições óbvias presentes nessa relação entre os bairros muitas vezes escondem a maneira como os moradores da favela veem os próprios vizinhos. Por exemplo, nota-se certa hostilidade de quem mora ou tem comércio próximo ao Morumbi, como meu interlocutor Celso, em relação aos frequentadores do “meião” e do Baile da Dz7.

As opiniões sobre a tragédia de 2019 revelam a ambiguidade com que os fluxos são percebidos pela própria comunidade: muitos interlocutores se equilibram entre condenar a ação da polícia e rejeitar com veemência os eventos, que acontecem de quarta-feira a domingo e não terminam antes do amanhecer. Entre o ultraje moral e o desespero com a rotina inescapável, o único ponto positivo visto por eles são as oportunidades que o fluxo cria para alguns negócios locais. De modo que a fuga de realidades vistas como insuportáveis tem estimulado, por um lado, a proliferação dos condomínios, onde situações desagradáveis podem ser evitadas e experiências de classe,mimetizadas; por outro, gera reações de incompreensão e conflito.

Diante do aumento das incertezas, é nos domínios da família e da comunidade que se prende o sujeito popular. Assim, percebe-se entre meus interlocutores uma economia moral a governar seus atos, que não se resumem a cálculos monetários, mas privilegiam entendimentos populares de bem-estar familiar (DE L’ESTOILE, 2020DE L’ESTOILE, Benoît. “El dinero es bueno, pero un amigo es mejor”: incertidumbre, orientación al futuro y “la Economía”. Cuadernos de Antropología Social, n. 51, 2020, p. 49-69. http://dx.doi.org/10.34096/cas.i51.8237.
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), eventualmente hostis à racionalização imposta pelo “mercado” e pelo discurso do empreendedorismo, visto com curiosidade e ao mesmo tempo desconfiança.

Uma razão prática aparece na relação com os filhos e na exaltação do rigor - outrora exercido pelos pais - contra as perversões do mundo contemporâneo, notadamente a internet no caso de Ronaldo, e no “acesso fácil”, como comentou Otávio em referência ao consumo de drogas que ele vê como permissivo em Paraisópolis, de onde se mudou justificado pela segurança dos filhos. Essas considerações têm, evidentemente, forte carga moral e se acentuam quando remetem aos bailes funk, mas também se assentam nas próprias experiências com o crime, a adição ou a gravidez precoce, situações que alegam não querer para os filhos. Com a chegada das suas crianças à adolescência, esses discursos se voltam ainda mais à preocupação com a segurança, com o medo do despreparo para a vida adulta e a sensação iminente de perda de controle sobre eles.A “violência urbana” altera o lugar das favelas no imaginário da cidade e para seus próprios moradores (SILVA; MENEZES, 2019SILVA, Luiz Antonio Machado da; MENEZES, Palloma V. (Des)continuidades na experiência de “vida sob cerco” e na “sociabilidade violenta”. Novos estudos Cebrap, v. 38, n. 3, 2019, p. 529-551. https://doi.org/10.25091/S01013300201900030005.
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).

A preocupação com a segurança da família é verificável também pelo crescimento no número de condomínios. Esses enclaves fortificados passaram a se destacar na paisagem onde antes predominavam as autoconstruções, que ainda existem em imensa quantidade e hoje ajudam a realizar negócios próprios.

A segunda consequência da proliferação dos condomínios nos modos de vida é a possibilidade que eles abrem para um comércio intramuros, mimetizando relações de confiança e solidariedade comunitárias que se tornaram escassas fora deles. Tive como interlocutores muitos moradores desses lugares que abraçaram o empreendedorismo inicialmente por necessidade, mas que encontraram nessa vivência isolada da cidade os próprios consumidores de seus restaurantes caseiros. Naturalmente, eles apostaram na diferenciação do gosto, resultado do aumento no padrão de vida local.

Na noção de “empreendedorismo contra o mercado”, como defini neste texto, e diante do que foi dito, em que uma ressignificação de sentimentos nostálgicos de comunidade enquadra a aspiração desses trabalhadores em uma nova realidade, se escondem também sentimentos de desagregação social, cuja consequente reação espasmódica ao longo da história se explica, para Karl Polanyi (2000)POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Tradução de Fanny Wrabel. Rio de Janeiro: Campus, 2000., porque uma quantidade significativa de pessoas decide reagir ao que vê como ameaça, algo que ele interpretou como um movimento de autoproteção da sociedade.

Nos casos narrados aqui, essa ambígua resistência dos costumes não encontra seu inimigo na dicotomia entre pobres e ricos. No plano “micro” do cotidiano popular, ela se direciona a filhos e vizinhos em processo de rompimento com o espaço de experiência, mantendo latentes avanços e recuos no processo de racionalização. Trata-se, portanto, de um conflito que acontece no âmago da cultura popular, em que, diante dos discursos hegemônicos, as classes que vivem do trabalho se diluem. Esse conflito gira em torno da conservação contra a racionalização, mas não se expressa na forma de luta de classes, que forjaria assim uma consciência na luta, como esperaria Thompson (2012)THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa. v. 2. A maldição de Adão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2012. e Braga (2015)BRAGA, Ruy. A pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais. São Paulo: Alameda, 2015..

O individualismo seria apenas uma reminiscência de tempos antigos de fuga da miséria e das violências perpetradas pelo Estado se situações concretas não o reafirmassem a todo tempo para essas pessoas. Elas vivem o encolhimento de suas subjetividades aos próprios interesses, angústias e incertezas pelo que pode vir, e assim se voltam para o exótico, ao próprio empreendedorismo, que, na sua essência, se define pela inovação mercadológica. De modo que, mesmo que involuntariamente, essa apropriação popular do empreendedorismo se faz à margem do mercado, mas não contra ele, na medida em que a própria autonomia passa a ser monetizada.

  • Parte substancial deste artigo foi extraída da tese Um lugar ao sol: utopia e sofrimento no empreendedorismo popular paulistano (COSTA, 2022COSTA, Henrique. Um lugar ao sol: utopia e sofrimento no empreendedorismo popular paulistano. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2022.).
  • 2
    Para Denning (2010, p. 81 - tradução minha)DENNING, Michael. Wageless life. New Left Review, n. 66, 2010. Disponível em: https://newleftreview.org/issues/ii66/articles/michael-denning-wageless-life. Acesso em: ago. 2023.
    https://newleftreview.org/issues/ii66/ar...
    , trata-se de reafirmar que o “desemprego precede o emprego, e a economia informal precede a formal, tanto historicamente quanto conceitualmente”.
  • 3
    Essa consideração refere-se apenas à sociabilidade dos bairros operários, e não implica que padrões de sociabilidade não possam existir sob outras condições.
  • 4
    Os nomes dos interlocutores foram alterados.
  • 5
    Na transcrição de trechos das entrevistas, foram mantidas as marcas de oralidade, comuns na linguagem informal.
  • 6
    O Sebrae foi fundado em 1972 e fez parte da administração federal até 1990, quando se desvinculou do poder público e se tornou um serviço social autônomo, financiado pelo Sistema S.
  • 7
    Precisamente 864 mil em 2020, segundo dados da Fundação Seade.
  • 8
    O distrito foi o líder em lançamentos de unidades residenciais entre 2013 e 2017 na cidade de São Paulo - apartamentos com 49,3 metros quadrados em média (FERRASOLI, 2018FERRASOLI,Daniel. Condomínios com mais de uma torre se destacam no Campo Limpo, em SP. Folha de S. Paulo, 25 fev. 2018.).
  • 9
    Bailes funk organizados de maneira espontânea, com carros e imensos alto-falantes disputando espaço nas estreitas vielas da favela
  • 10
    Keila, também interlocutora da pesquisa, trocou o salão de beleza em que trabalhava no Campo Limpo por um negócio próprio no bairro Chácara Santo Antônio, de classe média alta. Sua justificava é que, conforme adquiria certificados, percebia que “aquilo tava pouco pra mim [...] quando eu voltava não tinha esse retorno do pessoal do bairro, e não porque as pessoas não podem pagar, é porque as pessoas valorizam os profissionais de fora”.
  • 11
    Como aponta Rui (2010RUI, Taniele. A inconstância do tratamento: no interior de uma comunidade terapêutica. Dilemas, v. 3, n. 8, 2010, p. 45-73. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7170. Acesso em: ago. 2023.
    https://revistas.ufrj.br/index.php/dilem...
    , p. 57), nota-se aqui “um elo discursivo entre ‘drogas’, criminalidade, descontrole e autodestruição”.
  • 12
    O PCC surgiu em 1993 entre detidos na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no estado de São Paulo. De acordo com Karina Biondi (2010)BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010., alguns presos dessa cadeia de segurança máxima, após massacre sofrido durante um jogo de futebol entre facções rivais, tinham o objetivo de “se organizarem para tentar evitar os maus-tratos que diziam sofrer no sistema penitenciário e, ao mesmo tempo, regular as relações entre os presos, para que os maus-tratos não partissem deles próprios. A orientação era a de que tinham de se unir (pois, afinal, compartilhavam uma mesma situação) para então reivindicar o que consideravam um tratamento digno no sistema carcerário”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2023
  • Aceito
    26 Fev 2024
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