RESUMO
A educação brasileira tem sido marcada por debates que evidenciam a maior visibilidade de diferentes grupos étnicos e suas manifestações culturais, com destaque para os (as) afro-brasileiros(as). Nesse contexto, o artigo se propõe a descrever e discutir a introdução da capoeira na educação básica proposta pelo Programa Mais Educação do Ministério da Educação. Apesar da possibilidade de utilizá-la como uma ferramenta de valorização da cultura afro-brasileira na educação, concluímos que o programa analisado, ao fazer uso do potencial educativo da capoeira, privilegia em seus documentos a modalidade ligada à abordagem esportiva da capoeira.
PALAVRAS-CHAVE Capoeira; cultura afro-brasileira; educação; patrimônio.
ABSTRACT
Brazilian education has been marked by debates which show a bigger visibility of different ethnic groups and their cultural manifestations, with more emphasis on the afro-Brazilians. In that setting, this essay aims at describing and discussing the introduction of capoeira to the basic education set by the Programa Mais Educação ('More Education' Program) of the Ministry of Education. Despite the possibility of using it as a tool to value the afro-Brazilian culture in education, we conclude that the aforementioned Program, by using the educative potential of capoeira, focuses on your documents the modality connected to sport approach of capoeira.
KEYWORDS Capoeira; afro-brazilian culture; education; heritage.
A partir de 2003, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) passou a vigorar com dois artigos considerados importantes por aqueles (as) interessados (as)1 em construir práticas educativas respaldadas no reconhecimento, na divulgação e na valorização da cultura e da história afro-brasileiras2. Referimo-nos aos artigos 26-A, com seus dois incisos, e 79-B. Os referidos artigos do documento que regula a educação nacional sinalizam respectivamente:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. [...]
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como "Dia Nacional da Consciência Negra"3.
A inclusão dos artigos citados na LDBEN, além de expressar o fortalecimento da população afro-brasileira e do movimento negro4no cenário político brasileiro, aponta para uma demanda dessa parcela da população por uma releitura da história e da formação do país a partir do campo educacional. Essa releitura, como expressa os dois artigos da LDBEN, perpassa ao mesmo tempo pela necessidade de afastamento de uma perspectiva monocultural em relação à formação nacional e pelo reconhecimento e valorização dos diferentes grupos étnicos5 que constituem o Brasil.
O sintoma do fortalecimento e da emergência dos grupos étnicos no campo educacional pode ser visualizado nos documentos que regulam o sistema de ensino brasileiro, que passam a adjetivar conceitos que não possuíam adjetivos ou eram considerados nacionais. Nesse sentido, se os documentos como a LDBEN operavam com substantivos como cultura, história e povo sem adjetivos, contemporaneamente o mencionado documento utiliza termos como cultura afro-brasileira, história afro-brasileira e povo negro.
Tendo em vista as considerações do historiador Eric Hobsbawm6 sobre a estreita relação entre o sistema educacional e a identidade nacional, podemos dizer que o crescimento da visibilidade dos afro-brasileiros nos documentos legais do campo da educação evidencia uma ampliação da narrativa sobre a identidade nacional do Brasil, que passa, em certa medida, a levar em consideração as referências culturais dos diferentes grupos étnicos presentes no território nacional. Nesse sentido, o dia da consciência negra (20 de novembro) e o personagem Zumbi dos Palmares passam a ocupar espaços nas tradições escolares que se restringiam, quase sempre, às figuras como Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) e Luís Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias) e às datas comemorativas como 21 de abril, 7 de setembro e 15 de novembro7.
Em um contexto político e social marcado por mudanças, parece-nos interessante dialogar com as considerações de Stuart Hall:
As identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres de jogo de poder, de divisões e contradições internas, de lealdadas e de diferenças sobrepostas. Assim, quando vamos discutir se as identidades nacionais estão sendo deslocadas, devemos ter em mente a forma pela qual as culturas nacionais contribuem para "costurar" as diferenças numa única identidade8.
Os apontamentos tecidos pelo sociólogo Stuart Hall dão visibilidade à estrutura de poder onde se constitui uma determinada identidade nacional. Nesse sentido, quando discutimos os deslocamentos ocorridos em relação à identidade nacional brasileira nos documentos reguladores do sistema de ensino, precisamos reconhecer que as mudanças não ocorrem de forma harmônica e linear. Tanto os deslocamentos da identidade nacional quanto as narrativas sobre a formação do Brasil são objetos de disputas. Dessa forma, destacamos a ação do movimento negro, que tem sido de relevada importância para as mudanças vivenciadas pelo sistema de ensino brasileiro no período da virada do século XXI9.
A análise da LDBEN, a partir do olhar sobre a identidade nacional brasileira, permite apontar ainda outras mudanças em relação à maneira como o campo da educação compreende a formação nacional. Verificamos, por exemplo, a adoção, por parte do principal documento regulador do sistema de ensino brasileiro, do conceito de grupo étnico para referir-se aos afro-brasileiros e indígenas no primeiro inciso do artigo 26-A. Merece destaque, também, o fato de o referido documento, a partir de 2013, estabelecer como um dos princípios e fins da educação nacional o reconhecimento da diversidade étnico-racial. O movimento de inclusão e utilização do conceito de grupo étnico na LDBEN se contrapõe, em certa medida, à noção de mestiçagem utilizada de forma hegemônica para interpretar a formação do Brasil10. De acordo com Giralda Seyferth a mistura entre negros, indígenas e brancos se configurou como "[...] um mito constitutivo, talvez mito de origem, da própria nacionalidade brasileira. A mestiçagem de todos os matizes ainda é a principal figura de retórica a povoar as interpretações sobre a realidade nacional brasileira"11.
O mito ao qual Giralda Seyferth faz menção é utilizado como ferramenta para construção da noção de povo brasileiro12. Nesse sentido, ao narrar sua construção, o povo brasileiro se apresenta, de modo recorrente, como um povo mestiço, portanto, incapaz de adotar uma identidade racializada. Tendo em vista a ideologia da mestiçagem e a maneira como era tecida a narrativa em relação à formação do Brasil, entendemos o reconhecimento das diferenças étnicas pelos documentos educacionais como expressão de um contexto em que a identidade étnica tem sido cada vez mais utilizada como um fator para pensar tanto as políticas pública quanto a realidade social brasileira13. Essa situação inaugura, com todas as contradições e disputas presentes em um processo de mudança, um modo de pensar a formação do Brasil a partir de uma perspectiva multiétnica.
PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO: DIÁLOGOS E APONTAMENTOS SOBRE A INTRODUÇÃO DA CAPOEIRA NO ESPAÇO ESCOLAR
Como buscamos demonstrar na sessão anterior, a adesão cada vez mais recorrente da etnia como uma variável nos documentos legais do campo da educação expressa e ao mesmo tempo é expressão de um contexto marcado pela (re)interpretação do Brasil a partir de uma base multiétnica14. Nesse contexto, o campo da cultura e do patrimônio, considerados importantes marcadores da identidade nacional, também vai ser marcado e influenciado pelo o movimento de (re)leitura do país15. Cabe destacar, neste cenário, a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), instituído pelo Decreto n. 3 551/2000, que viabiliza projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do patrimônio cultural16. A partir do mencionado decreto, verifica-se a formulação de políticas públicas para o registro e salvaguarda de patrimônios e saberes relacionados aos diferentes grupos étnicos da sociedade brasileira.
Nessa perspectiva, em 2007, a capoeira é registrada como patrimônio cultural imaterial do Brasil. A patrimonialização da referida manifestação, nos termos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), aponta a capoeira não apenas como patrimônio nacional, mas também, como um fenômeno múltiplo que através da oralidade transmite os saberes de geração em geração, reunindo assim, referências, sentidos e símbolos representativos da cultura afro-brasileira. Nesse sentido, a abordagem realizada pelo Iphan se apresenta de forma ambígua: em alguns momentos a capoeira é lida como cultura afro-brasileira, em outros momentos o elemento étnico é invisibilizado, predominando a perspectiva que a entende como cultura brasileira. Essa situação aponta que a apropriação da capoeira como patrimônio imaterial nacional ainda gera disputas com os grupos que a reivindicam como uma manifestação da cultura afro-brasileira, expressando a tensão, sempre presente, entre o que é considerado étnico e o que é reconhecido como nacional.
A tensão criada em torno dos sentidos atribuídos à capoeira (nacional e étnico) deixa em evidência que a cultura também é objeto de disputa na luta política tecida pelo grupo étnico afro-brasileiro. Tendo isso em vista, parecem-nos pertinentes as considerações tecidas por Fredrik Barth:
Dentre as características arroladas anteriormente, atribui-se uma importância fundamental ao fato de compartilhar uma mesma cultura. Para mim, podemos lucrar muito ao considerar esse traço importante como uma implicação ou um resultado mais do que como uma característica primária e definidora da organização do grupo étnico17.
A partir do diálogo com o referido autor, podemos sinalizar que os grupos étnicos estabelecem suas fronteiras culturais na medida em que se fortalecem politicamente. Essas fronteiras se constituem de maneira fluída, ou seja, seus limites são tecidos de acordo com o jogo de poder entre os grupos étnicos. Tendo em vista esse debate, pensamos ser possível discutir as disputas em relação aos sentidos atribuídos à capoeira nesses termos. A sua interpretação como manifestação nacional ou étnica vai depender tanto do grupo social quanto da correlação de força estabelecida entre os grupos e as instituições que produzem tais sentidos.
Ainda pensando no debate sobre o grupo étnico e as manifestações culturais, pensamos ser importante destacar também a relação cíclica entre cultura e fortalecimento do grupo: quanto mais forte o grupo, mais ferramenta ele dispõe para demarcar seus elementos culturais. Ao mesmo tempo, a cultura exerce um papel importante para unidade do grupo, fator que favorece o fortalecimento político do mesmo. Embasados por esta perspectiva, determinados setores do governo brasileiro vão pensar a introdução da capoeira na escola como uma possibilidade de concretizar as orientações da Lei 10 639/200318, responsável pela inclusão do tema sobre história e cultura afro-brasileira na LDBEN19. Tendo em vista essa perspectiva, o diálogo entre a mencionada manifestação e a instituição escolar estaria em consonância com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pois o referido documento sinaliza a necessidade da escola:
[...] reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e dar a conhecer a riqueza representada por essa diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, investindo na superação de qualquer tipo de discriminação e valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade20.
O trecho acima destacado dá visibilidade ao importante papel desempenhado pela instituição escolar no processo de reconhecimento e reprodução do patrimônio sociocultural brasileiro. Vê-se, nitidamente, a forte relação entre educação, patrimônio e identidades coletivas. Nesse sentido, é possível pensar que o reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural imaterial do Brasil tem sido utilizado como argumento para legitimar sua introdução contemporânea nas escolas brasileiras, tendo em vista o papel dessas instituições na preservação do patrimônio nacional. Os PCNs, na medida em que sinalizam a importância da valorização da trajetória dos diferentes grupos da sociedade brasileira, demonstram, ainda, estar alinhados com o contexto de emergência desses grupos como atores políticos no cenário nacional, atendendo, portanto, às demandas por reconhecimento e valorização impostas por esses ao campo educacional brasileiro.
O fortalecimento dos diferentes grupos na sociedade brasileira e a construção de uma pauta política no campo educacional pode ser verificado, por exemplo, no processo de patrimonialização da capoeira. A preocupação com a necessidade do diálogo entre a escola e a capoeira é um importante fator no Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil, que, através das medidas de salvaguarda da capoeira, recomenda o reconhecimento do notório saber do mestre de capoeira pelo Ministério da Educação21, a fim de que os mestres sem escolaridade, mas detentores do saber, possam ensinar capoeira nas escolas22.
As discussões sobre a introdução da capoeira na escola e as interpretações culturais de sua abordagem no espaço escolar expressam o fortalecimento da perspectiva que aponta a cultura como uma variante indissociável do processo educativo, reconhecendo-a como um conjunto de sentidos sociais que permitem a identificação dos sujeitos uns com os outros23. Nesse contexto, o papel da escola no processo de preservação da cultura da sociedade onde está localizada é evidenciado. No entanto, o que se destaca é a ampliação do acervo histórico-cultural que. em um processo marcado por contradições e disputas, passa a contemplar, pouco a pouco, as múltiplas referências e símbolos culturais presentes na sociedade brasileira.
O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO
O Programa Mais Educação (PME) tem sido identificado como um fator importante para a discussão sobre o diálogo contemporâneo entre a escola e a capoeira. Atualmente, o mencionado programa se configura como uma das principais portas de entrada da capoeira nas escolas públicas das redes de ensino municipais, estaduais e distrital24. No município de Nova Iguaçu25, por exemplo, das 109 escolas que compõem a rede municipal de ensino, 26 registraram a capoeira como uma das atividades ofertadas aos estudantes, em 2014.
O PME, criado a partir de uma ação interministerial do Ministério da Educação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Esporte, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Cultura, Ministério da Defesa e a Controladoria Geral da União, se configura como uma política educacional contemporânea. Nesse sentido, o mesmo se tece no cenário educacional descrito na primeira sessão do artigo, em que a emergência do debate sobre necessidade de valorização dos diferentes grupos étnicos tem ganhado força. Em certa medida, o PME parece dialogar com as demandas desse contexto, tendo em vista que ele sinaliza como algumas de suas metas: "[...] a diminuição das desigualdades educacionais e a valorização da diversidade cultural brasileira"26.
Outro tema que tem sido ponto de preocupação no campo da educação é a oferta de educação em tempo integral27. O PME também dialoga com essa questão. De acordo com o documento que o regula, o programa se constitui: "[...] em uma estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral"28. A construção da educação integral ocorre a partir do desenvolvimento de atividades educativas ofertadas no contraturno escolar29.
As possibilidades de atividades a serem desenvolvidas no âmbito do PME são bastante amplas: xadrez, karatê, capoeira, jornal escolar, entre outras. Tais atividades estão alocadas em macrocampos que irão se diferenciar de acordo com a região em que a escola está localizada (área urbana ou rural). Nas escolas localizadas em áreas urbanas, os macrocampos são: 1) acompanhamento pedagógico; 2) comunicação, uso de mídias e cultura digital e tecnológica; 3) cultura, artes e educação patrimonial; 4) educação ambiental, desenvolvimento sustentável e economia solidária e criativa/educação econômica (educação financeira e fiscal); 5) esporte e lazer; 6) educação em direitos humanos; 7) promoção da saúde. Nas escolas localizadas em áreas rurais, as atividades são divididas entre os macrocampos: 1) acompanhamento pedagógico; 2) agroecologia; 3) iniciação científica; 4) educação em direitos humanos; 5) cultura, artes e educação patrimonial; 6) esporte e lazer; 7) memória e história das comunidades tradicionais.
De acordo com o Manual operacional de educação integral, documento normativo do Programa Mais Educação: "As escolas urbanas escolherão quatro atividades, dentre os sete macrocampos oferecidos. A atividade Orientação de Estudos e Leitura, do macrocampo Acompanhamento Pedagógico, é obrigatória"30.
Cada unidade escolar tem autonomia para escolher as demais atividades. A escola onde foi realizado o acompanhamento das aulas de capoeira desenvolve, além das oficinas de orientações de estudos e leitura, as oficinas de karatê e atividades esportivas (futebol, handball etc.)31.
As turmas criadas para o desenvolvimento das atividades escolhidas pela escola são formadas, geralmente, por trinta estudantes de diferentes idades, com prioridade para estudantes dos 4º e 5º anos32. A responsabilidade por cada turma é designada a um oficineiro (monitor). De acordo com o PME:
O trabalho de monitoria deverá ser desempenhado, preferencialmente, por estudantes universitários de formação específica nas áreas de desenvolvimento das atividades ou pessoas da comunidade com habilidades apropriadas, como, por exemplo, instrutor de judô, mestre de capoeira, contador de histórias, agricultor para horta escolar etc. Além disso, poderão desempenhar a função de monitoria, de acordo com suas competências, saberes e habilidades, estudantes da EJA e estudantes do ensino médio33.
O vínculo entre o oficineiro e a escola se dá por meio da assinatura de um termo de adesão e compromisso voluntário. De acordo com o termo: "O ressarcimento do monitor deverá ser calculado de acordo com o número de turmas, sendo R$ 80,00 (oitenta reais) para as escolas urbanas e R$ 120,00 (cento e vinte reais) para as escolas do campo"34
Cada oficineiro pode se responsabilizar por, no máximo, cinco turmas, ou seja, o valor máximo que cada oficineiro pode ganhar por escola é R$400,00. O baixo valor destinado ao pagamento dos oficineiros faz com que estes procurem outras escolas para complementar a renda, situação que dificulta a realização de um trabalho mais aprofundado.
A CAPOEIRA NO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ARTICULAÇÃO ENTRE PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO
A capoeira, enquanto uma das atividades ofertadas pelo PME, está alocada no macrocampo Cultura, Artes e Educação Patrimonial, que reúne atividades destinadas ao:
Incentivo à produção artística e cultural, individual e coletiva dos estudantes como possibilidade de reconhecimento e recriação estética de si e do mundo, bem como da valorização às questões do patrimônio material e imaterial, produzido historicamente pela humanidade, no sentido de garantir processos de pertencimento ao local e à sua história35.
A inclusão da capoeira no macrocampo Cultura, Artes e Educação Patrimonial sinaliza, em primeira análise, a sintonia do Ministério da Educação com o debate que está sendo travado sobre a capoeira contemporaneamente. A mencionada manifestação cultural foi reconhecida pelo Iphan, em 2008, como patrimônio imaterial do Brasil, sendo inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão. A patrimonialização nos termos do Iphan perpassa pelo reconhecimento da multidimensionalidade da capoeira, expressa, simultaneamente, no canto, no toque dos instrumentos, na dança, nos golpes, no jogo, na brincadeira, nos símbolos e rituais de herança africana.
Se por um lado, a introdução da capoeira no macrocampo Cultura, Artes e Educação Patrimonial sinaliza a possibilidade de romper com a hegemonia de abordagens meramente esportivas da capoeira no espaço escolar, responsável, em certa medida, pelo esvaziamento étnico da manifestação, por outro lado, a análise da produção do PME sobre patrimônio cultural demonstra a permanência de uma perspectiva homogeneizadora da nação brasileira:
"Na nossa vida pessoal aquilo a que atribuímos valor se torna um bem - algo que buscamos manter, preservar, pois nos enriquece de alguma forma. Ao falarmos do nosso patrimônio cultural, nos referimos ao conjunto de bens que constituem a nossa cultura, algo que nos enriquece enquanto povo"36.
Apesar de ter havido uma ampliação da noção de patrimônio cultural expressa no reconhecimento dos bens culturais ligados aos diferentes grupos presentes no território nacional, verifica-se que a noção de patrimônio cultural presente na publicação do PME ainda está ligada a uma noção de homogeneidade cultural do Brasil, evidenciada por meio da palavra povo.
A relação entre patrimônio e formação de um povo tem sido exaustivamente debatida nos estudos sobre nação e nacionalismo. Richard Handler, por exemplo, ao estudar a província de Quebec, no Canadá, evidencia a utilização dos símbolos considerados patrimônios culturais para o fortalecimento da noção de povo na mencionada província37. No entanto, não é a utilização do patrimônio cultural com a finalidade de construção de um povo que nos chama à atenção, mas sim a presença dessa perspectiva em um contexto histórico marcado pela emergência de grupos étnicos na sociedade brasileira, situação que tem apontado para a necessidade de uma interpretação nacional pautada na formação multiétnica do Brasil.
Esta maneira de entender a noção de patrimônio cultural parece se refletir nos objetivos da oficina de capoeira. De acordo com o documento Manual operacional de educação integral os objetivos da capoeira são: "Incentivo à prática da capoeira como motivação para desenvolvimento cultural, social, intelectual, afetivo e emocional de crianças e adolescentes, enfatizando os seus aspectos culturais, físicos, éticos, estéticos e sociais, a origem e evolução da capoeira, seu histórico, fundamentos, rituais, músicas, cânticos, instrumentos, jogo e roda e seus mestres"38.
Cabe destacar, novamente, o avanço em relação à construção de uma proposta que apresenta a capoeira em seus múltiplos aspectos. Contudo, o documento aponta para uma ausência no que diz respeito à relação entre a capoeira e o grupo étnico afro-brasileiro, que a reivindica como um símbolo do acervo cultural afro-brasileiro. Nesse sentido, podemos dizer que, ao abordar a capoeira, o PME tem adotado uma perspectiva "cega para cor", ou seja, não considerando sua matriz africana. O documento que regula o Programa Federal só faz referência ao grupo étnico afro-brasileiro quando apresenta o macrocampo Memória e História das Comunidades Tradicionais, em que está inserido o trabalho com remanescentes de quilombos.
Seguindo uma abordagem mais generalista da capoeira, o documento que regula o PME não faz menção às diferentes vertentes e escolas da capoeira. Percebe-se, inclusive, que o documento não cita as duas escolas interpretadas como grandes responsáveis pela conformação dos estilos de se jogar capoeira na contemporaneidade: angola e regional. O documento também não faz referência ao mestre Bimba. O mencionado mestre é interpretado como responsável pela sistematização da capoeira regional39. O mestre de capoeira baiano é um personagem importante quando se pensa na história da capoeira e aparece de forma recorrente na bibliografia sobre a manifestação cultural:
Aos doze anos de idade, mestre Bimba é iniciado na capoeiragem pelo africano Bentinho, capitão da Cia. de Navegação Baiana. Iniciando, portanto, seu aprendizado da arte da capoeiragem do "modo antigo", frequentando as rodas nas festas e feiras populares, jogando nas horas vagas de seu trabalho como estivador no cais do porto, na rua onde executava pequenos serviços, enfim, frequentando os espaços públicos de Salvador. É justamente com esta tradição que mestre Bimba buscará uma ruptura, inventando a capoeira regional baiana. Segundo ele, a capoeira deveria se transformar para se inserir na sociedade. Estas transformações deveriam abandonar toda e qualquer vinculação da capoeira com a vida malandra, enfatizando os seus aspectos desportivos e marciais. Mestre Bimba tenta, portanto, transformar a capoeira numa ginástica genuinamente nacional40.
A vertente da capoeira forjada por mestre Bimba se caracteriza, como apontado, por uma forte abordagem marcial. Nesse sentido, não são raras as vezes em que se atribui ao mencionado mestre a responsabilidade pela esportização da capoeira: "Através da capoeira regional, Mestre Bimba implementa uma padronização e institucionalização da prática da capoeira, com a criação de estatutos, manuais de técnicas de aprendizagem, descrição objetiva dos golpes, toques e cantos, utilização de uniformes e indumentárias especiais, entre outras coisas"41.
Apontado como responsável por se contrapor à perspectiva defendida por mestre Bimba, encontramos mestre Pastinha, que inaugurou a vertente da capoeira conhecida como angola:
Aproveitando o caminho aberto por mestre Bimba, mestre Pastinha funda, em 1941, o Ceca. Nascido em 1889, na cidade de Salvador, Pastinha, segundo seus relatos, iniciou seu processo de aprendizado da capoeira por volta dos seus dez anos. Seu mestre foi Benedito, um negro natural de Angola. Do mesmo modo que Bimba e tantos outros mestres, Pastinha aprendeu a capoeira "de oitiva"42, frequentando e vadiando nas rodas da cidade de Salvador. Durante toda a sua adolescência, frequentou a Escola de Marinheiros onde, segundo seu relato, ensinou capoeira nas horas vagas para seus colegas de arma. Saiu da Marinha aos vinte anos. Trabalhou de engraxate, vendendo gazetas, no garimpo e na construção do porto de Salvador43.
Mestre Bimba e mestre Pastinha são responsáveis por duas das mais conhecidas vertentes da capoeira: angola e regional. As duas vertentes são geralmente colocadas em campos opostos, inclusive por praticantes da capoeira que, de forma não rara, afirmam pontos de distinção entre as duas escolas44. As tentativas de distinção foram realizadas também por mestre Pastinha:
Mestre Pastinha buscava diferenciar a capoeira angola da capoeira regional, que se difundia cada vez mais. Referenciado pela ancestralidade africana, se referia à modalidade angola como "capoeira mãe". Defensor radical de sua arte, mestre Pastinha acreditava que o aluno não podia, de modo algum, dedicar-se a treinamentos atléticos e marciais impróprios à prática da capoeira. Estes movimentos, toques, e cantos devem ser vivenciados a partir de todas as performances ritualísticas45.
As tentativas de singularização realizadas pelos sujeitos ligados às duas escolas de capoeira mencionadas (angola e regional) expressam, em certa medida, o fenômeno denominado pelo historiador Eric Hobsbawm como a invenção das tradições:
O termo "tradição inventada" é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as "tradições" realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo - às vezes coisa de poucos anos apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez46.
No decorrer do trabalho, Eric Hobsbawm discute a importância das tradições para o fortalecimento de instituições políticas, movimentos ideológicos, grupos e estados-nacionais. No contexto marcado pela disputa de sentidos atribuídos à capoeira, a tradição se destaca como um importante elemento para o fortalecimento dos diferentes grupos de capoeira. Nesse sentido, tanto a escola regional quanto a angola vão mobilizar sentidos, fortalecer símbolos e tecer histórias com a finalidade de consolidar os grupos ligados às respectivas escolas.
Nesse processo, entendido como a invenção das tradições, a capoeira angola é interpretada como uma vertente que manteve uma ritualística semirreligiosa, enquanto a vertente regional é lida a partir de uma perspectiva mais laica47. Amiúde, são atribuídos ao jogo de capoeira angola movimentos mais lentos, jogados mais próximos ao chão. Quando se pensa no jogo desenvolvido pela vertente regional, as movimentações são apontadas como mais rápidas e seu jogo ocorre de forma mais constante em pé, caracterizando uma aproximação entre o estilo da capoeira e outras lutas.
Apesar de não citar nenhuma vertente da capoeira, ao analisar os documentos produzidos pelo PME, verifica-se uma predominância de elementos representativos do universo cultural da capoeira regional ou capoeira contemporânea, denominação utilizada por alguns grupos atualmente48. Essa predominância se dá pela utilização de imagens que apresentam personagens com uniformes brancos e cordas49. Merecem destaque, também, os materiais que compõem os kits para o desenvolvimento das oficinas. Encontramos no tópico destinado à capoeira os seguintes itens: 1) calça de capoeira branca; 2) camisetas de malha fio 30; 3) agogô; 4) berimbau completo; 5) caxixi (instrumento musical); 6) pandeiro. Mais uma vez é realizada uma referência entre calça branca e a prática da capoeira, o que expressa, em certa medida, a hegemonia dos símbolos ligados à prática da capoeira regional ou contemporânea no Programa do Governo Federal analisado neste artigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intersecção entre patrimônio e educação tem auxiliado nossas reflexões acerca da configuração do campo educacional brasileiro na contemporaneidade. Verificamos que a emergência de grupos étnicos, com destaque para os afro-brasileiros, tem fortalecido o processo de politização da cultura, que passa a ser interpretada como uma ferramenta de valorização e fortalecimento do grupo étnico. Nesse contexto, tem sido cada vez maior a pressão sobre o sistema de ensino brasileiro para que este reflita a diversidade que marca a sociedade brasileira. A resposta dada pelo sistema de ensino brasileiro à demanda pelo reconhecimento das diferenças tem sido interpretada por nós como um deslocamento da identidade nacional brasileira, que de uma perspectiva pautada na miscigenação, passa, pouco a pouco, para uma perspectiva amparada na abordagem multiétnica.
No entanto, pensamos ser importante ponderar que, como em qualquer processo de mudança, o deslocamento da identidade nacional brasileira tem sido marcado por contradições e disputas. A análise dos documentos do Programa Mais Educação sobre capoeira evidencia tais contradições e disputas. Apesar de o mencionado Programa apontar a valorização da diversidade étnica como uma de suas metas e reconhecer a capoeira como patrimônio imaterial, o mesmo privilegia a abordagem da capoeira caracterizada, quase sempre, por um caráter esportivo. Em um contexto de disputa entre o nacional e étnico, a vertente esportiva da capoeira está mais próxima da interpretação nacional, sendo inclusive pensada por determinados setores da sociedade brasileira como o esporte nacional50. Tendo em vista essa situação, as possibilidades de estabelecer articulações legais entre a proposta de introdução da capoeira na educação básica do PME e os artigos sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira da LDBEN tornam-se menores.
A análise dos documentos do PME também nos permitiu identificar que, apesar de reconhecer a capoeira como patrimônio imaterial, o PME tem adotado uma concepção de patrimônio conservadora. Se o Iphan, a partir da Constituição Federal de 1988 e do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, tem alargado sua concepção acerca de patrimônio, reconhecendo-o como um elemento constitutivo e constituidor da identidade dos diferentes grupos presentes na sociedade brasileira, o PME tem apontado para uma concepção de patrimônio ligada à ideia de povo. Esse movimento destoa do contexto educacional marcado pela emergência de grupos étnicos, tendo em vista sua perspectiva homogeneizadora sobre a formação nacional. Talvez o posicionamento conservador em relação ao patrimônio explique a postura do PME em relação à capoeira. O mencionado Programa, ao propor a capoeira como uma de suas atividades, não faz menção em nenhum momento ao grupo étnico que a tem reivindicado como uma manifestação de seu acervo cultural.
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- _____. A produção em massa de tradições. In: HOBSBAWM, E. J. &RANGER, T. A invenção das tradições Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
- JACCOUD, L. O combate ao racismo e à desigualdade: o desafio das políticas públicas de promoção da igualdade racial. In: THEODORO, M. (org.) As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea. 2008, p. 131-166.
- SEYFERTH, G. As ciências sociais no Brasil e a questão racial. In: Cativeiro & Liberdade. Rio de Janeiro: UERJ, 1989.
- VIEIRA, L. R. A capoeira e as políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial: legitimação e reconhecimento de uma manifestação cultural de origem popular. Brasília Fundação Cultural Palmares, 2012.
- WALLERSTEIN, I. The construction of peoplehood: racism, nationalism, ethnicity. In: BALIBAR, E. & WALLERSTEIN, I. Race, nation, class, ambiguous identities. London: Verso. 1991, p. 71-85.
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Sempre que na generalização do vocábulo aparecer o gênero masculino, considerem também o gênero feminino. As regras morfológicas de nosso idioma ainda privilegiam o masculino.
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A inclusão dos dois artigos na LDBEN se deve à Lei 10 639/03. Em 2008, os referidos artigos foram modificados pela Lei 11 645, que incluiu o estudo da história e da cultura dos povos indígenas como um conteúdo obrigatório.
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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9 394, 20 de dezembro de 1996.
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Utilizamos o termo movimento negro no singular por entender que, apesar da pluralidade organizativa e diferentes orientações políticas, a questão racial aparece como principal pauta de articulação.
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Operamos neste artigo com o conceito de grupo étnico definido por Fredrik Barth: [...] os grupos étnicos são vistos como uma forma de organização social. Então, um traço fundamental torna-se [...] a característica da autoatribuição ou da atribuição por outros a uma categoria étnica. Uma atribuição categórica é uma atribuição étnica quando classifica uma pessoa em termos de uma identidade básica mais geral, presumivelmente determinada por sua origem e seu meio ambiente. Na medida em que os atores usam identidades étnicas para categorizar a si mesmos e outros, com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos neste sentido organizacional. BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, P. STREIFF-FENART, J. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth, Trad. Elcio Fernandes, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1998, p. 193.
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Para ter acesso à discussão feita pelo historiador britânico sobre a importância do sistema educacional para o fortalecimento da identidade nacional americana ver: HOBSBAWM, E. J. A produção em massa de tradições em: HOBSBAWM, E. J. e RANGER, T. A invenção das tradições, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
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Nos dias 21 de abril, 7 de setembro e 15 de novembro são comemorados, respectivamente, o dia de Tiradentes, considerado herói nacional, o dia da independência do Brasil e o dia da Proclamação da República. Antes da instituição do Dia da Consciência Negra pela LDBEN, as datas comemorativas celebradas no sistema de ensino brasileiro restringiam-se, quase sempre, a eventos em que personagens brancos são considerados protagonistas.
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HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade, Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 66.
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9
Para uma discussão sobre a ação política do movimento negro sobre o sistema educacional brasileiro, ver: GOMES, N. L. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça, Educação & Sociedade (Impresso), v. 33, 2012, p. 727-744.
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Para uma discussão sobre a utilização do fenômeno da mestiçagem como um fator para pensar a formação da sociedade brasileira ver: DAMATTA, R. A. Relativizando - uma introdução à antropologia social, Petrópolis: Vozes, 2000; GONÇALVES, M. A. R. Brasil, meu Brasil brasileiro: notas sobre a construção da identidade nacional, em: ______. (org.) Educação e cultura: pensando em cidadania, Rio de Janeiro, Quartet, 1999, p. 17 - 42; SEYFERTH, G. As ciências sociais no Brasil e a questão Racial, em: Cativeiro & Liberdade. UERJ, 1989.
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SEYFERTH, G. As ciências sociais no Brasil e a questão racial, em: Cativeiro & Liberdade, Rio de Janeiro: UERJ, 1989, p. 20.
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O conceito de povo utilizado neste artigo é entendido como uma construção histórica e social. Nesse sentido, para uma discussão sobre os elementos utilizados para construção de um povo ver: WALLERSTEIN, I. The construction of peoplehood: racism, nationalism, ethnicity, em: BALIBAR, E. & WALLERSTEIN, I. Race, nation, class, ambiguous identities, London: Verso, 1991, p. 71-85.
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As últimas décadas do século XX e primeira década do XXI têm sido marcadas por políticas públicas que evidenciam a utilização da etnia como uma variável a ser considerada. Relacionamos, a título de exemplo, algumas ações: 1) a constitucionalidade da demarcação de terras indígenas e quilombolas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; 2) criação em 1988 da Fundação Cultural Palmares; 3) institucionalização da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial; 4) criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão; 5) reconhecimento da constitucionalidade das ações afirmativas de cunho racial. Para mais informações sobre a emergência das políticas racializadas, ver: JACCOUD, L. O combate ao racismo e à desigualdade: o desafio das políticas públicas de promoção da igualdade racial, em: THEODORO, M. (org.) As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição, Brasília: .Ipea. 2008, p. 131-166.
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A fim de superar os limites dos conceitos de raça e etnia, o Ministério da Educação começou a fazer uso da palavra composta étnico-racial, que passou a integrar a rubrica Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER).
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O artigo 216, da Seção III da Constituição da República Federativa do Brasil, aponta: constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Ao assumir este posicionamento, a Constituição de 1988 avança no sentido da ampliação do conceito de cultura e de patrimônio, rompendo com uma perspectiva hegemônica que reconhecia como patrimônio somente as obras arquitetônicas e as obras de arte, aspectos fortemente ligados aos grupos hegemônicos da sociedade brasileira.
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VIEIRA, L. R. A capoeira e as políticas de salvaguarda do patrimônio imaterial: legitimação e reconhecimento de uma manifestação cultural de origem popular. Brasília Fundação Cultural Palmares, 2012.
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BARTH, F. Grupos étnicos e suas fronteiras, em: POUTIGNAT, P. & STREIFF-FENART, J. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. Trad. Elcio Fernandes. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1998, p. 191.
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O documento intitulado História e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil, produzido pelo MEC em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e com a Organização das Nações Unidas para Educação, Cultura e Ciência (Unesco), apresenta a capoeira como uma expressão da cultura afro-brasileira.
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BRASIL. Lei n 10 639/03, de 9 de janeiro de 2003, Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 de janeiro de 2003.
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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental/MEC, Parâmetros curriculares nacionais, Brasília: MEC/SFE, 1998, p. 117.
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A inserção de novos atores e saberes em espaços de formação, como a escola, é uma questão recorrente no debate sobre cultura afro-brasileira e educação. No projeto de lei que deu origem a Lei 10 639/03, por exemplo, podemos encontrar o artigo 2º, que dizia: os cursos de capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria. Durante o processo de tramitação da lei, o mencionado artigo foi vetado. O apontamento do inventário produzido pelo Iphan parece apontar para o mesmo caminho (diálogo entre a instituição escolar e outros saberes e sujeitos).
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BRASIL. Dossiê. Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil,. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Ministério da Cultura ,Brasília: MEC, 2007.
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HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo, Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, n. 2, jul.-dez, 1997, p. 15-46.
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De acordo com o site do MEC, o número de escolas atendidas pelo PME em 2011 chegou a 14 995 unidades escolares. Se levarmos em consideração a quantidade de escolas que compõe o sistema da educação básica no Brasil, podemos dizer que número de escolas atendidas pelo PME é ainda pequeno. No entanto, para pensar o diálogo contemporâneo entre a escola e a capoeira, o número é bastante expressivo, tendo em vista o fato de o PME se configurar como uma das poucas políticas educacionais que propõem a introdução da capoeira na educação básica. Disponível em: <http://goo.gl/4eiFP4>.
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Nova Iguaçu é um dos municípios da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. De acordo com os dados do Ministério da Educação, o município ocupa a quarta posição do ranking das escolas do estado do Rio Janeiro com as piores notas no Índice do Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb - 5ª ano). A situação vivida por Nova Iguaçu habilita o município para fazer a adesão ao Programa Mais Educação, que visa, entre outras coisas, diminuir as desigualdades educacionais expressas pelo Ideb.
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BRASIL. Ministério da Educação. Manual operacional de educação integral, Brasília, Distrito Federal, 2014, p. 4.
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A educação integral, tema recorrente no campo da educação, se constitui em uma das metas do Plano Nacional de Educação - PNE (2011-2020).
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28
BRASIL. Ministério da Educação. Manual operacional de educação integral,. Brasília, Distrito Federal, 2014, p. 4.
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É possível dizer que o PME se caracteriza como ação que dialoga com o artigo 34º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ele aponta: "A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola".
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BRASIL. Ministério da Educação. Manual operacional de educação integral, Brasília, Distrito Federal, 2014, p. 8..
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Parte da pesquisa de onde deriva este artigo se dedica a pensar e discutir as aulas de capoeira que acontecem em uma escola municipal de Nova Iguaçu. No entanto, neste trabalho, nossas atenções estão focadas na constituição da proposta de introdução da capoeira na educação básica do Programa Mais Educação e em que medida tal proposta dialoga com o contexto educacional marcado pela emergência do grupo étnico afro-brasileiro.
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A prioridade dada às turmas de 4º e 5º anos pode ser justificada pela meta de diminuição das desigualdades educacionais estabelecida pelo PME. Essas turmas fazem fronteira com o segundo segmento do ensino fundamental. De acordo como Ricardo Henriques, esse é o momento em que muitas crianças abandonam o sistema de ensino. Nesse sentido, o foco nas turmas mencionadas pode ser interpretado como uma tentativa de diminuir a evasão escolar verificada nessa etapa escolar. HENRIQUES. R. Raça e gênero nos sistemas de ensino: os limites das políticas universalistas em educação, Brasília: Unesco. 2002.
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BRASIL. Ministério da Educação. Manual operacional de educação integral, Brasília, Distrito Federal, 2014, p. 18.
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34
Idem, ibidem.
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Idem, p.17.
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36
BRASIL, Educação Patrimonial, p. 10, 2012. Disponível em: <http://goo.gl/S4JCTr >
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HANDLER, R. Nationalism and the politics of culture in Quebec, Madison, The University of Wisconsin Press, 1988.
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38
BRASIL. Ministério da Educação. Manual operacional de educação integral,. Brasília, Distrito Federal, 2014, p. 17.
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BRASIL. Dossiê. Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura, Brasília: MEC, 2007.
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40
Idem, p. 56.
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41
Idem, p. 58.
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Oitiva é o termo utilizado para se referir ao modo de aprender capoeira em espaços públicos, sem método ou pedagogia formalizada.
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BRASIL. Dossiê. Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura, Brasília: MEC, 2007, p. 61.
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As diferenças entre as duas vertentes se manifestam, também, nos itens mais básicos como, por exemplo, os uniformes. Os praticantes da capoeira angola, de um modo geral, utilizam calças pretas e blusas amarelas, enquanto os praticantes da capoeira regional tendem a privilegiar o uso de vestimentas brancas. Cabe destacar também a diferença do número de berimbaus utilizados nas rodas de capoeira angola e regional: na primeira vertente são utilizados três berimbaus, enquanto na segunda é utilizado apenas um.
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BRASIL. Dossiê. Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ Ministério da Cultura,Brasília: MEC, 2007, p. 63.
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HOBSBAWM, E. J. Introdução: A invenção das tradições. In: HOBSBAWM, E. J. e RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
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BRASIL. Dossiê. Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura, Brasília: MEC, 2007.
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De acordo com o Iphan: influenciados pelas sequências de mestre Bimba, os grupos cariocas e paulistas incorporaram na sua prática movimentos e instrumentação da capoeira angola. Uma das suas características principais é o uso de cordas para graduar os jogadores. Esta modalidade ainda não possui um nome consensual entre os capoeiristas. Uns preferem chamá-la "capoeira contemporânea", outros "capoeira de vanguarda", e há ainda os que a nomeiam como "capoeira atual" ou, simplesmente, "capoeira hegemônica". Para mais informações sobre as diferentes vertentes da capoeira, ver: idem, 2007.
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A adoção do sistema de cordas vai ao encontro das tentativas de aproximação entre a capoeira e as lutas marciais como karatê, jiu jitsu etc. Cabe destacar que no período da ditadura civil militar as cores utilizadas no sistema de cordas eram as cores nacionais (verde, amarela, azul etc) situação que expressa o apelo nacionalista na prática da capoeira.
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BRASIL. Dossiê. Inventário para registro e salvaguarda da capoeira como patrimônio cultural do Brasil, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura,- Brasília: MEC, 2007, p. 18.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Dez 2015
Histórico
-
Recebido
22 Jun 2015 -
Aceito
25 Ago 2015