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Qualidade da água residuária de usina de concreto para fins de aproveitamento

Resumos

O uso eficiente da água se constitui em um dos principais quesitos a serem contemplados dentro do conceito de produção mais limpa e o uso da água residuária da produção do concreto pode ser uma importante medida para este fim. Contudo, não se dispõe no Brasil de um estudo que indique a qualidade desta água e em quais atividades poderia ser reutilizada. O objetivo deste trabalho é avaliar a qualidade da água residuária de uma usina de concreto e propor diretrizes para o seu tratamento tendo em vista o reúso para fins não potáveis. Para tanto, foram coletadas amostras da água residuária em três pontos do sistema de tratamento existente na usina em estudo, sendo depois realizados ensaios em laboratório para a avaliação da sua qualidade. Os resultados obtidos forma comparados com os valores limite dos parâmetros de qualidade existentes nos principais documentos que vêm sendo empregados para a análise da água não potável para fins de abastecimento no pais. Os resultados obtidos indicam a necessidade de acrescentar ao sistema de tratamento existente, pelo menos, os processos de coagulação e a correção do pH.

água residuária; usinas de concreto; qualidade da água; tratamento


Efficient water use is one of the most important requirements of cleaner production, and the use of the wastewater from concrete production can be an important means to this end. However, there are no Brazilian studies on the quality of concrete plant wastewater and the activities in which such water can be used. This paper aims to evaluate the quality of concrete plant wastewater and to propose guidelines for its treatment for non-potable applications. Wastewater samples were collected from three points in the studied treatment system, and tests were later performed in the laboratory to evaluate the water quality. The results obtained were compared with the limit values for the quality parameters that have been used for the analysis of the non-potable water supply in Brazil. The results indicate a need to at least add coagulation and pH correction processes to the treatment system.

wastewater; concrete plants; water quality; treatment


IFederal University of Goiás (Universidade Federal de Goiás), Department of Civil Engineering, Catalão/GO, Brazil; E-mail: heberdepaula@ufg.br

IIState University of Campinas (Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP), School of Civil Engineering, Architecture and Urbanism of UNICAMP, Department of Architectural Construction, Campinas/SP, Brazil. E-mail: milha@fec.unicamp.br

RESUMO

O uso eficiente da água se constitui em um dos principais quesitos a serem contemplados dentro do conceito de produção mais limpa e o uso da água residuária da produção do concreto pode ser uma importante medida para este fim. Contudo, não se dispõe no Brasil de um estudo que indique a qualidade desta água e em quais atividades poderia ser reutilizada. O objetivo deste trabalho é avaliar a qualidade da água residuária de uma usina de concreto e propor diretrizes para o seu tratamento tendo em vista o reúso para fins não potáveis. Para tanto, foram coletadas amostras da água residuária em três pontos do sistema de tratamento existente na usina em estudo, sendo depois realizados ensaios em laboratório para a avaliação da sua qualidade. Os resultados obtidos forma comparados com os valores limite dos parâmetros de qualidade existentes nos principais documentos que vêm sendo empregados para a análise da água não potável para fins de abastecimento no pais. Os resultados obtidos indicam a necessidade de acrescentar ao sistema de tratamento existente, pelo menos, os processos de coagulação e a correção do pH.

Palavras-chave: água residuária, usinas de concreto, qualidade da água, tratamento.

1. Introdução

Em usinas de concreto, o uso da água é intenso, não somente na produção do concreto propriamente dito, mas também para a lavagem de resíduos em caminhões-betoneira, lavagem de pisos e aspersão sobre os agregados, para a redução de poeira (Sealey, Phillipse e Hill [1]; Cement Concrete & Aggregates Australia [2]). O uso de água residuária pode reduzir o consumo de água potável e contribuir para uma produção mais limpa do concreto no quesito água.

Su, Miao e Liu [3] destacaram que a água residuária do concreto apresenta elevados valores de pH, entre 11 e 12 e, consequentemente, alta alcalinidade pela presença de hidróxidos e carbonatos, além de elevado teor de sólidos. Essas características fazem com que seja necessário tratar a água residuária, antes da disposição final, seja na água ou solo.

A usina de concreto é uma indústria sujeita ao licenciamento ambiental, segundo a Resolução CONAMA nº 237 [4], pois o processo produtivo apresenta etapas que geram impactos ao meio ambiente. Lima et al. [5] levantaram as principais atividades poluidoras de uma usina de concreto com capacidade de 40 m3.h-1: transporte de matéria-prima e do concreto por caminhões; moldagem de corpos de prova; lavagem de caminhões betoneira; abastecimento dos caminhões; e manutenção dos veículos. Além disso, os autores realizaram uma Análise de Previsão de Risco, que classifica os impactos quanto à severidade e frequência, concluindo que a lavagem dos caminhões, dentre as atividades da usina, é a de maior impacto ao meio ambiente, com importância 10 em uma escala de valor máximo de 20. A água de lavagem tem o pH modificado, o que pode ocasionar a morte de peixes, além da contaminação do lençol freático.

A política nacional de resíduos sólidos brasileira, instituída pela lei n. 12305 [6], define que sempre que líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d'água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível, deve-se adotar, desenvolver e aprimorar tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais.

A Resolução CONAMA nº 448 [7] estabelece no parágrafo 1º que os resíduos da construção civil não poderão ser dispostos em aterros de resíduos sólidos urbanos, em áreas de "bota fora", em encostas, corpos d'água, lotes vagos e em áreas protegidas por Lei. Assim, é necessário atender à Resolução CONAMA nº 430 [8] que estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes em corpos receptores. O artigo 2º da referida resolução estabelece que a disposição de efluentes no solo, mesmo após o tratamento, não está sujeita aos parâmetros e padrões de lançamento dispostos nesta resolução, não podendo, todavia, causar poluição ou contaminação das águas superficiais e subterrâneas.

No caso de reúso da água residuária do concreto, a necessidade e o tipo de tratamento dependem da atividade a ser realizada com a água tratada, normalmente considerado o abastecimento de água não potável.

A NBR 15900 [9] estabelece os parâmetros para água de amassamento do concreto, levando em consideração a finalidade do uso do concreto e quais águas residuárias podem ser reutilizadas como, por exemplo, as provenientes da lavagem de betoneiras. Contudo, água do mar, água salobra ou água proveniente de esgoto ou esgoto tratado não podem ser utilizados, por esta norma, para o amassamento do concreto.

Águas de fontes alternativas devem atender a uma série de requisitos químicos e físicos para que seja possível seu uso na produção do concreto, visando não apenas que sejam mantidas as suas propriedades como, por exemplo, o tempo de pega e a resistência esperada, mas também que a água utilizada não prejudique a durabilidade do concreto produzido.

Os estudos encontrados na revisão da literatura indicaram que concretos produzidos com água residuária da própria usina apresentam resistência à compressão superior a 90% da obtida para o concreto produzido com água potável, que é um critério aceitável segundo ASTM C94/C94M[10] (Sandrolini e Franzoni [11]; Su, Miao e Liu [3]; Chatveera; Lertwattanaruk e Makul [12]) e EN 12390-2 [13] (Tsimas e Zervaki [14]), além de tempos de pega iniciais com diferenças inferiores a 30 minutos, critério aceitável segundo ASTM C403/C403M [15] (Su, Miao e Liu [3]) e EN 196-3 [16] (Tsimas e Zervaki [14]).

Vale ressaltar que a água para amassamento do concreto não deve conter impurezas que possam vir a prejudicar as reações de hidratação do cimento e a formação de seus compostos.

O uso da água residuária em outras atividades que prescindem da água potável, como por exemplo, na lavagem de caminhões-betoneira foi avaliado em apenas um estudo constante na literatura investigada, sendo que o teor de sólidos foi destacado como um importante parâmetro a ser monitorado (Sealey, Phillips; Hill [1]).

Em todos os estudos levantados, independentemente do destino dado ao efluente, existe um sistema de tratamento para a melhoria dos parâmetros de qualidade da água (Sealey, Phillips; Hill [1]; Tsimas e Zervaki [14]), o qual necessita, para a sua definição, da caracterização do afluente e da finalidade que será dada à água tratada.

O objetivo desse artigo é avaliar a qualidade da água residuária de uma usina de concreto e propor diretrizes para o seu tratamento tendo em vista o reúso em atividades que prescindam da água potável na própria usina como, por exemplo, a lavagem de caminhões betoneira, higienização de ambientes, descarga de bacias sanitárias, irrigação de áreas verdes e lavagem de pátio. Trata-se de um estudo de caso único, o qual poderá, contudo, subsidiar o desenvolvimento de estudos similares em outros locais.

2. Metodologia

Para o desenvolvimento do estudo foi considerada uma usina de concreto localizada na região sudeste do estado de Goiás, Brasil, com uma produção média mensal de 2000 m³ de concreto.

Em um levantamento inicial, efetuado em algumas usinas de concreto, indicou que o sistema usualmente utilizado para o tratamento da água residuária é composto por dois ou três tanques de sedimentação. Na usina investigada nesse estudo o sistema de tratamento é composto por um tanque de entrada do efluente; seis câmaras de sedimentação e um tanque de saída do afluente.

As amostras de água para a realização dos ensaios de qualidade foram coletadas em três pontos distintos do sistema de tratamento (Figura 1): (1) câmara de entrada, cuja abertura se encontra no nível do piso, (2) uma das câmaras de decantação e (3) câmara de saída.


Destaca-se que a entrada de água para o sistema de tratamento se encontra no nível do piso, assim, o escoamento superficial, que contém detritos provenientes do pátio também é direcionado para este local. Em função disso, as coletas foram efetuadas em dois períodos, um de estiagem e outro chuvoso. Assim, as amostras para a determinação da cor aparente, da turbidez e do teor de ferro foram coletadas em oito ocorrências (C1 a C8), sendo três delas (C1 a C3) no período de estiagem (outubro e novembro de 2012) e cinco (C4 a C8) no período chuvoso (dezembro de 2012 e janeiro e fevereiro de 2013).

As amostras foram coletadas na superfície do líquido em todos os casos, utilizando-se de garrafas plásticas (PET). Após as coletas, as amostras foram identificadas e imediatamente transportadas para o laboratório para a realização dos ensaios, seguindo os métodos da APHA [17] apresentados na Tabela 1.

Foram realizados os seguintes ensaios para a avaliação da qualidade da água: cor aparente, turbidez, cloro residual, coliformes termotolerantes, cloreto, oxigênio dissolvido, alcalinidade, dureza, teores de amônia, de ferro e de cloretos.

Em função da disponibilidade dos reagentes necessários para os ensaios, a avaliação do cloro residual e do teor de amônia foi feita somente no período de estiagem (coletas C1 a C3), e os teores de cloreto e de oxigênio dissolvido (OD) foram determinados somente no período chuvoso (C4 a C8). Por último, os ensaios de dureza, alcalinidade, pH e coliformes termotolerantes foram realizados apenas em algumas das coletas e pontos do sistema de tratamento.

As leituras do teor de oxigênio foram efetuadas em três tempos distintos: 5, 10 e 15 minutos.

Como não existe normalização no Brasil que contemple qualidade da água não potável, com exceção da NBR 15527 [18], esta norma foi considerada como referência para a análise dos parâmetros de qualidade nela constantes. Isso é válido porque os parâmetros em análise se referem à água após o tratamento, ou seja, se referem à água não potável, para abastecimento, independentemente de sua origem. Além disso, foram considerados dois outros documentos que vêm sendo empregados como referência para a avaliação da qualidade de água não potável para fins de abastecimento no país, quais sejam: Sautchuk et al [19] e EPA/600/R-12/618 [20].

Assim, os resultados de pH, cor aparente, turbidez, cloro residual, coliformes termotolerantes, cloretos e alcalinidade foram confrontados com os valores limite para a água não potável constantes em Sautchuk et al [19], EPA/600/R-12/618 [20], NBR 15527 [18], Manca e Jannuzzi [21] e Lopes [22].

Por sua vez, os resultados do teor de ferro (Método do Tiocianato, conforme Boltz; Howell [23]) foram comparados com os valores limite constantes na resolução CONAMA 430 [8] para classificação de mananciais, utilizando como referência as águas classe III (teor de ferro máximo de 5,0 mg.L-1). O íon de ferro na água pode ser responsável pelo aparecimento de manchas em roupas e aparelhos sanitários e outras superfícies (Moruzzi [24]).

Para a avaliação da dureza da água, determinada conforme o Método SM 2340 C (APHA [17]), é caracterizada pela presença de sais alcalinos terrosos, como o cálcio e magnésio, que conferem sabor desagradável e efeito laxativo; reduzem a formação de espuma do sabão, aumentando o seu consumo; além de provocarem incrustações nas tubulações e caldeiras (Roloff [25]). Para sua avaliação foram considerados como referência os valores constantes em Von Sperling [26]: água mole: menos de 50 mg.L-1 de CaCO3; água de dureza moderada: entre 50 e 150 mg.L-1 de CaCO3; água dura: entre 150 e 300 mg.L-1 de CaCO3 e água muito dura: mais de 300 mg.L-1 de CaCO3.

Para o oxigênio dissolvido (OD), determinado conforme Método SM 4500-O (APHA [17]), considerou-se o valor recomendado por Fiorucci; Benedetti Filho [27], de modo a se evitar problemas de corrosão em tubulações e acessórios: 2,5 mg.L - 1.

Por último, foi efetuada uma análise comparativa dos resultados obtidos para a cor aparente, turbidez e teor de ferro por meio do teste não paramétrico de Wilcoxon, com nível de significância igual a 0,05, considerando-se os resultados aos pares. Este teste foi selecionado devido ao número pequeno de dados, à dependência dos resultados obtidos nos três pontos do sistema de tratamento e a não evidência de normalidade dos mesmos (Bunchaft e Kellner [28]; Volpato e Barreto [29]). Para essa análise, os dados dos dois períodos de coleta (estiagem e chuvoso) foram considerados conjuntamente.

3. Resultados e discussão

A Figura 2 apresenta os resultados de cor aparente, turbidez e teor de Ferro para as amostras coletadas nos três pontos do sistema de tratamento nos períodos chuvoso e de estiagem.


A cor aparente das amostras coletadas no período chuvoso foi mais elevada no ponto 1, indicando a contribuição determinante do escoamento superficial do pátio da usina nesse parâmetro.

À medida que a água passa pelo sistema de tratamento, houve redução significativa no valor da cor aparente, o que se verificou tanto no período chuvoso como de estiagem. O valor médio da cor aparente no período chuvoso foi de 75 mg.L-1 no ponto 1; 6,7 mg.L-1 no ponto 2 e 4,3 mg.L-1 no ponto 3. Já no período de estiagem, esses valores foram: 50 mg.L-1 para o ponto 1, 24 mg.L-1 para o ponto 2 e 9,0 mg.L-1 para o ponto 3. A aplicação do teste estatístico ao conjunto total de dados (períodos chuvoso e estiagem em conjunto) confirmou a efetividade do sistema empregado para a redução desse parâmetro, uma vez que os valores obtidos para as amostras do ponto 1 foram significativamente diferentes daqueles obtidos para os ponto 2 e 3 (p < 0,05), assim como os valores obtidos para o ponto 2 foram significativamente diferentes daqueles obtidos para o ponto 3.

A turbidez e o teor de ferro apresentaram comportamento similar à cor aparente, com valores bastante superiores no ponto 1 e diminuição significativa ao passar pelo sistema de tratamento.

A água coletada no ponto 1 apresentou grandes quantidades de sólidos em suspensão, com valores de turbidez entre 200 NTU e 700 NTU. Apesar do valor médio ter sido superior no período de estiagem, existiram valores similares aos do período chuvoso nesse ponto, indicando que o fator determinante para a turbidez consiste na diferença das quantidades de resíduos na água da lavagem de cada caminhão betoneira.

Os resultados da turbidez no ponto 1 foram significativamente superiores aqueles obtidos para o ponto 2 e também para o ponto 3 (p = 0,0017 em ambos os casos). Por outro lado, os resultados obtidos para o ponto 3 não foram significativamente diferentes daqueles encontrados para o ponto 2, indicando que houve pouca melhoria desse parâmetro entre esses dois pontos.

O teor de ferro em cada um dos pontos analisados foi um pouco superior no período de estiagem, pela maior concentração desse metal em função do menor volume de água escoada superficialmente para o sistema de tratamento. A presença desse metal se dá, principalmente, no lastro de concreto que retorna à usina, o qual se sedimenta ao passar pelo sistema de tratamento.

De maneira similar à turbidez, os resultados obtidos para o ponto 1 foram significativamente superiores aos obtidos para o ponto 2 e para o ponto 3 (p = 0,017 em ambos os casos). Contudo, os resultados obtidos para o ponto 3 não foram significativamente diferentes daqueles obtidos para o ponto 2 (p = 0,208), indicando que houve pouca melhoria desse parâmetro entre os referidos pontos.

A similaridade entre os resultados obtidos para os pontos 2 e 3, no caso da turbidez e do teor de ferro, se deve à velocidade relativamente alta do escoamento da água dentro do sistema de tratamento, o que dificulta a sedimentação das partículas.

Para a análise da viabilidade de reúso da água tratada para fins não potáveis, foram considerados os valores dos parâmetros investigados no ponto 3, na câmara de saída do sistema de tratamento. No caso da cor aparente, verifica-se que foram atendidos os limites especificados nos documentos de referência para a qualidade da água não potável, com exceção de duas coletas efetuadas em dias seguidos, no período chuvoso, em que os resultados foram superiores apenas ao limite recomendado por Sautchuk et al. [19] para águas de reúso classe 1, que se destinam à lavagem de veículos e descarga de bacias sanitárias. Assim, caso o uso final da água tratada fosse esse, seria necessário um processo de tratamento adicional para remoção da cor.

No caso da turbidez, os valores encontrados para o ponto 3 foram sempre superiores aos limites recomendados para a água não potável nos documentos de referência utilizados, o que também indica a necessidade de tratamento adicional ao existente na usina.

Conforme destacado anteriormente, não constam valores limite para o teor de ferro para a água não potável nos documentos de referência consultados. Em função disso, considerou-se o valor limite para água potável constante em CONAMA 430 [8], sendo que todos os valores obtidos se mantiveram dentro dos limites estabelecidos pela referida resolução.

A Figura 3 apresenta os resultados do teor de cloreto das amostras das 4 coletas realizadas no período chuvoso nos três pontos em estudo. No período de estiagem, este ensaio foi realizado apenas com as amostras de algumas coletas, devido a disponibilidade dos reagentes, resultando, em média, em 40 mg.L-1 nos três pontos de coleta. Cabe destacar que nesse período houve uma pequena variabilidade entre os dados, não sendo, porém, significativa. Já no período chuvoso, os valores foram mais elevados (valor médio de 120 mg.L-1 para os três pontos de coleta),


O comportamento desse parâmetro não foi o mesmo em todas as coletas; em algumas delas, os maiores valores ocorreram na câmara intermediária (ponto 2) e em outros, na de entrada (ponto 1). Segundo Su, Miao e Liu [3] a quantidade de cloreto aumenta com a profundidade do tanque, pela sedimentação dos sólidos. Como a coleta das amostras foi feita próximo à superfície da água, houve a sedimentação do material suspenso de um ponto para outro, diminuindo a quantidade de cloreto dissolvido na água.

Somente Sautchuk et al. [19] apresentaram valor limite desse parâmetro para a água não potável para abastecimento, sendo todos os valores encontrados nas amostras coletadas inferiores a ele, não sendo necessário, então, prever algum processo de tratamento adicional para o reúso da água tratada.

O teor de cloro residual da única amostra coletada no período chuvoso foi 0,25 mg.L-1 para os pontos 1 e 2 e 0,50 mg.L-1 para o ponto 3. Os valores desse parâmetro para o período de estiagem (coletas C1 a C3) são apresentados na Figura 4. Não houve um comportamento homogêneo do teor de cloro residual nas diferentes amostras coletadas; em uma delas o valor desse parâmetro foi bastante superior no ponto 1 e em outra, no ponto 3. Com exceção da última coleta, os valores obtidos para os pontos 2 e 3 foram iguais. Os resultados obtidos foram inferiores os valores constantes em NBR 15527 [18], que sugere um intervalo de 0,5 a 3,0 mg.L-1.


Os valores do teor de oxigênio dissolvido (OD) para as amostras coletadas no período chuvoso são apresentados na Figura 5. Houve uma pequena diminuição desse parâmetro do ponto 1 para o ponto 3 na maioria das coletas efetuadas. Contudo, o limite proposto por Fiorucci e Benedetti Filho [27] foi ultrapassado em todas as amostras, independentemente do ponto de coleta.


Assim, para o reúso da água, seria necessário corrigir este parâmetro, pois valores elevados do mesmo podem ocasionar, entre outros problemas., corrosão de tubulações e acessórios. Vale ressaltar que a temperatura média da água residuária de concreto manteve-se entre 24,7 e 27,8°C, e que temperaturas mais elevadas provocariam a diminuição da solubilidade do oxigênio na água.

Os valores de alcalinidade da água residuária foram elevados, em função da presença de resíduos do lastro de concreto na betoneira dos caminhões. Os valores obtidos nos três pontos, um em cada coleta realizada no mês de outubro de 2012 (C1 - ponto 1 e ponto 3; C2 - ponto 2) e para a última coleta no mês de fevereiro de 2013 (C8), apresentando os valores, respectivamente, de 1200 e 760 mg.L-1 (ponto 1), 1680 e 660 mg.L-1 (ponto 2) e de 1550 e 680 mg.L-1 (ponto 3) ultrapassaram os limites para água de reúso indicados pela EPA/600/R-12/618 [20]. Por sua vez, o pH foi determinado para as amostras coletadas nos três pontos investigados, no período de estiagem e na primeira coleta (C4) do período chuvoso, e resultou em um valor médio de 12,5. O cimento é rico em carbonatos e bicarbonatos, sendo a principal causa dos valores elevados de alcalinidade e, consequentemente, do pH. Assim, há necessidade de diminuição desse parâmetro para o reúso da água tratada.

A dureza total (determinada para as amostras das coletas C1 e C2 do período de estiagem e somente para os pontos 1 e 3) resultou em valores superiores a 1400 mg.L-1 de CaCO3, indicando ser uma água muito dura (>300 mg.L-1 de CaCO3). Este resultado foi superior ao da alcalinidade, o que representa uma menor concentração de bicarbonatos solúveis. Águas com dureza e alcalinidade elevadas têm um processo formação contínua e prejudicial de crostas internas nas canalizações, ou seja, incrustação inorgânica, inicialmente oriunda da supersaturação de sais pouco solúveis ou insolúveis, resultante da evaporação da água. Assim, há necessidade de previsão de um processo de tratamento adicional para o reúso da água residuária.

Não foram encontrados coliformes termotolerantes em nenhuma amostra coletada nos três pontos investigados, o que indica que não existiu esse tipo de contaminação microbiológica na água coletada no sistema de tratamento.

A Tabela 2 apresenta um resumo dos resultados obtidos, com a indicação dos parâmetros de qualidade da água e do tipo de tratamento a ser conferido à água não potável para fins de reúso nas diferentes atividades identificadas na usina e que prescindem da água potável. Apesar de não terem sido detectados coliformes na água residuária, como há possibilidade de contato da água tratada com a pele, recomenda-se a desinfecção de forma preventiva. Além disso, há necessidade de correção da dureza e do oxigênio dissolvido, parâmetros não contemplados nos documentos consultados, porém importantes em função das características da água residuária em questão.

4. Conclusões

A qualidade da água residuária do concreto indica a necessidade de tratamento adicional para o reúso não potável na própria usina. Considerando-se a qualidade da água não potável para fins de reúso prevista nos documentos de referência que vêm sendo empregados no país para este fim, há necessidade de correção do pH, da cor aparente e da turbidez. Tendo em vista os prováveis usos finais não potáveis, há necessidade de correção também dos seguintes parâmetros: alcalinidade e dureza.

Assim, para o uso não potável na própria usina seria necessário acrescentar ao processo de tratamento, pelo menos, a coagulação e a correção do pH. Importante destacar, contudo, que o emprego de coagulantes químicos, tais como o sulfato de alumínio e o cloreto férrico aumentam o volume do lodo gerado no tratamento, além de alterarem alguns parâmetros físicos e químicos da água. Existem também problemas ligados ao resíduo de alumínio que, em concentrações acima de 200 µg.L-1, pode causar o mal de Alzheimer (Bhatti; Mahmood e Raja [30]). Por isso, é importante investigar a possibilidade de uso de coagulantes naturais, com menor impacto ambiental.

Adicionalmente, recomenda-se a desinfecção de forma preventiva, pela possibilidade de contato direto da água de reúso com os usuários.

A passagem pelo sistema de tratamento existente na usina, composto essencialmente por câmaras de decantação, propiciou uma melhoria da qualidade da água residuária, com exceção da turbidez e do teor de ferro, em que não houve diferença significativa quando comparadas as amostras coletadas nos pontos 2 (câmara intermediária) e 3 (câmara de saída), o que pode ser motivado pela velocidade do escoamento relativamente alta, o que dificulta a sedimentação das partículas.

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  • Qualidade da água residuária de usina de concreto para fins de aproveitamento

    H. M. PaulaI; M. S. O. IlhaII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      04 Jun 2013
    • Aceito
      24 Mar 2014
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