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Processo automático para análise e definição de geometria de cúpulas axissimétricas pela teoria de membrana com tensões normais constantes

Resumo

Este artigo apresenta um processo automático para análise e definição de geometria pela teoria de membrana para cúpulas de revolução axissimétricas submetidas ao peso próprio, com variação de espessura e raios de curvatura, de modo a obter tensões normais tangenciais e meridionais constantes em qualquer ponto da estrutura. O processo apresenta grande vantagem sobre a solução analítica do problema e a por métodos numéricos usuais de casca quando se deseja determinar a geometria da cúpula em função de apenas uma tensão solicitante constante, uma vez que o processo tem como dado de entrada a própria tensão inicial para obtenção da geometria, diferente dos métodos numéricos usuais, onde ocorre o inverso. Um exemplo explicita as diferenças entre uma cúpula esférica com espessura constante e uma cúpula com tensões constantes submetida ao peso próprio. A verificação da convergência do método para uma tensão solicitante e peso específico do material de uma cúpula também são apresentados.

Palavras-chave:
cúpulas; cascas finas; teoria de membrana; tensões meridionais; tensões tangenciais

Abstract

This paper presents an automatic procedure using the membrane theory of shells to analyse and define geometries for axisymmetric domes subjected to its own weight, varying its thickness and bend radius, to obtain constant normal stresses along the structure. The procedure offers a great advantage over the analytic solution of the problem and usual shell numerical methods when one wants to determine the dome geometry with constant stresses, since the presented procedure has the goal stress as input value for obtaining the geometry, as opposed to the usual numerical methods, where the reverse occurs. An example clarifies the differences between a spherical dome with constant thickness and a dome subjected to constant stress. The convergence of the method for a specific material weight and stress for a dome are also presented.

Keywords:
domes; thin shells; membrane theory; meridional stress; tangential stress

1. Introdução

Cascas finas são peças laminares curvas cuja espessura é pequena em relação às suas outras dimensões. Estes elementos podem estar sujeitos a esforços de membrana e flexão, dependendo dos vínculos nos apoios e do seu carregamento. Estruturas com carregamento axissimétrico e com adequada configuração de apoios podem apresentar apenas esforços de membrana que atuam paralelamente a um plano tangente à superfície média da casca em um dado ponto, onde se podem considerar as tensões distribuídas uniformemente ao longo de sua espessura.

As cascas constituem um tipo de estrutura que possui uma vasta quantidade de aplicações, incluindo, por exemplo, fuselagens de aviões e submarinos, silos metálicos, coberturas de hangares, estruturas de prédios, componentes automotivos e aeroespaciais, vasos de pressão, reservatórios de líquidos, mísseis e, entre outros, as cúpulas.

Cúpulas são cascas com formato semi-esférico ou similar, cuja estrutura pode ser constituída de diversos materiais e seus variados usos e concepções arquitetônicas remetem à pré-história. Entre as vantagens do uso de cúpulas, podem-se citar os grandes vãos possíveis de serem cobertos, baixo peso, alta rigidez e possibilidade de manipulação geométrica na sua concepção, o que, em muitos casos, as tornam arquitetonicamente belas. Podem-se mencionar como desvantagens as dificuldades construtivas e o custo muitas vezes elevado [8[8] LINN, R. V. Otimização de forma de cascas axissimétricas utilizando diferenciação automática. Monografia de graduação. UFRG. Porto Alegre, 2010, 92 p.].

A construção das primeiras cúpulas tecnicamente avançadas começou na Europa, com a Revolução Arquitetônica Romana, quando tal sistema estrutural era freqüentemente utilizado para moldar grandes espaços interiores de templos e edifícios públicos [12[12] Rasch, J. The Dome of the Roman Architecture. Development, Design, Construction. Architectura 15; p. 117-139. 1985.]. Naquelas cúpulas, normalmente o material usado na construção não tinha grande resistência à tração e, para se reduzir o peso próprio, variava-se a espessura e o material agregado à medida que se aumentava a altura, sendo que deste modo reduziam-se as tensões normais na direção dos meridianos na estrutura concluída. Um exemplo é o Panteão de Roma (Figura 1), construído originalmente em 27 a.C.. Tendo 43,4 metros de vão, o Panteão de Roma permaneceu como a maior cúpula do mundo por mais de um milênio e atualmente é a maior cúpula do mundo feita de concreto não-armado.

Figura 1
Corte da cúpula do Panteão de Roma [6]

A geometria das cúpulas influencia diretamente o seu desempenho estrutural. Portanto, para dado material com certas características, a eficiência estrutural está diretamente ligada à eficiência da sua forma, incluindo sua espessura e raios de curvatura. Existe uma tendência de pesquisas na busca da otimização da geometria deste tipo de estrutura, conforme pode se observar em [1[1] ABDESSALEM, J. FAKHREDDINE, D. SAID, A. MOHAMED, H. Shape optimization for a hyperelastic axisymmetric structure. Journal of Engineering, Design and Technology, v.12, n.2, 2014; p.177-194.], [2[2] BLETZINGER, K.U. WÜCHNER, R. DAOUD, F CAMPRUBÍ, N. Computational methods for form finding and optimization of shell and membranes. Computer Methods in Applied Mechanics and Engineering, v.194, n.30, 2005; p.3438-3452.], [3[3] CAMPUBRÍ, N. BISCHOFF, M. BLETZINGER, K.U. Shape optimization of shells and locking. Computers and Structures, n.82, 2004; p.2551-2561.], [4[4] ESPATH, L.F.R. LINN, R.V. AWRUCH, A.M. Shape optimization of shell structures based on NURBS description using automatic differentiation. Internatiotnal Journal for Numerical Methods in Engineering, v.88, n.7, 2011; p.613-636.] e [7[7] KIENDL, J. SCHMIDT, R. WÜCHNER, R. BLETZINGER, K.U. Isogeometric shape optimization of shells using semi-analytical sensitivity analysis and sensitivity weighting. Computer Methods in Applied Mechanics and Engineering, v.274, 2014; p.148-167.]. Um dos principais fatores para esse interesse são os avanços e a acessibilidade dos computadores e o desenvolvimento de modelos numéricos e algoritmos de otimização para resolução de tais problemas [1[1] ABDESSALEM, J. FAKHREDDINE, D. SAID, A. MOHAMED, H. Shape optimization for a hyperelastic axisymmetric structure. Journal of Engineering, Design and Technology, v.12, n.2, 2014; p.177-194.]. As soluções por métodos numéricos com algoritmos de otimização são adequadas para casos mais gerais de geometrias e carregamentos, enquanto que ainda exista um conflito entre o custo computacional, a precisão dos resultados obtidos e a complexidade matemática das soluções [3[3] CAMPUBRÍ, N. BISCHOFF, M. BLETZINGER, K.U. Shape optimization of shells and locking. Computers and Structures, n.82, 2004; p.2551-2561.]. O enfoque ainda pode apresentar certos problemas de convergência, onde algumas análises apresentam valores de tensões ou deslocamentos que não se encontram sequer no domínio dos números reais [3[3] CAMPUBRÍ, N. BISCHOFF, M. BLETZINGER, K.U. Shape optimization of shells and locking. Computers and Structures, n.82, 2004; p.2551-2561.].

Neste trabalho é proposto um processo automático para análise e definição de geometria de segmentos de cascas finas de revolução (cúpulas) submetidas ao peso próprio pela teoria de membrana, com variação de espessura e raios de curvatura, de modo a obter tensões meridionais e tangenciais constantes por um processo de simples implementação e com baixo custo computacional. O processo apresenta vantagem sobre métodos numéricos usuais de casca, como o Método dos Elementos Finitos, quando se deseja determinar a geometria da cúpula em função de apenas uma tensão solicitante constante, uma vez que o processo tem como dado de entrada a própria tensão inicial para obtenção da geometria, diferente dos métodos numéricos usuais, onde ocorre o inverso. Além disso, a solução analítica exata do problema é extremamente difícil, como é mostrado na metodologia, o que torna o processo apresentado bastante interessante para solução de tais estruturas. Uma cúpula com tensões meridionais e tangenciais constantes tende a fornecer um projeto com um bom aproveitamento do material em toda a cúpula e diminuir os momentos fletores e cortantes que podem ser significativos em outros tipos de geometria.

Segundo a teoria de membrana, as rigidezes à flexão e à torção na casca não devem ser consideradas, o que faz com que os momentos fletores e de torção resultem nulos. Nestas condições, anulam-se também as forças cortantes e a casca estará solicitada unicamente por forças normais e tangenciais. Para que esta teoria seja válida, deve-se atender às seguintes condições:

  • A lei de variação das curvaturas da superfície média é contínua;

  • A lei de variação da espessura da casca é contínua;

  • A distribuição das cargas aplicadas na superfície é contínua;

  • As forças aplicadas aos bordos livres atuam nos planos correspondentes tangentes à superfície média;

  • As reações de apoio estão contidas em planos tangentes à superfície média.

A solução geral do problema de revolução axissimétrica usando cilindros de paredes grossas foi originalmente resolvido em 1833 por Lamé, engenheiro francês, cuja solução por vezes também é chamada de problema de Lamé. A solução inicial era baseada em um cilindro submetido à pressão interna, onde se fazia uso das relações lineares da Lei de Hooke. A formulação apresentada neste trabalho considera apenas as equações de equilíbrio das cúpulas. Assim, nenhuma propriedade do material é utilizada nas relações e seu uso não está restrito aos materiais elásticos. No entanto, estas equações são válidas para situações onde a espessura da cúpula não ultrapassa 10% do raio interno, mantendo-se o erro pequeno [15[15] TIMOSHENKO, S. P. WOINOWSKY-KRIEGER, S. Theory of Plates and Shells, McGraw-Hill Kogagusha LTD., International Student Edition, 1959, 591 p.]. Usando as equações de Lamé e as apresentadas neste trabalho, pode-se verificar, pela Figura 2, a variação nas tensões tangenciais σθ das paredes das cascas de revolução submetidas à pressão interna pi , quando se têm cascas de revolução com espessura igual a 10% do raio interno e quando a espessura do cilindro é igual a 400% do raio interno.

Figura 2
Variação nas tensões tangenciais nas paredes de cascas de revolução submetidas a pressão interna em função de sua espessura [11]

1.1 Objetivo

O objetivo deste trabalho é apresentar um processo pela teoria de membrana para análise e definição de geometria de uma cúpula axissimétrica submetida ao peso próprio, com variação de espessura e raios de curvatura, de modo a obter tensões normais e tangenciais constantes.

2. Método

2.1 Equações de equilíbrio

Nos casos de cúpulas estudados neste trabalho, apresentam-se as equações de equilíbrio da teoria de membrana para cascas finas submetidas a carregamentos com simetria de revolução. Para tais estruturas, devido à sua simetria, têm-se as seguintes características:

Nφ =Nφ (φ) ;

Nθ =Nθ (θ) ;

Nφθ =Nθφ=0 ;

pφ =pφ (φ) ;

pθ =0 ;

pz =pz (φ) .

Onde:

Força normal por unidade de comprimento na direção do meridiano;

Nθ - Força normal por unidade de comprimento na direção do paralelo;

Nφθ , Nθφ - Forças de cisalhamento por unidade de comprimento;

pφ - Carregamento tangente à superfície da casca na direção do meridiano;

pθ - Carregamento tangente à superfície da casca na direção do paralelo;

pz - Carregamento perpendicular à superfície da casca.

Pode-se definir completamente a geometria de uma cúpula pela sua espessura h e pelos raios de curvatura r1 e r2 , arbitrariamente variáveis (Figura 3). O raio r2 tem seu centro de curvatura localizado no eixo da casca e ele gera a superfície da casca na direção perpendicular à direção tangente ao meridiano. Na geometria das cascas, pode-se definir também o raio, que reside em um plano perpendicular ao eixo da casca e tem uma relação com r2 igual a r0 =r2 .senφ . Admite-se que a espessura h é muito pequena em relação a r1 e r2 , portanto não se faz distinção entre os raios interno, médio e externo da cúpula.

Figura 3
Cúpula e elemento infinitesimal da superfície

Em virtude da simetria das cúpulas, há uma condição de carregamento axissimétrico. Esta situação leva a estrutura a ter forças tangenciais Nθ constantes em cada lado do elemento infinitesimal da superfície da cúpula, o que não ocorre com a força meridional Nφ . As forças de cisalhamento Nφθ e Nθφ se anulam devido à simetria do problema.

Considere-se o elemento infinitesimal da superfície da cúpula da Figura 2. O elemento está submetido a forças externas de superfície na direção do meridiano ( pφ ) e na direção normal à superfície ( pz positiva entrando na cúpula).

Sendo a equação:

tem-se no lado superior do elemento:

e no lado inferior:

Como estas forças não são colineares (Figura 4), surge uma componente na direção z igual a:

Figura 4
Componente normal da força meridional Nϕ

Na direção do paralelo, as forças no lado direito e esquerdo do elemento também não são colineares (Figura 5), portanto surge uma componente de força.

Figura 5
Componente normal da força tangencial NƟ

Esta força está projetada no sentido horizontal no plano médio da cúpula. Projetando-se esta força na direção tangente ao meridiano, tem-se:

e na direção normal à superfície média:

Fazendo-se o somatório de forças na direção tangente ao meridiano nas equações (2), (3) e (6) igual a zero, desprezando termos de segunda ordem e dividindo a equação por dφdθ , tem-se a equação (8):

Fazendo-se o somatório de forças na direção normal à superfície nas equações (4) e (7) igual a zero e dividindo a equação por dφdθ e por r1r2senφ , tem-se:

Podem-se determinar as forças desconhecidas na membrana por meio da análise do corpo livre da casca toda, acima de um círculo paralelo. A partir da equação (9) escreve-se a equação (10):

e substituindo (10) em (8), obtém-se:

Substituindo (1) em (11) e multiplicando por , chega-se a:

onde

tem-se portanto:

Integrando-se os dois lados da equação (13), chega-se a:

onde:

No caso das cúpulas sem abertura no topo, a constante C será igual a zero. Então, multiplicando-se (14) por 2π , tem-se:

A resultante vertical R devida ao carregamento pz e pφ é mantida em equilíbrio pela componente vertical da força Nφ . A resultante P (Figura 6) para cúpulas sem aberturas no topo é dada por:

Figura 6
Diagrama de equilíbrio do segmento de uma casca

Substituindo a (16) em (15) e isolando Nφ , tem-se:

Pode-se assim determinar as forças de membrana em cascas de revolução axissimétricas.

As condições de suporte das cúpulas deverão ser sempre tangenciais à força Figura 7.

Pela Figura 7 percebe-se que apenas uma componente vertical V não preenche a condição de equilíbrio. Pode-se equilibrar a componente horizontal H com a adição de um anel resistente por exemplo. No entanto, a adoção de tal artifício causa tensões locais de flexão significativas, o que não será abordado neste trabalho.

Figura 7
Diagrama de equilíbrio da força de compressão em um contorno

2.2 Cúpula esférica

Para a análise de uma cúpula esférica submetida ao peso próprio, considera-se a espessura h constante e o raio de curvatura r1 =r2 . Considere-se, portanto, uma cúpula esférica de raio r1 =r2 =a e espessura h constante submetida ao peso próprio, com φ variando de 0º a 90º. A resultante P é dada por p (peso próprio, força por unidade de área) multiplicado por A (área da seção infinitesimal), onde A é dado por:

Sendo a resultante P=p.A , pode-se obter a expressão (18):

substituindo as equações (18) e (1) em (17), tem-se a força ou a tensão meridional:

Da (9) tem-se que:

Solucionando obtém-se a força ou tensão tangencial da cúpula esférica:

Supondo uma espessura h=1 cm , a=10 m e p=0,0236 N/cm² , traça-se os diagramas de forças meridional e tangencial em função de φ. Os resultados são apresentados na Figura 8.

Figura 8
Forças tangencial NƟ e meridional Nϕ em função do ângulo ϕ na cúpula esférica

Nota-se que de φ=0 até φ=51.827o , nenhuma força de tração se desenvolve na cúpula, apenas forças de compressão.

Solucionando o problema usando o método dos elementos finitos, obtém-se uma força máxima de compressão igual a 11,983 N/cm² e de tração igual a 26,243 N/cm². O ângulo φ em que não há tensão tangencial se desenvolve na cúpula na direção do paralelo é de aproximadamente 52º. O diagrama de tensões é apresentado na Figura 9.

Figura 9
Tensões tangenciais ϬƟ e tensões meridionais Ϭϕ, respectivamente (N/cm²)

2.3 Cúpula com tensões constantes

Na análise da cúpula com tensões constantes, considera-se uma cúpula com espessura variável submetida ao peso próprio p .

Tais cúpulas devem não apenas variar sua espessura ao longo da altura, mas também seus raios de curvatura, de modo que as tensões tangenciais e meridionais sejam iguais e constantes.

O peso por unidade de área no plano médio destas cúpulas é dado por:

Portanto, as componentes pz e pϕ são dadas por:

No caso de cúpulas com tensões constantes, a geometria dos meridianos é determinada de tal forma que as tensões meridionais de compressão sejam constantes e iguais a ϕ em todas as direções em seu plano médio, sendo:

Substituindo em (9), tem-se:

Substituindo (1) e isolando r1 , obtém-se:

Da Figura 10 é possível deduzir a seguinte relação:

Figura 10
Segmento de casca

Substituindo a (23) em (22), obtém-se:

Integrando-se ambos os lados da equação (24)

obtém-se:

No topo da cúpula, onde φ = 0 , o lado direito da equação (24) se torna indefinido. Para solucionar este problema se usa as equações (21) e (23). Como no topo o raio r1 =r2 , conclui-se que:

Portanto, no topo da cúpula tem-se:

Define-se então a forma do meridiano da cúpula com tensões constantes pelas equações (24) e (26).

A variação da espessura da cúpula pode ser determinada pelas equações (8) e (20), onde se obtém, dividindo a equação por σ :

Para φ=0 , obtém-se pela equação (27):

Substituindo (22) em (27), obtém-se:

e integrando nos dois lados de 0 a φ , chega-se a:

Pode-se então definir a espessura da cúpula com tensões constantes pelas equações (27) e (28).

As equações (25) e (29) foram obtidas por programa computacional MathCAD. No entanto, por se tratar de funções cujas integrais não são fáceis de obter uma solução analítica, é possível usar a integração numérica para sua determinação, de modo a calcular o valor aproximado das integrais definidas - uma vez que não se tem conhecimento da expressão analítica para a sua primitiva usando, por exemplo, a Regra dos Trapézios e a Regra de Simpson [10[10] POPOV, E. P. Introdução à Mecânica dos Sólidos. Editora Edgard Blücher Ltda. São Paulo, 1978, 534 p.].

Pode-se obter os raios de curvatura r1 e r2 por processo iterativo mais simples, apresentado por [5[5] HARTOG, J. P. D. Advanced Strength of Materials. McGraw-Hill Book Company, New York, 1952, 401 p.].

Da equação (26) se determina o raio no topo da cúpula, onde:

Rearranjando (21), chega-se a:

Conhecendo-se o raio de curvatura no topo, pode-se iniciar a determinação da geometria da cúpula com tensões constantes, conforme mostra a Figura 11.

Figura 11
Determinação gráfica da geometria da cúpula com tensões constantes [5]

Faz-se uma construção gráfica gradativa usando a equação (30) a partir do raio do topo rtopo , então seguindo os pontos A, B, C, etc. Inicialmente, traça-se o arco do ponto O ao B. No ponto B se calcula o novo peso pz pela equação (30) e sendo r2 =AB , é possível determinar um novo raio de curvatura curvatura r1 anterior. O prolongamento do novo r1 , que resulta maior que o raio de r1 no raio r2 tem um novo centro C, que tem uma nova curvatura, maior que a anterior. A elaboração da geometria deve ser feita com Δφ aproximadamente iguais. Quanto menor o Δφ , mais próximos serão os valores obtidos em relação à solução exata.

Percebe-se pela equação (30) que a forma do meridiano é determinada unicamente pela tensão que se deseja estabelecer como constante e pelo peso específico do material empregado. A Figura 12 apresenta o eixo da superfície de uma cúpula submetida ao peso próprio, com tensão constante σ=20 N/cm² e peso específico do material γ=0,0236 N/cm² , com φ até 70º.

Figura 12
Geometria do meridiano da cúpula

A automatização proposta, baseada no processo iterativo apresentada por [5], é feita tomando-se o triângulo ACE da Figura 12, apresentado na Figura 13. Uma vez calculado o escolhe-se um Δφ para a determinação dos raios r2 , rtopo , r1 , r2,n , e assim por diante. O raio r2,n será dado por:

Figura 13
Triângulo ACE para automatização do processo

onde

O valor de n refere-se à iteração em que se está determinando o valor de r2 .

A geometria do meridiano pode ser obtida sem haver dependência da espessura h , usando apenas a equação (30). No entanto, diferentemente de outras cascas finas de revolução como o cilindro ou reservatórios fechados, o uso apenas desta equação não é suficiente para estabelecer uma condição de tensões constantes em toda a cúpula.

Para se determinar a variação da espessura h ao longo da altura da cúpula, deve-se tomar um elemento infinitesimal da superfície média da casca de lado ds , conforme a Figura 14.

Figura 14
Equilíbrio meridional de um elemento infinitesimal da cúpula [5]

Observa-se pela Figura 14 que a presença de uma componente do carregamento na direção do meridiano necessita de uma força para equilibrá-lo, portanto deve-se ter um incremento dh no lado inferior do elemento infinitesimal.

A equação de equilíbrio aproximada das forças no meridiano da cúpula pode ser obtida da Figura 14 e é dada por:

Ou dividindo a equação por ds :

Pela Figura 14 é possível observar que dssenφ=dl , onde dl é a variação da altura vertical da cúpula, a contar do seu topo. Chega-se então a:

Integrando (32), obtém-se:

ou

Sendo h0 a espessura da cúpula no seu topo, onde l = 0 . A Figura 15 apresenta uma cúpula submetida ao peso próprio com tensões constantes. Pelas equações (27) e (33), observa-se que a espessura no topo da cúpula não depende de nenhum fator externo, portanto pode ter qualquer valor h0 inicial, uma vez que depende apenas do peso próprio.

Figura 15
Variação de espessura h (h topo < h base ) em uma cúpula com tensões constantes

A automatização do cálculo de h pode ser feita usando novamente a Figura 13, em que o valor de l para cada j pode ser obtido por:

onde n é o número da iteração em que se está obtendo o valor de l para o Δφ acumulado.

3. Resultados

3.1 Cúpula com tensões constantes

Para explicitar as diferenças entre cúpulas esféricas com espessura constante e cúpulas com tensões constantes submetidas ao peso próprio, apresenta-se um exemplo para comparação.

A cúpula com tensões constantes σ=20 N/cm2 (compressão nas duas direções) tem espessura no topo h0 =10 cm , peso específico γ=0,0236 N/cm3 , o que resulta em um raio de curvatura inicial no topo r1 =r2 =rtopo =1.695 cm . Fez-se o ângulo φ variando até 60º, com Δφ igual a 0,1º.

A cúpula esférica tem espessura constante h=10 cm e seu raio de curvatura é igual ao raio de curvatura do topo da cúpula com tensões constantes ( r = 1.695 cm ). O peso específico é de γ = 0,0236 N/cm3 ,onde também se faz a variação do ângulo φ até 60º.

A Figura 16 mostra o diagrama de tensões desenvolvidas na cúpula esférica. A Figura 17 e a Tabela 1 demonstram a variação da espessura e raios de curvatura r1 e r2 ao longo da altura da cúpula com tensões constantes.

Figura 16
Tensões tangenciais ϬƟ e meridionais Ϭϕ na cúpula esférica, com raio de curvatura e espessura constantes

Tabela 1
Geometria da cúpula com tensões constantes em função de ϕ com Δϕ = 0,1º

O meridiano e a espessura das duas cúpulas (escala 2:1 em relação aos raios de curvatura) são apresentados na Figura 18.

Figura 17
Raios de curvatura e espessuras da cúpula com tensões constantes

Figura 18
Cúpula esférica e cúpula com tensões constantes

Percebe-se que, no exemplo, a cúpula esférica apresenta tensões de compressão maiores ao longo de φ , além de tensões de tração na direção θ . Como a relação γ/σ é muito pequena, mesmo quando se considera uma tensão solicitante conservadora, os raios de curvatura da cúpula com tensões constantes sempre aumentam conforme se aumenta φ , o que faz que com que estas cúpulas submetidas ao peso próprio sejam maiores em altura que as equivalentes em raio inicial esféricas quando se considera um mesmo φ , mas menores em altura quando se considera um mesmo r0 . Isso se repete para praticamente todos os materiais usados em construção civil. Por haverem tensões constantes só de compressão, permite a utilização de materiais não resistentes à tração e melhora as condições necessárias para suporte da cúpula. Além disso, o fato de haver apenas uma tensão solicitante nos dois eixos leva a um aumento do desempenho estrutural da cúpula em função do melhor aproveitamento do material utilizado.

A espessura inicial da cúpula com tensões constantes h0 conforme se aumenta φ com o fator é multiplicada pelo exponencial e γ/σ . Percebe-se que o inverso da relação γ/σ é igual à metade de rtopo . Dessa maneira, h0 aumenta exponencialmente em função de j quando l é maior que rtopo /2, conforme se observa na Tabela 1 com φ ≥ 50°.

3.2 Convergência do processo e limites da geometria

Os resultados obtidos pelo processo apresentado são dependentes dos dados de entrada tensão inicial σ , peso específico do material γ e do passo de integração Δφ . Quanto maior o valor de Δφ , menor será a qualidade dos valores obtidos. A Figura 18 apresenta a convergência do raio de curvatura do meridiano com φ = 60° .

Pode-se verificar que com r1 conforme se reduz Δφ para a cúpula do exemplo anterior Δφ próximo a 0,1º, os resultados do raio de curvatura começam a convergir. O mesmo se observa na Figura 20 para a espessura h , em que a convergência se dá também com Δφ próximo a 0,1º. Em outras simulações este mesmo valor de Δφ pareceu adequado para a convergência dos resultados.

Figura 19
Convergência de r1 em função de Δϕ para ϕ = 60º

Figura 20
Convergência de h em função de Δϕ para ϕ = 60º

Figura 21
Convergência do valor limite de ϕ para validade do modelo de membrana

De modo a se fazerem válidas as formulações do modelo de membrana apresentado para cúpulas, devem ser satisfeitas as condições de:

conforme apresentado na Figura 2. A Figura 21 apresenta a convergência do ângulo máximo de φ em função de Δφ , de modo a atender a relação (35). Observa-se que a partir de Δφ=1° já há convergência do valor máximo de φ para a validade do modelo de membrana no exemplo apresentado. O valor máximo de φ é dependente da tensão inicial e peso específico do material, portanto variável.

4. Conclusões

Este artigo apresentou um processo automático para definição da geometria de cúpulas axissimétricas submetidas ao peso próprio pela teoria de membrana, com variação de espessura e raios de curvatura, com a finalidade de obter tensões meridionais e tangenciais constantes.

Os resultados mostram que cúpulas submetidas ao peso próprio geralmente têm alturas maiores que as equivalentes em raio inicial esféricas para um mesmo φ , mas apresentam alturas menores para um mesmo r0 devido à relação γ/σ ser muito pequena. Portanto, mesmo quando se adota uma tensão inicial conservadora, os raios de curvatura de cúpula com tensões constantes sempre aumentam conforme se aumenta φ .

Com relação ao processo apresentado, percebe-se que a precisão dos resultados é função do passo Δφ . Para diferentes configurações de γ e σ , verificou-se que a convergência dos resultados começa com valores de Δφ abaixo de 0,1º. Quanto à validade do modelo de membrana, assegurou-se que a relação (35) fosse atendida de modo a manter o erro da variação da tensão normal constante ao longo da espessura da cúpula. A convergência no exemplo apresentado ficou em torno de φ = 69º, no entanto esse valor varia conforme os valores iniciais usados para a cúpula com tensões constantes.

O processo automático proposto para definição da geometria de cúpulas axissimétricas com tensões constantes submetidas ao peso próprio é de simples aplicação e apresenta grande vantagem sobre métodos numéricos usuais de casca. Como também não são fáceis de se obterem soluções analíticas para o problema, o processo apresentado se torna bastante interessante para solução de tais estruturas. A ferramenta se mostra adequada, portanto, para o lançamento estrutural de cúpulas com tensões constantes para posterior dimensionamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2015
  • Aceito
    16 Jan 2016
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