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Educação em saúde: uma estratégia de cuidado ao cuidador leigo

Resumos

Objetiva-se, com este artigo, tecer reflexões acerca da importância da atuação do enfermeiro por meio de estratégias de educação em saúde aos cuidadores leigos, atores fundamentais no processo saúde/doença. Trata-se de reflexão temática, construída a partir de busca bibliográfica, através da qual se discute o papel desses cuidadores nas diferentes etapas do ciclo vital. Tomando como base sua atual participação no cenário brasileiro, buscam-se estratégias para incluí-los na assistência de saúde, tendo em vista a pouca relevância que as Políticas Públicas têm demonstrado a eles. Assim, o enfermeiro, como educador em saúde, deve buscar oferecer subsídios aos cuidadores leigos para que escolham as alternativas disponíveis, durante a fase em que cuidam dos doentes, sem que essa função acarrete prejuízo à sua saúde. Conclui-se que a educação em saúde pode ser alternativa para oferecer atenção aos cuidadores leigos, tendo o enfermeiro papel indispensável no desenvolvimento de suas estratégias.

enfermagem; educação em saúde; cuidadores; acompanhantes de pacientes


This article aimed to reflect about the importance of the role nurses perform in strategies of health education to lay caregivers, who are important actors in the health/disease process. It is a thematic reflection, built through bibliographic review, which discusses the role of lay caregivers in different stages of the life cycle. Considering the participation of lay caregivers in the Brazilian reality, strategies have been sought to include them in the health care, given the little attention Public Policies have given to them. Therefore, the nurses as health educators, must offer support to the lay caregivers helping them to choose among available alternatives, while delivering care, to not harm their own health. Concluding, health education can be an alternative to offer attention to the lay caregivers, while the nurse has important role in the development of alternatives.

nursing; health education; caregivers; patient escort service


Este artículo tiene por objetivo reflexionar acerca de la importancia de la intervención de enfermería a través de estrategias de educación en salud, para los cuidadores legos, actores fundamentales en el proceso salud/enfermedad. Se trata de una reflexión temática, construida por medio de la búsqueda bibliográfica, a través de la cual se discute el rol de los cuidadores en las diferentes etapas del ciclo vital. Tomando como base la actual participación de los cuidadores legos en el escenario brasileño, se buscan estrategias para incluirlos en la asistencia de salud teniendo en vista la poca relevancia que las Políticas Públicas les han demostrado. Así, el enfermero, como educador en salud, debe ofrecer subsidios a los cuidadores legos para que sean capaces de escoger entre las alternativas disponibles para el cuidado de los enfermos, de forma tal que esta función no perjudique la salud del paciente. Se concluye que la educación en salud puede ser una forma alternativa para ofrecer atención de salud a los cuidadores legos, siendo el rol del enfermero indispensable para el desarrollo de estrategias.

enfermería; educación en salud; cuidadores; acompañantes de pacientes


ARTIGO DE REVISÃO

Educação em saúde: uma estratégia de cuidado ao cuidador leigo

Luccas Melo de SouzaI; Wiliam WegnerII; Maria Isabel Pinto Coelho GoriniIII

IEnfermeiro; Mestrando em Enfermagem, e-mail: luccasm@ibestvip.com.br

IIEnfermeiro do Hospital da Criança Santo Antônio, Mestrando em Enfermagem, Professor Substituto, e-mail: wiliamwegner@yahoo.com.br

IIIEnfermeira; Doutor em Educação, Professor Adjunto, e-mail: gorini@terra.com.br. Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

Objetiva-se, com este artigo, tecer reflexões acerca da importância da atuação do enfermeiro por meio de estratégias de educação em saúde aos cuidadores leigos, atores fundamentais no processo saúde/doença. Trata-se de reflexão temática, construída a partir de busca bibliográfica, através da qual se discute o papel desses cuidadores nas diferentes etapas do ciclo vital. Tomando como base sua atual participação no cenário brasileiro, buscam-se estratégias para incluí-los na assistência de saúde, tendo em vista a pouca relevância que as Políticas Públicas têm demonstrado a eles. Assim, o enfermeiro, como educador em saúde, deve buscar oferecer subsídios aos cuidadores leigos para que escolham as alternativas disponíveis, durante a fase em que cuidam dos doentes, sem que essa função acarrete prejuízo à sua saúde. Conclui-se que a educação em saúde pode ser alternativa para oferecer atenção aos cuidadores leigos, tendo o enfermeiro papel indispensável no desenvolvimento de suas estratégias.

Descritores: enfermagem; educação em saúde; cuidadores; acompanhantes de pacientes

INTRODUÇÃO

A Enfermagem é uma Área do conhecimento que abrange atividades como o cuidar, o gerenciar e o educar, entre outras. Nos diferentes cenários onde exerce a sua prática profissional - hospitais, unidades de saúde, ambulatórios, escolas, creches, empresas e domicílios -, o horizonte da enfermagem não se restringe somente a sujeitos em situação de doença(1). Dentre as diversas formas de atuação do enfermeiro na sociedade moderna, a prática educativa vem despontando como principal estratégia à promoção da saúde.

Conforme a literatura, a educação em saúde é um processo de ensino-aprendizagem que visa a promoção da saúde, e o profissional dessa Área é o principal mediador para que isso ocorra. Destaca-se que o mesmo é um educador preparado para propor estratégias, no intuito de oferecere caminhos que possibilitem transformações nas pessoas/comunidades(2). Em relação às estratégias de cuidado, cabe destacar que a enfermagem, como arte, possibilita ao enfermeiro exercer suas funções com criatividade e multiplicidade de alternativas, não generalizando suas ações para uma coletividade comum, mas mantendo as peculiaridades inerentes a cada ser.

Salienta-se que existem duas maneiras de enfocar a educação em saúde: a primeira remete à 'velha' Saúde Pública, na qual as práticas educativas direcionam-se, especialmente, à prevenção de doenças. Na segunda, a `nova' educação em saúde, espera-se alcançar a superação do modelo biomédico, estendendo-se a objetivos amplos que visem uma vida saudável(3). Neste estudo, enfatiza-se a perspectiva da educação em saúde radical, novo modelo proposto - embasado na `nova' Saúde Pública - que objetiva promover uma transformação social, combatendo as desigualdades sociais emergentes nos Sistemas de Saúde(3-5).

A educação em saúde radical trabalha com grupos, enfatizando que é por meio deles que pode ocorrer a troca de experiências e concepções em determinada coletividade/realidade. Com isso, seria possível construir uma consciência coletiva crítica, transpondo-a, posteriormente, para o nível individual dos participantes: seria a promoção da autonomia de cada pessoa via educação(4).

Atualmente, nota-se, empiricamente, que a prática educativa está centrada nas pessoas doentes ou naquelas suscetíveis a alterações no seu estado de saúde, uma vez que o profissional direciona suas ações para indivíduos que procuram os serviços de saúde por alguma possível patologia. Entretanto, existe pouca preocupação com aquele que cuida da pessoa enferma e que não exerce atividade remunerada e/ou profissional indicado para isso: o cuidador leigo. Por vezes, esquece-se de que o cuidador leigo também é passível de apresentar desequilíbrio em sua saúde, e uma explicação para essa pouca atenção pode ser atribuída às raízes históricas da profissão.

Como ofício, a enfermagem despontou com ênfase no cuidado a doentes, e foi por intermédio dessa prática que se consolidou como profissão. No entanto, com o decorrer do tempo e com o progresso científico, novos espaços foram conquistados e esse paradigma - centrado unicamente no indivíduo doente - foi gradativamente sendo alterado. A família e os cuidadores leigos tornaram-se, por diversos motivos, presença significante no cotidiano da equipe de enfermagem, tanto acompanhando o doente, no hospital, quanto participando (in)diretamente no cuidado em nível hospitalar e/ou domiciliar. Com isso, surge o elemento do cuidador leigo na interação enfermeiro/paciente.

Apesar da significância exposta acima, por meio da literatura científica e da prática profissional, verifica-se a necessidade de estudos e reflexões que envolvam o cuidador leigo, principalmente no que se refere à educação em saúde desse, que, normalmente, sofre desgaste em sua saúde física, emocional e social, devido, principalmente, à carga advinda da tarefa de cuidar, o que pode transformá-lo em uma nova demanda para o serviço de saúde(6). Destaca-se que, além da assistência às pessoas doentes/hospitalizadas, o suporte aos cuidadores informais (leigos) representa novo desafio para o Sistema de Saúde brasileiro, justificando, também, a necessidade de estudos sobre essa temática(7).

Outra justificativa a esta reflexão deve-se, ainda, à relevância do cuidador leigo, uma vez que o mesmo, em muitos casos, permanece em tempo integral junto ao ente cuidado, podendo fornecer, para a equipe de saúde, informações fundamentais sobre a situação do familiar. Esse cuidador que, nos países estrangeiros, é objeto de atenção e pesquisas, mas que, muitas vezes, é ignorado no Brasil: pelo Governo (pela falta de recursos e estrutura política para auxiliar o cuidador); pela família e comunidade (devido à baixa valorização dessa função, geralmente centrada em uma única pessoa, conseqüência das dificuldades em diversificar-se os cuidadores) e também pelos pesquisadores, em parte devido à escassez ou falta de fomentos para conduzir os estudos ou pela dificuldade em se vislumbrarem perspectivas para a utilização dos resultados(8). Dessa forma, identifica-se um problema macroestrutural que envolve diversos segmentos e atores da sociedade, e que se mantém estático, frente às dificuldades apresentadas.

Sendo assim, com este artigo tem-se como objetivo tecer reflexões acerca da importância da atuação do enfermeiro, por meio de estratégias de educação em saúde, aos cuidadores leigos, dada a relevância da sua participação no processo saúde/doença(9).

Para a realização dessa reflexão, buscou-se embasamento científico em livros, dissertações, teses e artigos de periódicos, por meio de pesquisa na base de dado LILACS, na biblioteca eletrônica SCIELO e no Sistema de Automação de Bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para tanto, foram utilizados os descritores cuidadores ou acompanhantes de pacientes ou educação em saúde associados à palavra enfermagem. Os resultados foram selecionados pela leitura dos seus resumos, e no caso de contemplarem o objeto deste estudo, passou-se à análise dos textos para possível aplicação. Na totalidade, foram utilizadas 25 referências para a fundamentação deste artigo, organizadas conforme os interesses da argumentação pretendida, às quais, foram aliadas questões procedentes da prática e experiência profissional dos autores, permitindo estabelecer as reflexões sobre a temática.

OS CUIDADORES LEIGOS NO CENÁRIO BRASILEIRO

O cuidado é uma ciência, sendo que nos hospitais e unidades de saúde ele é desempenhado, especialmente, pelos profissionais de enfermagem. Porém, sabe-se que o mesmo também é exercido, histórica e culturalmente, por pessoas sem formação profissional, tanto no âmbito familiar/comunitário quanto nas Instituições de Saúde(10). Para denominar essas pessoas, utiliza-se a expressão 'cuidadores leigos'. Tendo em vista a dificuldade de se encontrar, na literatura científica, uma definição do termo, os autores deste estudo o entendem como a pessoa que presta o cuidado ao doente - tanto no âmbito institucional quanto no familiar -, atuando sem remuneração e/ou formação profissional especializada.

Segundo a literatura, o cuidador leigo sempre existiu. A prática de cuidar iniciou-se, tradicionalmente, no âmbito privado do domicílio, uma vez que a estrutura familiar era multigeracional e possibilitava, assim, essa prática. Os familiares eram reconhecidos como a fonte de cuidado para as pessoas dependentes, sendo que a figura feminina era eleita responsável por esse cuidado(10).

A Revolução Industrial, contudo, trouxe consigo a urbanização da população, o aumento de demanda por mão-de-obra e o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, refletindo em alterações na estrutura familiar, que se tornou, predominantemente, unigeracional. Com isso, o Estado, a fim de manter a produção social, passou a prestar assistência à população trabalhadora. Criaram-se os hospitais, os asilos, os manicômios e os lares de permanência, locais cujo propósito era o de concentrar recursos humanos e tecnológicos para assistir à população de doentes. Assim, o Estado assume o papel de cuidar de seus cidadãos, deslocando-se, portanto, da família para o Estado o ônus de cuidar(10).

Atualmente, a prática profissional permite afirmar que, muitas vezes, o ser adoecido enfrenta essa etapa da vida com a presença de algum familiar, o qual, por necessidade, mesmo sem formação especializada, torna-se cuidador. Em contrapartida, os programas de saúde, vigentes no Brasil, desconsideram o cuidador leigo, que é componente fundamental para a reabilitação e recuperação das pessoas enfermas.

Essa 'desconsideração' ao cuidador leigo é preocupante, ao passo que a atual propensão nos Sistemas de Saúde vigentes no Brasil é a de indicar a permanência de pessoas em suas casas - tanto aquelas com doença controlada (em especial, aquelas crônico-degenerativas) quanto aquelas em situação de cuidados paliativos - sob o cuidado de sua família. Isso se deve, em parte, à preocupação das instituições e do Estado com a redução dos custos decorrentes da assistência hospitalar, bem como à importância atribuída à estimulação de vínculos entre doente e familiares no ambiente domiciliar(10). Dessa forma, o Estado torna a dividir com a família a responsabilidade pelos cuidados dos doentes, fazendo com que os espaços familiar e comunitário voltem a ser valorizados como ambiente de cuidado.

No Brasil, como no resto do mundo, o cuidado leigo é prestado, na maioria das situações, por pessoas com algum grau de parentesco, do sexo feminino e com proximidade física e/ou afetiva com o doente. Mais especificamente, pode-se inferir que as mulheres esposas, mães ou filhas refletem o perfil do cuidador leigo(7,11-16), pois é usual afirmar que compete à mulher a tarefa de cuidar da casa, dos filhos ou dos idosos, uma vez que ela é destinada, pelo senso comum, para ser mãe e cuidar da família(17). Além disso, como as mulheres vivem mais, compete a elas, então, a tarefa de cuidar do cônjuge, uma vez que os homens, teoricamente, adoecem e morrem mais cedo(7).

Nota-se, também, que o cuidado leigo, além de ser realizado, principalmente, por pessoas com vínculo de parentesco com o ser cuidado, também é centrado em um único cuidador familiar, o qual se sobrecarrega, em muitos casos, com tal responsabilidade(15,18-19).

Na prática profissional, o que se verifica é que crianças/adolescentes com alguma patologia são cuidadas por seus pais; já os adultos/idosos são assistidos, principalmente, pelo cônjuge ou filho(a)(11-14). Na maioria das situações, os cuidadores permanecem por vários dias, acompanhando seu familiar, no hospital, aguardando a ocasião da alta hospitalar. É importante mencionar que, durante essa permanência conjunta dos cuidadores leigos com o doente, não raramente identificam-se alterações no estado de saúde dos primeiros(6). Entretanto, as Instituições de Saúde, na maioria das vezes, não estão estruturadas para os atenderem, sendo que esse descaso e falta de planejamento podem refletir nos cuidados prestados por eles ao doente. Caracteriza, assim, o modelo hegemônico (tradicional, voltado unicamente para o individualismo e para a doença instalada), que ainda não conseguiu ser superado, transpondo-se ao modelo holístico, que considera a integralidade do ser e da família que o acompanha(20), incluindo, assim, o cuidador leigo como uma pessoa a ser cuidada.

À família é atribuída a responsabilidade de cuidar dos seus membros, tarefa relacionada à responsabilidade social que cada um tem com seus familiares(21). Porém, almeja-se que esse familiar esteja em condições saudáveis para exercer ações de cuidado com o seu próximo. Sob a perspectiva da educação em saúde radical(3-5), espera-se que o cuidador leigo tenha adquirido autonomia suficiente para cuidar de si e da pessoa que está acompanhando. Todavia, para isso, necessita-se de um intermediador. Acredita-se que o enfermeiro pode desempenhar esse papel de facilitador, pois é um profissional que presta cuidados próximos à díade pessoa adoecida/cuidador leigo, além de estar envolvido diretamente com as questões educativas em relação aos cuidados com a saúde.

É importante ressaltar que a família, além de ser a unidade de cuidado, também deve ser considerada como unidade a ser cuidada(22). As famílias e os cuidadores sobrecarregados, estressados, ou desgastados, têm a manutenção de sua saúde ou qualidade de vida ameaçada devido à responsabilidade de cuidar, apresentando, em muitas situações, sentimentos de impotência, preocupação, cansaço e irritabilidade(15,19).

O que se observa, contudo, é que essa ação de cuidar exercida pelos familiares ainda não recebe o destaque que merece por parte dos profissionais de saúde, tendo em vista a pouca relevância que as Políticas Públicas têm demonstrado ao tema, como já mencionado. Além disso, verifica-se que os profissionais de saúde são preparados, especialmente, para atender os indivíduos doentes, com enfoque direcionado à patologia. Esquecem-se, desse modo, das pessoas que estão vinculadas aos pacientes, e que necessitam de informações e apoio para suas dificuldades que, muitas vezes, se refletem ou se refletirão em sua própria saúde(23).

Para realizar esta abordagem, que considera a integralidade das coletividades, deve haver ampliação para o enfoque multissetorial que envolva não apenas os responsáveis por mudanças, mas abarque as Políticas Públicas, Economia e Cultura como variantes imprescindíveis às modificações na macroestrutura que influencia o campo da saúde(20).

A EDUCAÇÃO EM SAÚDE AO CUIDADOR LEIGO

Na atualidade, existem diversas abordagens referentes à educação em saúde. Entretanto, considerando suas similitudes, pode-se agrupá-las em duas propostas: a educação em saúde tradicional e a educação em saúde radical, as quais, recentemente, têm sido discutidas no Brasil(3-5,24).

A abordagem tradicional tem como base a prevenção de doenças, expressando o modelo hegemônico da assistência biomédica. Nela, o foco da ação é a doença e a mudança de comportamento individual, sendo gerada e imposta pelos profissionais de saúde(3-4).

Numa outra visão, o modelo radical de educação em saúde propõe-se a trabalhar com uma perspectiva moderna de educação, despertando a consciência crítica das pessoas e grupos sociais, envolvendo-os nos aspectos relacionados à saúde. Essa proposta busca atingir suas metas por meio do trabalho com grupos, com o objetivo de despertar a consciência coletiva, que subsidiará a transformação social(3-4,24).

No modelo radical, o educador em saúde tem o papel de facilitador das descobertas e reflexões dos sujeitos sobre a realidade, sendo que os indivíduos têm o poder (empowered) e a autonomia de escolher as alternativas(3-4).

Sob os argumentos da educação em saúde radical(3-5), espera-se despertar no cuidador leigo consciência crítica que lhe permita uma vida melhor, a partir da preparação para escolher os caminhos possíveis, a fim de ampliar, também, sua capacidade de cuidar das pessoas.

A experiência profissional permite afirmar que o cuidador leigo é ator importante, desde o cuidado à criança, até o cuidado ao idoso, independente do estado de saúde que acomete a pessoa cuidada. Salienta-se que, para cuidar de maneira expressiva, é fundamental a criação de condições para que o cuidador leigo se sinta preparado para exercer essas funções junto a seu semelhante, fazendo com que o mesmo tenha uma visão crítica daquilo que está realizando. Essa consciência é necessária para ampliar a ação de cuidar para além do indivíduo doente, estendendo o cuidar a si mesmo.

A literatura destaca que o profissional de saúde que desempenha atividades educativas deve ampliar sua práxis para além do simples repasse de informações, voltando-se à estimulação dos sentidos das pessoas/coletividades, ou seja: à percepção do usuário, ao estabelecimento de relações e à solução de problemáticas comuns(25). Nesse sentido, a educação em saúde radical prevê a construção da consciência coletiva pelo despertar das potencialidades de cada agente da sociedade, referentes às suas reais necessidades em relação à saúde(3-5).

O cuidador leigo é um novo ator a ser considerado quando se discute educação em saúde, salientando que é por meio dela, em conjunto com outras medidas, que se pode vislumbrar ferramentas que transformariam, em parte, a Área da Saúde. Em muitas das situações, a pessoa que se encontra acometida por alguma alteração no seu estado de saúde tem alguém que cuida dela durante esse período. Diante disso, um questionamento deve ser feito: aquele que cuida dessa pessoa está também prestando cuidados a si mesmo? Sabe-se que todo ser humano possui fragilidades que podem se manifestar a qualquer instante. Assim, no momento em que se exigir o apoio do cuidador leigo, esse poderá, igualmente, não ser capaz de prestar o cuidado ao doente, por necessitar de assistência à sua saúde.

A educação em saúde surge, então, como caminho para a implantação de programas de atenção à saúde dos cuidadores leigos, mesmo que pautados, no primeiro momento, na prevenção de doenças, passando, posteriormente, para o modelo radical, o qual se adapta à realidade das coletividades. Acredita-se que, a partir disso, pode-se evoluir para o paradigma holístico, que considera o ser como um todo e ressalta-se que, nesse todo, o cuidador leigo também terá seu espaço por estar inserido nesse contexto de cuidado.

Analisando-se o ambiente hospitalar, percebe-se que os familiares que cuidam e acompanham aqueles considerados doentes, certas vezes não se apresentam em condições de vida e saúde condizentes para a realização de tal atividade. Isso representa grave e alarmante problema de Saúde Pública que, no momento, não está sendo incluído no planejamento do cuidado dos profissionais de saúde, especialmente pelos enfermeiros. Destaca-se, ainda, que o enfermeiro necessita preparar o cuidador leigo para exercer ações de cuidado integrais e não fragmentadas, como normalmente acontecem. A literatura destaca que deve haver integração dos múltiplos aspectos que integram o processo saúde-doença, no qual se considera a prevenção e a promoção juntamente com a atenção unicamente curativa(20).

Ressalta-se que o cuidado não se restringe ao ato de prestar alguma ação para alguém. Enfatiza-se que o cuidado acontece a partir da própria existência como ser humano e, é a partir dessa consciência, que se tem a oportunidade de conhecer as próprias possibilidades, dentro do contexto de vida(25).

Reafirma-se que a educação em saúde ao cuidador leigo seria uma das estratégias oportunas para se alcançar o paradigma holístico de atenção à saúde das pessoas. Neste artigo, pontua-se o enfermeiro como peça-chave para desenvolver esse processo junto ao cuidador leigo, pois o mesmo acumulou (mesmo que parcialmente), durante a sua formação profissional, elementos que lhe possibilitam emergir nesse contexto, além de estar exercendo sua tarefa de cuidar próximo aos grupos de cuidadores/doente. Nesse sentido, corrobora-se a afirmação de autores(24) que salientam que os enfermeiros, bem como os demais profissionais de saúde, têm a possibilidade, por meio do trabalho com grupos, de promover a conscientização dos indivíduos sobre os aspectos de sua realidade que podem ser transformados para facilitar escolhas saudáveis.

A partir desse reconhecimento da significância do cuidador leigo, insiste-se na importância de se criarem métodos contextualizados de aprendizagem e cuidado direto a essa parcela da população, incentivando trabalhos e pesquisas desde a formação acadêmica dos profissionais de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concebe-se como vital que não haja concentração maciça de políticas públicas e estratégias assistenciais voltadas exclusivamente para o doente, ignorando, dessa maneira, a importância do cuidador leigo.

Sob a ótica do paradigma holístico de atenção à saúde, não se pode desconsiderar a importância do cuidador leigo, uma vez que se acredita que ele influi (in)diretamente na assistência à saúde do ser enfermo, seja prestando cuidados diretos (por exemplo, cuidados com higiene pessoal), ou apoio indireto (simplesmente servindo de acompanhante ao doente). Ressalta-se que 'cuidar de quem cuida' reflete a preocupação com o zelar expressivamente pela globalidade do ser, considerando-se uma abordagem multiaxial e holística.

A prática educativa em saúde seria ferramenta importante para a estimulação dos princípios que regem a noção de autocuidado, ou seja, é por meio dela que se busca um viver saudável. A educação em saúde, além de propor caminhos alternativos aos cuidadores leigos, também merece destaque por prepará-los a adquirir autoconsciência crítica para rever conceitos e valores.

Ressalta-se, também, que - por meio da educação em saúde radical - as coletividades humanas são 'empoderadas' por meio da autonomia que recebem para optar pelo melhor caminho a seguir, mas sabe-se que as alternativas encontradas para um viver melhor são problematizadas coletivamente.

Dessa maneira, enfatiza-se a importância do papel do enfermeiro junto aos cuidadores leigos, quer no ambiente hospitalar ou no domiciliar, mesmo que, num primeiro momento, focalizando sua prática na prevenção de agravos, para, posteriormente, ampliar sua ação. Nesse sentido, o enfermeiro pode iniciar dirigindo suas ações na prevenção de complicações e na promoção da saúde dos cuidadores leigos, refletindo, essa prática, na melhoria do cuidado prestado pelo leigo.

Na prevenção de complicações, pode agir em atividades dirigidas a todos os cuidadores leigos, orientando-os para prestarem cuidado ao doente e fortalecendo, de igual forma, o autocuidado. Uma dessas estratégias de cuidado pode ser desenvolvida por grupos de cuidadores leigos, oportunizando a troca de experiências conjuntas e estimulando-os a se responsabilizarem por sua saúde, de acordo com as possibilidades.

O profissional de enfermagem deve, também, identificar cuidadores leigos vulneráveis a sofrerem algum problema em sua saúde, no intuito de se diminuir a chance de ocorrência de patologias agudas ou crônicas. Nessa perspectiva, deve enfocar suas atenções individualmente para cada cuidador leigo, a fim de serem discutidos caminhos alternativos, específicos para cada situação. Ressalta-se a relevância dos programas de apoio dos serviços de saúde, os quais devem oportunizar, aos cuidadores leigos, mecanismos facilitadores para que ocorra suporte multiprofissional, com atendimento médico, fisioterápico e psicológico, entre outros. Dessa forma, entende-se `o fazer saúde' como a oportunidade de oferecer o acesso aos serviços de saúde às pessoas.

Em situações onde o cuidador leigo apresenta alguma patologia, o enfermeiro atua quando o problema de saúde já ocorreu, por isso um dos objetivos, além do tratamento adequado, deve ser a prevenção da recorrência. No momento da identificação do problema, é necessário que o enfermeiro instrua o cuidador leigo sobre a importância da procura por atendimento especializado. Além disso, deve informar ou encaminhar o cuidador leigo a alguma instituição de saúde na busca de tratamento. Assim, reafirma-se a necessidade da criação de mecanismos facilitadores para que os cuidadores leigos alcancem o atendimento à sua saúde.

Acredita-se que a práxis do enfermeiro depende efetivamente da educação em saúde como forma de alcançar a independência e a autonomia do ser cuidado. O cuidador leigo é uma parcela que está desassistida pelo sistema de saúde vigente, que não visualiza adequadamente a sua importância na recuperação e reabilitação da saúde dos indivíduos doentes. Porém, para que isso não aconteça, primeiramente, necessita-se cuidar de quem cuida e prepará-lo para tal atividade. A educação em saúde oferece caminhos para o cuidador leigo cuidar de si e, a partir disso, cuidar do outro, de acordo com cada cultura e valores. Porém, na maioria dos casos, o cuidador leigo prioriza apenas cuidar daquele que necessita do seu auxílio, desconsiderando a si como ser, dedicando-se, então, unicamente ao ser cuidado.

Afirma-se, portanto, que a educação em saúde é importante prática de assistência aos cuidadores leigos, uma vez que os prepara para preservar sua saúde e viver saudavelmente para, então, cuidar expressivamente do seu próximo. Destaca-se, também, que as políticas públicas devem apresentar propostas para assistir essa parcela que permanece ignorada pelos atuais programas de saúde. Ressalta-se, assim, que o cuidar não envolve somente o doente, mas todo o contexto que o circunda, onde surge a figura do cuidador leigo como instrumento de cuidar. Cabe ao enfermeiro, como profissional de saúde, inserir esse sujeito como foco de sua práxis diária e envolvê-lo como parte integrante do seu cuidar, utilizando, para tal, a educação em saúde.

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Recebido em: 28.9.2005

Aprovado em: 25.9.2006

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2005
  • Aceito
    25 Set 2006
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