Resumos
Objetivo: identificar os fatores de risco associados à préhipertensão e hipertensão arterial entre indígenas Munduruku da Amazônia brasileira.
Método: estudo transversal realizado com 459 indígenas Munduruku selecionados por meio de amostragem aleatória estratificada. Foram avaliadas variáveis sociodemográficas, hábitos e estilos de vida, dados antropométricos, glicemia de jejum e perfis lipídicos. Utilizou-se aparelho automático calibrado e validado para medir a pressão arterial. As análises dos dados coletados foram realizadas pelo software R versão 3.5.1. Para as variáveis contínuas, utilizou-se o teste Kruskall-Wallis; para as categóricas, o Exato de Fischer. Considerou-se nível de significância de 5% e valor p≤0,05.
Resultados: a prevalência de níveis pressóricos alterados foi de 10,2% para valores sugestivos de hipertensão e de 4,1% para pré-hipertensão. O risco de pré-hipertensão entre indígenas associou-se a ser do sexo masculino (OR=1,65; IC95% 0,65-4,21) e ter circunferência da cintura aumentada substancialmente (OR=7,82; IC95% 1,80-34,04). Quanto ao risco para hipertensão arterial, associou-se à idade (OR=1,09; IC95% 1,06-1,12), à circunferência da cintura aumentada (OR=3,89; IC95% 1,43-10,54) e à circunferência da cintura aumentada substancialmente (OR=5,46; IC95% 1,78-16,75).
Conclusão: entre indígenas Munduruku, os homens estavam mais vulneráveis para desenvolver hipertensão; a idade e a circunferência da cintura aumentada mostraram-se como fortes fatores de risco cardiovascular.
Descritores: Fatores de Risco; Pré-Hipertensão; Hipertensão; Doenças Cardiovasculares; Povos Indígenas; Pesquisa em Enfermagem
Objective: to identify the risk factors associated with prehypertension and arterial hypertension among Munduruku indigenous people in the Brazilian Amazon.
Method: a cross-sectional study carried out with 459 Munduruku indigenous people selected by means of stratified random sampling. Sociodemographic variables, habits and lifestyles, anthropometric data, fasting glucose and lipid profiles were evaluated. An automatic device calibrated and validated to measure blood pressure was used. The analyses of the data collected were carried out in the R software, version 3.5.1. For continuous variables, the Kruskall-Wallis test was used; for the categorical ones, Fischer’s Exact. The significance level was set at 5% and p-value≤0.05.
Results: the prevalence of altered blood pressure levels was 10.2% for values suggestive of hypertension and 4.1% for pre-hypertension. The risk of prehypertension among indigenous people was associated with being male (OR=1.65; 95% CI=0.65-4.21) and having a substantially increased waist circumference (OR=7.82; 95% CI=1.80-34.04). Regarding the risk for arterial hypertension, it was associated with age (OR=1.09; 95% CI=1.06-1.12), with increased waist circumference (OR=3.89; 95% CI=1.43-10, 54) and with substantially increased waist circumference (OR=5.46; 95% CI=1.78-16.75).
Conclusion: among Munduruku indigenous people, men were more vulnerable to developing hypertension; age and increased waist circumference proved to be strong cardiovascular risk factors.
Descriptors: Risk Factors; Prehypertension; Hypertension; Cardiovascular Diseases; Indigenous Peoples; Nursing Research
Objetivo: identificar los factores de riesgo asociados con la prehipertensión y la hipertensión arterial entre los indígenas Munduruku en la Amazonía brasileña.
Método: estudio transversal realizado con 459 indígenas Munduruku seleccionados mediante muestreo aleatorio estratificado. Se evaluaron variables sociodemográficas, hábitos y estilos de vida, datos antropométricos, glucosa en ayunas y perfiles lipídicos. Se utilizó un dispositivo automático calibrado y validado para medir la presión arterial. Los análisis de los datos recopilados se llevaron a cabo mediante el software R versión 3.5.1. Para las variables continuas se utilizó la prueba de KruskalWallis; para las categóricas, Exacto de Fischer. El nivel de significancia se estableció en 5% y p≤0,05.
Resultados: la prevalencia de niveles alterados de presión arterial fue del 10,2% para valores sugestivos de hipertensión y del 4,1% para prehipertensión. El riesgo de prehipertensión entre los indígenas se asoció al sexo masculino (OR=1,65; IC95% 0,65-4,21) y a un aumento sustancial de la circunferencia de cintura (OR=7,82; IC95% 1,80-34,04). En cuanto al riesgo de hipertensión arterial, se asoció con la edad (OR=1,09; IC95% 1,06-1,12), con un aumento de la circunferencia de la cintura (OR=3,89; IC95% 1,43-10,54) y con un aumento sustancial de la circunferencia de la cintura (OR=5,46; IC95% 1,78-16,75).
Conclusión: entre los indios Munduruku, los hombres eran más vulnerables a desarrollar hipertensión, la edad y el aumento de la circunferencia de la cintura demostraron ser fuertes factores de riesgo cardiovascular.
Descriptores: Factores de Riesgo; Prehipertensión; Hipertensión; Enfermedades Cardiovasculares; Pueblos Indígenas; Investigación en Enfermería
Introdução
Países em desenvolvimento, como Brasil, Chile e México, passaram por uma rápida transição epidemiológica das doenças infecciosas para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), devido à maior exposição aos fatores de risco. As DCNT são responsáveis por mais de 70% das mortes de adultos em todo o mundo, sendo as doenças cardiovasculares as principais causas de morte(1).
Os fatores de risco associados, como consumo de álcool, obesidade, tabagismo, falta de exercício físico e alimentação inadequada, contribuem para o desenvolvimento de doenças, como a hipertensão arterial sistêmica (HAS), que é caracterizada por valores pressóricos de sístole ≥140 e diástole ≥90 milímetros de mercurio (mmHg)(2).
A HAS é um dos fatores de risco cardiovascular modificáveis mais prevalentes no mundo. Caracterizase como uma DCNT(3) frequentemente associada aos distúrbios metabólicos, às alterações funcionais e/ou estruturais de órgãos-alvo. É agravada pela presença de dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose e diabetes mellitus (DM).
A pré-hipertensão, caracterizada por valores de sístole 130-139 e/ou diástole 85-89 mmHg, também se revela preocupante dentro do cenário de fatores de risco, pois associa-se ao maior risco de desenvolvimento de HAS e de doenças que acometem o coração. Sabe-se que cerca de um terço dos eventos cardiovasculares relacionados à elevação da pressão arterial ocorrem em indivíduos que são pré-hipertensos(2).
Quando se comparam países na perspectiva da renda, nota-se que a prevalência de hipertensão é maior em países de baixa renda (31,5%) do que em países de alta renda (28,5%)(4). No Brasil, em 2018, entre a população não indígena, a frequência de adultos que referiram diagnóstico médico de hipertensão variou entre 15,9% em São Luís e 31,2% no Rio de Janeiro. No conjunto das 27 cidades do país, a frequência de diagnóstico médico de hipertensão arterial foi de 24,7%, sendo maior entre as mulheres (27,0%) do que entre os homens (22,1%)(5).
Entre os povos indígenas, as mudanças econômicas, sociais, culturais e ambientais ocorridas no mundo têm causando diversos prejuízos para a saúde individual e coletiva dos diferentes grupos étnicos, destacando-se a maior vulnerabilidade para o desenvolvimento das doenças crônicas(6). Estudos mostram que os fatores de risco para as doenças cardiovasculares (DCV) são mais prevalentes entre algumas minorias étnicas, pessoas de nível socioeconômico mais baixo e populações rurais na maioria dos países da América Latina(1,7).
O aumento no número de casos de DCNT e os seus agravos têm sido mais frequentes entre os povos indígenas de todos os países. Estudo transversal descritivo, realizado no México, com 2.596 indígenas de diferentes grupos étnicos, revelou que a prevalência de hipertensão foi de 42,7%(8).
Entre os indígenas brasileiros, a presença de HAS tem sido cada vez mais observada, com aumento de 6,2% na prevalência nas últimas 4 décadas e metaregressão, indicando que a chance de um indígena brasileiro vir a desenvolver hipertensão está em 12%(9). Os indígenas Mura, que vivem na região amazônica nas margens do rio Madeira e do Lago do Murutinga, possuem prevalência de hipertensão de 26,6%, similar à dos não indígenas. Este fato indica que os fatores de risco cardiovascular vêm crescendo em ritmo acelerado, também nessa etnia(10).
A região Norte do Brasil possui o maior número de habitantes indígenas. Em 2010, esse número correspondia a 342.836. Os cinco municípios que apresentaram maior contingente populacional indígena autodeclarado do Brasil pertenciam ao estado do Amazonas. Ressalta-se que a etnia Munduruku está entre as quinze mais populosas do Brasil. Contudo, não foram encontradas publicações sobre como as DCV têm se apresentado nesse grupo étnico(11).
É importante ressaltar que os fatores de risco modificáveis para HAS implicam em questões comportamentais. Por isso, necessitam de estratégias de prevenção e monitoramento. Diante disso, a investigação de fatores de risco cardiovascular entre os indígenas tem se mostrado essencial para o estabelecimento de metas e estratégias que possibilitem a quebra epidemiológica da cadeia fator de risco-doença em grupos que vivem em situação de vulnerabilidade(12).
Nesse sentido, destaca-se o papel do enfermeiro nas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), pois esse profissional está qualificado para identificar os fatores de risco de maneira precoce. Ao possuir atribuições de gerência dos serviços de saúde e, portanto, estar envolvido com ações de planejamento, implementação e ação preventiva, ele assume papel primordial para estabelecer estratégias que proporcionem a melhoria da assistência em saúde à população indígena(13).
Este estudo traz contribuições relevantes sobre o comportamento da hipertensão entre os indígenas que habitam no estado do Amazonas, não só por viverem em uma região com elevada vulnerabilidade social, apresentar índice de desenvolvimento humano muito baixo, com acesso precário à água tratada, indisponibilidade de esgoto e eletricidade, mas também por comporem os 18% da população indígena brasileira que reside dentro ou fora de terras indígenas demarcadas(11,14). Os resultados apresentados possibilitam o fortalecimento das ações de cuidado e de promoção da saúde, tanto para o grupo investigado como para outros grupos étnicos que vivem em contexto cultural semelhante.
O objetivo deste estudo foi identificar os fatores de risco associados à pré-hipertensão e hipertensão arterial entre indígenas Munduruku da Amazônia brasileira.
Método
Delineamento do estudo
Trata-se de um estudo epidemiológico, transversal, representativo do grupo étnico envolvido, com abordagem quantitativa. A epidemiologia tem como finalidade estudar o processo de saúde-doença, por meio da explicação de determinados fatos e eventos e analisar a distribuição das doenças, dos danos e dos agravos à saúde. Seu propósito é fornecer subsídios para a tomada de decisões que visem beneficiar a saúde da população.
Local da coleta de dados
A coleta de dados foi realizada nas aldeias de Laranjal, Mucajá, Kwatá e Fronteira, localizadas na terra indígena Kwatá-Laranjal, pertencente à região geográfica do município de Borba, no estado do Amazonas (AM), Brasil.
Período
A coleta de dados foi realizada no período de agosto a setembro de 2018. O tempo de permanência em cada aldeia foi de nove dias, em média.
População
A população do estudo foi composta por indígenas da etnia Munduruku com idades entre 18 e 80 anos, de ambos os sexos. Dados históricos referem ser uma etnia do tronco Tupi, da família linguística Munduruku. Atualmente, a língua Munduruku passa por processo de desuso. Os que moram na terra indígena Kwatá-Laranjal são falantes da língua portuguesa(15).
A terra indígena Kwatá-Laranjal pertence ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Manaus (AM) e é composta por 31 aldeias. Possui dois polos base, que têm como referência as aldeias de Kwatá (21 aldeias) e Laranjal (10 aldeias), contabilizando 2.484 indígenas Munduruku, somente no Amazonas(15). O acesso à Terra Indígena pode ser feito pelo município de Nova Olinda do Norte (AM), por meio de dois itinerários: o primeiro sai pelo porto localizado na Zona Sul de Manaus, com aproximadamente 7 horas de viagem; a segunda opção é saída pela região portuária central de Manaus, numa viagem com duração aproximada de 15 horas.
Os dados do Instituto Socioambiental (ISA), para todo o território nacional, mostram que a etnia Munduruku apresenta uma população de 14.093 indivíduos situados nos estados do Amazonas (região Leste, rio Canumã e próximo à Transamazônica, município de Borba), Pará (região Sudeste, municípios de Santarém, Iaituba e Jacareacanga) e Mato Grosso (região norte do município de Juara)(15).
Critérios de seleção
Foram incluídos no estudo os indígenas da etnia Munduruku, com idades entre 18 e 80 anos de idade, residentes nas aldeias de Laranjal, Mucajá e Fronteira, localizadas no estado do Amazonas. Foram excluídos os que apresentavam alguma limitação motora e/ou doença que impossibilitasse a realização de algum dos exames da pesquisa e as gestantes.
Definição da amostra
O cálculo amostral foi baseado na prevalência de hipertensão arterial estimada em 50%(12), margem de erro de 5%, intervalo de confiança de 95% e percentual de perdas (10%). Com base nesse cálculo, a amostra foi composta por 459 indígenas da etnia Munduruku, das aldeias Laranjal (n=93), Mucajá (n=129), Kwatá (n=136) e Fronteira (n=101).
Para a seleção, utilizou-se a amostragem aleatória estratificada (não ponderada). Cada família representou um estrato da população. Em cada família (estrato) sorteou-se um indivíduo para compor a amostra final.
Variáveis do estudo
A pressão arterial foi mensurada com um dispositivo automático (OMRON HBP-1100) validado e calibrado pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), com braçadeira de tamanho adequado à circunferência do braço. O preparo dos indígenas e os procedimentos de medição seguiram as orientações da 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial e do Manual de Instruções do monitor de pressão arterial, que instrui como usar o equipamento corretamente(2). Para essa medição, os participantes ficaram sentados confortavelmente, com os pés apoiados no chão e o braço esquerdo apoiado na direção do coração. As medidas foram realizadas neste braço, após dez minutos de descanso. Antes, porém, os participantes foram instruídos a esvaziar a bexiga e a confirmar que não haviam bebido álcool ou café e não haviam fumado até 30 minutos antes. Foram realizadas três medidas da pressão arterial e a média das duas últimas foi usada na análise dos dados.
Hipertensão foi definida como pressão arterial sistólica ≥140 e/ou pressão arterial diastólica ≥90 mmHg. Alternativamente, a hipertensão poderia ser autorreferida (referida), se o participante indígena relatasse ter sido diagnosticado com hipertensão por um médico ou se estivesse tomando medicamento antihipertensivo, independentemente dos valores de pressão arterial medidos na entrevista. A pré-hipertensão foi definida como pressão arterial sistólica 130-139 e/ou pressão diástole 85-89 mmHg. A pressão arterial (préHAS e HAS) foi classificada em estágios, seguindo as recomendações da 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial(2).
Para a avaliação antropométrica, utilizou-se balança digital de bioimpedância (OMRON HBF-514C), com capacidade máxima de 150 quilogramas (kg); estadiômetro portátil, para verificação da estatura e fita métrica inelástica, para verificação das circunferências do pescoço, cintura e quadril. Os pontos de corte, adotados para indicar aumento e/ou alterações, foram: circunferência do pescoço ≥37 centímetros (cm) para os homens e ≥34 cm para as mulheres(16); circunferência da cintura ≥102 cm em homens e ≥88 cm em mulheres e a razão cintura/quadril (RCQ) >1,00 cm para os homens e >0,85 cm para as mulheres(17).
O índice de massa corporal foi assim classificado: baixo peso (<18,5 quilos pela altura ao quadrado - kg/m2); eutrófico (de 18,5 até 24,9 kg/m2); sobrepeso (de 25,0 até 29,9 kg/m2) e obesidade (≥30,0 kg/m2)(17). Para a classificação do percentual de gordura corporal, considerou-se a estratificação de faixa etária e o sexo dos indígenas, por serem distintos.
A glicemia capilar foi verificada por meio de um aparelho portátil digital (glicosímetro Accu-Check® da Roche Diagnóstica). Para a classificação das alterações da glicemia, considerou-se como pré-diabetes 100 até 125 miligramas por decilitro (mg/dL) e diabetes ≥126 mg/dL(18).
Para a mensuração dos níveis de colesterol e triglicerídeos, foi utilizado um aparelho monitor digital (Accutrend® Plus da Roche Diagnóstica). A hipercolesterolemia foi considerada acima de ≥240 mg/dL e a hipertrigliceridemia ≥200 mg/dL(19).
As amostras de sangue, para verificar os níveis glicêmico e lipídicos, foram obtidas por meio de punção na polpa do dedo indicador do participante. Para isso, foi utilizado um dispositivo de punção (lancetador) de uso individual e descartável.
Realizou-se, ainda, uma entrevista com os indígenas, para levantamento de dados sociodemográficos, investigação de hábitos e estilos de vida, por meio de perguntas semiestruturadas e instrumentos validados, tais como: Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT)(20) e o Questionário Internacional de Atividade Física (International Physical Activity Questionnaire - IPAQ), na sua versão curta(21).
Instrumentos utilizados para a coleta das informações
Foi aplicado um formulário composto por questões fechadas relativas às seguintes varáveis: sexo, idade, dados antropométricos, pressão arterial, glicemia, perfil lipídico, estado civil, renda, escolaridade, ocupação, caracterização socioeconômica, hábitos alimentares, tabagismo, consumo de álcool, história familiar de DCV e nível de atividade física.
As classificações socioeconômicas foram determinadas de acordo com os Critérios de Classificação Econômica Brasileira(22), que consideram as condições domésticas dos participantes (número de banheiros, fonte de água, tipo de pavimentação da rua onde o domicílio está localizado e número de empregadas domésticas), quantidade de bens de consumo duráveis, eletrodomésticos e eletrônicos e níveis de educação. Com base nesses dados, a pessoa é classificada em uma das seguintes categorias: Classe A (45-100 pontos), Classe B1 (38-44 pontos), Classe B2 (29-37 pontos), Classe C1 (23-28 pontos), Classe C2 (17-22 pontos) e Classe D-E (0-16 pontos). A renda familiar mensal foi calculada com base no salário mínimo que, na época da coleta de dados, era de R$ 954,00, o que correspondia, em dólar, ao valor de US$ 234,31.
Para estimar o nível de atividade física, foi utilizado o IPAQ em sua versão curta, com validade e reprodutibilidade no Brasil comprovadas no ano de 2000. O IPAQ é um questionário proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliação mundial da atividade física(21). As perguntas são relacionadas às atividades realizadas nos últimos sete dias antes da aplicação (frequência e intensidade da caminhada semanal, número de dias e tempo de realização de atividades moderadas, quantidade de dias e tempo de realização de atividades vigorosas durante a semana e descrição das atividades sedentárias).
O nível de atividade física dos indígenas foi classificado com base na orientação do próprio IPAQ(21): Muito Ativo: Atividade vigorosa: ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos por sessão ou Atividade Vigorosa: ≥ 3 dias/ semana e ≥ 20 minutos por sessão + Atividade Moderada ou Caminhada: ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos por sessão. Ativo: Atividade Vigorosa: ≥ 3 dias/semana e ≥ 20 minutos por sessão ou Atividade Moderada ou Caminhada: ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos por sessão ou qualquer atividade somando: ≥ 5 dias/semana e ≥ 150 minutos/semana (caminhada + atividade moderada+ atividade vigorosa). Irregularmente Ativo: diferentes tipos de atividades (Caminhada + Atividade Moderada + Atividade Vigorosa) totalizando frequência e duração insuficientes para que o indivíduo seja considerado ativo. Sedentário: aquele que não realizou qualquer atividade física por, pelo menos, 10 minutos contínuos durante a semana.
Para calcular o consumo de bebidas alcoólicas foi utilizado o instrumento Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT), validado para o idioma português(23), que tem como finalidade identificar transtornos por uso de álcool. As dez questões desse instrumento exploram o uso, a dependência e os problemas relacionados ao álcool. A primeira pergunta do AUDIT é sobre a frequência do consumo e é respondida em uma escala que varia de 0 (nunca) a 4 (quatro ou mais vezes por semana). A pontuação vai de 0 a 40, mas, numa pontuação até 7, o consumo é de baixo risco; de 8 até 15 pontos, o consumo é de risco e o uso, nocivo; o consumo de alto risco, igual ou maior que 16, indica provável dependência. Os dez itens abrangem três domínios teóricos: frequência do consumo de álcool, dependência do consumo de álcool e consequências negativas do consumo de álcool. O AUDIT não faz diagnóstico, mas indica os prováveis casos de dependência(23).
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada por enfermeiras treinadas para a realização de cada etapa.
Os dados foram coletados pela manhã, tendo em vista a necessidade de jejum. Os indígenas foram previamente orientados a realizar a última refeição até as 22 horas do dia anterior à coleta e a não se alimentar ao acordar. Em todas as aldeias, a coleta ocorreu da mesma forma: primeiro os Agentes Indígenas de Saúde (AIS) forneceram os cadastros das famílias de cada aldeia; com base nessa lista, fez-se o sorteio da amostra. Avaliava-se, em seguida, se todas as pessoas sorteadas contemplavam os critérios de inclusão; se isso não ocorresse, um novo sorteio era realizado, para substituir a pessoa excluída. Após esse procedimento, o convite era realizado individualmente. O indígena que aceitasse participar do estudo era previamente orientado quanto ao horário da sua coleta e às condições necessárias para realizar os exames e as medidas antropométricas.
Os indígenas que apresentaram alteração na pressão arterial e/ou em algum dos exames realizados foram encaminhados para atendimento no Polo Base de Saúde.
Tratamento e Análise dos dados
As análises dos dados coletados foram realizadas pelo software R versão 3.5.1. As variáveis contínuas foram apresentadas com base nas médias e no desviopadrão; as variáveis categóricas, por frequências absolutas e relativas. As variáveis foram comparadas, mediante a utilização de testes de hipóteses. Entre as variáveis contínuas, utilizou-se o Kruskall-Wallis; para as categóricas, o tesde Exato de Fisher. Considerou-se o nível de significância de 5% e o valor p≤0,05. O teste de Wald foi utlizado na regressão multinomial.
Para verificar a associação entre as variáveis dependentes (pré-hipertensão e hipertensão) e as variáveis independentes do estudo, foram estimadas as razões de chance por Odds Ratio (OR) com base no modelo de regressão multinomial e respectivos intervalos de confiança (IC) de 95%. Por se tratar de um fenômeno multifatorial, as variáveis foram reunidas em blocos (demográfica, econômica, estado de saúde e comportamental) e analisadas de forma hierárquica(24).
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CAAE 74361617.2.0000.5020) de acordo com o Parecer no 2.51.369. Para ingresso em terra indígena, solicitou-se autorização da Fundação Nacional do Índio (nº 43/AAEP/PRES/2018), do Ministério da Justiça e, também, dos líderes da Terra Indígena KwatáLaranjal. Todos os indígenas que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Entre os 459 indígenas investigados, a prevalência de níveis pressóricos alterados, obtidos por meio da medida casual, foi de 10,2% para os valores sugestivos de hipertensão e de 4,1% para pré-hipertensão.
Na Tabela 1, é apresentada a análise univariada das variáveis sociodemográficas, antropométricas, metabólicas e de estilo de vida dos participantes segundo os níveis pressóricos que indicam pressão normal, HAS e pré-HAS. Destaca-se que a maioria dos participantes era do sexo masculino (57,1%), a média de idade foi de 36,6 (±14,7) anos, cerca de 9,6% eram analfabetos. Quanto à renda familiar, a quase totalidade (83,7%) estava em situação de vulnerabilidade social (pertencente às classes sociais D e E). Elevado percentual de participantes (61,7%) informou ter, como única fonte de renda, algum benefício social ofertado pelo governo.
Perfil dos níveis pressóricos dos indígenas Munduruku. Município de Borba, AM, Brasil, 2018
Entre os indígenas Munduruku, 64,9% apresentavam aumento da circunferência do pescoço; 38,8%, aumento da circunferência da cintura e mais de 52% estavam acima do peso. Estes dados corroboram o alto percentual de indígenas classificados com taxa de gordura corporal elevada: alto (28,3%) e muito alto (33,3%). Sobre os níveis de triglicerídeos e colesterol, os valores alterados ficaram em torno de 21,1% e 5,4%, respectivamente. Chama a atenção o fato de que 86,5% dos participantes apresentaram valores elevados da glicemia capilar e mais de 70% afirmaram ser fumantes e fazer consumo de bebida alcóolica em níveis considerados de risco nocivo ou provável dependência. Tratando-se da atividade física, 65,6% foram classificados como ativos ou muito ativos (Tabela 1).
Na Tabela 2, é apresentada a análise multivariada com uso de um modelo de regressão logístico multinominal de todas as variáveis sociodemográficas, antropométricas, metabólicas e de estilo de vida dos participantes, segundo os níveis pressóricos alterados sugestivos de HAS e pré-HAS.
Indicadores antropométricos, metabólicos e de estilo de vida dos indígenas Munduruku (n=459), segundo níveis pressóricos elevados. Município de Borba, AM, Brasil, 2018
Em relação às variáveis sociodemográficas e econômicas dos participantes classificados como préhipertensos e hipertensos, foi observada uma associação positiva, no que se refere à idade, revelando que a cada um ano no aumento da idade elevava em 10% a chance para desenvolver HAS (OR=1,0; IC95% 1,08-1,13). Os participantes que cursaram o ensino médio completo, quando comparados aos com menor escolaridade, apresentaram até 97% menos chance de desenvolver HAS (OR=0,03; IC95% 0,01-0,10). Aqueles com renda até um salário mínimo possuíam 9 vezes mais chance para o desenvolvimento de HAS (OR=9,21; IC95% 3,52-24,07). Quanto ao benefício social, os que disseram receber alguma modalidade possuíam 3 vezes mais chances de desenvolver HAS (OR=3,58; IC95% 1,89-6,78).
Destaca-se que as circunferências aumentadas do pescoço (OR=2,58; IC95% 1,21-5,48), da cintura (OR=7,79; IC95% 3,60-16,86) e RCQ (OR=7,73; IC95% 3,38-17,69) aumentavam substancialmente (entre 2 a 7 vezes) a chance de desenvolver quadro de hipertensão, bem como aqueles classificados como obesos, cuja chance aumentava 7 vezes para pré-HAS (OR=7,03; IC95% 2,13-23,28) e 8 vezes para HAS (OR=8,68; IC95% 3,8419,64). Outro importante indicador antropométrico revela que os indígenas classificados com gordura corporal muito alta possuíam 4 vezes mais chances de desenvolver préHAS e HAS (OR=4,21; IC95% 1,91-9,27).
Em relação à glicemia capilar, aqueles classificados como diabéticos (12,2%) apresentaram 9 vezes mais chance para apresentar pré-HAS (OR=9,57; IC95% 1,1182,73) e 10 vezes para HAS (OR=10,37; IC95% 2,2148,56). Os indígenas com triglicérides (OR=2,72; IC95% 1,39-5,31) e colesterol alto (OR=5,91; IC95% 2,3215,05) tinham 2 e 5 vezes, respectivamente, mais chance de apresentar HAS. Aqueles que foram classificados com colesterol limítrofe (OR=2,44; IC95% 1,17-5,10) também possuíam 2 vezes mais chances de desenvolver HAS.
Quanto ao hábito de fumar, associou-se positivamente com a HAS, apresentando 4 vezes mais chance para o risco de desenvolvê-la (OR=4,94; IC95% 1,50-16,28). Por outro lado, a prática de atividade física mostrou-se como fator de proteção para a HAS, protegendo em até 69% (OR=0,31; IC95% 0,13-0,72) os irregularmente ativos e até 99% os ativos (OR=0,09; IC95% 0,04-0,21), quando comparados aos sedentários.
Quanto às variáveis estado marital, classificação econômica e ingestão de bebida alcóolica, vale ressaltar que não apresentaram associação positiva com pré-HAS e HAS.
Para a construção do modelo de regressão múltiplo, o tamanho do efeito e o valor de p de cada variável foram analisados em cada um dos blocos de variáveis (demográfica, econômica, estado de saúde e comportamental). As variáveis significativas de cada bloco foram separadas para a análise em blocos hierárquicos. Em alguns casos, como no bloco estado de saúde, as variáveis consideradas eram colineares (altamente associadas entre si). Neste caso, foi necessário optar pelas variáveis mais importantes (com maior efeito), para proceder à análise múltipla.
Diante disso, no modelo, permaneceram as variáveis sexo, idade, cincunferência da cintura aumentada e substancialmente aumentada (Tabela 3). O resultado permitiu inferir que os homens possuíam 4 vezes mais chance de desenvolver pré-HAS (OR=1,65; IC95% 0,654,21); a cada aumento de um ano de idade, havia um aumento de 9% na chance para hipertensão (OR=1,09; IC95% 1,06-1,12). Em relação à cintura, aqueles que apresentavam a circunferência aumentada possuíam 3 vezes mais chances de desenvolver HAS (OR=3,89; IC95% 1,43-10,54), enquanto os com a circunferência aumentanda substancialmente possuíam 7 vezes mais chance de apresentar pré-HAS (OR=7,82; IC95% 1,80-34,04) e 5 vezes mais chance de apresentar HAS (OR=5,46; IC95% 1,78-16,75).
Modelo Final de risco para o desenvolvimento de HAS nos indígenas Munduruku (n=459). Município de Borba, AM, Brasil, 2018
Discussão
Neste estudo, teve-se a possibilidade de apresentar dados mais representativos dos homens, que foram maioria. Este resultado confirma dados do censo demográfico, que afirma a maior proporção da população musculina em zonas rurais(25). Por outro lado, diferenciase de outros estudos, que apresentam geralmente maior proporção de mulheres(8,26). Essa representatividade, entretanto, foi ao acaso, pois a seleção da amostra foi aleatória.
Neste estudo, os homens estavam mais vulneráveis para desenvolver hipertensão. Achado semelhante foi encontrado entre indígenas Krenak cuja prevalência estimada no sexo masculino foi maior quando comparada ao sexo feminino (31,2% x 27,6%). Os autores chamam a atenção para outros fatores, como idade, busca por diagnóstico médico, adesão ao tratamento, entre outros, que podem diferenciar a frequência da doença entre os sexos(27). Um estudo com populações indígenas do Chile também mostrou que os homens eram mais propensos a ter pressão arterial sistólica e diastólica elevada quando comparados às mulheres(26).
Embora os participantes deste estudo fossem predominantemente jovens-adultos, a idade mostrou ser um forte fator de risco cardiovascular. Estudos realizados com diferentes grupos étnicos mostraram associação positiva entre o envelhecimento e a prevalência de HAS(2,9). Esse achado é semelhante ao identificado em estudo com população tribal na Índia, revelando que a prevalência de hipertensão aumentou com a idade(28).
A vulnerabilidade social e a baixa escolaridade encontradas entre os Munduruku investigados assemelharam-se às de outros grupos étnicos, que também mostraram o impacto direto dos determinantes sociais e econômicos nos mecanismos e na distribuição das doenças, inclusive as cardiovasculares(5,29).
A prevalência de HAS (10,2%) encontrada entre os Munduruku investigados em estudo de revisão sistemática(9) foi inferior à dos não indígenas e um pouco mais elevada, quando comparada a outros grupos étnicos, como os Terena, Suyá, Guaraní Mbyá, Kuikuro, Parkatêjê, indígenas do Parque do Xingu, Suruí e Khisêdjê, que apresentaram prevalência combinada de 6,2%. O estudo mostrou, na análise por período (1970 a 2014), que a chance de um indígena vir a ter a doença aumentou em até 12%.
Por sua vez, outras investigações identificaram prevalências de HAS próximas e até acima da média nacional em dois grupos étnicos distintos: os Kaingangs (em Santa Catarina - SC) e os Mura (AM); as prevalências de HAS nesses grupos foi de 53,2% e 26,6%, respectivamente(10,12).
Os valores pressóricos indicativos de pré-HAS também merecem atenção; são limítrofes e podem colocar a pessoa numa condição de risco de adoecer não só para HAS como para outras comorbidades cardíacas. Estudo realizado com um grupo de indígenas no Canadá revelou prevalência de pré-hipertensão (17,7%) e hipertensão (21,7%), além de alerta para hipertensão não diagnosticada. Este resultado indica a necessidade urgente de rastreamento para prevenir as complicações graves e os problemas adversos de saúde associados à pressão arterial elevada, que podem reduzir a qualidade de vida(30).
O risco de incidência de doenças cardiovasculares, doença isquêmica do coração e acidente vascular encefálico é maior em indivíduos pré-hipertensos [Pressão Arterial Sistólica (PAS) ≥130-139 ou Pressão Arterial Diastólica (PAD) ≥ 85-89 mmHg], quando comparados aos que apresentam valores considerados normais da pressão arterial(2). No caso dos indígenas deste estudo, as evidências apontam para a necessidade de estabelecer monitorização rigorosa da pressão arterial para os indivíduos pré-hipertensos, considerando a maior chance de desenvolver HAS nos anos subsequentes.
Neste cenário, o papel da enfermagem destacase, pois o enfermeiro possui habilidades e competência profissional específicas para atuar no planejamento, implementação e avaliação de estratégias voltadas para a educação em saúde(31).
Ressalta-se que, no contexto da saúde indígena, o foco do enfermeiro consiste em promover ações efetivas, para permitir maior mobilização dos grupos étnicos e resgatar as boas práticas de autocuidado, possibilitando a retomada de hábitos saudáveis sem, necessariamente, ter que interromper a interlocução com a sociedade não indígena(32). O autocuidado, por sua vez, requer determinação por parte do indivíduo que já apresenta algum fator de risco cardiovascular. Por isso, o enfermeiro precisa apoiar e incentivar a autodeterminação do paciente, procurando identificar as preferências que o próprio indivíduo tem para o autocuidado(33).
Em relação às características antropométricas, por não haver padronização específica para as populações indígenas, foram adotados pontos de corte nacionais como parâmetro de normalidade e alteração. A prevalência de obesidade, bem como circunferências da cintura, pescoço e RCQ aumentadas, na análise multivariada, associaram-se positivamente à chance de desenvolver HAS. Este achado é preocupante tanto para o grupo investigado como para outras etnias. Além disso, reforça a necessidade de estudos que mostrem os fatores de risco de DCNT, como a obesidade, que são desproporcionalmente mais prevalentes entre algumas minorias étnicas, pessoas de nível socioeconômico mais baixo e populações rurais na maioria dos países da América Latina(7,34).
Embora a maioria dos indígenas aldeados tenha rotina voltada para as atividades de agricultura, a proximidade com as cidades, nas áreas rurais e urbanas, parece influenciar negativamente nos hábitos alimentares e no estilo de vida. Essa realidade tem contribuído, fortemente, para o aumento das prevalências de sobrepeso e obesidade, consideradas importantes no desenvolvimento de doenças crônicas, como HAS, resistência insulínica, DM e dislipidemia(6,35). A variedade e a facilidade de acesso aos produtos industrializados pelos indígenas no Brasil e em outras partes do mundo têm se mostrado diretamente relacionadas com o aumento do peso corporal(6).
Estudos relacionam a alta prevalência de dislipidemia entre os indígenas ao grande contato com a urbanização(36-37). O perfil lipídico dos participantes desta pesquisa foi elevado, semelhante ao encontrado entre os da etnia Xavante(36). Quanto à glicemia capilar, apesar de não se associar positivamento ao risco de pré-HAS e/ ou HAS no modelo final da análise deste estudo, ainda assim, comporta-se como um dado alarmante, pois a HAS e a DM, juntas, são as principais causas de morbidade e mortalidade(37).
Em relação ao tabagismo, é importante ressaltar que constitui a principal causa de morte evitável. Mesmo considerando que o uso do tabaco é uma prática antiga entre os indígenas, é necessário intensificar ações de combate ao fumo nessas populações, pois esse hábito é um importante fator de risco para doenças cardiovasculares(38). Mais da metade dos Munduruku referiu fumar. Interessante observar que, dentre os hipertensos, a maioria (93,6%) também era fumante. Prevalências elevadas de tabagismo também foram encontradas em diferentes grupos étnicos no Brasil e no Chile(10,26).
No tocante à atividade física, mostrou-se protetora para os participantes classificados como irregularmente ativos, ativos ou muito ativos. Os hipertensos eram os mais sedentários. A presença do sedentarismo em outras etnias tem sido associada à presença de HAS, aumento da idade e obesidade(8).
Embora o consumo de bebida alcoólica não tenha apontado risco para HAS no grupo investigado, chama atenção o percentual de indígenas que se encontra na zona de uso de risco nocivo ou provável dependência. Esse dado gera preocupação, pois o consumo crônico e elevado de bebidas alcoólicas (mais de 31 gramas por dia - g/ dia) aumenta a pressão arterial de forma consistente(2).
Estudos que avaliaram as permanências e modificações nos hábitos alimentares de famílias agrícolas indicaram que as tendências gerais de modificação nesses hábitos repercutiam nos hábitos daqueles que viviam em zonas rurais, intensificando-os diante da proximidade de áreas urbanas, devido à maior possibilidade da incorporação de produtos industrializados(39-40). Os resultados aqui encontrados apontaram para a necessidade de educação em saúde sobre os fatores de risco para doenças cardiovasculares, em específico para prevenção da HAS e pré-HAS. Incluíram ainda orientações e promoção de atividades voltadas às práticas protetoras de saúde, como exercício físico, alimentação adequada e até mesmo cuidados com a terapêutica medicamentosa da pessoa hipertensa.
Além disso, sugere-se atenção especial da EMSI quanto aos valores pressóricos sugestivos de préhipertensão, pois a prevalência encontrada neste estudo indica a necessidade de intervenção efetiva para evitar a manifestação da doença. É necessário ressaltar que a falta de dados específicos dessa variável impossibilitou a comparação mais aprofundada, sendo considerada uma limitação do estudo. Sugere-se que as investigações futuras incluam, nas análises, os valores pressóricos sugestivos de pré-hipertensão como fator de risco não só para HAS, mas também para outras comorbidades cardiovasculares.
Nesse cenário, as estratégias de enfrentamento necessitam estar articuladas a uma política pública pautada por total respeito à diversidade cultural. Ao mesmo tempo, devem possibilitar maior integração e pactuação entre os protagonistas desse processo de mudança, que envolvem participação ativa da comunidade em harmonia com a equipe de saúde multidisciplinar, destacando-se o papel do enfermeiro, pois suas competências e habilidades permitem mediar as práticas de cuidado e autocuidado voltadas para a promoção de melhor qualidade de vida e saúde.
Conclusão
Neste estudo, identificou-se, entre os indígenas Munduruku da Amazônia brasileira, que os homens estavam mais vulneráveis para desenvolver hipertensão, a idade mostrou ser um fator de risco cardiovascular forte e a circunferência da cintura aumentada e substancialmente aumentada elevavam a chance de um indígena apresentar pré-hipertensão e hipertensão arterial, respectivamente. Considera-se que o perfil encontrado seja resultado de modificações socioculturais, econômicas e ambientais entre os Munduruku.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Set 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
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Recebido
26 Out 2020 -
Aceito
11 Abr 2021