Resumos
OBJETIVO:
identificar a prevalência e a intensidade de dor crônica entre idosos da comunidade e analisar associações com a autopercepção do estado de saúde.
MÉTODO:
estudo transversal, com amostra populacional (n=934), conduzido por meio de entrevista domiciliar, na cidade de Goiânia, Brasil. A intensidade da dor crônica (existente há 6 meses ou mais) foi mensurada por meio de escala numérica (0-10) e a autopercepção de saúde por meio de escala verbal (muito boa, boa, regular, ruim, muito ruim). Para análise estatística utilizou-se frequência absoluta e porcentual, IC (95%), teste do qui-quadrado, Odds ratio e análise de regressão. Significância de 5%.
RESULTADOS:
a prevalência de dor crônica foi de 52,8% [IC (95%):49,4-56,1]; localizada com maior frequência em membros inferiores (34,5%) e região lombar (29,5%); de intensidade forte ou pior possível para 54,6% dos idosos. Ocorrência de dor crônica associou-se (p<0,0001) a pior autopercepção de saúde (OR=4,2:2,5-7,0), número de doenças crônicas (OR=1,8:1,2-2,7), doença articular (OR=3,5:2,4-5,1) e sexo feminino (OR=2,3:1,7-3,0). Menor intensidade de dor crônica associou-se a melhor autopercepção de saúde (p<0,0001).
CONCLUSÃO:
a maioria dos idosos da comunidade relata dor crônica, de elevada intensidade, e localizada em regiões relacionadas às atividades de deslocamento, podendo influenciar na morbimortalidade dessa população.
Idoso; Medição da Dor; Dor Crônica; Autoavaliação
OBJECTIVE:
to identify the prevalence and intensity of chronic pain among elderly people of the community and to analyze associations with the self-perceived health status.
METHOD:
cross-sectional study with a populational sample (n=934), conducted through household interviews in the city of Goiânia, Brazil. The intensity of chronic pain (existing for 6 months or more) was measured using a numerical scale (0-10) and the self-perceived health through a verbal scale (very good, good, fair, poor, very poor). For the statistical analysis, the absolute frequency and percentage, CI (95%), Chi-square test, Odds ratio, and regression analysis were used. Significance of 5%.
RESULTS:
The prevalence of chronic pain was 52.8% [CI (95%):49.4-56.1]; most frequently located in the lower limbs (34.5%) and lumbar region (29.5%); with high or the worst possible intensity for 54.6% of the elderly people. The occurrence of chronic pain was associated with (p<0.0001) a worse self-perception of health (OR=4.2:2.5-7.0), a greater number of chronic diseases (OR=1.8:1.2-2.7), joint disease (OR=3.5:2.4-5.1) and the female gender (OR=2.3:1.7-3.0). A lower intensity of chronic pain was associated with a better self-perception of health (p<0.0001).
CONCLUSION:
the majority of the elderly people of the community reported chronic pain, of a severe intensity, and located in areas related to movement activities, thus influencing the morbidity and mortality of this population.
Aged; Pain Measurement; Chronic Pain; Self-Assessment
OBJETIVO:
identificar la prevalencia y la intensidad de dolor crónico entre ancianos de la comunidad y analizar asociaciones con la autopercepción del estado de salud.
MÉTODO:
estudio transversal, con muestra poblacional (n=934), realizado por medio de entrevista domiciliar, en la ciudad de Goiania, Brasil. La intensidad de dolor crónico (existente hace 6 meses o más) fue medida por medio de escala numérica (0-10) y la autopercepción de la salud por medio de escala verbal (muy buena, buena, regular, mala, muy mala). Para el análisis estadístico se utilizó la frecuencia absoluta y los porcentajes, IC(95%), la prueba del Chi-cuadrado, Odds ratio y el análisis de regresión. Significación de 5%.
RESULTADOS:
la prevalencia de dolor crónico fue de 52,8% [IC(95%):49,4-56,1]; localizado con mayor frecuencia en miembros inferiores (34,5%) y región lumbar (29,5%); intensidad fuerte o peor posible para 54,6% de los ancianos. La ocurrencia de dolor crónico se asoció (p<0,0001) a peor autopercepción de la salud (OR=4,2:2,5-7,0), número de enfermedades crónicas (OR=1,8:1,2-2,7), enfermedad de las articulaciones (OR=3,5:2,4-5,1) y sexo femenino (OR=2,3:1,7-3,0). La menor intensidad de dolor crónico se asoció a mejor autopercepción de la salud (p<0,0001).
CONCLUSIÓN:
la mayoría de los ancianos de la comunidad relata dolor crónico, de elevada intensidad, y localizado en regiones relacionadas a las actividades de locomoción, pudiendo influenciar en la morbimortalidad de esa población.
Anciano; Dimensión del Dolor; Dolor Crónico; Autoevaluación
Introdução
O envelhecimento da população mundial vem acompanhado de crescente prevalência de doenças crônicas e degenerativas( 11. Silva EF, Paniz VMV, Laste V, Torres ILS. Prevalência de morbidades e sintomas em idosos: um estudo comparativo entre zonas rural e urbana. Ci Saúde Coletiva. 2013;18(4): 1029-40. ) e, consequentemente, de maior incidência de dor e incapacidade( 22. Hung WW, Ross JS, Boockvar KS, Siu Al. Association of chronic diseases and impairments with disability in older adults: a decade of change? Med Care. 2012; 50(6):501-7. - 33. Santos AMB, Burti JS, Lopes JB, Scazufca M, Marques AP, Pereira RM. Prevalence of fibromyalgia and chronic widespread pain in community-dwelling elderly subjects living in São Paulo, Brazil. Maturitas. 2010;67:251-5. ).
Estudos nacionais e internacionais mostram que a prevalência de dor crônica entre idosos da comunidade varia de 29,7 a 89,9%( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34.
5. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados. Cad Saúde Pública. 2007; 23:1151-60.
6. Celich KLS, Galon C. Dor crônica em idosos e sua influência nas atividades da vida diária e convivência social. Rev Bras Geriat. Gerontol. 2009; 2(3):345-59.
7. Miró J, Paredes S, Rull M, Queral R, Miralles R, Nieto R, et al. Pain in older adults: A prevalence study in the Mediterranean region of Catalonia. Eur J Pain. 2007;11(1):83-92. - 88. Thomas E, Peat G, Harris L, Wilkie R, Croft PR. The prevalence of pain and pain interference in a general population of older adults: cross-sectional findings from the North Staffordshire Osteoarthritis Project (NorStOP). Pain. 2004;110(1-2):361-8. ). Frequentemente localizada nos membros inferiores e superiores, costas (região lombar), pescoço e articulações, além de face, abdome, joelho, quadril, tórax e reto( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. - 55. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados. Cad Saúde Pública. 2007; 23:1151-60. , 88. Thomas E, Peat G, Harris L, Wilkie R, Croft PR. The prevalence of pain and pain interference in a general population of older adults: cross-sectional findings from the North Staffordshire Osteoarthritis Project (NorStOP). Pain. 2004;110(1-2):361-8. - 99. Dellaroza MSG, Furuya RK, Cabrera MAS, Matsuo T, Trelha C, Yamada KN, et al. Caracterização da dor crônica e métodos analgésicos utilizados por idosos da comunidade. Rev Assoc Méd Bras. 2008;54:36-41. ), essa dor tem sido relatada com intensidade moderada/intensa( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. - 55. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados. Cad Saúde Pública. 2007; 23:1151-60. ).
Na população idosa, encontrou-se relação entre a ocorrência( 1010. Reyes-Gibby CC, Aday L, Cleeland C. Impact of pain on self-rated health in the community-dwelling older adults. Pain. 2002;95:75-82. ), a intensidade elevada e o tempo prolongado de convívio com dor crônica( 1111. Perrucio AV, Badley EM, Hogg-Johnson S, Davis AM. Characterizing self-rated health during a period of changing health status. Soc Sci Med. 2010; 71:1636-43. ) e pior autopercepção do estado de saúde, corroborando achados de estudo realizado no Canadá( 1212. Perruccio AV, Power JD, Badley EM. Arthritis onset and worsening self- rated health: a longitudinal evaluation of the role of pain and activity limitations. Arthritis Rheum. 2005;53(4):571-7. ), no qual a pessoa idosa relatou pior autopercepção de saúde na presença de dor. Entretanto, estudos com foco nessa temática são escassos, especialmente quando se trata do cenário brasileiro da velhice.
Convém salientar que o estudo dos fatores que influenciam as condições de saúde na população idosa, como a dor crônica, pode indicar estratégias para intervenção e planejamento de ações que promovam o bem-estar e, adicionalmente, permitam avaliar o impacto das intervenções na saúde e na qualidade de vida dos longevos.
Por essa razão, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência e a intensidade de dor crônica e analisar associações entre essas variáveis com autopercepção do estado de saúde entre idosos da comunidade.
Método
Trata-se de estudo de base populacional, tipo corte transversal, recorte de inquérito epidemiológico, realizado pela Rede de Vigilância à Saúde do Idoso (REVISI), em 2010, na cidade de Goiânia, Estado de Goiás, Brasil.
A amostra mínima necessária da população de idosos (indivíduos com 60 anos ou mais, idade estabelecida para o idoso no Brasil, de acordo com a Lei nº8.842, de 4 de janeiro de 1996) de Goiânia (7% da população total; 1.249.645 - ano base 2007) foi calculada considerando-se que a estimativa da prevalência de dor na população tenha nível de confiança de 95%, prevalência esperada de 30%, precisão absoluta de 5%, DEEF de 1,8 e acréscimo de 11% para as perdas. A amostra representativa da população de idosos residentes na zona urbana de Goiânia constituiu-se de 934 indivíduos.
O conceito de residir no domicílio foi "dormir na residência por mais de quatro dias por semana". Foram excluídos aqueles que residiam no domicílio, mas nele não foram encontrados após três tentativas de visitas do observador, ou aqueles que alcançaram escores <13 na avaliação da capacidade cognitiva por meio do Miniexame do Estado Mental (MEEM)( 1313. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. "Mini-mental state": a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatric Res. 1975;12(3):189-98. ), o que totalizou 872 idosos.
A área geográfica do estudo foi definida com base nos Setores Censitários (SC) e, para a delimitação desses setores, foram utilizados mapas de campo e memorial descritivo informados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Mapa Urbano Básico Digital de Goiânia (MUBDG), concluído em 1996, foi fornecido pela COMDATA - instituição municipal responsável pela construção da malha digital da cidade. Esse mapa foi utilizado na digitalização dos 1.068 setores censitários. Desse total, os 912 SC, estritamente urbanos, foram utilizados para localização dos idosos.
A média de população por SC era de 980 indivíduos e, considerando-se 7% da população composta por idosos, foram 16,3 idosos por SC, sendo necessários 56 SC, sorteados aleatoriamente, dentre os 912. O sorteio foi feito por meio de tabela de números aleatórios criada em sistema eletrônico de randomização. Dos 934 idosos da amostra aleatória, 9 (nove) foram excluídos por alcançarem escores <13 no MEEM, e 53 foram considerados casos de perdas, por necessitarem de ajuda para preenchimento do questionário ou por não terem preenchido as questões sobre avaliação da dor. Assim, participaram deste recorte 872 idosos.
Para cada CS, foi sorteado o primeiro quarteirão e nesse uma esquina onde a coleta de dados foi iniciada. A partir da esquina sorteada, a primeira residência foi visitada, excluindo-se qualquer imóvel que não fosse residencial. Para cada SC sorteado, e a partir do quarteirão definido, foram visitados os domicílios até completar 17 idosos.
Os dados foram colhidos com o próprio idoso, em seu domicílio, por pessoas devidamente treinadas. Após identificação do entrevistador, foram orientados sobre os objetivos do estudo, métodos da pesquisa, riscos/benefícios, garantia de anonimato e confidencialidade dos dados. Os idosos que atenderam os critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa e, para aqueles que aceitaram, foi lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias. Após, aplicou-se o questionário composto por 12 seções (identificação, perfil social, cuidador, saúde geral e antecedentes familiares, com verificação da pressão arterial e registro do peso e altura referidos, hábitos de vida, avaliação da dor, sintomas respiratórios, avaliação funcional, qualidade de vida, fragilidade, quedas, acesso a serviços de saúde e Miniexame do Estado Mental).
A variável de desfecho desse recorte foi dor crônica (existente há seis meses ou mais( 1414. Merskey H, Bogduk N. Classification of chronic pain: descriptions of sexuality e sexual adjustment of patients with chronic pain. Disabil Reabil. 1998;20(9):317-29. )). Mensurou-se a principal dor, ou seja, aquela que mais incomodava o idoso, sentida nos sete dias que antecederam a entrevista. Para medida de sua intensidade, foi utilizada a escala numérica (0-10), em que zero=sem dor, 1, 2, 3 e 4=dor leve, 5 e 6=dor moderada, 7, 8 e 9=dor forte e 10=pior dor possível. Variáveis de exposição: autopercepção do estado de saúde (avaliada por meio de uma escala verbal "muito boa", "boa", "regular", "ruim", "muito ruim"), sexo (feminino/masculino) e idade por faixa etária (60-69anos=jovens idosos, 70-79 anos=idosos, 80 anos e mais=muito idosos), número e tipo de doenças crônicas autorreferidas
Outras variáveis, como estado civil (casado, solteiro, viúvo e divorciado), escolaridade (analfabeto, primário, ensino médio, ensino superior), condição laboral (trabalha, não trabalha), morar sozinho (sim/não) foram coletadas para caracterização da amostra.
O projeto da REVISI foi aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás, Protocolo nº050/2009, e financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás - Edital 001/2007. Todos os idosos deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados foram analisados por frequências absolutas e porcentuais. As associações entre as variáveis de interesse foram avaliadas a partir do teste qui-quadrado, Odds Ratio e análise de regressão. O nível de significância para todos os testes foi de 5%.
Resultados
Entre os 872 idosos que participaram deste estudo, prevaleceu o sexo feminino (62,3%), idade entre 60 e 69 anos (50,1%), casados (50,3%), com nível de escolaridade primário (48,6%), moravam acompanhados (86,8%) e não trabalhavam (79,8%). (Tabela 1).
Quanto às características clínicas, 45,4% dos idosos relataram saúde "muito boa" ou "boa" e 10,4% "ruim" ou "muito ruim". O total de 50,2% dos idosos mencionou duas ou mais doenças; a presença de hipertensão arterial foi relatada por 73,8%.
A prevalência de dor crônica foi de 52,8% [IC(95%): 49,4%-56,1%]. Entre os indivíduos com dor crônica (n=460), 49,6% referiram senti-la em local único e 15,1% em mais que três locais (Tabela 2). A dor localizou-se com maior frequência nos membros inferiores (34,5%), região lombar (29,5%), cabeça/face/pescoço (16,2%) e ombros/membros superiores (10,0%). Quanto à intensidade, 42,1% referiram dor forte, 25,9% moderada, 19,4% leve e 12,6% consideraram sentir a pior dor possível.
A presença de dor crônica esteve significativamente associada com pior autopercepção sobre o estado de saúde (χ2=46,9, p<0,0001), maior quantidade de doenças crônicas existentes (χ2=51,4, p<0,0001), presença de doença articular (χ2=51,6, p<0,0001) e ao sexo feminino (χ2=33,9, p<0,0001). Quanto à autopercepção do estado de saúde, aqueles que perceberam negativamente sua saúde ("ruim ou muito ruim") apresentaram maior chance de relatar dor crônica que aqueles com autopercepção da saúde "muito boa ou boa" (OR=4,2; 2,5-7,0), conforme evidenciado na Tabela 3.
Ante o número de doenças crônicas, ter referido uma doença aumentou a chance de relato positivo de dor crônica em quase duas vezes (OR=1,8; 1,2-2,7). Essa chance foi três vezes maior para os idosos que referiram doença articular (OR=3,5; 2,4-5,1). Adicionado a isso, considerando-se o sexo feminino, aumentou a chance de relato de dor crônica em duas vezes (OR=2,3; 1,7-3,0) (Tabela 3).
A análise da relação entre autopercepção de saúde e presença de dor crônica, separadamente, para os sexos feminino e masculino mostrou que, entre as mulheres (n=319) 45,8% (97\212), 68,4% (167\244) e 83,3% (55\66) perceberam sua saúde como "muito boa/boa", "regular" e "ruim/muito ruim", respectivamente. Entre os homens (n=130), essas proporções foram 36,3% (n=61\168), 46,8% (n=59\126) e 47,6% (n=10\21), respectivamente. Autopercepção de saúde e presença de dor crônica associaram-se, significativamente, ao sexo feminino (χ2=41,6; p<0,0001) acompanhando a análise geral; no masculino, no entanto, essa associação não se mostrou significativa (χ2=3,7; p=0,1604).
Nas mulheres, a chance de avaliar a saúde como "moderada" foi 2,6 vezes maior quando comparada com a avaliação "muito boa e boa" (OR=2,6:1,7-3,8); e quase seis vezes maior quando a avaliação foi para saúde "ruim e muito ruim" (OR=5,9:2,9-12,0). Nos homens, essas chances foram menores (OR=1,5:0,9-2,5 para "moderada" e 1,6:06-3,9 para "ruim e muito ruim").
Na Tabela 4, observa-se que a autopercepção de saúde esteve associada com maior intensidade de dor crônica (χ2=72,9; p<0,0001).
Ainda sobre a intensidade de dor crônica e a autopercepção de saúde, a análise de regressão (Figura 1) mostrou que, quando os escores de dor atribuídos por meio da escala numérica (0-10) foram menores, indicando dores menos intensas, os idosos avaliaram melhor sua saúde.
Escala numérica de dor (0-10) em relação à autopercepção da saúde (Ruim/péssima x Regular: p=0,008; Ruim/péssima x Ótima/boa: p
Discussão
Estudos( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34.
5. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados. Cad Saúde Pública. 2007; 23:1151-60.
6. Celich KLS, Galon C. Dor crônica em idosos e sua influência nas atividades da vida diária e convivência social. Rev Bras Geriat. Gerontol. 2009; 2(3):345-59.
7. Miró J, Paredes S, Rull M, Queral R, Miralles R, Nieto R, et al. Pain in older adults: A prevalence study in the Mediterranean region of Catalonia. Eur J Pain. 2007;11(1):83-92.
8. Thomas E, Peat G, Harris L, Wilkie R, Croft PR. The prevalence of pain and pain interference in a general population of older adults: cross-sectional findings from the North Staffordshire Osteoarthritis Project (NorStOP). Pain. 2004;110(1-2):361-8. - 99. Dellaroza MSG, Furuya RK, Cabrera MAS, Matsuo T, Trelha C, Yamada KN, et al. Caracterização da dor crônica e métodos analgésicos utilizados por idosos da comunidade. Rev Assoc Méd Bras. 2008;54:36-41. , 1515. Díaz RC, Marulanda FM, Sáenz X. Estudio epidemiológico del dolor crónica en Caldas, Colombia (Estudio Dolca). Acta Méd Colomb. 2009; 34(3):96-102. ) mostraram que a prevalência de dor crônica pode variar de 29,7% a 89,9%. Essa variação pode ser resultado da influência de fatores que incluem a definição do tempo estabelecido para a classificação da dor como crônica, diferenças sociodemográficas regionais, metodologia empregada para obtenção dos dados e variações entre os instrumentos de coleta de dados empregados( 1616. Watkins EA, Phil D, Wollan PC, Melton LJ, Yawn BP. A population in pain: report from the Olmsted County Health Study. Pain Med. 2008;9(2):166-74. ).
Diante da extensão do problema dor crônica, os achados deste estudo corroboram os de pesquisas nacionais e internacionais, apontando elevada proporção de queixas dolorosas entre os idosos da comunidade, o que pode significar sofrimento prolongado, por vezes ignorado e subtratado.
Estudos transversais( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. - 55. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados. Cad Saúde Pública. 2007; 23:1151-60. ), realizados no Brasil com amostras populacionais, conduzidos por meio de entrevista domiciliar e caracterização temporal da dor crônica como aquela existente há seis meses ou mais, mostraram prevalência de dor crônica semelhante (51,7%) à do presente estudo entre os 451 idosos de Londrina, PR, e inferior (29,7%) entre 1.271 idosos da cidade de São Paulo, SP. Nesse sentido, aponta-se a necessidade de realização de novas pesquisas com amostras representativas da população idosa, em outras regiões do Brasil, com vistas à identificação da extensão da prevalência de dor crônica nesse grupo etário e de fatores regionais que podem proteger ou expor os idosos a uma experiência dolorosa persistente.
A maior representatividade pelas mulheres corrobora os achados de pesquisas conduzidas com a população idosa( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. , 1515. Díaz RC, Marulanda FM, Sáenz X. Estudio epidemiológico del dolor crónica en Caldas, Colombia (Estudio Dolca). Acta Méd Colomb. 2009; 34(3):96-102. - 1616. Watkins EA, Phil D, Wollan PC, Melton LJ, Yawn BP. A population in pain: report from the Olmsted County Health Study. Pain Med. 2008;9(2):166-74. ), apontando a feminização da velhice.
A intensidade da dor crônica foi elevada (dor forte e pior possível para 54,6% dos idosos), como também mostraram outros estudos( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. , 1515. Díaz RC, Marulanda FM, Sáenz X. Estudio epidemiológico del dolor crónica en Caldas, Colombia (Estudio Dolca). Acta Méd Colomb. 2009; 34(3):96-102. - 1616. Watkins EA, Phil D, Wollan PC, Melton LJ, Yawn BP. A population in pain: report from the Olmsted County Health Study. Pain Med. 2008;9(2):166-74. ), cujas proporções de dor intensa alcançam mais de 50,0%. Na Espanha( 1717. Vallano A, Malouf J, Payrulet P, Baños JE. Prevalence of pain in adults admitted to Catalonian hospitals: A cross-sectional study. Eur J Pain. 2006;10(8):721-31. ), a prevalência de intensidade de moderada a forte foi de 86,4%. No Brasil( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. ), chegou a 45,8% de dor moderada e 46,0% de dor forte e muito forte e entre esses metade referiu dor diária.
Embora a maioria dos instrumentos de medida utilizados nos diferentes estudos esteja em nível ordinal de mensuração, as categorias frequentemente apresentadas durante os julgamentos variam, dificultando comparações. A literatura aponta falta de padronização no uso de escalas para medida da intensidade de dor e, mesmo quando são semelhantes, como no caso da escala numérica (0-10), muitas vezes o ranking dos escores que caracterizam a intensidade como "leve", "moderada", "forte" e "pior dor possível" não é o mesmo. Tal fato adiciona limitação às medidas subjetivas de dor em assegurar que dor leve, moderada e grave sejam categorias semelhantes para os diferentes grupos populacionais( 1616. Watkins EA, Phil D, Wollan PC, Melton LJ, Yawn BP. A population in pain: report from the Olmsted County Health Study. Pain Med. 2008;9(2):166-74. ).
Intensidade moderada, forte e muito forte de dor foi mencionada por grande parte dos idosos que relataram dor( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. , 1515. Díaz RC, Marulanda FM, Sáenz X. Estudio epidemiológico del dolor crónica en Caldas, Colombia (Estudio Dolca). Acta Méd Colomb. 2009; 34(3):96-102. ), sinalizando a importância da mensuração no processo de avaliação global do idoso. Dores intensas tendem a ser mais incapacitantes, prejudicam a qualidade de vida, reduzem o convívio social e aumentam os prejuízos nos relacionamentos e nas atividades de lazer.
A exemplo do encontrado no presente estudo, há relatos de convívio diário com dor crônica, inclusive entre aqueles com dores em membros inferiores e nas costas, locais diretamente relacionados a atividades de deslocamento( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34.
5. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Matsuo T. Prevalência e caracterização da dor crônica em idosos não institucionalizados. Cad Saúde Pública. 2007; 23:1151-60. - 66. Celich KLS, Galon C. Dor crônica em idosos e sua influência nas atividades da vida diária e convivência social. Rev Bras Geriat. Gerontol. 2009; 2(3):345-59. , 99. Dellaroza MSG, Furuya RK, Cabrera MAS, Matsuo T, Trelha C, Yamada KN, et al. Caracterização da dor crônica e métodos analgésicos utilizados por idosos da comunidade. Rev Assoc Méd Bras. 2008;54:36-41. , 1818. Yu H, Tang F, Kuo BI, Yu S. Prevalence, interference, and risk factors for chronic pain among Taiwanese community older people. Pain Manage Nurs. 2006;7(1):2-11. ). Doenças crônicas geram dor que pode ser referida em locais que interferem na autonomia e independência, impondo limitação funcional. Estudo transversal com população de idosos( 88. Thomas E, Peat G, Harris L, Wilkie R, Croft PR. The prevalence of pain and pain interference in a general population of older adults: cross-sectional findings from the North Staffordshire Osteoarthritis Project (NorStOP). Pain. 2004;110(1-2):361-8. ) revela que alguns locais de dor declinam com o avanço da idade (cabeça) e outros se tornam mais frequentes (pés, quadris e joelho). Em revisão da literatura( 1919. Maraschin R, Vieira PS, Leguisamo CP, Dal'Vesco F, Santi JP. Dor lombar crônica e dor nos membros inferiores em idosas: etiologia em revisão. Fisioter Mov. 2010;23(4):627-39. ), encontrou-se presença de lombalgia com o avanço da idade, especialmente nas mulheres. Em Minas Gerais( 2020. Oliveira CM, Carvalho DV, Matos SS, Soares SM, Malheiros JA, Arantes AA Junior. Dor em idosos hospitalizados com comprometimento osteomuscular. Rev Méd Minas Gerais. 2013;23(1):33-8. ), os autores encontraram grande incidência de dor nas articulações de suporte, sugestivas de afecções reumáticas do tipo osteodegenerativas, consideradas como as principais causas de dor na população avaliada. Salienta-se que, com o surgimento das falências orgânicas na terceira idade, mais especificamente no sistema osteomuscular, o processo de envelhecimento contribui para o surgimento de doenças crônico-degenerativas e, nesse caso, os membros inferiores agregam grande porcentual dessas condições clínicas descritas( 88. Thomas E, Peat G, Harris L, Wilkie R, Croft PR. The prevalence of pain and pain interference in a general population of older adults: cross-sectional findings from the North Staffordshire Osteoarthritis Project (NorStOP). Pain. 2004;110(1-2):361-8. ).
A dor pode ser considerada uma das situações mais incômodas e desesperadoras que acometem o ser humano e se constitui em problema importante na vida dos idosos( 2121. Souza LAF, Pessoa APC, Barbosa MA, Pereira LV. O modelo bioético principialista aplicado no manejo da dor. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):187-95. ). Em Toronto, Canadá, dor por um período prolongado e de intensidade elevada esteve associada com pior autopercepção de saúde( 1111. Perrucio AV, Badley EM, Hogg-Johnson S, Davis AM. Characterizing self-rated health during a period of changing health status. Soc Sci Med. 2010; 71:1636-43. ), como também observado no presente estudo. Semelhantemente, em São Paulo, Brasil( 2222. Silva TR, Menezes PR. Autopercepção de saúde: um estudo com idosos de baixa renda de São Paulo. Rev Med. 2007;86(1):28-38. ), a dor esteve associada significativamente com pior autopercepção de saúde. Na Finlândia( 2323. Mantyselka PT, Turumen JHO, Ahonen RS, Kumpusalo EA. Chronic pain and poor self-rated health. JAMA. 2003;290(18):2435-42. ), pesquisa mostrou forte associação entre autopercepção de saúde e dor crônica, independentemente de doenças crônicas, do gênero ou da idade.
Houve associação significativa entre autopercepção de saúde e dor crônica entre as mulheres deste estudo, mas não entre os homens. Pesquisa indica que os homens avaliam pior sua saúde quando estão em maior risco de serem acometidos por um evento fatal( 2424. Idler EL. Discussion: gender differences in self-rated health, in mortality, and in the relationship between the two. Gerontologist. 2003;43(3):372-5. ). Supõe-se que, em virtude de a expectativa de vida das mulheres ser maior que a dos homens, aumentam suas chances de desenvolver doenças crônicas e degenerativas e dor e as mulheres acabam avaliando mais negativamente sua saúde, por associá-la a perdas na qualidade de vida.
No Canadá, a dor prolongada e de intensidade elevada foi associada com pior autopercepção de saúde( 1111. Perrucio AV, Badley EM, Hogg-Johnson S, Davis AM. Characterizing self-rated health during a period of changing health status. Soc Sci Med. 2010; 71:1636-43. ), assim como no presente estudo. Na Finlândia( 2323. Mantyselka PT, Turumen JHO, Ahonen RS, Kumpusalo EA. Chronic pain and poor self-rated health. JAMA. 2003;290(18):2435-42. ), a prevalência de saúde regular foi de 38,1% entre idosos que relataram dor uma vez por semana (para 46,0% a dor era diária ou contínua), e de saúde ruim foi de 5,1% entre aqueles que referiram dor uma vez por semana (para 31,7% desses a dor era diária ou contínua). As proporções aumentaram com a maior frequência de relatos de dor mais intensa.
Alcançar o controle da dor é um direito da população em geral e também da pessoa idosa( 44. Dellaroza MSG, Pimenta CAM, Duarte YA, Lebrão ML. Dor crônica em idosos residentes em São Paulo, Brasil: prevalência, características e associação com capacidade funcional e mobilidade (Estudo SABE). Cad Saúde Pública. 2013;29(2):325-34. , 1111. Perrucio AV, Badley EM, Hogg-Johnson S, Davis AM. Characterizing self-rated health during a period of changing health status. Soc Sci Med. 2010; 71:1636-43. , 2121. Souza LAF, Pessoa APC, Barbosa MA, Pereira LV. O modelo bioético principialista aplicado no manejo da dor. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):187-95. ). As constantes queixas álgicas, associadas a pior autopercepção de saúde, alertam para a necessidade de pesquisas longitudinais que investiguem a influência da dor persistente na mortalidade e morbidade dos idosos. Nesse sentido, é fundamental que a dor crônica seja avaliada e mensurada rotineiramente nos serviços de saúde e que toda a equipe esteja capacitada para intervir ou encaminhar para tratamento especializado( 2525. Andrade FA, Pereira LV, Sousa FAEF. Pain measurement in the elderly: a review. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(2):271-6. ).
Para isso, profissionais de saúde devem receber preparo adequado, desde o ensino de graduação, para realizar avaliação da ocorrência da dor, na população em geral, ao longo do ciclo vital, e, dentro de suas competências, devem ser preparados para intervir, utilizando a diversidade de abordagens disponíveis para atuar de modo interdisciplinar.
O estudo teve como limitação o fator de estar inserido em uma pesquisa maior, na qual foram investigados vários desfechos e não especificamente dor crônica, o que não permitiu aprofundamento desse eixo na investigação de origem. No entanto, os dados obtidos na amostra representativa da população idosa da metrópole brasileira investigada representam importante contribuição, representando a situação da população idosa da comunidade ante a experiência dolorosa persistente.
Uma limitação do estudo é que foram avaliados apenas idosos com escore no minimental >13, e que estavam em condições de ouvir e falar, o que deixa à margem indivíduos com demência grave, surdez severa de déficit de linguagem, limitando a generalização dos resultados a esse grupo da população.
Conclusão
A maioria (52,7%) dos idosos da comunidade sofre dor crônica, de elevada intensidade (54,6%), em regiões (membros inferiores, região lombar, cabeça/face/pescoço, ombros/membros superiores) que podem comprometer as atividades de deslocamento, e demais atividades funcionais de vida diária, impondo incapacidade e perda na qualidade de vida.
Isso implica uma revisão de paradigmas de abordagem de doenças crônicas não transmissíveis, além do controle da doença ou de seu tratamento propriamente dito, com manejo da dor pela equipe multiprofissional. Ainda, deve-se avaliar o impacto da dor na adesão ao tratamento, uma vez que a ocorrência dolorosa pode interferir na realização de atividades físicas e exercícios, geralmente recomendados para controle de doenças como diabetes, hipertensão, obesidade, dislipidemia, entre outras.
A associação entre ocorrência de dor crônica e percepção de saúde ruim ou muito ruim entre os idosos, aliada à associação entre escores de intensidade menor de dor com a melhor percepção de saúde, apontam a importância de se incluir, na avaliação global do idoso, a mensuração da experiência dolorosa, buscando adequada manutenção, substituição ou complementação da terapêutica analgésica e maior impacto na redução da morbimortalidade nessa população.
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Apoio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), Brasil
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Aug 2014
Histórico
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Recebido
21 Nov 2013 -
Aceito
20 Maio 2014