Acessibilidade / Reportar erro

Representações sociais da família e violência

Resumos

A idéia de família remete a relações de proteção. Em geral, a família pensada e idealizada denota hegemonia. No Brasil, seria mais apropriado naturalizar a idéia de famílias, considerando a multiplicidade étnico-cultural. No entanto, é nesse refúgio que envolve as relações entre adultos, jovens e crianças, que a violência familiar ocorre, ganhando tal fenômeno relevância. Este artigo de revisão objetiva discutir a relação entre representações sociais de família e de violência no espaço das relações familiares a partir de estudos realizados com grupos sociais diversos. Tomou-se como base tese e dissertações da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal da Bahia. A leitura integral dos estudos foi acompanhada por uma ficha de registro. Os resultados apontaram a família como valor moral que dificulta o rompimento das relações de violência. Os paradigmas existentes nas áreas sociais e de saúde não respondem a consideração de fenômeno da violência familiar.

família; relações familiares; violência


The idea of family alludes to relations of protection. Generally, the thought and idealized family connotes hegemony. In Brazil, adopting the idea of families would be more appropriate considering the ethnic and cultural multiplicity. However, it is in this refuge that generally involves relations between adults, youth and children, that domestic violence occurs, which is a social phenomenon of alarming relevance. This review article aimed to discuss the relation between social representations of family and violence in a space of family relations, from studies performed with various social groups composed of women and/or men, children, health professionals and health managers. Theses and dissertations, developed in the Federal Universities of Pernambuco and Bahia, Brazil, were used as the study base. The studies full reading was followed by a registration form. The results pointed the family as a moral value that makes difficulty breaking relations of violence. The existent paradigms in social and health areas that influence and establish professional actions, do not answer to the consideration of the phenomenon family violence.

family; family relations; violence


La idea de familia remete a las relaciones de protección. En general, la familia pensada e idealizada indica hegemonía. En Brasil, sería más apropiado volver natural la idea de familias, considerando la multiplicidad étnica y cultural. Aún así, es en este refugio que involucra las relaciones entre adultos, jóvenes y niños, que la violencia familiar ocurre, ganando tal fenómeno relevancia. Este artículo de revisión objetiva discutir la relación entre las representaciones sociales de familia y de violencia en el espacio de las relaciones familiares, basado en estudios realizados con grupos sociales diversos. Se tomó como base tesis y disertaciones de la Universidad Federal de Pernambuco y de la Universidad Federal de Bahia. La lectura integral de los estudios fue guiada por una ficha de registro. Los resultados apuntaron la familia como valor moral que influencia el rompimiento de las relaciones de violencia. Los paradigmas existentes en las áreas social y de salud, que influencian y determinan las acciones profesionales, no responden a la consideración del fenómeno de violencia familiar.

familia; relaciones familiares; violencia


ARTIGOS DE REVISÃO

Representações sociais da família e violência

Normélia Maria Freire DinizI; Maria de Fátima de Souza SantosII; Regina Lúcia Mendonça LopesIII

IDoutor em enfermagem, Professor Adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, Brasil, e-mail: normelia@lognet.com.br

IIDoutor em Psicologia, Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, e-mail: mfsantos@ufpe.br

IIIDoutor em enfermagem, Professor Titular da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, Brasil, e-mail: reginalm@cpunet.com.br

RESUMO

A idéia de família remete a relações de proteção. Em geral, a família pensada e idealizada denota hegemonia. No Brasil, seria mais apropriado naturalizar a idéia de famílias, considerando a multiplicidade étnico-cultural. No entanto, é nesse refúgio que envolve as relações entre adultos, jovens e crianças, que a violência familiar ocorre, ganhando tal fenômeno relevância. Este artigo de revisão objetiva discutir a relação entre representações sociais de família e de violência no espaço das relações familiares a partir de estudos realizados com grupos sociais diversos. Tomou-se como base tese e dissertações da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal da Bahia. A leitura integral dos estudos foi acompanhada por uma ficha de registro. Os resultados apontaram a família como valor moral que dificulta o rompimento das relações de violência. Os paradigmas existentes nas áreas sociais e de saúde não respondem a consideração de fenômeno da violência familiar.

Descritores: família; relações familiares; violência

INTRODUÇÃO

"Família é a base de tudo"(1), afirmação taxativa como título de obra, fruto da emissão de conversas cotidianas dada como respostas freqüentes, de sujeitos variados, a questões colocadas por pesquisadores(as). Traz a idéia de família que parece circular na sociedade como "instituição afetiva" e harmoniosa; um lugar de proteção.

A família é abordada como refúgio, num mundo que não tem coração(2). É a base social, enfim, uma instituição que tem como características ser abstrata, higiênica, nuclear e privada(3). Pode-se afirmar que, na maioria das sociedades, essa parece ser a família pensada e idealizada.

Ao fazer referência à família, entretanto, dentre as primeiras questões que se pode colocar estão: que família é essa? Em que época essa família está situada? Que condições socioeconômicas possui? A que cultura pertence?

No entanto, cabe, aqui, ressaltar que a própria idéia de família é uma construção social e o modelo que hoje parece natural não é o único existente, tampouco o mais "correto".

Há o risco que se corre ao considerar os modelos de relações sociais que se conhece como modelos naturais, pois a cultura "se acha, para os que nela nasceram, na ordem das coisas, e a ordem das coisas é concebida como se impondo por si mesmo por uma espécie de força imanente"(4).

Em termos de Brasil(5), seria, portanto, mais apropriado desnaturalizar a idéia de família e falar de "famílias, no plural, tendo em vista a multiplicidade étnico-cultural que embasa a composição demográfica brasileira".

Sendo assim, a idéia hegemônica de família ainda parece vinculada àquela de família nuclear burguesa. Do ponto de vista acadêmico, "não existe, histórica e antropologicamente falando, um modelo padrão de organização familiar; não existe a família regular"(5)* * Grifo das autoras . Do ponto de vista das representações sociais, que circulam no imaginário social, parece existir apenas esse modelo "ideal" de família, mesmo que seja um padrão a ser atingido a qualquer preço.

Se a família é pensada como núcleo de convivência harmoniosa entre pai, mãe e filhos, espaço de afeto e proteção como, no pensamento social, se articulam tais representações de família com a idéia de violência doméstica?

O objetivo deste trabalho é discutir a relação entre representações sociais de família e de violência no espaço das relações familiares, a partir de estudos realizados com grupos sociais diversos compostos por mulheres e/ou homens, crianças, profissionais de saúde e gestores de saúde.

Presente no cotidiano, difundida pela mídia, assunto nas conversas informais, fonte de preocupação de adultos, jovens e crianças, objeto cultural multifacetado por excelência, a violência tem desafiado o esforço de pesquisadores(as), que ensejam enquadrá-la em um conceito fechado e acabado.

Seja em função dos responsáveis pelos atos de violência, quais sejam o sujeito individual, a instituição ou o Estado independente das formas como esse ato é executado, podendo ser pelas próprias mãos ou a mando de outros, seja pelas formas com que se manifesta, dentre essas a humilhação moral e o homicídio, ou pelos sentidos que assume nos diferentes grupos sociais. Dessa forma, a conceituação da violência tem se modificado ao longo do tempo e assumido diferentes significados nos diversos espaços.

No tocante à violência contra a mulher, passa por um processo de violência doméstica e traz consigo essa vivência quando é atendida no serviço de saúde que, por sua vez, também a violenta. Em lugar de a violência ser considerada como questão de saúde, ela não é contemplada como tal. Dessa forma, aumenta a exposição da mulher, pois, tal fenômeno já está cristalizado, não sendo, na maioria das vezes, percebido pela própria mulher e pelos profissionais de saúde(6).

No quadro da Psicologia Social e, em especial, na perspectiva da Teoria das Representações Sociais - TRS, dizer que o fenômeno da violência é cultural corresponde a concebê-la como um objeto social que suscita representações diversas, que intervêm na construção de uma dada realidade social.

Dentro desse quadro geral, em que se toma a atividade simbólica e representacional como constitutiva da prática social, faz-se necessário reconhecer o papel fundamental que exercem as representações sobre as práticas sociais, sejam essas violentas ou não. Nesse sentido, parece bastante pertinente estudar as representações sociais da violência como sistema complexo, no qual um conjunto de representações e práticas entra em interação.

O conhecimento das representações sociais sobre violência doméstica oferecerá subsídios para a compreensão desse fenômeno, que tanto afeta a saúde da população, e possibilitará aos profissionais de saúde pensar novas formas de cuidado às pessoas em situações crônicas de violência e/ou de risco.

Destarte, o acima ressaltado, um estudo dessa natureza divulga o saber científico sobre o tema violência e família, apresentado sob a forma de dissertação e tese, não só na área da enfermagem como também na área de serviço social, demonstrando que a complexidade do tema necessita de investigações sob os mais variados olhares.

MÉTODOS

A população do estudo foi composta por seis trabalhos científicos da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE - e da Universidade Federal da Bahia - UFBA -, defendidos entre 2002 e 2005, sendo uma tese da UFPE e cinco dissertações, três de Enfermagem da UFBA, duas de Serviço Social e uma de Saúde Coletiva, essas últimas da UFPE.

Tal escolha contempla não só a multidisciplinaridade, mas também a produção científica de duas instituições de ensino superior - IES - do Nordeste.

Como fonte de dados, foram analisados os referidos estudos a partir dos relatórios finais, que tiveram como critérios de seleção ter como tema a violência doméstica e, como suporte teórico, a Teoria das Representações Sociais.

Tal situação permitiu a análise das teorias construídas e compartilhadas no senso comum a respeito da violência doméstica por grupos sociais diversos, compostos por mulheres e/ou homens, crianças, profissionais de saúde e gestores de saúde.

Procedeu-se à leitura integral dos estudos, buscando-se as representações sociais das relações familiares. Assim, cada relatório teve o registro em uma ficha contendo: - tipo de violência, - sujeitos que a sofreram e - forma de expressão da violência no âmbito da relação familiar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em tese defendida no doutorado de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, discutiram-se as representações sociais de violência entre mulheres(7). A autora entrevistou mulheres de camadas socioeconômicas baixas, que foram vítimas de violência doméstica. A partir das entrevistas, analisou as representações sociais de homem, de mulher, de casamento e de violência. As entrevistadas consideravam que o homem, em geral, é naturalmente* * Grifo das autoras violento, porém, é figura de autoridade necessária à preservação da família. Falaram que ser mulher é se estar associada à idéia de maternidade. Nas falas das entrevistadas, há, nitidamente, a vinculação entre a concepção de mulher e de mãe, o que leva a supor a existência de um ponto comum, que unifica a representação mãe-mulher e vai além das diversas experiências vivenciadas pelas mulheres.

Tal representação social demonstra, claramente, que a maternidade permanece como a base que fundamenta as representações de mulher. O estudo ressalta que nem as várias transformações na sociedade e na vida das mulheres, ocorridas nas recentes décadas, foram suficientes para a dissociação do papel de mulher do papel de mãe.

"As representações sociais que vinculam mulher e maternidade constituem um exemplo da expressão dessa rede de significados calcada em convicções naturalizantes"(8).

As mulheres entrevistadas, entretanto, asseguravam a estabilidade do núcleo familiar através das relações afetivas com os filhos. O casamento foi representado com predominância de elementos negativos, marcado pela falta de respeito, traição, solidão e violência, rompendo, assim, com o ideal de amor romântico. Apesar de vivência negativa do casamento, as entrevistadas afirmaram preferir conviver com a violência a permanecerem sozinhas. Relataram a dificuldade de uma mulher morar só, o medo da perda do provedor, mas, sobretudo, a importância de manutenção da família. A família apareceu nas entrevistas como valor moral que as impede de romper com a violência. Elas afirmaram, com muita freqüência, ser a família a base de tudo.

Ao falar em violência doméstica, fala-se, aqui, de relações violentas, envolvendo pessoas com as quais se têm laços afetivos ou de parentesco. Sua vítima pode ser a criança, o adolescente, o idoso, o homem ou a mulher. Tal modalidade de violência ocorre entre pessoas que vivem sob o mesmo teto, mesmo que não tenham vínculo de parentesco entre si. Para Santos(9), embora seja freqüentemente pensada no senso comum como algo que ameaça o sujeito, sobretudo no espaço público, na rua, são freqüentes as ocorrências de violência no âmbito familiar.

Em dissertação de mestrado em enfermagem defendida na Universidade Federal da Bahia(10), foram abordadas as representações de casais sobre violência doméstica na gravidez. A representação social de homem presente nas falas foi a do [...] provedor das necessidades da família. Ou seja, o homem é quem possui a função de prover, em termos financeiros, o lar. A identidade feminina, sob o ponto de vistas dos entrevistados, está longe de ser natural. É construída, previamente, a partir de um discurso social que valoriza os atributos femininos de docilidade, fragilidade, intuição e sensibilidade.

Tais atributos são considerados próprios à natureza feminina e, como tal, adquirem o caráter imutável(7).

Ao entrevistar homens que mantinham relação conjugal de violência(11), foi observado que, em sua maioria, a violência masculina representava a manifestação de ameaça da perda de poder sobre a mulher. Para esses homens, a família se constituía a partir do poder total que o homem deve exercer sobre suas mulheres, como forma de demonstrar a sua masculinidade. O homem decide sobre as relações de amizade, as roupas e o tipo de trabalho que sua mulhere pode ter. Para a autora, a violência física aparece como tentativa de restabelecer o poder masculino dentro da família. Para eles, as brigas familiares eram exclusivamente do âmbito privado e visavam restabelecer as relações "normais" dentro da família.

Esse tipo de dominação é resultante de um longo processo de socialização, através do qual a idéia de fortaleza, dominação e força é ligada à virilidade como componente exclusivo masculino. No imaginário social, cria-se, por associação, a idéia de fraqueza, docilidade e submissão da mulher por não possuir esse componente viril. É produto de um trabalho social de nominação e inculcação, na formação da identidade social conhecida e reconhecida por todos, identidade essa desenhada no mundo social(12).

A mesma idéia parece permear a família de homens que cometeram abuso sexual contra suas filhas. O estudo(13) demonstra que, após haver feito a denúncia do homem, tanto a mulher como a filha, vítima de abuso sexual, desejou o seu retorno ao lar para "restabelecer a família". Como afirmaram os sujeitos entrevistados, a presença do pai caracteriza a completude da família.

A família nuclear e higiênica deve ser preservada. Se faltar a figura do pai, a família está incompleta e ameaçada. Pensar a violência doméstica é, necessariamente, pensar as relações de homem e mulher, relações assimétricas, hierarquizadas, porém, é necessário pensar que concepções de família estão subjacentes a essa relação.

O estudo mostrou que as representações sociais da violência doméstica não são autônomas, estando fortemente ligadas às representações sociais hegemônicas de família e do significado dado ao papel do homem e da mulher, no âmbito familiar. Os resultados obtidos com os diferentes grupos apontaram para a homogeneidade dos papéis de gênero atribuídos ao masculino e feminino, determinando, assim, relações desiguais de poder. Subjacente a esses modelos, persiste a idéia de uma família nuclear que justifica e legitima a permanência de relações violentas na medida em que dificulta o rompimento das relações desiguais, resultantes da "família ideal", perpetuando a violência entre gerações.

A lógica dessas mulheres que sofrem violência doméstica não é compreendida pelos profissionais de saúde, que chegam mesmo a culpabilizar as mulheres pelo seu próprio sofrimento(14). Para esses profissionais, o poder econômico e o gostar de apanhar justificaram a permanência ao lado de seus companheiros e "[...] nos serviços de saúde, a mulher também é exposta à situação de violência", uma vez que a relação entre cliente e profissional de saúde é uma relação impessoal, hierárquica, permeada pelo prejulgamento por parte do profissional, que considera a mulher vítima de violência como alguém que não tem vontade de acabar com o próprio sofrimento.

Os profissionais de saúde entrevistados pela autora consideraram que a violência conjugal é algo que se restringe ao âmbito privado, não cabendo, portanto, a eles intervir. Para eles, esse é um problema a ser cuidado por outros profissionais como assistentes sociais, psicólogos e delegados. Sua ação deve se restringir ao cuidado dos sintomas e lesões. Tais representações parecem indicar que, ao restringir o conceito de saúde apenas à dimensão biológica, esses profissionais acabam colocando em ação uma nova forma de violência, surgindo o descuido e o não investimento em práticas de educação em saúde, visando a prevenção de novos episódios de violência.

Alguns gestores municipais de saúde(15) consideraram ser a violência doméstica ora colocada como questão de gênero, ora mesclada à questão de classe ou a alguma patologia masculina. Esse grupo de entrevistados apresentou descompasso entre a idéia e as propostas de ações como gestores, na medida em que seus discursos incorporaram as concepções de gênero previstas nas normas. Entretanto, eles não conseguem vislumbrar práticas específicas para mulheres em situação de violência. Os gestores afirmaram que "[...] são as mulheres feministas que pressionam pelas ações para as mulheres e, em particular, para as mulheres em situação de violência. As demandas por essas ações aparecem ainda como questão do movimento feminista e não como referentes a uma questão de saúde pública e, conseqüentemente, da sociedade".

A naturalização dos significados dados a homens e mulheres perpassa o espaço público no papel do profissional e dos gestores de saúde, tanto no atendimento quanto na elaboração de políticas públicas de saúde. Ancorados nas construções sociais de gênero, profissionais e gestores consideram, em geral, a violência doméstica como problema de âmbito privado ou patologia a ser tratada. Alguns chegam mesmo a culpabilizar a mulher pelo seu próprio sofrimento. Ao deslocar a análise da violência doméstica para o âmbito público, alguns tratam a violência doméstica como conseqüência das desigualdades econômicas. De todo modo, na maioria das vezes, os profissionais de saúde consideram que sua competência se restringe ao atendimento das patologias, ficando outras instâncias como a justiça responsáveis pelo atendimento da questão da violência.

Embora os estudos tenham como depoentes vários grupos sociais, os dados estatísticos nacionais, independentes da região geográfica, classe social, sexo ou raça/etnia denunciam que as mulheres são as maiores vítimas da violência doméstica. Ela ocorre no espaço das relações familiares, paradoxalmente considerado, do ponto de vista social, como local privilegiado de proteção, amor e solidariedade.

Nesse sentido, conforme apontado pelos estudos, as mulheres são as maiores vítimas de violência, independente de suas formas de manifestação (violência emocional, física, sexual, simbólica ou institucional). Apesar de a violência ser um problema de saúde pública, a sociedade continua a naturalizar as relações violentas no espaço familiar. Os profissionais de saúde e autoridades, ao relegarem a violência doméstica ao âmbito privado omitindo-se de suas responsabilidades profissionais e legais de proteção às pessoas violentadas, colaboram para a perpetuação desse tipo de violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os paradigmas existentes nas áreas sociais e da saúde, que influenciam e determinam as ações profissionais, não respondem pela importância de tal fenômeno. Em relação a estudos sobre violência doméstica e a teoria das representações sociais (TRS), essa busca apreender o pensamento social construído ao longo da história em uma sociedade específica. Nesse sentido, as TRS podem contribuir para a compreensão desse fenômeno, a partir da investigação dos sentidos atribuídos pelos sujeitos às relações interpessoais e ao ato de violência, bem como compreender como os modelos de pensamento guiam as condutas e constroem as práticas numa determinada sociedade.

Dentre as graves conseqüências da violência, está o estresse pós-traumático, efeito devastador tanto da violência familiar como da violência política, gerado pela transformação do vitimário do protetor em violento(16).

Os significados expressos por mulheres no cotidiano do trabalho de enfermagem aponta duas facetas de trabalhadores de enfermagem, quais sejam: agente de violência e receptor da violência. Aponta ações educativas como enfrentamento(17).

A violência é um fenômeno social, específico e histórico que está relacionado com as condições socioeconômicas, tendo raízes e formas no cotidiano das relações interpessoais(18). As marcas que cada um carrega, muitas das vezes de forma explícita ou sutil, postas em confronto com aquelas dos demais indivíduos, levam a reviver, de forma dolorosa, as situações de violência(19), trazendo conseqüências danosas no âmbito pessoal e familiar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 6.11.2006

Aprovado em: 6.8.2007

  • 1 . Kaloustian SM. Família brasileira: a base de tudo. São Paulo (SP): Cortez; 2002.
  • 2. Lasch C. Refúgio num mundo sem coração. A família: santuário ou instituição sitiada? Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra; 1997.
  • 3. Santos MFS. A formação da identidade no espaço socializador da família. In: Arcoverde AMB. Mediação de Conflitos e Família. Recife (PE): Editora UFPE; 2002. p. 223-9.
  • 4. Augé M. O sentido dos outros. Atualidade na Antropologia. Petrópolis (RJ): Vozes; 1999.
  • 5. Neder G. Ajustando o foco das lentes: um novo olhar sobre a organização das famílias no Brasil. In: Kaloustian SM. Família brasileira: a base de tudo. São Paulo (SP): Cortez; 2004. p. 28-35.
  • 6. Bourdieu P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003; 158 p.
  • 7. Queiroz FM. Não se rima amor e dor. Representações sociais sobre a violência doméstica. [tese]. Recife (PE): Departamento de Serviço Social/UFPE; 2005.
  • 8. Santos MFSS, Novelino AM, Nascimento, AP. O mito da maternidade: discurso tradicional sob roupagem modernizante? In: Moreira ASP. Representações sociais: teoria e prática. João Pessoa (PB): Editora UFPB - Autor Associado; 2001. p. 269-93.
  • 9. Santos MFSS. Representações sociais e violência doméstica. In: Souza L, Trindade ZA. Violência e exclusão: convivendo com o paradoxo. São Paulo (SP): Casa do Psicólogo; 2004. p. 132-45.
  • 10. Santana SBF. Representações de casais sobre violência doméstica na gravidez. [dissertação]. Salvador (BA): Escola de Enfermagem/UFBA; 2005.
  • 11. Gomes NP. Violência conjugal: análise a partir da construção da identidade masculina. [dissertação]. Salvador (BA): Escola de Enfermagem/UFBA; 2003.
  • 12. Diniz, NMF, Almeida MS, Lopes, RLM, Gesteira, SMA, Oliveira, JF. Mulher, saúde e violência: o espaço público e o privado. O Mundo da Saúde 1999 março-abril; 23(2):106-12.
  • 13. Lima SLC. Representações sociais da violência conjugal contra a criança. [dissertação] Recife (PE): Departamento de Serviço Social/UFPE; 2003.
  • 14. Bispo TCF. Representações sociais de profissionais de saúde acerca da assistência à mulher em situação de violência conjugal. [dissertação] Salvador (BA): Escola de Enfermagem/UFBA Ba; 2002.
  • 15. Cruz MP. A saúde da mulher em situação de violência: o que pensam os gestores de gestoras municipais do Sistema Único de Saúde? [dissertação] Recife (PE): Programa Integrado de Saúde Coletiva/UFPE; 2002.
  • 16. Vendruscolo TS, Ribeiro MA, Armond LC, Almeida ECS, Ferriari MGC. As políticas sociais e a violência: uma proposta de Ribeirão Preto. Rev Latino-am Enfermagem 2004 maio-junho; 12(3):564-7.
  • 17. Dias, HHZR, Ramos, FRS. O "des"cuidado em saúde: a violência no processo de trabalho em enfermagem. Texto Contexto Enfer 2003 janeiro-março; 12(1):44-51.
  • 18. Sluzki, C. Violência familiar e violência política: implicações terapêuticas de um modelo geral. In: Sshnitman, DF. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996. p. 228-43.
  • 19. Braz M, Cardoso MHCA. Em contato com a violência - os profissionais de saúde e seus pacientes vítimas de maus tratos. Rev Latino-am Enfermagem 2000 janeiro-fevereiro; 8(1):91-7.
  • *
    Grifo das autoras
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      06 Nov 2006
    • Aceito
      06 Ago 2007
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br