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O enfermeiro no contexto das doenças crônicas

Em editorial pregresso da RLAE( 11. Lima RAG. Chronic conditions and the challenges for knowledge production in health. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(5):1011-2. ) é destacado, de maneira muito apropriada, a importância da produção do conhecimento no contexto das doenças crônicas. A literatura, assim como os documentos oficiais de vários organismos de saúde, confirmam que esta preocupação é muito atual. A magnitude das doenças não transmissíveis continua aumentando, levando líderes mundiais a colocarem tais doenças como prioridade nas agendas de desenvolvimento, por reconhecerem-nas como grande ameaça à saúde, economias e sociedades( 22. Miranda JJ, Herrera VM, Chirinos JA, Gómez LF, Perel P, Pichardo R, et al. Major cardiovascular risk factors in Latin America: a comparison with the United States. The Latin American Consortium of Studies in Obesity (LASO). PLoS One. 2013;8(1):e54056. ).

Muitos desafios se impõem com o crescimento das doenças crônicas. O primeiro reporta-se à heterogeneidade da transição epidemiológica, observada nas diferentes populações. Além da diferença observada no perfil dos fatores de risco( 33. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases. Geneva: WHO; 2014. ), muitos países com rendas baixa e média experimentam a coexistência das consequências dos fenômenos mundiais de envelhecimento/globalização/urbanização e impacto das doenças transmissíveis ainda elevado. As tendências projetadas provocam profunda preocupação, especialmente com estas populações, que grandemente atingidas, dispõem de menos recursos para enfrentamento do problema( 22. Miranda JJ, Herrera VM, Chirinos JA, Gómez LF, Perel P, Pichardo R, et al. Major cardiovascular risk factors in Latin America: a comparison with the United States. The Latin American Consortium of Studies in Obesity (LASO). PLoS One. 2013;8(1):e54056. ).

Outro desafio concerne à longa duração do curso natural, assim como a complexidade e o percurso irregular da evolução das doenças crônicas, que raramente ocorrem de maneira isolada. Este padrão peculiar impõe, necessariamente, o paradigma de continuidade de cuidados e de serviços de saúde, assim como a implementação de intervenções complexas, mas mostrando-se difícil de ser efetivado como prática. A acessibilidade aos serviços e cuidados é ainda limitada, assim como o estabelecimento da continuidade e padronização da assistência. E ainda muito importante, há evidente carência de integração de intervenções, cuja eficiência e eficácia tenham sido comprovadas, não somente no controle da doença e limitação da incapacidade funcional, mas na promoção da qualidade de vida.

Este editorial pretende alertar sobre a importância da ampla contribuição do enfermeiro para a otimização da qualidade dos serviços e de cuidados, no contexto das doenças crônicas. De fato, pode-se dizer que o enfermeiro é um dos profissionais, senão o profissional de saúde, mais interpelado nesse contexto, nas mais diversas culturas, uma vez que: 1) a enfermagem constitui a maior força de trabalho em saúde, estando na linha de frente do contato direto com paciente-família-comunidade; 2) o enfermeiro é, por excelência, o profissional formado para assegurar o continuum do cuidado de saúde, visando a passagem adequada por todos os setores de saúde - do primário ao quaternário e vice-versa; e 3) o enfermeiro é formado para lidar com todas as esferas que compõem o bem-estar no continuum de saúde: aspectos físicos/clínicos, emocionais, sociais, cognitivos e espirituais, considerando a singularidade da experiência do indivíduo ao longo do processo saúde-doença e ao mesmo tempo sua inserção na sociedade.

A contribuição do enfermeiro no contexto das doenças crônicas depende primeiramente de uma sólida formação, que favoreça o exercício de um julgamento clínico consistente, aprofundada e abrangente. Depende também de sua capacidade em propor e avaliar intervenções inovadoras, visando prevenção ou estabilização das doenças crônicas. Mas para que isso seja possível, faz-se necessário o crescimento de pesquisas em intervenção em enfermagem, baseadas em modelos teórico-metodológicos, permitindo a identificação daquelas com maior eficiência e eficácia, considerando-se como desfecho a avaliação da qualidade de vida. É necessário que as pesquisas em intervenção em enfermagem evoluam em complexidade e abrangência, visando cada vez mais a abordagem do indivíduo como um ser indivisível e não fragmentado pelas diferentes comorbidades e fatores de risco que apresenta. Pesquisas ao longo do continuum do cuidado são também fundamentais, considerando-se os complexos períodos de transição que marcam a evolução do paciente que vive com uma doença crônica.

Finalmente, é imprescindível a interlocução entre pesquisa e prática, possibilitando tradução e implementação dos resultados da pesquisa em enfermagem em prática clínica efetiva. O único caminho que torna possível a transferência do conhecimento em prática é a sólida parceria entre os enfermeiros que atuam na prática clínica, nos serviços de gestão em diferentes níveis e no meio acadêmico. Nos diferentes domínios de atuação, é fundamental que o enfermeiro exerça sua liderança( 44. Hader R The changing face of chronic illness. Nurs Manage. 2012;43(1):6. ), baseada em habilidades de negociação e sobretudo em conhecimento.

Em conclusão, os desafios enfrentados pelo enfermeiro no século XXI, na abordagem das doenças crônicas, remetem à necessidade de um novo paradigma de cuidado, de pesquisa em intervenção e das relações intraprofissionais.

References

  • 1
    Lima RAG. Chronic conditions and the challenges for knowledge production in health. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2013;21(5):1011-2.
  • 2
    Miranda JJ, Herrera VM, Chirinos JA, Gómez LF, Perel P, Pichardo R, et al. Major cardiovascular risk factors in Latin America: a comparison with the United States. The Latin American Consortium of Studies in Obesity (LASO). PLoS One. 2013;8(1):e54056.
  • 3
    World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases. Geneva: WHO; 2014.
  • 4
    Hader R The changing face of chronic illness. Nurs Manage. 2012;43(1):6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015
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