CLÁSSICOS DA PSICOPATOLOGIA
ENSAIO
Alucinações*
Edmund Gurney
Um espírito inquieto e um estudante infatigável, inicialmente cursou Literatura Clássica e depois Medicina na Universidade de Cambridge e, finalmente, Direito em Londres. Possui vários trabalhos sobre a "história" das alucinações, variando desde publicações antigas considerando uma "descoberta" a descrição, agrupamento e nomeação das alucinações, até relatos escritos desde a perspectiva da moderna história da ciência. (1847-1888)
Definição
Podem as alucinações ser tratadas como uma classe particular de fenômenos, delimitada por características definitivas? Sem dúvida a resposta mais popular a essa pergunta seria positiva: sua característica distintiva seria uma espécie de falsa crença. Trata-se, no entanto, de um erro. Em muitos dos casos mais conhecidos de alucinação - como o de Nicolai, por exemplo - o percipiente possui em relação às imagens que vê ou às vozes que ouve não uma falsa crença, mas uma crença verdadeira, a saber, de que estas não correspondem a nenhuma realidade externa. O único tipo de alucinação que se caracteriza necessariamente por uma falsa crença é aquele puramente não sensorial, como quando alguém é tomado pela ideia fixa de que todos estão conspirando contra ele, ou acredita que está sendo secretamente hipnotizado à distância. Quanto às alucinações dos sentidos, embora a crença em sua realidade seja frequente, esta definitivamente não é uma característica essencial a elas. Uma tendência ao engano é tudo o que podemos lhes atribuir com segurança.
Se procurarmos outra qualidade que possa distinguir tanto as alucinações sensoriais quanto as não sensoriais, a sugestão mais promissora seria a de que ambas são idiossincráticas e não compartilhadas. Independentemente de seu caráter de inverdade, uma crença não é chamada de alucinação se tiver se "espalhado pelo ar" e aflorado naturalmente em diversas mentes. Isso é justamente o que não sucede nos casos de idée fixe mencionados acima: A pode imaginar que o mundo está conspirando contra ele; mas B, caso desenvolva espontaneamente uma noção similar, imaginará que o mundo está conspirando não contra A, mas contra si próprio. Há exemplos onde a idée fixe de uma pessoa alienada é gradualmente transmitida a um conhecido;1 e uma vez que o contato entre as mentes é, afinal, a "forma natural" de disseminar ideias, não se pode fazer nenhuma distinção científica entre estes casos e aqueles em que, por exemplo, o líder de uma seita incute ideias ilusórias em seguidores (tecnicamente) sãos. Mas o fato é que alucinações dos sentidos também são ocasionalmente compartilhadas por diversas pessoas. A maior parte dos casos alegados deste fenômeno são certamente casos de ilusão coletiva - um acordo coletivo na interpretação distorcida de signos sensoriais produzidos por um objeto externo real. Todavia, como resultado de extensas investigações, me deparei-me com diversos exemplos de alucinações coletivas genuínas e espontâneas. Assim, se as alucinações sensoriais e não sensoriais se acordam em serem, em regra, não compartilhadas, elas também se põem de acordo ao apresentar marcadas exceções à regra; exceções que, nos tipos sensoriais, são particularmente inexplicáveis. A conclusão não parece favorável à possibilidade de obtermos uma definição geral precisa que abarque ambos os casos; ao abandonar a busca por tal definição posso apenas apontar, não sem inveja, o modo conveniente como os autores franceses podem mantê-las não combinadas, mas afastadas, apropriando-se das palavras délire e conception délirante para se referir à classe não sensorial.
Passemos, então, à tentativa de precisar o caráter das alucinações dos sentidos de forma independente. A perspectiva mais abrangente é a de que todos os nossos julgamentos de fenômenos visuais, auditivos e tácteis são alucinações, na medida em que aquilo que nada mais é que algo que nos afeta é instantaneamente interpretado por nós como um objeto externo. Na percepção imediata, portanto, objetivamos a sensação presente; nas imagens mentais, objetivamos sensações lembradas ou representadas. Este é o ponto de vista que tem sido trabalhado com muita engenhosidade - e, para fins psicológicos, de forma muito eficaz - por Taine,2 mas ele se adapta melhor a uma teoria geral das sensações do que a uma teoria das alucinações enquanto tais. Adotá-lo aqui nos levaria a descrever o enfermo Nicolai - quando ele via fantasmas na sala, mas tinha sua mente especialmente voltada para o fato de que esses eram provocados internamente - como menos alucinado do que uma pessoa saudável no exercício irrefletido da visão normal. Prefiro me ater à linguagem comum que descreveria os fantasmas de Nicolai como o caso real específico de alucinação. E sua característica distintiva deveria ser considerada algo à parte da questão do enleamento destas imagens com imagens reais, isto é, de sua acentuada semelhança com imagens reais e a consequente necessidade de exercitar a memória e a reflexão para evitar a confusão. A alucinação sensorial poderia então ser definida como uma percepção na qual está ausente a base objetiva por ela sugerida, mas cuja ausência só pode ser reconhecida mediante distinta reflexão. Note-se que por base objetiva entendemos uma maneira curta de nomear a possibilidade de reconhecimento por todas as pessoas com sentidos normais.3 Pode-se objetar que essa definição incluiria as ilusões. A objeção poderia ser evitada ao custo de certa imprecisão, mas parece suficiente observar que ilusões são meramente aspersões de fragmentos de alucinação genuína em um fundo de percepção verdadeira. A definição parece, em outros aspectos, satisfatória - por um lado, separa claramente as alucinações das percepções verdadeiras; ao mesmo tempo, distingue-as dos fenômenos com os quais elas têm sido perpetuamente identificadas, a saber, as imagens recordadas ou imagens mentais, que, absolutamente, não são percepções.4 Ela serve, por exemplo, para estabelecer uma distinção, na linha da linguagem e do senso comum, entre imagens de devaneios diurnos e imagens de sonhos noturnos. Em ambos os casos vívidas imagens emergem, sem correspondência com a realidade objetiva, e em nenhum deles ocorre algum tipo de processo de reflexão distinto relativo à descoberta deste fato. Mas a autoevocada visão em vigília fica excluída da classe das alucinações conforme definida acima, já que sua ausência de base objetiva pode ser e é reconhecida sem nenhum processo de reflexão. Nós não precisamos, como Nicolai, fazer considerações e acessar lembranças antes de decidir que os amigos cujos rostos visualizamos não estão realmente na sala. Nós sentimos que nossa mente é ativa, e não meramente receptiva - que é o olho da mente, e não o sentido corporal, que está trabalhando. Mesmo sem nos atermos a este fato, ele faz parte de todo nosso estado consciente. Sonhos, por outro lado, são, em regra, casos puros de alucinação, forçando-se sobre nós independentemente de nossa vontade e contendo uma impressão de realidade objetiva que não é contradita por nenhum conhecimento, seja reflexivo ou instintivo, de que eles são criaturas de nosso cérebro.
Mas embora nossa definição possa ser suficiente para fins meramente classificatórios, ela não nos leva até o entendimento da verdadeira natureza do fenômeno. Ela não diz nada sobre suas origens e embora distinga as alucinações de simples atos normais de imaginação ou memória, deixa bastante indeterminada a faculdade ou faculdades que de fato as concernem. Quando avançamos para essas questões adicionais, encontramo-nos em um campo deveras complexo, onde os médicos parecem estar tão em desacordo quanto os filósofos. O debate, mais calorosamente realizado na França, tem produzido uma infinidade de pontos de vista, mas nenhum teórico parece ter jamais convencido seus opositores. Ainda assim, progressos têm sido realizados, de modo que agora é comparativamente mais fácil situar os pontos de disputa e atacá-los com precisão.
A natureza dual das alucinações
Desde o princípio esteve evidente a existência de certa dualidade na natureza das alucinações. Em linguagem popular, a mente e os sentidos estão ambos plenamente envolvidos: a pessoa alucinada não apenas imagina esta ou aquela coisa, mas imagina ter visto esta ou aquela coisa. Porém, na fase inicial da controvérsia, as tentativas de analisar os elementos ideacionais e sensoriais eram muito cruas. O estado de alucinação costumava ser tratado como um estado em que ideias e memórias - enquanto permaneciam ideias e memórias, e não sensações - ganhavam o caráter de sensações devido a uma excepcional vivacidade. Não foi claramente percebido ou lembrado que as sensações não possuem existência a não ser como fatos mentais, e que a partir do momento em que um fato mental assume o caráter de uma sensação, ele é uma sensação. Isso foi claramente expresso, como uma questão de experiência pessoal, por Burdach e Müller; no debate francês, o mérito por trazer a questão à tona com nova ênfase e vigor é de Baillarger.5 Ele mostrou que quando a pessoa alucinada diz "Eu vejo isso e aquilo", "Eu ouço isso e aquilo", suas palavras são literalmente verdadeiras. Se a pessoa diz "Você também deveria ver isso e aquilo", é claro que está errada, mas se afirma que vê ou ouve algo, sua declaração deve ser aceita sem reservas. Para ela, a experiência não é análoga ou relacionada à experiência de perceber um objeto externo real: ela é idêntica a essa experiência. Para a psicologia atual isso pode parecer uma verdade toleravelmente evidente. Ainda assim, é fácil perceber a dificuldade que durante muito tempo sentiu-se em admitir que qualquer experiência dissociada das funções normais dos órgãos dos sentidos pudesse ter um caráter completamente sensorial. O pensamento popular não consegue enxergar que a questão física, tão importante para fins práticos - se o objeto está ou não realmente ali - é irrelevante psiquicamente: como regra geral, um homem que ficar encarando o sol achará menos correto dizer que vê um disco luminoso onde quer que olhe do que dizer que está fantasiando-o. O melhor corretivo para este preconceito é a experiência de Delbœuf que, embora certamente familiar aos leitores deste periódico, será brevemente exposta aqui, tendo em vista futuras referências.
Duas pequenas fendas são feitas em um obturador e umas delas é preenchida com um pedaço de vidro vermelho. Assim, a parede oposta é iluminada por uma mistura de luz branca e vermelha. Uma vara é posicionada atravessando a fenda vermelha e sua sombra é evidentemente refletida na parede; a parte da parede ocupada pela sombra, embora esteja iluminada apenas por raios brancos provenientes da outra fenda, parece, em virtude da lei da óptica do contraste, verde brilhante.6 A sombra é então olhada através de um tubo estreito que impede que qualquer parte da parede externa a ele seja vista. Não há mais nada vermelho na visão do observador, para que não haja efeito do contraste: o vidro vermelho pode até ser removido; nada, a não ser raios brancos, passam da sombra para os olhos do observador, e ainda assim a cor vista permanece verde. Neste caso, é provável que, a menos que seja previamente advertido, o observador dirá exatamente a verdade: ele admitirá, e até mesmo persistirá no fato de que aquilo que vê é verde. Ele explorará a ideia de que o verde é uma mera memória daquilo que viu antes de fazer uso do tubo e afirmará que aquilo se apresenta a ele como um fato imediato. E tal é seguramente o caso, mas trata-se de um estado que, a partir do momento em que o observador leva o tubo aos olhos, é mantido puramente como alucinação e sem levar em conta os fatos do mundo externo. O delírio, é claro, é instantaneamente dissipado com a remoção do tubo, quando ele percebe que a única luz no local é branca, e que a sombra é cinza. Ainda assim, ele provavelmente nunca mais duvidará que uma alucinação genuína dos sentidos seja algo mais que "mera fantasia".
É impossível ser específico demais neste ponto, uma vez que ainda nos dias de hoje há altas autoridades que o contestam. Quando uma pessoa que habitualmente fala a verdade, e que não é daltônica, olha para um objeto e diz "Minha sensação é verde", elas o contradizem, e dizem-lhe que, por mais que esteja vendo verde, sua sensação é cinza. Seja isso mero mau uso da língua, ou (como me parece), uma concepção errônea dos fatos, de qualquer modo torna impossível um acordo quanto à teoria das alucinações, pois ignora o próprio ponto de disputa de Baillarger, a saber, que imagens suficientemente vívidas para serem confundidas com percepções sensoriais tornaram-se percepções sensoriais.
Uma vez percebida a verdade desta asserção, percebe-se também que as especulações prévias haviam, em grande medida, se dirigido à questão errada, e que o caráter dual de uma falsa percepção não é, afinal, diferente daquele da percepção verdadeira. Uma alucinação, como uma percepção ordinária, é composta de sensações presentes e de imagens que são relíquias de sensações passadas. Se eu vejo a imagem de um homem - independentemente de haver ou não um homem ali - minha experiência consiste em certas sensações visuais, combinadas a uma variedade de imagens musculares e tácteis que representam para mim propriedades de resistência, peso e distância, além de imagens mais remotas e complexas, que me permitem referir o objeto à classe homem e a comparar este espécime da classe com outros cuja aparência consigo lembrar. Se Baillarger não levou sua visão sobre as alucinações até este ponto, todo seu desenvolvimento está implicado no termo que ele usou para se referir a elas - psicossensorial. A palavra em particular talvez tenha sido uma escolha infeliz, já que sugere (como apontado por Binet) que o elemento psíquico relaciona-se ao sensorial um pouco como a alma ao corpo; assim, ou os eventos psíquicos são independentes de condições físicas ou as sensações não são eventos psíquicos. O termo ideossensorial evitaria essa dificuldade, mas o anverso proposto por Binet - cérebro-sensorial - é preferível no conjunto, pois nos leva de vez ao terreno físico, onde se pode dar produtiva continuidade à parte seguinte da investigação: a pesquisa quanto à origem. A partir da perspectiva atual é fácil perceber quão mais definidos e tangíveis os problemas certamente ficariam ao serem traduzidos em termos fisiológicos. Enquanto a controvérsia conduziu-se em uma base puramente psicológica, ela se manteve particularmente estéril. Ao serem usados de forma vaga e não contextualizada, os "sentidos" e outros termos recorrentes tornam-se fonte de alarme para o leitor. Mas tão logo se pergunta onde se encontra a sede local da ocorrência anormal e de quais condições físicas particulares ela depende, linhas de experimento e observação se apresentam e o fenômeno se ramifica em grupos distintos.
A questão da origem central ou periférica: diferença entre criação e excitação
Em sua forma primeira, a questão se coloca entre a origem central e periférica. É no cérebro que se originam as alucinações - no mecanismo central de percepção? Ou em outra condição imediata do olho, do ouvido, ou de outras partes do corpo? Seria possível um modelo de origem conjunta? Durante muito tempo a hipótese de uma origem exclusivamente central esteve bastante em ascensão. Mas, como observamos, isso se deve em grande parte ao fato de Esquirol e os autores mais antigos não terem reconhecido o elemento sensorial como uma sensação real e literal, considerando a experiência toda simplesmente como uma ideia muito vívida ou uma memória. Se uma origem central deve ser estabelecida, é preciso ir além das distinções psicológicas arbitrárias. No outro extremo, Hibbert e Ferriar sustentaram que a memória era na realidade da retina, argumentando que se um homem vê algo que não está lá, isso só pode ocorrer por um recrudescimento direto de sensações passadas em sua retina. "Entretanto", questionou Esquirol, "os cegos podem ter alucinações de visão; os surdos podem ter alucinações de audição; como podem esses casos ter origem nos órgãos periféricos?" A resposta óbvia, de que este dado não necessariamente leva o ponto de origem de volta até o cérebro, não parece ter vindo à tona, e o outro lado preferiu se apoiar no experimento definitivo. Eles apontaram, por exemplo, que alucinações visuais frequentemente desaparecem com os olhos fechados; ou, como Brewster observou primeiro, que elas podem ser duplicadas pela pressão de um dos globos oculares. Mas embora houvesse elementos suficientes para sugerir que os órgãos externos participavam do processo, não havia provas de que eles o originavam, mesmo nestes casos particulares, enquanto em outros casos as observações não se sustentaram. Um imenso avanço foi realizado por Baillarger, que manteve a origem central através de argumentos realmente científicos. Ele assinalou 1) que o órgão externo pode muitas vezes ser afetado por irritações locais - inflamação, golpes, pressão, galvanismo - sem a produção de nenhuma outra forma mais pronunciada de alucinação que faíscas ou zumbidos; isso quer dizer que a estimulação periférica falha em provocar alucinação, mesmo sob as mais favoráveis circunstâncias; 2) que existe uma correspondência frequente entre as alucinações nos diferentes sentidos - um homem que vê o diabo também ouve sua voz e sente cheiro de enxofre - e que é impossível relacionar essa correspondência a anomalias nos olhos, ouvidos e nariz ocorrendo simultaneamente por acaso; 3) que alucinações muitas vezes referem-se a ideias dominantes - um religioso monomaníaco verá santos e anjos imaginários, e não árvores e casas imaginárias. Portanto, argumentou Baillarger, "o ponto de partida das alucinações é sempre a inteligência" - a imaginação e a memória - que coloca o mecanismo sensorial em movimento. Ele ingenuamente admitiu que o modo pelo qual se dá esta ação de um princípio imaterial no aparelho físico está além de qualquer compreensão. Isso poderia ser perdoado em um homem da medicina, escrevendo quarenta anos atrás, não tivesse ele compreendido totalmente "o cérebro como um órgão da mente" e assim não enxergado que aquilo que tomava por um enigma especial na teoria das alucinações é simplesmente o enigma fundamental envolvido em todo ato mental. Feita esta ressalva, podemos dizer que sua abordagem da questão lhe dá direito ao crédito da segunda grande descoberta sobre as alucinações. Ela já havia esclarecido sua qualidade genuinamente sensorial; a seguir esclareceu também o fato de que a mente (ou seu correlato físico) é sua criadora - que as alucinações são produtos do cérebro projetados de dentro para fora.
Esta é uma verdade importante, mas está longe de ser toda a verdade. Baillarger não viu uma via media entre a teoria que ele rejeitou - que os nervos dos sentidos transmitem ao cérebro impressões que são ali percebidas como objetos fantasmais - e a teoria que ele propôs, segundo a qual "a inteligência" (isto é, para nós, o cérebro, como a sede das memórias e imagens), por sua própria vontade, e sem qualquer impulso da periferia, excita o aparelho sensorial. Não parece ter lhe ocorrido o fato de que há casos em que o órgão do sentido fornece o excitante, embora o cérebro seja o criador - aquela irritação passando de fora para dentro pode ser um meio de colocar em movimento a atividade criativa. Ele considerou certos estados do órgão - a fadiga produzida por exercícios prévios, por exemplo - como passíveis de aumentar a suscetibilidade à excitação da "inteligência", sendo assim condições favoráveis à alucinação, mas não avançou além deste ponto.
Os fatos que concernem à alucinação recusam-se terminantemente a prestar-se a esse tratamento indiscriminado. Seguindo a trilha dos experimentos, somos quase imediatamente confrontados com duas classes de fenômenos, e dois modos de excitação. Não é necessário ir além dos casos elementares já mencionados. O experimento de Delbœuf, em que a cor verde era vista por um olho sobre o qual somente raios brancos incidiam, ilustra com justeza a posição de Baillarger - o verde sendo produzido não por uma disposição externa do olho, mas por uma disposição interna do cérebro. Mas no caso de uma pessoa fitando o sol, a "pós-imagem" ou alucinação pode ser claramente traçada a um efeito local contínuo na pequena área da retina que acabou de ser atipicamente excitada e que continua a se apresentar onde quer que o olho se volte, até que o repouso restaure a condição normal desta área. Uma forma ainda mais simples de alteração no órgão externo é o sopro no olho: as "faíscas" resultantes são genuínas, embora embrionárias, alucinações.
Casos como estes últimos são, entretanto, pouco típicos, uma vez que neles o cérebro não é verdadeiramente criativo; ele simplesmente dá a inevitável resposta aos estímulos que lhe chegam de baixo. Além disso, são experiências normais, à medida que ocorrem de maneira similar com todas as pessoas com olhos normais. Tomemos então outro exemplo, em que o papel da mente criativa é completamente aparente, ao mesmo tempo em que a excitação primária é claramente não central. Certas alucinações, como se sabe, são unilaterais, ou seja, são percebidas quando, digamos, o olho ou o ouvido direito estão agindo, mas cessam quando esta ação é obstruída, embora o olho ou o ouvido esquerdo permaneçam livres. Por si só este fato não pode ser tomado, como muitos o fazem,7 como prova de que a causa excitante não é central - poderia se tratar de uma lesão afetando uma parte do cérebro. Mas com muita frequência, nestes casos, uma lesão distinta é encontrada no olho ou ouvido particular de cuja atividade a alucinação depende.8 É natural, portanto, concluir que a alucinação seja o resultado de uma lesão, e que a unilateralidade de uma depende da unilateralidade da outra. A exatidão desta conclusão foi provada em muitos casos pelo fato de a alucinação ter cessado quando a lesão local foi curada. Outros casos que sugerem fortemente uma condição mórbida do órgão externo são aqueles em que a figura imaginária move-se de acordo com o movimento dos olhos. As alucinações visuais dos cegos e as alucinações auditivas dos surdos podem também, naturalmente, referir-se à mesma classe - a sede da excitação sendo não necessariamente o órgão externo em si, mas algum ponto no caminho nervoso entre o órgão e o cérebro. No caso, por exemplo, de um nervo parcialmente atrofiado, a excitação mórbida estaria no ponto mais externo onde a função vital se mantém.9 Note-se de passagem que uma lesão distinta em um olho só - a atrofia do globo, por exemplo - pode provocar alucinações bilaterais (Vienna Asylum Report, 1858), ou alucinações unilaterais no olho saudável, sendo este último sem dúvida diretamente afetado pelo cérebro.
Excitação externa nas alucinações
Podemos agora avançar mais um passo. A excitação pode ser externa não somente no sentido de vir a partir de um órgão externo, mas no sentido de vir do mundo externo. Ela pode ser devida não a uma anomalia do olho ou do nervo, mas ao estímulo ordinário de raios de luz provenientes de objetos reais. Binet foi o primeiro a ter apresentado evidências completas deste fato, acompanhadas por sua explicação científica.10 Ao fazê-lo, ele deu uma contribuição ao estudo do tema cuja importância perde somente para os aportes de Baillarger.
As experiências de Binet foram conduzidas em cinco mulheres hipnotizadas na Salpêtrière, às quais se podia fazer ver qualquer coisa que lhes fosse sugerida, e também em uma mulher alienada do hospital de Sainte Anne, que possuía sua própria alucinação visual permanente. As experiências podem ser divididas em dois grupos: aquelas conduzidas com aparelhos ópticos especiais e as que foram realizadas sem o uso dos mesmos. Os resultados de ambas confirmam a primeira regra enunciada por Féré, a saber, que "o objeto imaginário é percebido sob as mesmas condições que o objeto real". Binet adicionou a esse enunciado a conclusão de que uma sensação derivada de uma fonte externa real, ocupando a mesma posição no espaço que o objeto imaginário parece ocupar, é um fator indispensável da alucinação. Os resultados obtidos sem o aparelho especial não me parecem de modo algum justificar esta conclusão. Foram eles: 1) supressão do objeto imaginário pelo fechar dos olhos; 2) supressão do objeto imaginário pela interposição de uma tela opaca entre o olho e o local onde o objeto parecia estar; 3) duplicação do objeto imaginário pela pressão lateral de um dos globos oculares. Binet defendeu que a supressão nos dois primeiros casos e a duplicação no terceiro dependiam da supressão e da duplicação de uma sensação real, fisicamente induzida por raios provenientes da direção de onde era visto o objeto. Mas o fato de que objetos externos são escondidos da visão pela interposição de nossas próprias pálpebras ou de qualquer outro obstáculo opaco tornou-se para nós um conhecimento absolutamente instintivo, e certamente deveríamos esperar que um objeto que não fosse mais que a projeção espontânea de um cérebro mórbido seria igualmente suprimido por movimentos e sensações que durante toda uma vida foram associados à supressão de objetos. Quanto à duplicação por pressão do globo ocular, ela pode ser perfeitamente explicada pelos princípios de Baillarger: pela suposição de que uma excitação que tenha sido centralmente iniciada expande-se em direção à periferia do nervo óptico.
Quando, porém, voltamo-nos ao outro grupo de experimentos, o caso é muito diferente. Os instrumentos utilizados foram um prisma, um óculo e um espelho. Os resultados foram sumarizados pelo próprio Binet em Mind XXXV, e não preciso descrevê-los aqui em detalhes. É suficiente dizer que o prisma aplicado a um olho duplicou o objeto imaginário;11 que o óculo removeu-o ou aproximou-o de acordo com a aplicação do objeto de vidro ou peça ocular ao olho do paciente; que o espelho refletiu o objeto e forneceu uma imagem simétrica do mesmo; e que o efeito óptico, no que se refere a ângulos de desvio e reflexos e todos os detalhes da ilusão, foi, em todos os casos, exatamente o que teria sido caso o objeto fosse real e não imaginário. Estamos aqui muito longe do organismo do próprio paciente; é impossível negar que algum ponto externo próximo ou na própria localização dos objetos imaginados desempenha um papel real no fenômeno. A este ponto Binet dá o nome de point de repère, considerando-o produtor de um núcleo de sensação ao qual a alucinação se associa. Quando o point de repère encontra-se em determinada posição de modo a ser refletido pelo espelho, então o objeto imaginário é refletido, e não o contrário. O objeto está, por assim dizer, ligado a seu point de repère e seguirá o curso de quaisquer ilusões de óptica às quais seu núcleo sensorial for submetido. De acordo com essa abordagem, a única parte verdadeiramente sensorial do fenômeno é provida pelo point de repère; o restante é uma "imagem hipertrofiada" imposta pela mente.
Essas conclusões são completamente estranhas a qualquer teoria da alucinação anterior. Nenhum dos lados da disputa, nem mesmo os primeiros defensores de uma teoria puramente periférica, jamais sequer sonhou com fontes de excitação externas ao olho. Curiosamente, Binet parece pouco consciente de sua própria originalidade. Ele observa que as alucinações são vistas em geral como produtos sempre oriundos de sensações reais, e divide-as em duas classes: aquelas em que a sensação é iniciada no órgão sensorial por um objeto externo (hallucinations à cause objective), e aquelas em que ela é iniciada por uma irritação local mórbida do próprio órgão sensorial (hallucinations à cause subjective). Sendo praticamente o criador da primeira classe, Binet é realmente a primeira pessoa à qual se deve creditar esse ponto de vista. Mas sua modéstia está ligada a um grave erro histórico: ele mantém o termo de Baillarger - psicossensorial - e chega a afirmar que o uso da palavra feito por Baillarger possui o mesmo significado que ele próprio lhe atribui. Com Baillarger, como vimos, o elemento "sensorial" foi imposto ou evocado pela "inteligência", não fornecido para ela. Da mesma forma, ele não foi uma peça despercebida pela alucinação, mas sua própria totalidade e substância. Baillarger estabelece explicitamente como uma das principais condições para a alucinação uma "suspensão de impressões externas" e define a alucinação psicossensorial como uma "percepção sensorial independente de toda excitação externa dos órgãos dos sentidos", incluindo a excitação morbidamente iniciada nos próprios órgãos.12 A oposição é absolutamente completa. De todas as ilusões de óptica descritas por Binet, a única que a tese de Baillarger poderia elucidar seria a duplicação do objeto a partir da pressão de um lado do globo ocular, já que somente ela poderia se explicar pela suposição de que a retina é excitada pelo cérebro. A novidade dos resultados do próprio Binet é que eles nos forçam a olhar a impressão interna não apenas como presente, mas como indispensável, ao menos no momento em que os instrumentos ópticos produzem seus efeitos característicos.
Se por um lado admiro a maneira com que Binet alinhou seus fatos e reconheço que eles o levaram a uma descoberta deveras interessante, não posso, todavia, aceitar suas conclusões a partir de certo ponto. Ele aplica conceitos extraídos de seu departamento especial de observação ao campo todo, e considera que as alucinações esgotam-se nas duas classes recém-definidas, ou seja, que a iniciação central não existe. Mas mesmo nos casos à cause objective, aos quais os novos resultados experimentais pertencem, é importante observar que embora a excitação venha de fora, a alucinação - o objeto como é de fato percebido - permanece sendo (como pensava Baillarger) um puro produto da mente. Todas as suas características, incluindo seu falso ar de realidade, são criadas pelo cérebro, e a causa provocadora ou evocativa não toma parte aí. Mas se assim for - e o próprio Binet praticamente o admitiu - não podemos consentir em chamar a excitação externa do órgão de sensação. Binet a trata dessa forma - como, de fato, uma sensação atrofiada e revestida por imagens hipertrofiadas e ilusórias, mas ainda assim uma sensação - como um elemento psíquico no resultado. Ao considerar a experiência de Delbœuf descrita acima, fizemos objeções à noção de que o sujeito tinha uma sensação de cinza que ele revestia com uma imagem de verde. Os raios físicos que incidiam sobre seus olhos o faziam de forma a produzir normalmente a sensação de cinza; esta é a única maneira de a palavra cinza ser considerada aqui: fisicamente, nenhuma cor, a não ser o verde, estava presente. Exatamente a mesma objeção aplica-se ao dizermos que o sujeito hipnotizado está recebendo da toalha de mesa uma "sensação" de branco que ele reveste com a imagem de uma borboleta marrom; ou que um paciente em delirium tremens está recebendo do papel de parede "sensações" de pardo que ele reveste com camundongos pretos. Em nenhum destes casos há uma "perturbação das funções sensoriais" no sentido de Binet. Os elementos sensoriais, o marrom e o preto, brotam de uma nova atividade interna e não são resultados de funções exercidas na toalha de mesa ou no papel de parede - não são transcrições distorcidas do branco e do pardo.
A partir desta perspectiva podemos explicar perfeitamente os resultados de Binet, mesmo nos casos hipnóticos nos quais ele mais se apoia. Se o point de repère não está localizado no mesmo ponto onde o objeto imaginário aparece, mas próximo a ele (como parece ter sido o caso em alguns experimentos), não há dificuldade alguma. O próprio point de repère é parte do que é percebido durante o processo e em quaisquer efeitos produzidos nele pelo instrumento óptico, ele carregará consigo o objeto vizinho por associação. Se, no entanto, a área coberta pelo objeto é suficientemente distinta de seu ambiente para atuar, ela própria, como um point de repère e não houver outros points de repère possíveis no campo de visão,13 trata-se de um caso diferente, mas que ainda pode ser explicado. É ponto pacífico o fato de que um pouco mais de tempo é necessário para a formação da imagem de um objeto sugerido e para a conversão da imagem em uma percepção do que para a experiência de sensação de um objeto que está realmente perante os olhos. Quando, portanto, o operador aponta para um ponto particular na toalha de mesa branca e diz "Há uma borboleta marrom", podemos supor que na consciência do paciente uma sensação real de branco precede por um instante a sensação de marrom que lhe é imposta. Assim, quando o cartão no qual um retrato não existente acabou de ser visto é novamente levado aos olhos do paciente, é quase certo que seu reconhecimento como o mesmo pedaço de cartão branco (conhecido por seus points de repère) precede por um instante o processo alucinatório e a reimposição do retrato. Com efeito, um dos experimentos do próprio Binet parece comprovar a existência deste instante de sensação verdadeira. Após apresentação a um paciente de um retrato imaginário em um pedaço de cartão branco, este foi subitamente coberto com uma folha de papel. O paciente afirmou que o retrato desapareceu por um instante, mas então reapareceu no papel com absoluta nitidez. É razoável concluir que uma área que havia sido de fato vista antes de a alucinação ser induzida em primeira instância, será igualmente vista por um instante quando a visão for redirecionada para ela (ou seu reflexo), após a introdução do aparelho óptico. Evidentemente, neste momento ela será vista sob as novas condições provocadas pela ilusão de óptica e a associação poderá uma vez mais fazer com que o objeto que a suplanta siga seu exemplo. Não se pode, todavia, fazer objeções quanto à suposição de que a área suplantada segue provocando a alucinação, no mesmo sentido em que os raios brancos provocaram a percepção verde na experiência de Delbœuf. Os raios que, para a sensação, ficam perdidos continuam a excitar o sensório fisicamente, e o que Binet diz sobre a sensação precisa apenas ser traduzido para a excitação física - que terá peculiaridades definitivas, correspondentes às marcas distintivas da área de onde provêm. Duplique esta excitação com um prisma, ou reflita-a a partir de outra parte, e a percepção provocada pode ser naturalmente duplicada ou vista na nova direção. Portanto, se ambos os olhos fossem empregados no experimento de Delbœuf, a percepção da cor verde poderia ser artificialmente duplicada.
Estou ciente que esta substituição do termo físico pelo psíquico pode parecer sem importância e até mesmo pedante, mas na realidade não o é. Foi justamente sua expressão psíquica do estímulo externo nestes casos que levou Binet a ver as alucinações como simplesmente uma forma monstruosa de ilusão, e a enunciar uma fórmula geral para elas que, apesar de sua roupagem atraente e original, parece radicalmente instável. Ele as considera a forma patológica - em oposição à forma normal - de percepção externa. Como na percepção normal temos uma sensação visual que associamos a imagens verdadeiras, então, argumenta ele, nas alucinações temos uma sensação visual que associamos a imagens falsas. A frouxidão desta analogia é evidente e a aparente simetria dos dois casos deveras irreal. Na visão normal, as imagens verdadeiras que (segundo relato do próprio Binet) associamos primariamente à sensação visual, não são imagens visuais, mas imagens tácteis e musculares, através das quais associamos ideias de peso, solidez e distância àquilo que vemos. Assim, o processo pelo qual percebemos um objeto real externo é, essencialmente, uma associação entre elementos psíquicos pertencentes a diferentes sentidos - uma sensação visual, que o cérebro recebe, e imagens não visuais, que o cérebro fornece. E, se convertermos as imagens não visuais em sensações tocando ou pressionando o objeto, verificamos assim sua realidade externa. Se a fórmula de Binet se sustentasse e alucinações fossem de fato formas patológicas de percepção externa, descobriríamos que elas são produzidas quando substituímos imagens verdadeiras da percepção normal por imagens falsas. Será este o caso? Suponhamos que um paciente sob hipnose seja levado a crer que um pedaço de papel branco é uma rosa vermelha. Seria uma compreensão correta de sua alucinação dizer que ele recebe uma sensação visual, que então associa a falsas imagens musculares e tácteis? Certamente não: o que ele faz é ver errado desde o princípio, ver uma falsa forma e uma falsa cor - coisas cujo caráter distingue-se bastante de ideias de peso, solidez e distância, e que podem ter existência na ausência destas. É verdade que ao ter essa experiência visual, o hábito o leva a conectá-la a falsas imagens de peso, solidez e distância, mas este é um resultado secundário. A alucinação não depende do caráter falso destas imagens; com efeito, o teste do toque ou da pressão muitas vezes não consegue demonstrar sua falsidade devido à frequente afinidade entre os diversos sentidos na alucinação. O fato essencial é imediato e consiste simplesmente em ter uma experiência visual que outros não podem compartilhar, em ver o que é invisível ao olho normal. Isso se torna ainda mais claro se fizermos o objeto imaginário corresponder a um objeto real em todos os aspectos, exceto a cor. Deixe o paciente ser levado a acreditar que um palito de cera verde é vermelho: sejam quais forem os testes adotados, ele compartilhará com as pessoas normais todas as sensações, exceto a visual, mas o processo da alucinação será, todavia, completo. Este processo não é, portanto, de forma alguma correlato ao da percepção normal. Diferentemente desta, ele não é uma associação entre elementos psíquicos pertencentes a diferentes sentidos, e seu elemento sensorial, cuja essência é ser vermelho, não é - como na percepção normal de um objeto vermelho - recebido pelo cérebro, mas imposto por ele. Com que direito podem processos tão diferentes ser representados como coordenados, tal e qual no exercício saudável e mórbido da mesma função?
Casos em que a excitação externa é duvidosa
Até aqui tenho considerado a teoria de Binet somente em relação a seus próprios casos, em que é fácil admitir o fato da excitação exterior, qualquer que seja nossa visão sobre sua participação nos fenômenos. Resta considerar os numerosos casos - a grande maioria de todo o corpo das alucinações - em que a excitação em si é duvidosa, ou mais que duvidosa. Passemos aos casos duvidosos em primeiro lugar.
Nos experimentos ópticos era conveniente, evidentemente, que a alucinação fosse projetada em uma superfície plana opaca - em tais superfícies os points de repère objetivos podem facilmente ser encontrados. Mas é igualmente fácil fazer o paciente ver objetos no espaço aberto - digamos, no meio da sala. Esta é a forma comum de alucinação espontânea, tanto em pessoas sãs quanto em pessoas alienadas, quando da visão de figuras humanas. Os olhos focam-se, então, não nos objetos reais, a partir dos quais points de repère teriam que ser fornecidos, mas na figura em si. Esta pode estar muito mais próxima que a parede atrás dela, o que requer um ajuste dos olhos muito diferente. E aqui reside uma dificuldade para a hipótese de que a alucinação depende de alguma excitação externa definitiva da retina: os objetos reais, que são os supostos excitantes, embora estejam na linha de visão, não se encontram em um campo de visão claro para olhos ajustados ao objeto imaginário. Poderiam os points de repère ocupar o papel de excitantes de algo percebido cuja posição é tal que, para que seja claramente visível, eles teriam que deixar de ser pontos de referência? Seria exigir demais deles. Ainda assim a experiência de Binet com a paciente alienada permanece deveras impressionante. Esta mulher, de nome Celestine, possuía um assistente imaginário chamado Guiteau. Guiteau se prestou a testes científicos, tendo sido duplicado por um prisma e refletido em um espelho da maneira mais ortodoxa. Isso certamente implicou points de repère, provavelmente situados próximos, e não dentro, da área onde Guiteau se ocultava. Há que se perguntar, entretanto, como exatamente esta figura situava-se em relação a seu fundo. A distância entre os dois pode ter sido desprezível e, neste caso, a duplicação e o reflexo não provariam que os points de repère foram uma condição essencial para a alucinação: quando o paciente é levado a olhar atentivamente para a figura, em uma preliminar aos testes ópticos, a própria fixidez do olhar pode estabelecer ali e então points de repère que permitirão o sucesso dos testes. Seria interessante saber se Guiteau se refletiria quando não estivesse sendo particularmente encarado, supondo que houvesse um espelho em posição apropriada.14
A suposta necessidade de excitação externa poderia ser testada de outra forma. Suponhamos que Celestine fosse posicionada em uma câmara esférica branca, iluminada por um ponto diretamente acima de sua cabeça. Aqui não haveria points de repère - nenhum ponto especial de excitação externa com o qual o objeto imaginário pudesse ser conectado. O único excitante para o olho seria uma luz branca perfeitamente uniforme, que permaneceria idêntica em qualquer direção para a qual o olho se voltasse. Consequentemente, se a excitação externa fosse um fator necessário na produção de Guiteau, quando a visão ocorresse, ele deveria ser visto em qualquer lugar onde Celestine olhasse; não haveria nada para fixá-lo a nenhum local em particular. É temerário fazer profecias, mas tenho fortes suspeitas de que ele se mostraria mais maleável e que Celestine manteria seu poder de virar as costas a ele. Penso que o resultado natural seria o que segue: uma figura projetada espontaneamente pelo cérebro se localizaria como um objeto independente, podendo ou não ser vista por opção. Seria interessante ainda saber se Guiteau podia ser visto no escuro, observando-se, porém, que a luz pode favorecer e o escuro dificultar a projeção de um fantasma devido ao diferente efeito de um e de outro no estado psicológico geral. A presença da luz pode então ser uma necessidade à parte de quaisquer points de repère distinguíveis. Da mesma forma, a presença da luz é ocasionalmente considerada uma condição das alucinações auditivas;15 mesmo Binet teria dificuldades em combinar a "sensação" da luz à "imagem" do som.
Mas a dificuldade de tomar pontos de excitação externos como condição necessária para a alucinação se torna ainda maior quando esta apresenta movimento. Sobre estes casos, Binet pode apenas afirmar que o point de repère muda constantemente, isto é, quando a figura imaginária passa pela sala, perante uma quantidade de diferentes objetos - imagens, papéis, móveis etc. - as várias excitações advindas destes objetos agem, cada uma a seu turno, como a base da mesma imagem ilusória. Podemos, é claro, hesitar em aceitar tal asserção até que alguma prova seja oferecida, e é difícil imaginar de que natureza essa prova seria. O caso, evidentemente, difere totalmente daquele no qual a figura imaginária segue o movimento do olho devido a alguma afecção mórbida daquele órgão que age como um real substrato de mudança. Em vez de a figura seguir o olho, o olho agora segue a figura em seu curso aparentemente independente. O que estaria produzindo ou guiando a seleção de points de repère sempre novos? A qual causa externa pode Binet atribuir a perpétua substituição de um deles por outro? Em minha perspectiva - de que a figura pode ser centralmente iniciada, não menos que centralmente criada - nenhuma dessas dificuldades ocorre. Esta figura pode tanto aparecer no centro vazio da sala como em um pedaço de cartão, pode tanto mover-se como ficar parada. O mesmo tipo de argumento aplica-se ao caso em que o percipiente é assombrado por uma figura que, no entanto, pode ser vista apenas em uma direção.16 Baillarger descreve um médico que via uma pequena vaca preta a seu lado a cada vez que se virava. A mente pode localizar seu títere de acordo com seus próprios caprichos; essa experiência é muito próxima a uma incorporação sensorial da conhecida ilusão de que alguém está sempre atrás de nós.
Casos em que a excitação externa está ausente
Isto dito sobre as alucinações à cause objective de Binet, voltar-nos-emos agora ao vasto corpo de casos em que a excitação do mundo externo está claramente ausente. Esta classe inclui fantasmas vistos no escuro e provavelmente a maior parte das alucinações auditivas, que até agora têm sido ignoradas. Para trazê-las sob a lente das teorias de Binet, é preciso supor que em todos os casos elas são iniciadas por alguma condição mórbida ou anormal do olho ou do ouvido. A suposição é, para dizer o mínimo, bastante violenta. Tomamos as devidas notas sobre os casos em que as alucinações devem-se, sem dúvida alguma, a lesões no órgão externo, mas isso não estabelece, e nem ao menos sugere fortemente a existência de condições similares em casos em que sua detecção é um desafio.17 Como regra geral, as alucinações não são o único resultado da ocorrência de condições anormais. A ulceração da córnea que dá início a alucinações visuais começa por afetar a visão de objetos reais. Ilusões ou falsas percepções de cor comumente precedem o aparecimento de fantasmas mais nítidos.18 Assim, em casos de uma anormalidade mais transitória - como os conhecidos casos de illusions hypnagogiques - outros sinais precedem a alucinação. O observador, cujos olhos estão pesados de sono, começa por ver pontos luminosos e borrões que se movem e se transformam de forma notável, e é a partir deste núcleo que as imagens subsequentes se desenvolvem. De modo similar, uma das videntes de "Faces in the dark"* (St. James's Gazette, 10, 15 e 20 de fevereiro de 1882) descreveu a visão frequente de uma chuva de brilhos dourados que se transformava em um rebanho de carneiros. Uma vez que nosso conhecimento fisiológico não deixa dúvidas de que os pontos, borrões e brilhos devem-se à condição da retina, é razoável supor, em casos como este, que essa condição dá início à alucinação. Porém, não é igualmente razoável concluir que o processo deve ser o mesmo para os casos em que os pontos, borrões e brilhos estão ausentes. Não nos esqueçamos que mesmo um olho normal está sujeito a afecções que escapam à atenção até que um esforço especial seja feito para percebê-las. Mas sempre que é possível traçar o desenvolvimento da alucinação desde suas sensações mais rudimentares, estas são distintas e excepcionais, desconhecidas na experiência da maioria de nós. A visão em si é com frequência mutante, com imagens desenvolvendo-se rapidamente umas a partir das outras, muitas vezes saturadas de movimento: paisagens detalhadas, padrões caleidoscópicos elaborados, chuvas de flores, linhas de escritos em solo luminoso e assim por diante.19 Agora, comparemos tais experiências com casos comuns de "visões de fantasmas" no escuro. Um homem acorda no meio da noite e vê uma figura luminosa ao pé de sua cama. Aqui a alucinação surge repentinamente, única e completa, para uma pessoa cujos olhos estão abertos e descansados; ela não é precedida por nenhuma condição particular da visão, não se desenvolve a partir de outra coisa, não se movimenta, não estabelece ligações nem desenvolve características novas. Também não se enquadra no teste das alucinações de Binet relativo ao estado do órgão externo, não apresentando movimento quando os olhos se movem.20 Visões como essa são com frequência explicadas - e muitas vezes, sem dúvida, corretamente - por estados de nervosismo ou expectativa. Mas se o nervosismo e a expectativa certamente agem excitando a mente, eles não congestionam a retina; eles trabalham na imaginação e sua sede física não se encontra no olho, mas no cérebro. Por que então o cérebro não poderia dar início à alucinação? Por que as "visões no escuro", que variam enormemente entre si e nas condições gerais de sua aparência, não podem variar também em sua sede de origem?
Os casos auditivos são ainda mais claros. Afinal, apenas em casos excepcionais o ouvido em vigília, a exemplo do olho em vigília, está sujeito a uma estimulação contínua e definida a partir de fora, como as que serviriam, na perspectiva de Binet, como base para uma alucinação prolongada. Ele não está nem mesmo sujeito a experiências fronteiriças análogas às illusions hiypnagogiques. Portanto, a única alternativa à suposição de que se tratam de fenômenos iniciados centralmente, é supor alguma anomalia no próprio órgão externo. Tal anomalia já foi diversas vezes detectada, e mesmo quando não absolutamente detectada, pôde por vezes ser inferida a partir de outros sintomas. Assim, um canal carotídeo alargado ou uma paralisação que produz uma pressão inusitada sobre os vasos irá primeiro fazer-se sentir através de ruídos e zumbidos; a alucinação então se instala, e vozes imaginárias são ouvidas. Naturalmente, a origem de casos como esse deve ser buscada na irritação local que produziu os sons anteriores. Mas por que deveríamos tratar da mesma forma casos em que não há zumbidos, ruídos e nem fundamento algum para supor que haja uma paralisação ou lesão de qualquer sorte? Entre uma classe numerosa de fenômenos, embora muito negligenciada - as alucinações casuais das pessoas sãs - a mais comum é, de longe, aquela onde se ouve seu próprio nome ser chamado sem que haja ninguém por perto. A experiência é com frequência notavelmente nítida, fazendo com que o ouvinte se volte para trás. Ela não está relacionada de forma alguma a condições que produzem pressão arterial, como deitar com um ouvido pressionando o travesseiro, e surge de forma repentina e isolada, aparentemente em momentos bastante acidentais. Entre as pessoas alienadas, uma forma bem conhecida de alucinação ocorre na forma de diálogo: o paciente dá respostas às vozes que o assombram, que por sua vez lhe respondem. Deveríamos supor aqui uma anomalia intermitente do ouvido, que sempre se instala por acaso no momento exato em que o interlocutor imaginário é instado a responder? Acrescente-se a isso o fato de que quando é possível encontrar uma causa mórbida precisa, ela é com tanta frequência central como não o é. Depois de um longo período consumindo álcool, um homem começa a ouvir vozes; mas o álcool, embora reconhecidamente afete o tecido do cérebro, não possui tendência reconhecida a afetar o ouvido.
Outro argumento que reforça a ideia da iniciação central de muitas alucinações de tipo mais distintamente mórbido pode ser tirado do curso tomado pelo processo mórbido. A primeira etapa é amiúde uma alucinação absolutamente não sensorial - é uma mera ilusão: o paciente acredita que complôs estão sendo tramados contra ele. Após certo tempo, seus inimigos secretos começam a se revelar e ele ouve sua linguagem ofensiva e ameaçadora. Certamente não podemos aqui atribuir a experiência sensorial a uma lesão no ouvido que tem a característica de ocorrer de forma independente, mas regular, nesta fase em particular. Por outro lado, isso parece mais natural, se a considerarmos imposta a partir de dentro, assim que o distúrbio foi longe o suficiente para a mente revestir seus medos imaginários de forma mais vívida. Especialmente conclusivos a esse respeito são os casos em que vozes passam a se endereçar ao paciente internamente, sem som, e somente após um tempo falam de modo claramente audível.21 Mas os mais interessantes de todos os casos em questão são aqueles onde um lado do corpo é assaltado por um tipo de alucinação e o outro lado por outro tipo.22 Eles confirmam o que foi dito acima, isto é, que o mero fato de uma alucinação ser unilateral, ou particular a um lado do corpo, embora sugira um defeito no órgão externo, não constitui de modo algum uma prova do mesmo.23 As experiências sensoriais duplas seguem com exatidão o curso das ilusões. O paciente sofre primeiro de melancolia e desânimo, que se desenvolvem na crença de que ele está cercado por inimigos, e então passa a ouvir vozes que o insultam de seu lado direito. A esta infeliz etapa sucede no devido tempo uma fase de exaltação e elevada autoestima - o paciente pensa ser o filho de Deus. Agora, vozes encorajadoras e elogiosas apresentam-se em seu lado esquerdo. "Os gênios do bem e do mal formam uma espécie de maniqueísmo que o governa". Com a crescente complexidade da operação e o estabelecimento de uma oposição de caráter entre suas criaturas, a imaginação aproveitou-se (por assim dizer) do fato de que o corpo possui dois lados opostos. Ela situou amigos e inimigos exatamente como se estivessem em uma imagem ou uma peça representando uma disputa iminente. Evidentemente, não se pode sustentar que o ouvido direito foi localmente afetado por um acidente justamente no momento em que o desenvolvimento da trama necessitava da entrada de um poder amigável em cena. Outro caso envolve o sentido do toque. Um homem, depois de rezar por um ano para que suas ações fossem divinamente guiadas, ouviu uma voz dizer-lhe "Salvarei vossa alma". A partir daí, ele passou a sentir um toque na orelha esquerda ou direita ao agir correta ou incorretamente.24 A alucinação auditiva coincidiu por acaso com o início de uma irritação local no pavilhão auricular? O Dr. Magnan apresenta três exemplos de alcoolismo em que ofensas e ameaças eram ouvidas em um lado do corpo e elogios e consolos do outro lado. Em três casos houve crises de fúria, nas quais ocorreram alucinações de todos os sentidos envolvendo ambos os lados igualmente e camuflando a condição mais ordinária. No declínio destas crises, as alucinações auditivas opostas recomeçaram. Parece impossível resistir à posição do Dr. Magnan segundo a qual o veneno, distribuído através de todo o cérebro, provoca uma crise geral de tempos em tempos, e que quando esta desaparece, ele localiza sua ação no ponto mais fraco. Se isso ocorresse em apenas um lado do centro auditivo, resultaria em uma única alucinação unilateral, mas se ambos os centros fossem afetados, a projeção poderia assumir uma forma complexa bi-facetada.
Mas os casos mais fortemente a favor de uma iniciação puramente central permanecem os casos de alucinação voluntariamente originada. O exemplo de Wigan foi citado diversas vezes: um pintor, depois de estudar cuidadosamente a aparência de uma modelo, podia projetá-la visivelmente no espaço e pintar seu retrato não a partir do original, mas do fantasma. Ele findou por confundir as figuras fantasmáticas com as reais e enlouqueceu. Baillarger relata a história de outro pintor, Martin, que projetava imagens de modo similar e a tal ponto interessava-se por elas que pedia às pessoas que se movessem quando se posicionavam em frente a elas.25 Um caso ainda mais interessante, relatado recentemente pelo Dr. V. Parant, é o de uma paciente de um sanatório que, quando frustrada ou irritada, dirigia-se a locais especiais para consultar-se com conselheiros imaginários. As respostas que ela recebia, é quase desnecessário dizê-lo, correspondiam sempre a seus próprios desejos e preconceitos. Outra mulher alienada costumava jogar "par ou ímpar" com um oficial de polícia imaginário, que sempre perdia.26 Binet certamente não sustentaria a ideia de que nestes casos a pessoa estabelece primeiramente, por um esforço da vontade, algum tipo de excitação periférica, e que esta então reage pela evocação da alucinação. Este caminho tortuoso poderia igualmente ser imaginado para qualquer ato simples de representação ou memória.27
O único grupo de fenômenos restante que precisamos destacar é aquele que todos os autores desde Baillarger parecem ter concordado em tratar como um caso bastante singular. É uma classe cujos exemplos têm sido observados entre místicos religiosos e pessoas que acreditam estar em comunicação direta com guias espirituais. Estas pessoas descrevem uma voz silenciosa que se expressa pela "linguagem da alma" dentro delas, e que ouvem através de um "sexto sentido", sem nenhuma participação aparente do ouvido. Devido à ausência de uma qualidade sensorial definível, Baillarger distinguiu essa classe como alucinação psíquica, em oposição à psicossensorial. O próprio Binet estava inclinado a tratá-la como excepcional e conceder-lhe uma origem interna. Como alguém que defende que esta mesma origem está presente em um grande número de alucinações indubitavelmente psicossensoriais, não posso reconhecer essa exceção. Para mim, a classe em questão é de interesse não como uma classe distinta da família psicossensorial, mas como uma genuína espécie do gênero, apresentando o elemento sensorial reduzido a seus termos mais fundamentais. Estas alucinações psíquicas me parecem o primeiro estágio de uma série gradativa - a instância embrionária da investidura de uma imagem ou representação de caráter sensorial ou diretamente perceptível. À medida que o elemento sensorial na alucinação é atenuado e fraco, ou distinto e completo, a percepção parecerá interna ou externa. Estes casos são do tipo mais interno; entre estes e o tipo mais externo existem diversos graus de exteriorização parcial. Este ponto de vista tem tudo para ser endossado. Não temos escolha senão confiar no relato do paciente - de que ele possui uma impressão distinta das palavras e que esta impressão possui uma realidade que a separa claramente da mera imagem ou da memória das palavras. Como pode esta separação ser concebida a não ser pelo reconhecimento da presença de um elemento sensorial genuíno, ainda que tênue? De que consiste exatamente este elemento é outra questão. O Dr. Max Simon (no Lyon Medical, vol. xxxv, pp. 435, 486) ofereceu uma sugestão muito plausível segundo a qual o que é sentido é um impulso muscular para formar palavras, mais do que o som das mesmas - um impulso apresentado em sua forma extrema, a irresistível vociferação contínua da mania. Baseando-se nessa ideia, o Dr. Simon recusa-se terminantemente a considerar a experiência como alucinação. Aqui, todavia, não posso segui-lo. Pois, por mais que um impulso ou corrente motora em direção à fala estejam envolvidos, a sensação do paciente é de outra ordem e vai mais além. Para este, as palavras não são sugeridas ou iniciadas, mas realmente e completamente produzidas. Em sua descrição do fenômeno produzido não encontramos termos de impulso ou movimento mais do que termos relativos ao som. Aqui certamente chegamos ao elemento ilusório característico: o que uma pessoa normal reconheceria como uma experiência puramente subjetiva assumiu uma realidade objetiva. No que, então, a experiência fica aquém da alucinação? Se adotarmos o ponto de vista do Dr. Simon e a tomarmos como uma alucinação do sentido muscular, é interessante observar que ela não admite nenhum paralelo de tipo visual, já que objetos visíveis definitivamente não podem rivalizar com a linguagem em sua proximidade com um determinado conjunto de movimentos musculares e no fato de possuírem uma associação tão direta com este. E talvez justamente este fato - essa ausência de quaisquer alucinações sem visão para comparar com as alucinações sem som - seja a razão pela qual estas últimas foram tomadas como uma classe não sensorial isolada, com um modo de origem separado. Temo mudar meu próprio ponto de vista sobre elas, já que admitir um elemento sensorial genuíno nas mais "internas" espécies de alucinação - que todos concordamos serem centralmente iniciadas - praticamente equivaleria a admitir uma iniciação similar para outras alucinações psicossensoriais.
E isso me leva a uma crítica conclusiva sobre a hipótese de Binet. Já vimos que ela é violenta; poderíamos acrescentar que é também gratuita? Binet insistiu, muito adequadamente, no fato de que imagens e sensações não estão separadas por um abismo intransponível, mas fundem-se umas às outras, e concordou que em muitas alucinações a imagem, embora evocada, é carregada com toda a plenitude e vivacidade da sensação. Mas como pode ela então ser tratada simplesmente como uma imagem, sobreposta sobre uma sensação deveras diferente? Recorrendo uma vez mais ao experimento de Delbœuf, ou às borboletas marrons e aos ratos pretos, Binet concordou que em alguma parte do cérebro atividades correspondentes às cores verde, marrom ou preta estão acontecendo: ele não é o autor que faz a imaginação mover-se de cima para baixo entre os fatos físicos como um deus ex machinâ. Como é possível, então, confinar estas atividades a vias nervosas ideacionais, excluindo-as de qualquer acesso ao verdadeiro centro sensorial? Que tentação é esta de moldar fatos e teorias de modo a tornar impossível a iniciação central da sensação? O sujeito hipnotizado estala seus lábios sobre a doçura do açúcar quando não há nada em sua boca, aspira com prazer um pedaço de madeira quando lhe dizem ser este uma rosa: não poderia o cérebro fazer para a visão e a audição o mesmo que faz para o paladar e o olfato? Binet parece realmente ter sido levado para fora da pista por seus próprios brilhantes experimentos com primas e espelhos. Mesmo nesses casos, como ele está pronto a admitir, todo o trabalho de criação é feito pelo cérebro. Mesmo para ele a essência da experiência não é a "sensação" externa atrofiada, mas a "imagem" hipertrofiada imposta pelo cérebro. Não fazemos mais que lhe pedir para admitir que a imagem, que faz tanto aqui, pode fazer pouco mais em outra parte e que, enquanto carrega em si a sensação plena vinda de dentro, pode dispensar a contribuição atrofiada de fora. Por que não seria assim? Não há nada que nos leve a supor que as imagens assumiriam a inusitada vivacidade das sensações, especialmente em momentos em que os órgãos externos dos sentidos estão ocupados com outras sensações, mas sim o contrário. Não são os devaneios diurnos, aqueles que mais se aproximam das alucinações, favorecidos pelo repouso dos órgãos dos sentidos? Quando queremos reavivar a imagem vívida de uma cena para torná-la tão real - tão sensorial - quanto possível, não fechamos os olhos? E quais são os momentos da vida em que as alucinações genuínas são mais comuns? Não são eles os momentos de sono? E não são os sonhos os exemplos mais familiares de projeção pela mente de imagens que são confundidas com a realidade? É somente porque são tão familiares, e as alucinações em vigília comparativamente tão raras, que corremos o risco de negligenciar a semelhança essencial entre os fenômenos, bem como a luz que os primeiros podem jogar sobre as últimas. Com efeito, se alucinações em vigília devem ser tomadas como formas patológicas de qualquer função normal, muito poderia ser dito se as tomássemos como formas patológicas de sonhar, e poderíamos apresentar os devaneios produzidos pela intoxicação por haxixe como uma forma de elo intermediário. O sonho normal desaparece quando o sono se afasta, tendo sido capaz de impor suas imagens como realidades somente porque no sono nossas faculdades sensoriais estão, em grande medida, entorpecidas e as imagens não podem, portanto, ser comparadas a apresentações reais. Assim, o sonho normal não pode sobreviver ao corretivo oferecido pelo contato entre os sentidos acordados e o mundo externo; ele desaparece como uma vela ao nascer do sol, e suas imagens, quando sobrevivem, sobrevivem como imagens e nada mais, esvaziadas de toda sua robusta qualidade sensorial. A alucinação, ou sonho patológico, por outro lado, não precisa ser protegida desta forma da comparação com apresentações reais; suas "imagens hipertrofiadas" são capazes de resistir ao corretivo normal, uma vez que são amiúde tão carregadas de qualidade sensorial quanto as realidades externas que com elas competem. Mas embora possamos considerar as alucinações uma forma patológica de sonho, o que está em questão aqui é justamente o contrário, isto é, que os sonhos são uma forma saudável de alucinação. Não há, pois, como não parecer improvável que a excitação dos órgãos externos seja uma base necessária para as alucinações se é precisamente nos momentos em que os órgãos externos estão menos estimulados que as alucinações são mais comuns.
A questão da localização cerebral
Prosseguiremos agora com uma questão inteiramente diversa, qual seja, em qual parte ou partes do cérebro ocorre o processo criativo e no que pode ele consistir. A distinção que por tanto tempo nos ocupou, entre a iniciação central e periférica, pode ser dispensada a partir daqui, uma vez que, seja onde forem iniciadas, alucinações são seguramente criadas pelo cérebro com seus próprios recursos. Um estímulo iniciador provém provavelmente de algum ponto do caminho entre o órgão externo e a terminação central, por onde passa uma corrente nervosa quando de nossa percepção normal dos objetos. Mas este estímulo certamente não determina qual será o objeto imaginário, e não o investe com nenhuma de suas qualidades: ele simplesmente põe a máquina criativa em movimento; e o mesmo estímulo - a mesma inflamação no olho ou no ouvido - pode colocar a máquina em movimento centenas de vezes e a cada vez evocar uma alucinação diferente. Onde está então, e o que é esse mecanismo criativo? Qualquer tentativa minuciosa de dar conta das várias teorias, que em sua maior parte repousaram sobre observações anatômicas, ficaria aqui fora de lugar, sobretudo porque seus detalhes permanecem sub judice. Mas de forma mais geral o problema pode ser colocado e penso que, até certo ponto, determinado.
Se começarmos do começo, encontraremos um acordo entre as autoridades até certo ponto. Todos concordam em reconhecer alguma parte ou algumas partes do cérebro na qual os nervos que passam pelos órgãos sensoriais terminam, e onde as impressões transmitidas pelos nervos produzem as mudanças que são a base física da sensação, ou - na crua, mas conveniente linguagem ordinária - onde "impressões são transformadas em sensações". Quanto à sua localização e extensão, há um conflito de posições que podem, em certa medida, ser reconciliadas se considerarmos que o processo ocorre em diversas etapas. Alguns (Luys, Ritti, Fournié) acreditam que a ação principal se dá nas grandes massas centrais que recebem o nome de tálamo óptico; outros (Schroder van der Kolk, Meynert, Kandinsky) localizam o centro mais abaixo - o da visão, por exemplo, estaria nos corpos quadrigêmeos; há autores (Hitzig, Ferrier, Tamburini) que o localizam bem no alto, no próprio córtex; Goltz atribui-lhes uma área tão difusa que o uso da palavra centro torna-se pouco adequado. Mas penso que todos estão de acordo com o fato de elas se distinguirem das vias nervosas associadas aos fenômenos mais altamente desenvolvidos da consciência - percepção completa, ideação, memória e volição, e mesmo se a ideia de separação local sofresse uma alteração na direção indicada por Goltz, as distinções seriam reinterpretadas como diferenças entre atividades mais ou menos complexas. As autoridades concordam ainda quanto à existência de uma ligação especial dos "centros sensoriais" com as alucinações. De fato, não poderia ser diferente uma vez reconhecido o caráter totalmente sensorial dos fenômenos, já que este caráter só pode ser a expressão psíquica de mudanças nos centros sensoriais. Qualquer atividade particular desses centros que vier a alcançar certa intensidade irá nos afetar como uma sensação particular da seguinte forma: 1) excitação normal, a partir do órgão sensorial; 2) excitação patológica por irritação local no caminho entre o órgão sensorial e o centro; ou 3) excitação patológica, mas espontânea, no próprio centro. No primeiro caso a sensação será verdadeira, isto é, corresponderá a um objeto externo real; nos segundo e terceiros casos ela não será verdadeira, mas enquanto sensação será equivalente nas três situações.
Para uma perspectiva sobre a criação das alucinações estes dados são suficientes. Temos apenas que supor que nos casos (2) e (3) a agitação no centro sensorial certamente se encaixa em certas linhas e combinações de modo a produzir não apenas uma ampla variedade de sensações - cores, se for o centro visual, sons, se for o centro auditivo - mas a organizar esses elementos em vários grupos definidos. Tudo se passará agora exatamente como se esses efeitos fossem causados pela presença do objeto real. A excitação prosseguirá seu curso ascendente rumo às partes mais altas do cérebro e levará à percepção inteligente do grupo sensorial enquanto um objeto. Através de um processo ainda mais longo (que provavelmente ocorrerá somente nas mais completas ou "externas" formas de alucinação), uma corrente refluente passará para baixo em direção ao órgão externo, e a percepção será referida ao olho ou ao ouvido, exatamente como se seu objeto estivesse realmente agindo nestes órgãos a partir de fora.28 Estamos aqui diante da alucinação completa, cujo mecanismo criativo, de acordo com essa perspectiva, reside totalmente no centro sensorial.
Mas existe outra perspectiva. Observamos três maneiras pelas quais o mecanismo pode ser posto em movimento, mas há um quarto caminho possível. A excitação pode descer da parte mais alta do cérebro, onde estão as sedes da ideação e da memória. Este tipo de excitação tem certamente um domínio próprio. Ele possui sua própria contrapartida psíquica - uma ideia ou uma memória; e quando põe o mecanismo sensorial em movimento, o mecanismo não irá produzir ou combinar um grupo de sensações determinado por sua própria atividade, mas irá simplesmente dar corpo ou, poder-se-ia dizer, executar a ideia ou memória que lhe são impostas. Assim, qualquer mecanismo aqui que seja, em algum sentido, criativo, situa-se nas vias nervosas mais elevadas ligadas à ideação. Se desejarmos identificar o ponto de partida exato da alucinação como tal, devemos localizá-lo no ponto de contato entre o ideacional e as atividades sensoriais. Enquanto a atividade do sistema nervoso está confiada às vias nervosas ideacionais, embora haja criação, não há alucinação; esta palavra jamais é usada para descrever simples imagens ou memórias de um objeto. É apenas quando a atividade escapa para baixo, com força tal que estimula vigorosamente as células no centro inferior, que a sensação inunda a imagem, e temos a percepção ilusória ou alucinação. A força desta corrente descendente pode exibir todos os graus. É provável que mesmo para a mais remota ideia ou memória haja uma ligeira fuga para baixo, com uma correspondente ligeira reverberação do centro sensorial. Quando, como nos raros casos mórbidos,29 a fuga é completamente barrada, a capacidade de convocar imagens visuais se perde. Para cada aumento na força da fuga, haverá um aumento na qualidade sensorial, e uma aproximação com a alucinação absoluta; e cada etapa será assim considerada, desde a imagem "no olho da mente" até o fantasma completamente externado no espaço. Mas seja qual for o grau da ilusão, seu local de origem situa-se onde a corrente rompe, por assim dizer, as comportas que representam fisicamente a distinção entre ideias e percepções.
Aqui, então, existem duas possibilidades: 1) as alucinações são produzidas por uma atividade independente de células sensoriais específicas e as sensações que ali emergem são percebidas como objetos quando a corrente dos nervos passa em direção centrípeta rumo às partes superiores do cérebro; 2) o papel desempenhado pelas células sensoriais específicas30 é apenas uma resposta ao que pode ser chamado de excitação ideacional, propagada de forma centrífuga a partir das vias nervosas mais elevadas onde a imagem foi formada.
Ao tentar decidir entre essas duas possibilidades, obteremos pouco auxílio das observações patológicas e fisiológicas diretas. Estas têm sido dirigidas, sobretudo, a um fim bastante contrário ao nosso - utilizar os fatos da alucinação para fixar a localização dos centros através da inspeção do cérebro de pessoas que sofreram acentuadamente de alucinações durante a vida. Mas a patologia cerebral, como Ball incisivamente observa, tem um modo de prestar-se à demonstração de qualquer coisa que se queira. As lesões raramente se limitam nitidamente a áreas específicas. Luys, o principal defensor do tálamo óptico como a sede primária das alucinações, admite a propagação constante do tálamo para o córtex,31 e o Dr. W. J. Mickle32 considera - como resultado de uma série muito diligente de necrópsias - que em casos de alucinação "a doença talâmica desempenha um papel menos importante do que a cortical". Por outro lado, ele não concluiu que as lesões são definitivamente associadas às marcas no córtex, o que para Ferrier e os defensores da localização estritamente cortical constituem os centros visuais e auditivos, e lesões nesses locais - o giro angular e a primeira convolução temporo-esfenoidal - parecem ter sido encontradas em casos em que não foi observada alucinação.33 Essa busca por uma correspondência parecerá menos surpreendente se lembrarmos do grande número de alucinações casuais em que não está presente nada do que poderíamos chamar de lesão; além disso, as alucinações mais persistentes dos alienados pertencem, como regra geral, mais aos estágios iniciais do período de irritação do que aos estados posteriores, quando se segue uma lesão acentuada e surge a ameaça de demência.34 Mesmo se tomarmos a subsequente lesão cortical como um sinal de que já havia um ponto fraco na parte superior do cérebro, isso não prova que o centro sensorial específico é cortical. Se as lesões não são necessariamente localmente restritas, as irritações o são menos ainda; e não há nada que possa refutar a suposição feita acima de que, quando ocorre a alucinação, uma corrente desce em direção ao centro baixo, sendo o dano no córtex apenas um excitante das atividades ideacionais, e a alucinação o resultado de (como Dr. Mickle tão bem o expressa) "uma reação desordenadamente tumultuada de centros ideacionais perturbados sobre os sensoriais". O mesmo pode ser dito da irritação artificial dos "centros corticais" ao longo da vida. Ferrier considera os movimentos resultantes da aplicação de um estímulo elétrico a essas áreas um indicador de que sensações visuais ou auditivas (isto é, alucinações) foram evocadas. Podemos aceitar essa interpretação, mas ainda assim supor que a sede primária da sensação não se encontrava no local onde o estímulo foi aplicado, mas em um centro mais baixo situado no caminho por onde passou a irritação.35
Somos assim lançados a argumentos menos diretos, derivados da própria natureza das alucinações. E penso que o erro foi, uma vez mais, imaginar que apenas uma das duas alternativas deva ser exclusivamente adotada - que a origem universal da alucinação encontra-se ou na parte inferior do cérebro, ou em sua parte superior. Acredito podermos dizer que enquanto a primeira modalidade de origem é provável para alguns casos, a segunda é seguramente a causa de outros. Alucinações produzidas pela vontade do percipiente devem antes tomar forma acima dos centros sensoriais: é indisputável que a ideia do objeto a ser projetada - a imagem, rosto, frase, ou o que for - deve preceder sua encarnação sensorial como algo de fato visto ou ouvido, e que a ideia, assim como a volição, é um assunto das partes mais elevadas. Luys e Ritt certamente não situam nenhuma delas no tálamo óptico. Mas se os defensores da primeira modalidade ignoraram dessa forma uma classe importante de casos, os defensores da segunda erraram ao adotar um ponto de vista quase metafísico. Assim, o Dr. Despine, que fez um relato extremamente claro do processo centrífugo (Annalles Médico-psychologiques, 6ª série, vol. vi, p. 371), argumenta que para o surgimento de uma alucinação é necessário primeiro uma ideia, "um objeto que não existe"; e se sua existência for endossada de alguma maneira, ela pode, enquanto ato puramente construtivo, emanar apenas da sede das mais elevadas atividades psíquicas. Há alguma originalidade em extrair uma conclusão fisiológica da relação da mente com o não existente. Mas nesse andor a imagem do disco solar na parede daria origem a um ato construtivo da mente: ele é tanto "um objeto que não existe" quanto o fantasma mais elaborado. A não existência de um objeto fora do organismo é bastante irrelevante para o curso dos acontecimentos nervosos em seu interior. Considerar um ato psíquico, em qualquer caso, como construtivo ou receptivo, depende simplesmente de a excitação nervosa ser espontânea ou ser recebida de baixo. Isso pode aplicar-se, como vimos, tanto aos centros baixos de sensação quanto às vias superiores de ideação perceptiva; o primeiro pode construir tão verdadeiramente quanto o último, isto é, as configurações e atividades de suas células podem produzir agrupamentos definitivos de elementos sensoriais.
Para formas simples e recorrentes de alucinação, muito pode ser dito em favor desta origem mais baixa. Está de acordo com tudo o que sabemos ou conjeturamos sobre o tecido nervoso que certas configurações e modificações das células seriam facilitadas pelo exercício. Assim, mudanças provocadas por qualquer excitação mórbida poderiam naturalmente ser as mesmas produzidas com frequência pela estimulação normal da retina ou do ouvido. Os elementos cairiam facilmente, por assim dizer, no padrão habitual. Um objeto que foi levado aos olhos diversas vezes ou recentemente, uma palavra ou frase que se perpetuou no ouvido, podem ser capazes de deixar vestígios orgânicos de sua presença, estabelecendo uma espécie de memória inferior. Que esta memória deva agir automaticamente, de forma independente da vontade, parece natural quando lembramos que até mesmo a memória superior é em grande parte automática: uma palavra não procurada, reverberando repentinamente no sistema sensorial está em pé de igualdade com as imagens que emergem na consciência sem que possamos conectá-las com nossa cadeia prévia de ideias. É digna de nota a imensa quantidade de alucinações deste tipo primitivo. Mencionei acima que, entre as pessoas sãs, o caso mais comum é ouvir seu nome ser chamado; e mesmo entre as pessoas alienadas, o vocabulário de vozes imaginárias com frequência se reduz a apenas algumas palavras ameaçadoras ou ofensivas.36 No que se refere às alucinações ópticas, entre as pessoas sãs, um grande número delas consiste em uma visão fortuita - uma pós-imagem, como poderíamos chamá-la - de algum parente ou conhecido próximo. Os casos ainda mais persistentes são amiúde os de um único objeto. Eu mencionei o médico e a vaca preta; na mesma linha, uma senhora, quando mal de saúde, sempre via um gato nas escadarias.37 E entre os alienados, um único acompanhante imaginário é igualmente comum: nosso amigo "Guiteau" é um bom exemplo. Sempre que casos simples como esses não estão ligados a nenhum délire em especial, ou a nenhum conjunto fixo de ideias, eles podem (embora não necessariamente, é claro), ser atribuídos a uma atividade que segue a trilha de certas vias estabelecidas no sensório. Podemos comparar essa localidade a um caleidoscópio que, quando sacudido, é capaz de apresentar certo número limitado de combinações.38
Mas, por outro lado, a surpreendente variedade e complexidade de outros casos - tanto de aparições visuais quanto de sequências verbais - parece nos levar a um lugar mais elevado de produção, pois demandam um suprimento incontável de elementos e poderes ilimitados de combinação ideal. O paciente ouve longos discursos, ou mantém conversas com seus amigos invisíveis, e o que é ouvido não são ecos de antigas frases, mas, em todos os sentidos, um fragmento de experiência nova. É igualmente surpreendente a quantidade e variedade de alucinações visuais que podem ocorrer a uma única pessoa, às vezes dentro do espaço de alguns minutos. As formas e características das aparições do Dr. Bostock eram sempre completamente novas para ele; os videntes de "Faces in the dark", que no curso de sua vida viram milhares de rostos fantasmáticos, nunca chegaram a reconhecê-los; Nicolai, que em tudo mais era perfeitamente são, e que ao final se recuperou, via tropas de fantasmas continuamente, a maioria deles de aspecto novo para ele, fenômeno bastante comum nos estados de alienação. Mesmo nas alucinações ocasionais das pessoas sãs, o que se vê é com menos frequência um mero renascimento de algo que os olhos encontraram previamente do que uma pessoa desconhecida. Assim, há uma quantidade imensa de trabalho criativo, o que em termos psíquicos deveríamos chamar de trabalho da imaginação par excellence; trabalho que, temos bons fundamentos para supô-lo, apenas as mais elevadas funções corticais são capazes de realizar. Nossa experiência sobre o número e mobilidade de ideias e imagens que a mente em estado normal é capaz de reunir e combinar mostrou-nos que as células das áreas cerebrais mais elevadas são praticamente ilimitadas em seus poderes de configuração e associação; mas não temos direito de presumir que essas mesmas possibilidades inesgotáveis existem independentemente de qualquer centro sensorial específico - o que seria quase o mesmo que esperar que um caleidoscópio nos apresentasse com uma série sempre inédita de desenhos elaborados. E além e acima de tudo isso, podemos apontar para a conexão constante entre as ilusões, as conceptions délirantes dos alienados e suas alucinações sensoriais,39 o que torna quase impossível não ver estas últimas como um efeito particular da perturbação cerebral mais amplamente difundida. A conclusão parece ser que para muitas alucinações a modalidade de origem não pode ser outra senão aquela que chamei de centrífuga.
Tenho tentado expressar aqui o que chamei de teoria centrífuga de forma que esta possa ser aceita mesmo por aqueles que situam os próprios centros sensoriais não abaixo do córtex, mas dentro dele. De acordo com esses fisiologistas, toda dupla transformação, de impressões físicas em sensações visuais ou auditivas, e destas sensações em percepções completas e imagens mnemônicas, poderia praticamente ser referida a um só local. Deve-se admitir que essa concepção parece por vezes relacionar-se à busca pela devida distinção entre sensação e percepção. Mas mesmo supondo que um centro específico de sensação seja igualmente a sede de funções psíquicas mais elevadas que a sensação, ele seria, não obstante, suscetível à estimulação por partes do próprio córtex externas a ele próprio; e a natureza de muitas alucinações ainda apontaria a dependência a este estímulo, e não a uma mera aceleração espontânea da atividade mórbida no próprio centro. Por exemplo, uma menina fica violentamente perturbada ao ver sua casa em chamas, e durante muitos dias após o episódio vê fogo onde quer que olhe.40 A fonte da alucinação certamente se encontra ser na perturbação, sendo assim uma "fuga de corrente" da sede de ideias e imagens distintas das visuais. Uma vez mais, no caso descrito acima, em que as alucinações refletem fielmente mudanças em todo o viés moral e intelectual, a excitação local no centro sensorial poderia ser atribuída a uma irradiação anormal nas regiões onde as mais altas coordenações acontecem - essas regiões estando, elas próprias, ex hypothesi, já em um estado de atividade patológica. A outra hipótese seria que a mera hiperexcitabilidade do próprio centro tornou impossível para as imagens emergirem sem serem apressadas, por assim dizer, a virarem sensações pela violência das vibrações nervosas. Isso parece ser o que Wundt tem em mente quando se refere a alucinações que se originam não de uma irritação de fato, mas de uma irritabilidade exacerbada dos centros sensoriais. Mas o que poderia fazer com que imagens pertencentes a uma ordem particular de ideias - a ordem mórbida - fossem escolhidas para esse destino em detrimento de quaisquer outras? O próprio centro hiperexcitável, como uma arena de imagens, não teria terreno para uma seleção parcial entre a multidão delas que emerge em todas as horas da vida de vigília. Entre as infinitas e multiformes vibrações envolvidas, por que deveria a excessiva amplitude que corresponde à sensação ser confinada a um conjunto em particular? Deve haver uma razão. O acordo singular entre as alucinações sensoriais e o mais geral distúrbio moral e intelectual deve ter sua contrapartida física particular; e para isso "uma forte fuga de corrente descendente" é uma metáfora ao menos suficientemente compreensível.41
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Jun 2013