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Desafios no manejo da hiperplasia adrenal congênita causada pela deficiência da 21-hidroxilase

Challenges in the management of congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency

EDITORIAL

Desafios no manejo da hiperplasia adrenal congênita causada pela deficiência da 21-hidroxilase

Challenges in the management of congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency

Crésio Alves

Professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador da Residência em Endocrinologia Pediátrica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Faculdade de Medicina da UFBA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Plínio Moscoso, 222, apto. 601 CEP 40157-190 – Salvador/BA E-mail: cresio.alves@uol.com.br

A hiperplasia adrenal congênita (HAC) causada pela deficiência da enzima 21-hidroxilase é responsável por mais de 90% dos casos desse distúrbio hereditário da síntese de esteróides adrenais.

São vários os desafios enfrentados no manejo da HAC causada pela deficiência da enzima 21-hidroxilase na faixa etária pediátrica. O diagnóstico e o tratamento pré-natal, apesar de implementados há mais de 20 anos, ainda são considerados métodos experimentais para reduzir a virilização de fetos femininos(1). O diagnóstico da elevação transitória da 17-hidroxiprogesterona neonatal é dificultado pela falta de padronização dos seus valores de referência no Teste do Pezinho, com base na idade gestacional e peso ao nascimento(2). Mesmo com o abandono da clitorectomia, ainda existem muitas dúvidas em relação à melhor técnica cirúrgica para reduzir o tamanho do clitóris, criar um orifício vaginal que permita intercurso sexual e corrigir o seio urogenital para prevenir a incontinência urinária(3). O consenso atual recomenda que a genitoplastia tenha inicio entre 2 e 6 meses de idade, em centros médicos com experiência comprovada(4). Em relação ao crescimento, indivíduos com HAC causada pela deficiência da enzima 21-hidroxilase são, em média, 10 cm mais baixos do que população normal(5). As elevadas concentrações de esteróides sexuais induzem ao fechamento precoce das epífises e o excesso de corticóides suprime o crescimento. Como o fechamento das epífises é mediado pele ação dos estrógenos, tem-se estudado a utilização de inibidores da enzima aromatase, que converte os andrógenos C19 para estrógenos C18, em associação com menores doses de corticóides, como uma opção terapêutica para melhorar o crescimento linear desses pacientes(6,7). Outras possibilidades, ainda em estudo, são: uso combinado de baixas doses de hidrocortisona, fludrocortisona, flutamida (antagonista do receptor androgênico) e testolactona (inibidor da aromatase)(8), além do uso de hormônio do crescimento com ou sem análogos do GnRH (fator hipotalâmico liberador das gonadotrofinas)(9). O desenvolvimento de puberdade precoce central é uma complicação comum em pacientes com controle insuficiente da produção de andrógenos, a qual, se não prevenida ou tratada adequadamente, limita ainda mais o potencial de altura final(10).

Na adolescência e vida adulta, surgem novos desafios no manejo da HAC causada pela deficiência da enzima 21-hidroxilase. Existe maior incidência de síndrome metabólica caracterizada por obesidade, hiperinsulinismo, hiperleptinemia, hipertensão e possível aumento de risco cardiovascular(11). A diminuição da fertilidade, principalmente nas formas perdedoras de sal, é comum tanto em homens, devido a restos adrenais testiculares, quanto em mulheres, como resultado do hiperandrogenismo, hiperprogestenismo (progesterona e 17-hidroxiprogesterona), insucesso das cirurgias genitais e fatores psicológicos(12). Outras complicações desta faixa etária são: maior incidência de síndrome do ovário policistico, osteoporose e insuficiência adrenomedular(13).

Neste número da revista, Bento et al(14) publicam importante estudo sobre a freqüência da HAC causada pela deficiência da enzima 21-hidroxilase em 58 famílias brasileiras. Suas conclusões confirmam dados da literatura de que a forma clássica desta doença apresenta padrão de herança monogênica autossômica recessiva (freqüência de aproximadamente 25%, proporção semelhante entre os gêneros) e predomínio da forma perdedora de sal. A elevada taxa de consangüinidade também está de acordo com outras doenças autossômicas de caráter autossômico recessivo. Embora sem significância estatística, percebe-se discreta tendência para maior prevalência no gênero feminino (F: 55,6% versus M: 44,4%) e maior mortalidade da forma perdedora de sal no gênero masculino (M: 31,5% versus 24%), talvez refletindo a contribuição de pacientes mais velhos na amostra e, possivelmente, anteriores ao teste de triagem neonatal. Trabalhos como esse contribuem para um melhor entendimento da doença.

Para o futuro, espera-se que terapia gênica, transplante de células adrenais ou de células tronco e uso de antagonistas do CRH (fator hipotalâmico liberador do hormônio adrenocorticotrófico – ACTH) venham a contribuir para terapias mais eficazes para esse problema(15).

Referências bibliográficas

1. Nimkarn S, New MI. Prenatal diagnosis and treatment of congenital adrenal hyperplasia owing to 21-hydroxilase deficiency. Nat Clin Pract Endocrinol Metab 2007;3:405-13.

2. Alves CAD, Balesteri Jr V, Toralles MBP. Triagem neonatal para hiperplasia adrenal congênita: considerações sobre a elevação transitória da 17-hidroxiprogesterona. Rev Bras Promoção Saúde 2006;19:203-8.

3. González R, Piaggio LA. Ambiguous genitalia. Curr Opin Urol 2006;16:273-6.

4. Joint LWPES/ESPE CAH Working Group. Consensus statement on 21-hydroxylase deficiency from the Lawson Wilkins Pediatric Endocrine Society and The European Society for Paediatric Endocrinology. J Clin Endocrinol Metab 2002;87:4048-53.

5. Eugster EA, Dimeglio LA, Wright JC, Freidenberg GR, Seshadri R, Pescovitz OH. Height outcome in congenital adrenal hyperplasia caused by 21-hydroxilase deficiency: a meta-analysis. J Pediatr 2001;138:26-32.

6. Dunkel L. Use of aromatase inhibitors to increase final height. Mol Cell Endocrinol 2006;254-255:207-16.

7. Nguyen AT, Brown JJ, Warne GL. Growth in congenital adrenal hyperplasia. Indian J Pediatr 2006;73:89-93.

8. Merke DP, Keil MF, Jones JV, Hill S, Cutler GB Jr. Flutamide, testolactone, and reduced hydrocortisone dose maintain normal growth velocity and bone maturation despite elevated androgen levels in children with congenital adrenal hyperplasia. J Clin Endocrinol Metab 2000;85:1114-20.

9. New MI, International Workshop on Management of Puberty for Optimum Auxological Results. Factors determining final height in congenital adrenal hyperplasia. J Pediatr Endocrinol Metab 2001;14:933-7.

10. Soliman AT, AlLamki M, AlSalmi I, Asfour M. Congenital adrenal hyperplasia complicated by central precocious puberty: linear growth during infancy and treatment with gonadotropin-releasing hormone analog. Metabolism 1997;11:513-7.

11. Charmandari E, Chrousos GP. Metabolic syndrome manifestations in classic congenital adrenal hyperplasia: do they predispose to atherosclerotic cardiovascular disease and secondary polycystic ovary syndrome? Ann N Y Acad Sci 2006;1083:37-53.

12. Claahsen-van der Grinten HL, Stikkelbroeck NM, Sweep CG, Hermus AR, Otten BJ. Fertility in patients with congenital adrenal hyperplasia. J Pediatr Endocrinol Metab 2006;19:677-85.

13. Ogilvie CM, Crouch NS, Rumsby G, Creighton SM, Liao LM, Conway GS. Congenital adrenal hyperplasia in adults: a review of medical, surgical and psychological issues. Clin Endocrinol (Oxf) 2006;64:2-11.

14. Bento LR, Ramos CCA, Gonçalves EM, Mello MP, Baptista MTM, Lemos-Marini SHV et al. Hiperplasia adrenal congênita por deficiência da 21-hidroxilase, forma clássica: estudo da freqüência em famílias de indivíduos afetados. Rev Paul Pediatr 2007;25:202-6.

15. Merke DP, Bornstein SR, Avila NA, Chrousos GP. NIH Conference: future directions in the study of congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency. Ann Intern Med 2002;136:320-34.

Recebido em: 10/7/2007

  • Endereço para correspondência:

    Rua Plínio Moscoso, 222, apto. 601
    CEP 40157-190 – Salvador/BA
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007
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