Open-access ASSOCIAÇÃO DA FLEXIBILIDADE COM FATORES SOCIODEMOGRÁFICOS, ATIVIDADE FÍSICA, FORÇA MUSCULAR E APTIDÃO AERÓBIA EM ADOLESCENTES DO SUL DO BRASIL

RESMO

Objetivo:  Identificar os fatores sociodemográficos, de atividade física e da aptidão física associados à flexibilidade.

Métodos:  Estudo transversal com 909 adolescentes (486 meninas) de 14 a 19 anos da cidade de São José, Santa Catarina, Brasil. A flexibilidade foi avaliada por meio do teste de sentar e alcançar. Os dados sociodemográficos e de atividade física foram levantados por meio de questionário autoadministrado. A força muscular foi analisada por meio da dinamometria manual. A aptidão aeróbia foi analisada por meio do teste canadense modificado de aptidão aeróbia, enquanto a atividade física foi avaliada por questionário. Utilizou-se regressão linear múltipla para identificar as variáveis associadas à flexibilidade, com nível de significância de 5%.

Resultados:  Verificou-se que a cada centímetro a mais nos níveis de flexibilidade nas meninas, os meninos tiveram 2,94 cm a menos de flexibilidade. Ademais, o incremento de 0,12 kg/força nos níveis de força muscular aumentou em 1 cm os níveis de flexibilidade.

Conclusões:  Menores níveis de flexibilidade estiveram associados aos adolescentes do sexo masculino. Além disso, menores níveis de flexibilidade foram diretamente associados aos adolescentes que apresentavam menores níveis de força.

Palavras-chave: Comportamentos saudáveis; Flexibilidade; Força muscular; Atividade física; Aptidão física

ABSTRACT

Objective:  To identify sociodemographic, physical activity, and physical fitness factors associated with flexibility.

Methods:  Cross-sectional study with 909 adolescents (486 girls) aged 14 to 19 years from the city of São José, Santa Catarina, Brazil. To evaluate flexibility, we used the sit and reach test. Sociodemographic and physical activity data were collected by a self-administered questionnaire. We analyzed muscle strength with manual dynamometry. Aerobic fitness was assessed with the modified Canadian aerobic fitness test, and physical activity with a questionnaire. We used multiple linear regression to identify the variables associated with flexibility, with a significance level of 5%.

Results:  For each additional centimeter in the girls’ levels of flexibility, the boys were 2.94 cm less flexible. In addition, the increment of 0.12 kg/force in muscle strength levels increased the levels of flexibility in 1 cm.

Conclusions:  Lower levels of flexibility were associated with male adolescents and with reduced strength levels.

Keywords: Healthy lifestyle; Pliability; Muscle strength; Exercise; Physical fitness

INTRODUÇÃO

A flexibilidade é necessária para a realização das atividades diárias laborais e recreativas.1 Em crianças e adolescentes, baixos níveis de flexibilidade foram diretamente associados à maior prevalência de lesões musculoesqueléticas na coluna vertebral, como hiperlordose, hipercifose e dor lombar crônica.2,3

Diante da importância de bons níveis de flexibilidade para a saúde, diferentes elementos têm sido estudados no intuito de explorar os fatores associados a essa condição.4,5,6 Devido a aspectos biológicos, as meninas, quando comparadas aos meninos, apresentam maiores concentrações de estrogênio e fibras de colágenos, o que acarreta maior amplitude articular e muscular, levando a maiores níveis de flexibilidade.7,8 Adicionalmente, estudos identificaram uma relação direta entre níveis de flexibilidade e faixa etária entre os adolescentes, com maiores níveis de flexibilidade dos 11 aos 13 anos nas meninas e dos 14 aos 15 anos nos meninos, quando comparados a seus pares de menor faixa etária, respectivamente.4,6,8 A razão para essas diferenças é atribuída ao desenvolvimento maturacional que afeta de forma tardia os meninos em comparação às meninas.8

Além de aspectos biológicos, o status socioeconômico da família tem relação com a aptidão física das crianças e dos adolescentes. A baixa renda familiar e a baixa escolaridade materna se associam a menores níveis de flexibilidade. A baixa renda pode ocasionar possibilidade reduzida de acesso a ambientes propícios para realização de atividade física e a baixa escolaridade materna pode incidir em menor conhecimento das mães em relação à importância de incentivar os filhos a adotar hábitos de vida saudáveis, como a prática regular de atividade física e a adoção de menor período em comportamento sedentário.5,9

A prática regular de atividade física está associada a níveis adequados de flexibilidade, uma vez que adolescentes ativos fisicamente tendem a ter maior elasticidade da musculatura esquelética, dos tendões e dos ligamentos, principalmente quando se envolvem em atividades que exigem maior amplitude de movimento, como atividades esportivas e de expressão corporal.1 Variáveis da aptidão física também se associam a menores níveis de flexibilidade em adolescentes, como o excesso de peso, os baixos níveis de aptidão aeróbia e os baixos níveis de força muscular.10,11,12 O excesso de peso contribui para o aumento das concentrações de tecido adiposo em torno das articulações, o que implica em diminuição da amplitude dos movimentos e menor flexibilidade.4 Indivíduos que apresentam baixos níveis de aptidão aeróbia tendem a apresentar menor capacidade mecânica e plasticidade muscular, resultando em menores níveis de flexibilidade.10,13 Ainda, baixos níveis de força muscular foram associados à menor amplitude articular e muscular.12

Diante das evidências da existência de influência da flexibilidade sobre a saúde, torna-se relevante identificar os subgrupos de adolescentes mais propícios a tal condição, com o objetivo de incentivar ações de prevenção e promoção de saúde para minimizar gastos decorrentes do tratamento de danos em saúde associados a baixos níveis de flexibilidade.2 Outros estudos4,6,14 investigaram de forma separada esses construtos, o que não permite afirmar que, em modelo ajustado de análise, as associações se manteriam. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores sociodemográficos, de atividade física e da aptidão física associados à flexibilidade em adolescentes de uma cidade do Sul do Brasil.

MÉTODO

Esta pesquisa epidemiológica de base escolar com delineamento transversal fez parte do projeto “Guia Brasileiro de avaliação da aptidão física relacionada a saúde e hábitos de vida - etapa 1”, o qual foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa foi realizada em 2014 na cidade de São José, Santa Catarina, Brasil. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC), sob o protocolo nº 746.536. Participaram da pesquisa somente os adolescentes que devolveram assinado o termo de consentimento livre e esclarecido e o termo de assentimento.

A população desta pesquisa era formada por 5.182 escolares de 14 a 19 anos de idade, estudantes do ensino médio de escolas públicas estaduais da cidade de São José, distribuídos em 11 escolas elegíveis (estratificação) e 170 turmas (conglomerado por turno e série/ano de ensino).

O processo amostral foi determinado em dois estágios: o primeiro foi formado pela estratificação da densidade escolar (tamanho: pequenas, com menos de 200 alunos; médias, com 200 a 499 alunos; e grandes, com 500 estudantes ou mais), e no segundo foram considerados o turno de estudo e a série de ensino.

Para determinar o tamanho amostral, optou-se por utilizar o cálculo proposto por Luiz e Magnani15 para populações finitas, adotando-se nível de confiança de 1,96 (intervalo de confiança de 95% - IC95%), erro tolerável de cinco pontos percentuais, prevalência de 50% (desfecho não conhecido) e efeito de delineamento de 1,5; acrescentando-se 20% para minimizar eventuais perdas e recusas ao estudo e mais 20% para controle das possíveis variáveis de confusão. A partir desse cálculo, seriam necessários 751 adolescentes para compor a amostra. Devido à amostragem por conglomerado, todos os estudantes das turmas foram convidados a participar da pesquisa, resultando em 1.132 alunos com dados coletados. Desse quantitativo, 909 alunos realizaram mensuração referente à avaliação dos níveis de flexibilidade (teste de sentar e alcançar). Uma vez que o cálculo amostral para definição do número de estudantes a ser entrevistado foi realizado por meio de análise de associações que considerasse o tamanho da amostra, procedeu-se o cálculo do poder estatístico para as possíveis associações entre a variável dependente e todas as variáveis de exposição. No presente estudo, identificou-se poder estatístico suficiente (valor igual ou superior a 80%) para testar associações entre flexibilidade e as demais variáveis de interesse.16

A variável dependente foi a flexibilidade, avaliada por meio do teste de sentar e alcançar. O procedimento foi padronizado conforme estabelecido na literatura.17 O teste foi realizado duas vezes e o maior valor atingido no teste foi considerado. Nas análises, essa variável foi utilizada de maneira contínua.

As variáveis sociodemográficas foram sexo (masculino/feminino); idade, em anos completos, categorizada em 14/15, 16/17 e 18/19 anos; renda familiar; e escolaridade materna. Para definir o nível econômico, foi utilizado o questionário proposto pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP (2010), que estima o poder de compra das famílias. As classes econômicas são caracterizadas de forma decrescente conforme o poder de compra (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E), a partir da acumulação de bens materiais, das condições de moradia, do número de empregados domésticos e do nível de escolaridade do chefe da família.18 A renda familiar foi coletada e posteriormente categorizada em até dois salários mínimos (baixa); dois a dez salários mínimos (média); e acima de dez salários mínimos (alta). A escolaridade materna coletada, em anos completos, foi categorizada em até oito anos de estudo e em nove ou mais anos de estudo, a fim de se equiparar com a média de anos de estudo de adultos brasileiros (7,8 anos).19

A variável atividade física global foi avaliada por questão da versão brasileira do questionário Youth Risk Behavior Surveillance (YRBSS), utilizado nos Estados Unidos,20 traduzido e validado para o Brasil.21 A pergunta utilizada para avaliar a atividade física global foi: “Durante os últimos sete dias, em quantos dias você foi ativo fisicamente por pelo menos 60 minutos? (considerar atividade física de intensidade moderada e/ou vigorosa)”. Esse questionamento teve as respostas categorizadas em “Não atende as recomendações” (zero a quatro dias) e “Atende as recomendações” (cinco dias ou mais).22

A estatura foi coletada por meio de estadiômetro com tripé da marca Sanny® (São Paulo, Brasil) e o peso com balança digital da marca G-tech® (Zhongshan, China). A partir dessas variáveis, foi obtido o índice de massa corpórea (IMC). Para a análise, esta variável foi utilizada de maneira contínua.

A aptidão aeróbia foi mensurada usando o teste canadense modificado de Aptidão Aeróbia - Mcaft,17 validado em comparação com a calorimetria indireta em homens e mulheres canadenses de 15 a 69 anos.23 Os adolescentes tiveram que completar um ou mais estágios de três minutos cada (subir e descer dois degraus de um step com aumento de intensidade) em cadências predeterminadas de acordo com o sexo e a idade. O teste foi finalizado somente quando o avaliado alcançou 85% da frequência cardíaca máxima,17 aferida por meio de frequencímetro modelo H7 Bluetooth da marca Polar® (Kempele, Finlândia). O gasto de oxigênio e os valores de referência da aptidão aeróbia foram determinados pela bateria canadense. A equação do escore da aptidão aeróbia é: Escore=10 [17.2+(1.29 x gasto de oxigênio) - (0.09 x peso, em kg) - (0.18 x idade, em anos)]. Nas análises, essa variável foi utilizada de maneira contínua.

A força de preensão manual (FPM) foi mensurada por meio de dinamômetro manual da marca Saehan® (Seul, Coreia do Sul). O teste foi realizado em ambas as mãos de forma alternada, duas vezes, sendo o resultado expresso em quilogramas por força (kg/f); o melhor resultado de cada mão foi anotado e somado, obtendo-se a força total.17 Nas análises, essa variável foi utilizada de maneira contínua.

A maturação sexual foi autoavaliada pelos adolescentes, utilizando pranchas de desenvolvimento maturacional. Essas pranchas continham fotografias dos cinco estágios de desenvolvimento maturacional, sendo solicitado que os adolescentes observassem com atenção cada fotografia e que marcassem no questionário o que mais se parecia com o tamanho de seu órgão genital, para os meninos, e de suas mamas, para as meninas.24

Foi aplicada estatística descritiva e inferencial dos dados, sendo verificada a normalidade deles por meio de comparação da média e da mediana, assimetria, curtose e gráficos. As variáveis contínuas foram descritas em média e desvio padrão. Para verificar possível diferença entre a flexibilidade e as variáveis estudadas, aplicou-se o teste t de Student e o teste de ANOVA de uma via. O tamanho do efeito foi calculado. Para variáveis com duas categorias, o tamanho do efeito foi calculado por meio do teste D de Cohen, em que valores abaixo de 0,3 são classificados em baixo; valores menores que 0,7, em médio; e valores maiores ou igual a 0,8, em elevado.25 Para variáveis com três categorias, o cálculo do tamanho do efeito foi verificado por meio do teste ETA, em que valores maiores que 0,5 são considerados muito elevados; entre 0,25 e 0,5, elevados; entre 0,05 e 0,25, médios; e valores menores ou iguais a 0,05, pequenos.25

A verificação das variáveis sociodemográficas, de atividade física e da aptidão física correlatas à flexibilidade foi realizada por regressão linear simples e múltipla, sendo apresentados os resultados como coeficientes de regressão (β) e IC95%. Na execução dos modelos ajustados de regressão linear, adotou-se a inserção das variáveis de exposição de modo independente do p-valor da análise bruta. Foram testadas interações entre as variáveis independentes entre si; entretanto, não se identificou interação entre as variáveis. As modelagens foram realizadas por meio da utilização do método backward selection, e p-valor abaixo de 20% foi adotado como critério de permanência do fator nos modelos ajustados. A significância estatística para associação foi fixada em 5%. A maturação sexual foi utilizada como variável de controle em todo o modelo, independentemente de seu p-valor. A estratégia utilizada para avaliar o modelo final (modelo contendo variáveis associadas ao desfecho com p-valor abaixo de 0,05 na análise ajustada) foi comparar diversos parâmetros (coeficiente de determinação ajustado, coeficientes de regressão, critério de informação de Akaike e Bayesiano) com um modelo saturado (incluindo interações entre todas as variáveis independentes) e um modelo nulo (sem variáveis independentes). Essas avaliações identificaram que as variáveis inseridas no modelo final estavam ajustadas entre si e em relação ao desfecho. Os resíduos do modelo final da regressão linear múltipla foram avaliados por heterocedasticidade e normalidade. A possível multicolinearidade das variáveis preditoras do modelo foi investigada mediante o fator de inflação da variância (VIF). Em todas as análises foi utilizado o software Stata 12.0 (StataCorp, College Station, Texas, Estados Unidos).

RESULTADOS

Dos 1.132 alunos observados, 223 (19,7%) foram excluídos das análises por não terem realizado teste para verificar a flexibilidade, resultando em uma amostra de 909 alunos.

Do total de avaliados, a maioria era do sexo feminino (54,2%), tinha 16/17 anos de idade (57,4%), renda mensal familiar de dois a dez salários mínimos (68,3%) e baixa escolaridade materna (56,2%). Aproximadamente oito a cada dez avaliados não atendiam às recomendações para atividade física (77,2%). O valor médio do IMC foi de 22,2±3,8 kg/m2; a média do escore aeróbio e da força muscular foi, respectivamente, 388,1±58,3 e 55,3±19,0 kg/f (Tabela 1). Em relação ao sexo, maiores valores médios do escore aeróbio (426,8±53,5; 353,4±36,7) e da força muscular (68,9±17,1 kg/f; 43,2±10,3 kg/f) foram verificados nos meninos quando comparados às meninas, respectivamente (dados não descritos em tabelas). Houve diferença entre a média da flexibilidade e valores médios do IMC, da aptidão aeróbia e da força muscular dos escolares avaliados (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição da amostra, valores médios e desvio padrão e comparação entre médias da flexibilidade em relação às variáveis independentes entre estudantes de escolas públicas estaduais de São José, Santa Catarina, Brasil.

A Tabela 2 apresenta os coeficientes de regressão linear das análises bruta e ajustada dos fatores associados à flexibilidade. Na análise bruta, os fatores associados à flexibilidade foram o sexo e a força muscular. Na análise ajustada pelas variáveis sexo e força muscular, verificou-se que a cada centímetro a mais nos níveis de flexibilidade nas meninas, os meninos apresentavam 2,94 cm a menos de flexibilidade. Além disso, o incremento de 0,12 kg/f nos níveis de força muscular aumentou em 1 cm os níveis de flexibilidade. O modelo final para a flexibilidade identificou um coeficiente de determinação de 0,0321, indicando que aproximadamente 3,2% da variação da flexibilidade foi associada às variáveis sexo e força muscular simultaneamente. Por meio da verificação do VIF, não se identificou multicolinearidade das variáveis inseridas no modelo final (VIF=1,69) (Tabela 2).

Tabela 2
Análise de regressão linear bruta e ajustada dos fatores associados à flexibilidade e variáveis sociodemográficas, de atividade física e da aptidão física em adolescentes de escolas públicas estaduais de São José, Santa Catarina, Brasil.

DISCUSSÃO

Os principais achados deste estudo indicaram que os meninos e os adolescentes com menores níveis de força muscular tinham menores níveis de flexibilidade. Além disso, verificou-se que a cada centímetro a mais nos níveis de flexibilidade nas meninas, os meninos apresentaram 2,94 cm a menos de flexibilidade. Além disso, o incremento de 0,12 kg/f nos níveis de força muscular aumentou em 1 cm os níveis de flexibilidade.

Assim, no presente estudo, verificou-se que, em comparação às meninas, os meninos tinham menores níveis de flexibilidade. Resultados semelhantes a estes foram verificados na literatura.1,26 No Brasil, estudo realizado com escolares de uma cidade do Sul do país não identificou diferença significativa da flexibilidade em relação ao sexo.4 Essas diferenças entre os resultados encontrados nos diversos estudos podem ser devido à amostra utilizada, pois outras variáveis podem atuar como fatores de confusão, como a genética,27 a idade2 e o nível de atividade física.5 No entanto, grande parte da literatura científica descreve diferenças entre os sexos nos níveis de flexibilidade de adolescentes.2

Os meninos tendem a apresentar menores níveis de flexibilidade desde a adolescência até a fase adulta.8 Isso ocorre, pois a progressão dos estágios maturacionais pode comprometer os meninos em testes que avaliam a flexibilidade, haja vista que, concomitantemente ao desenvolvimento maturacional deles, ocorre aumento da produção de hormônios anabólicos diretamente associados à hipertrofia muscular e à menor densidade dos tecidos musculares e dos ligamentos, o que pode acarretar músculos menos flexíveis.28 Ainda, diferenças nas estruturas corporais, como menor densidade dos tecidos, além de ligamentos e músculos mais elásticos e flexíveis, proporcionam às meninas maior amplitude de movimento.7 Ademais, aspectos culturais podem contribuir para disparidade dos níveis de flexibilidade em relação ao sexo, uma vez que, durante a adolescência, meninos tendem a se engajar em atividades cuja solicitação da musculatura esquelética e posterior desenvolvimento da força muscular são mais evidenciados.1 As meninas, por outro lado, tendem a se envolver em atividades em que os movimentos de flexibilidade são mais enfatizados, como as danças.26

No presente estudo, adolescentes com menores níveis de força muscular apresentaram menores valores de flexibilidade. No estudo realizado na Holanda, cuja amostra foi composta de 548 pares de adolescentes gêmeos de 16 a 19 anos de idade, não se identificou associação entre a força muscular (mensurada por dinamometria) e a flexibilidade (teste de sentar e alcançar).27Possível justificativa para a inter-relação entre menores níveis de força muscular e menores níveis de flexibilidade estaria relacionada a aspectos neuromusculares decorrentes da hipertrofia das fibras musculares.12 O desenvolvimento da musculatura esquelética, responsável pelo aumento da força muscular, pode ocasionar melhora na interação entre os filamentos de actina e miosina, além do aumento da capilaridade e da capacidade oxidativa, fatores estes que podem contribuir para a melhora da flexibilidade.28 Além disso, menores níveis de força estão associados a aumento da rigidez dos tendões, o que se associa de forma negativa com o grau de mobilidade das articulações e a flexibilidade.29

No presente estudo, não se observou associação da flexibilidade com renda familiar e escolaridade materna. A ausência dessa associação pode ser explicada por transições ocorridas durante o século XXI, principalmente no que se refere às mudanças no estilo de vida da população.9 Grande parte das mães fica o dia todo longe de casa, somando longas jornadas de trabalho, e, portanto, passa menor período com seus filhos, o que pode implicar em menos tempo para orientá-los em relação a hábitos de vida saudáveis.11 Assim, grande parte dos adolescentes tende a acumular horas em comportamento sedentário estendido e pouco tempo em atividades físicas, principalmente as que exigem maior amplitude de movimento.2,3

Esta pesquisa não identificou associação entre flexibilidade e atividade física. A ausência de significância estatística poderia ser justificada, em parte, pelo fato de que aproximadamente 50% da variabilidade dos níveis de flexibilidade é atribuída ao componente genético27; assim, características biológicas exerceriam maior influência nos níveis de flexibilidade comparadas às comportamentais.26 Ademais, o uso de instrumentos que mensuram diretamente a atividade física, como os acelerômetros, poderia reduzir o viés de resposta por parte dos avaliados. Essa forma de avaliação não foi utilizada na presente pesquisa, o que possivelmente contribuiu para a ausência de associação entre atividade física e flexibilidade.13

No presente estudo, não se verificou associação da flexibilidade com o IMC e a aptidão aeróbia. Possível justificativa para a ausência de associação entre flexibilidade e IMC se relacionaria à impossibilidade de avaliar os componentes da composição corporal em separado quando se utiliza o IMC, haja vista que esse índice não permite identificar a distribuição de massa de gordura, massa muscular ou massa óssea e quais relações estes componentes exercem na flexibilidade.10 A ausência da associação entre flexibilidade e aptidão aeróbia poderia ser justificada devido ao tipo de atividade física que proporciona melhoria nesse componente da aptidão física. As atividades de maior intensidade e do tipo aeróbias desenvolvem melhora no desempenho físico e aumento dos níveis de VO2máximo, favorecendo o transporte de oxigênio dos pulmões para os demais tecidos; porém, esses aspectos não estão diretamente associados aos níveis de flexibilidade e, portanto, podem não proporcionar benefícios diretos para esta.30

As limitações do estudo referem-se à coleta de informações por meio de questionário autoadministrado, pois existe a possibilidade de viés de resposta para a identificação de variáveis como os fatores sociodemográficos e o nível de atividade física. No entanto, o questionário utilizado foi validado para a população investigada. Outra limitação do estudo foi o fato de a maturação sexual ter sido identificada por meio de autorrelato. Embora a ressonância magnética para identificar o desenvolvimento maturacional em adolescentes seja o método de referência,16 aspectos relacionados ao ambiente adequado para instalação e o custo elevado do equipamento inviabilizam o seu uso em pesquisas com grande número de avaliados. Além disso, a característica transversal do estudo não permite estabelecer relação de causalidade entre as variáveis.

Este estudo apresenta contribuições para a área da saúde, pois identificou os subgrupos de adolescentes que devem ser priorizados em estratégias cujo objetivo seja o aumento dos níveis de flexibilidade. Essas estratégias podem ser desenvolvidas no âmbito escolar com atividades cujo objetivo seja o aprimoramento da força muscular, por meio de exercícios que estimulem a utilização do próprio corpo como sobrecarga e maior amplitude e mobilidade articular, como as danças. Ademais, destaca-se como ponto forte do estudo a utilização da maturação sexual como variável de controle nas análises, dado que as mudanças decorrentes do período puberal podem exercer influência nos testes de aptidão física em adolescentes.13

Conclui-se que menores níveis de flexibilidade ocorreram em adolescentes do sexo masculino. Além disso, menores níveis de flexibilidade foram diretamente associados aos adolescentes que apresentavam menores níveis de força.

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Financiamento

  • O estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2017
  • Aceito
    28 Jan 2018
  • Publicado
    20 Dez 2018
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