Resumo
Objetivo: Avaliar a prevalência do uso excessivo de redes sociais e identificar os seus fatores associados em estudantes do ensino médio do Sul do Brasil.
Métodos: Trata-se de um estudo transversal de base populacional. Foram elegíveis para esta pesquisa todos os estudantes que estavam cursando o ensino médio no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Rio Grande, no 2º semestre de 2019. No total, 513 alunos participaram do estudo. A variável dependente deste estudo foi o uso excessivo de redes sociais, definido como mais de cinco horas por dia. Foram realizadas análises descritivas e bivariadas e, para verificar as associações, foi utilizada a regressão de Poisson, com ajuste robusto da variância.
Resultados: A prevalência de estudantes que relataram uso excessivo de redes sociais foi de 35,9%. Os grupos mais suscetíveis a usar excessivamente as redes sociais foram: sexo feminino, cor de pele preta/parda e faixa etária entre 18 e 20 anos. Houve associação entre uso excessivo de redes sociais com tabagismo, risco de depressão, ansiedade e estresse, risco elevado de suicídio e uso de drogas.
Conclusões: Mais de um terço dos estudantes usava em excesso as redes sociais. Esse comportamento esteve associado com desfechos negativos em saúde.
Palavras-chave: Adolescente; Rede social; Comportamento de risco; Estudos transversais
Abstract
Objective: To assess the prevalence of excessive use of social media and associated factors, as well as possible health consequences in high school students in southern Brazil.
Methods: This is a population-based cross-sectional study, conducted with high school students in the city of Rio Grande, RS. All students who were attending high school at the Federal Institute of Rio Grande do Sul, campus Rio Grande, were eligible for this research in the second semester of 2019. In total, 513 students participated in the study. The dependent variable was excessive use of social media, defined as more than five hours per day. Descriptive and bivariate analyses were carried out and the Poisson regression was used to verify associations, with robust adjustment of variance.
Results: The prevalence of students who reported excessive use of social media was 35.9%. The groups that were most susceptible to excessive use of social media had the following profile: female, black/brown skin, aged between 18 and 20 years old, attending the first year of high school. Excessive use of social media was shown to be associated with smoking, risk of depression, anxiety and stress, high risk of suicide and drug use.
Conclusions: More than a third of students used social media excessively. This behavior was associated with negative health outcomes.
Keywords: Adolescent; Social Network Use; Risk behavior; Cross sectional studies
INTRODUÇÃO
As redes sociais são uma opção de mídia em que os usuários podem criar e consumir conteúdo e a informação pode ser compartilhada em diferentes formatos, tais como texto, vídeo, áudio ou fotografia.1 O uso dessa tecnologia é um fenômeno global e essa prática é mais comum entre os jovens, fato que gera preocupação entre os profissionais de saúde em razão da influência negativa sobre o comportamento, o qual pode afetar a saúde biopsicossocial do adolescente.2,3
O uso desse tipo de mídia por adolescentes é generalizado. Nesse sentido, uma pesquisa realizada em 2018 no Brasil mostrou que cerca de 82% dos adolescentes relataram usar e ter perfil em redes sociais, o que corresponde a 22 milhões de usuários adolescentes.4
O uso excessivo de redes sociais é definido de diversas formas nos estudos internacionais, que utilizam escalas ou tempo de uso, não havendo uma padronização na literatura para o ponto de corte. Pesquisa realizada com adolescentes de Cingapura identificou que os maiores tempos de exposição por dia na internet, cinco horas ou mais, apresentaram maiores associações a desfechos negativos em saúde nos adolescentes quando comparados a menores tempos.5
Implicações positivas, como acesso à informação, maior possibilidade de aprendizado, estabelecimento e manutenção de relacionamentos, facilidade de comunicação de sentimentos, formação de identidade e facilidade de recepção de apoio emocional, podem ser atreladas ao uso de redes sociais.1,6 No entanto, quando esse uso é excessivo, pode causar prejuízos diretos à saúde.7 Os principais impactos do uso exagerado, superior a duas horas diárias, incluem: alterações no sono, atenção e aprendizagem; maior incidência de obesidade e depressão; exposição a conteúdos inapropriados, inseguros e imprecisos.1 Além disso, o uso imoderado pode ser maléfico por acarretar práticas de compartilhamento de conteúdo de bullying e cyberbullying e pela disseminação de comportamentos negativos a outros.7
O uso de redes sociais intensificou-se no decorrer dos anos, de forma a aumentar a interatividade com a vida diária e com a cultura. Contudo, as evidências científicas não acompanharam essa mudança na mesma velocidade, sendo escassos os estudos nacionais e internacionais sobre o tema. Cabe salientar que as pesquisas populacionais com adolescentes realizadas no Brasil avaliaram o tempo de tela e não especificamente o uso de redes sociais, o que reforça a lacuna na literatura.8 Nesse contexto, faz-se necessário que os profissionais de saúde, gestores, pais e professores compreendam a complexidade do tema, uma vez que o uso de redes sociais de maneira descomedida pode afetar negativamente a saúde e a qualidade de vida dos adolescentes. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo avaliar a prevalência do uso excessivo de redes sociais e identificar os seus fatores associados em estudantes do ensino médio do Sul do Brasil.
MÉTODO
O estudo foi conduzido com base em um censo dos alunos de ensino médio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Rio Grande (IFRS), Rio Grande do Sul (RS). O IFRS é uma instituição federal de ensino que oferece seis cursos técnicos integrados ao ensino médio, seis cursos de nível médio subsequentes e três cursos superiores.
Foram elegíveis para esta pesquisa todos os estudantes que estavam cursando o ensino médio no IFRS, campus Rio Grande, no segundo semestre de 2019, totalizando 718 matrículas do 1º ao 4º ano. Foram excluídos do estudo os indivíduos física e/ou cognitivamente impossibilitados de responder ao questionário. Para a realização da coleta de dados, foi feito contato com as turmas para a apresentação da pesquisa e a entrega do termo de consentimento livre e esclarecido para os responsáveis (se menores de 18 anos). A coleta dos dados foi realizada no mês de setembro de 2019, por meio de questionários autoaplicáveis, com estudantes que assentiram em participar. A condução da aplicação do questionário foi realizada por indivíduos previamente capacitados por um treinamento com duração total de 40 horas. Eles eram responsáveis pela identificação dos estudantes, distribuição dos tablets, orientações e esclarecimentos sobre o preenchimento do questionário. Foram tratados como recusantes os alunos que optaram por não participar da pesquisa e como perdas aqueles que não foram encontrados em três visitas.
A variável dependente deste estudo foi o uso exagerado de redes sociais, que foi avaliada pela pergunta “quanto tempo por dia você passa utilizando as redes sociais (Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter, Snapchat ou outra)?” Foram considerados com uso excessivo de redes sociais aqueles que reportaram usar por cinco horas por dia ou mais. As variáveis independentes incluídas neste estudo foram: sexo (feminino/masculino), faixa etária em anos (14–15, 16–17 e 18–20), cor da pele (branca e preta/parda), ano escolar (1º, 2º, 3º e 4º), estudo em turno integral (não/sim), reprovação escolar prévia (não/sim), escolaridade materna (fundamental, médio e superior), nível econômico por meio de análise de componentes principais, que englobava nove variáveis relacionadas à posse de bens domésticos ou características do domicílio. Extraiu-se o primeiro componente, que atingiu eigenvalue de 3,00 e explicou 33,4% da variabilidade de todos os componentes em tercis (menor, médio e maior). Avaliaram-se as seguintes condições e comportamentos negativos à saúde: alimentação não saudável (por meio da ficha de marcadores alimentares do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional — SISVAN),9 tabagismo (sim/não), uso de álcool (sim/não), uso de drogas (sim/não), risco elevado de suicídio (medido por meio de versão autoaplicável do Mini-International Neuropsychiatric Interview),10 insatisfação autorreferida com o corpo e risco de depressão, ansiedade e estresse (medido pela escala Depression, Anxiety and Stress Scale).11
Os dados obtidos foram duplamente digitados no software EpiData 3.1 e posteriormente transferidos para o pacote estatístico Stata 15.1, no qual foram realizadas as análises dos dados. Primeiramente a amostra foi descrita de acordo com as variáveis independentes, usando frequência absoluta e relativa. Em seguida, foram feitas as análises bruta e ajustada para identificar os fatores associados ao uso excessivo de redes sociais, por meio de regressão de Poisson com ajuste robusto da variância. A associação entre uso exagerado de redes sociais com comportamentos de risco foi feita com o teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5% para testes bicaudais.
Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande, sob parecer nº 128/2018, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), 91281918.7.0000.5324. Todos os indivíduos maiores de 18 anos ou seus responsáveis (se menores de 18 anos) que concordaram em participar da pesquisa tiveram de assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Além disso, antes de preencher o questionário, todos deveriam assentir à participação na pesquisa.
RESULTADOS
Entre os 718 estudantes matriculados, 84 haviam desistido do curso no momento da coleta dos dados, totalizando 634 estudantes elegíveis para compor a amostra. Deles, 25 recusaram-se a participar e 93 não foram localizados, o que gerou o índice de resposta de 81,5%. Dos 516 participantes, três não tiveram respostas para a variável principal do estudo, obtendo-se o total de 513 indivíduos. Destes, 50,5% eram do sexo masculino, 48,9% tinham entre 16 a 17 anos, 77,1% tinham cor da pele branca e 37,2% encontravam-se no primeiro ano. A maioria estudava em tempo integral (60,9%) e 21,3% apresentaram reprovação escolar prévia. Aproximadamente metade (49,4%) dos estudantes relatou nível superior para a escolaridade materna (Tabela 1).
Descrição dos estudantes de ensino médio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Rio Grande, 2019 (n=513).
A prevalência de estudantes que relataram uso excessivo de redes sociais foi de 35,9% (intervalo de confiança — IC95% 31,7–40,0). As prevalências variaram entre 28,3% para sexo masculino e 48,7% para cor de pele negra (Tabela 2). Praticamente todos os estudantes (99,4%) usavam redes sociais. Dois terços (66,0%) usavam-nas no celular e no computador e 65,1% usavam-nas sempre ou quase sempre antes de dormir.
Análise de regressão de Poisson bruta e ajustada e fatores associados ao uso excessivo de redes sociais entre estudantes do ensino médio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Rio Grande, 2019 (n=513).
Na análise bruta, os grupos com maior probabilidade de usar excessivamente as redes sociais foram: sexo feminino (razão de prevalência — RP=1,55; IC95% 1,22–1,97) e cor de pele preta/parda (RP=1,51; IC95% 1,19–1,91). Também se identificou que filhos de mães com nível superior mostraram proteção para o desfecho (RP=0,69; IC95% 0,50–0,96) (Tabela 2). Após ajuste, permaneceram associados sexo feminino (RP=1,62 IC95% 1,27–2,06) e cor da pele preta/parda (RP=1,44; IC95% 1,13–1,83). Além disso, estudantes de 18 a 20 anos apresentaram maior probabilidade de uso excessivo de redes sociais (RP=1,57 IC95% 1,00–2,46), enquanto aqueles que estavam no segundo (RP=0,68; IC95% 0,49–0,94) e quarto anos (RP=0,52 IC95% 0,32–0,86) tiveram menor probabilidade. A escolaridade materna perdeu a associação (Tabela 2).
Aqueles que relataram usar as redes sociais excessivamente foram mais propensos a não seguir uma dieta saudável (36,9%), a usar tabaco (9,4%), a consumir álcool (56,8%), a usar drogas (14,2%), a ter risco elevado de suicídio (23,9%), a estar insatisfeitos com o corpo (51,1%) e a ter maior risco de depressão/ansiedade/estresse (27,9%) em comparação com os que reportaram não usar as redes sociais excessivamente (Tabela 3).
Associação de uso excessivo de redes sociais com condições e comportamentos negativos à saúde entre estudantes do ensino médio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Rio Grande, 2019 (n=513).
A Figura 1 apresenta a associação do uso excessivo de redes sociais com condições e comportamentos negativos à saúde dos estudantes. As associações foram significativas para todos os desfechos e as mais fortes ocorreram com tabagismo (RP=2,05; IC95% 1,05–4,01), risco de depressão, ansiedade e estresse (RP=1,83; IC95% 1,29–2,60), risco elevado de suicídio (RP=1,79; IC95% 1,22–2,62) e uso de drogas (RP=1,73; IC95% 1,04–2,87).
Associação de uso excessivo de redes sociais com condições e comportamentos negativos à saúde entre estudantes do ensino médio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, campus Rio Grande, 2019 (n=513).
DISCUSSÃO
O presente estudo avaliou a prevalência de uso excessivo de redes sociais e identificou os seus fatores associados em estudantes do ensino médio no Sul do Brasil. Observou-se que 35,9% dos indivíduos usavam excessivamente as redes sociais. Indivíduos do sexo feminino, mais velhos e com cor da pele preta/parda tiveram maior probabilidade de uso excessivo de redes sociais, e os adolescentes que estavam no segundo e quarto anos apresentaram menor probabilidade para o desfecho. Verificou-se que tabagismo, risco de depressão, ansiedade e estresse, risco elevado de suicídio e uso de drogas estavam fortemente associadas a esse comportamento.
A prevalência estimada neste estudo foi superior à encontrada em outras investigações sobre o tema. Por exemplo, a proporção de estudantes de ensino médio com uso excessivo de redes sociais em pesquisa conduzida na República Tcheca, no ano de 2017, foi de 25,9%.12 Entretanto, é importante mencionar que o referido estudo considerou como “alto uso” de mídias sociais o tempo de duas horas ou mais por dia. Utilizando esse mesmo ponto de corte para o desfecho, um estudo no Canadá, no ano de 2019, identificou que 27,6% de uma amostra de adolescentes de ensino fundamental e médio apresentaram esse comportamento.13 Entretanto, em um levantamento conduzido em seis países europeus em 2014, a prevalência foi levemente superior (38,8%).14 Há escassez de estudos na literatura que tenham estimado a prevalência de uso excessivo de redes sociais em estudantes da educação básica e, ainda, existem diferenças no ponto de corte para a definição do desfecho, o que dificulta uma melhor comparabilidade.
Adolescentes do sexo feminino apresentaram quase o dobro de probabilidade de usar excessivamente as redes sociais quando comparados aos do sexo masculino, uma associação consistente na literatura sobre o assunto.9,15,16 Essas diferenças podem ser explicadas pelas diferentes motivações para o uso das redes sociais entre os sexos. As adolescentes comunicam-se com mais frequência com amigos do mesmo sexo e familiares e utilizam as redes sociais para a manutenção de amizades e por gostarem dessa forma de interação social. Por outro lado, os rapazes comunicam-se com mais frequência com pessoas que nunca conheceram e com amigos do mesmo sexo sobre jogos e esportes on-line, bem como para pertencerem a um grupo.15
Estudantes de cor de pele preta/parda também tiveram maior probabilidade de apresentar uso excessivo de redes sociais, corroborando o estudo de Tynes e Mitchell realizado nos Estados Unidos em 2014, com uma amostra representativa de jovens de 10 a 17 anos de idade.17 Nele, identificou-se que jovens negros são mais propensos a utilizarem as redes sociais, principalmente para conversar com pessoas que conheceram on-line e não conheceram pessoalmente e, ainda, têm e são mais predispostos a se envolverem em comportamentos sexuais on-line.17
Indivíduos mais velhos tiveram maiores probabilidades de uso excessivo de redes sociais. No entanto, observou-se que os estudantes do primeiro ano apresentaram as maiores prevalências para o desfecho. Diante desses achados contraditórios, verificou-se que muitos dos alunos de 18 a 20 anos eram repetentes e encontravam-se no primeiro ano (dados não apresentados), o que poderia explicar esses resultados. Sampasa-Kanynga et al., ao investigarem as associações entre uso de mídia social, conectividade escolar e desempenho acadêmico em estudantes do ensino médio e do ensino fundamental de Ontário, Canadá, observaram que o uso pesado de mídias sociais estava negativamente associado à conectividade escolar e ao desempenho acadêmico.13 As constatações do referido estudo podem auxiliar no maior entendimento dos nossos achados, uma vez que o uso excessivo de sites de redes sociais pode prejudicar o rendimento escolar de adolescentes.
Os resultados também mostraram que participantes com uso excessivo de redes sociais estavam mais propensos a ter alimentação não saudável e a apresentar insatisfação corporal. Esse uso está associado a maiores chances de pular o café da manhã e consumir bebidas energéticas.18 É possível que o aumento do tempo nas redes sociais diminua o tempo para preparar ou realizar refeições. Outra explicação seria basicamente as escolhas alimentares que os jovens estão fazendo atualmente.18 A insatisfação corporal, por sua vez, parece ser estimulada pelo aumento da exposição a — e da comparação com — figuras socialmente estabelecidas como ideais.19 Em um estudo com adolescentes brasileiras, observou-se risco quase cinco vezes maior de insatisfação corporal entre aquelas que reportaram usar Instagram e Facebook de cinco a 10 vezes por dia.20 Além disso, os adolescentes relatam sentir pressão para realizarem publicações em que pareçam perfeitos, selecionando e editando detalhadamente suas postagens.21 Esse excesso de exposição faz com que os adolescentes recebam mais feedback sobre sua aparência, o que pode contribuir para o aumento na insatisfação corporal.22
Jovens que usaram excessivamente as redes sociais tiveram maior probabilidade de usar álcool, tabaco e drogas ilícitas. Um mecanismo que pode explicar esse resultado é a influência dos pares, pois a probabilidade de usar alguma substância é maior quando o indivíduo possui algum amigo que também apresenta esse comportamento.23 Pelas redes sociais, os contatos sociais com pares não estão mais restringidos às barreiras físicas. Essa amplificação pode aumentar a quantidade de exposição a conteúdos que estimulem o uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas. Além disso, a exposição em ambientes on-line pode se tornar mais confortável sob o uso de álcool, que aumenta a percepção de extroversão e popularidade.24
Neste estudo, os jovens que relataram usar as redes sociais excessivamente foram mais propensos a ter risco de ansiedade, depressão e estresse e, também, risco elevado de suicídio, associações que já foram identificadas em outras pesquisas (nos Estados Unidos em 2018 e Canadá em 2015) sobre o assunto.25,26 As redes sociais são ferramentas que permitem grande interação social, porém com conexões superficiais, não substituindo a comunicação presencial. Esse tipo de relacionamento pode levar os adolescentes a sentimentos de solidão e depressão. É recorrente a publicação de mensagens com conteúdos distorcidos sobre sucesso, bens materiais, boa aparência física, impressões de bem-estar e felicidade por parte dos amigos virtuais. A exposição continuada a esse tipo de material pode desencadear sentimentos de incapacidade ou de estar fora dos padrões, o que pode desenvolver ansiedade ou depressão nos indivíduos.27 Somado a isso, indivíduos que passam mais tempo em redes sociais provavelmente se envolvem menos em outras atividades de promoção à saúde, que são correlacionadas negativamente com sintomas depressivos.25 Por fim, as redes sociais são a principal plataforma para o cyberbullying,1 caracterizado como atos agressivos e intencionais praticados por um indivíduo ou grupo pelas formas eletrônicas de contato.28 Vítimas de cyberbullying estão mais propensas a tentar suicídio do que pessoas que não passam por tais situações.29
Contudo, os resultados encontrados neste estudo devem ser interpretados considerando-se suas limitações e pontos fortes. Em primeiro lugar, o desenho transversal não permite o estabelecimento de temporalidade, o que pode acarretar viés de causalidade reversa. Segundo, é possível que o tempo total de uso de redes sociais possa ter sido subestimado pelos participantes, por se tratar de uma medida de autorrelato de uso. Terceiro, a falta de padronização de um ponto de corte para o uso excessivo de redes sociais dificultou a comparação entre os estudos, pois cada pesquisa utilizou um ponto de corte divergente. Um dos pontos fortes a se destacar neste estudo é o fato de tratar-se de um censo do qual todos tiveram oportunidade de participar, o que reduz a interferência de viés de seleção. Além disso, realizou-se a avaliação de características individuais e possíveis consequências em saúde do uso excessivo de redes sociais, com a identificação dos grupos mais vulneráveis a ele. Isso pode contribuir para a realização de medidas preventivas, como intervenções educacionais de conscientização sobre a importância de reduzir esse comportamento.
Conclui-se que um terço dos estudantes de ensino médio em uma cidade no Sul do Brasil usavam em excesso as redes sociais. Indivíduos do sexo feminino, mais velhos, com cor da pele preta/parda e que estavam no início do ensino médio tiveram maior probabilidade de uso exagerado de redes sociais. A associação desse uso com características comportamentais dos estudantes foi mais forte para tabagismo, risco de depressão, ansiedade e estresse, risco elevado de suicídio e uso de drogas.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Maio 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
21 Out 2020 -
Aceito
01 Abr 2021