RESUMO
Objetivo: Analisar a tendência temporal da mortalidade infantil e da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família e os fatores associados à mortalidade infantil, nos municípios da 3ª Regional de Saúde do Paraná.
Métodos: Estudo ecológico de série temporal, com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Sala de Apoio à Gestão Estratégica (SAGE), de 2005 a 2016. As tendências foram calculadas por regressão polinomial. Os fatores associados à mortalidade infantil consistiram em variáveis maternas, obstétricas e perinatais. O nível de significância foi de 5%.
Resultados: Entre 2005 e 2016, houve 115.796 nascimentos e 1.575 óbitos de menores de 1 ano. Considerando os municípios em conjunto, a cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família passou de 43,8% em 2005 para 66,4% em 2016, e a mortalidade infantil, de 17,1/1.000 nascidos vivos em 2005 para 10,7/1.000 nascidos vivos em 2016. A tendência ao longo do tempo da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família foi crescente e a da mortalidade infantil decrescente para a maioria dos municípios. Os fatores associados a maiores chances de óbito em menores de 1 ano foram a idade gestacional pré-termo (Odds Ratio - OR=15,05; intervalo de confiança de 95% - IC95% 13,54-16,72), baixo peso ao nascer (OR=15,14; IC95% 13,61-16,84), gestação múltipla (OR=4,51; IC95% 3,74-5,45) e mãe com até sete anos de estudo (OR=1,93; IC95% 1,74-2,14).
Conclusões: Tendência crescente da cobertura pela Estratégia Saúde da Família foi acompanhada de tendência decrescente da mortalidade infantil. Os resultados podem ser fonte de informações para o fortalecimento das ações em saúde materno-infantil, considerando as especificidades locais e regionais.
Palavras-chave: Mortalidade infantil; Estratégia Saúde da Família; Fatores de risco
ABSTRACT
Objective: To analyze the temporal trend in infant mortality and in populational coverage by the Family Health Strategy and associated factors with infant mortality in the municipalities of the 3rd Health Regional of Paraná, Southern Brazil.
Methods: Ecological time series study, with data from the Mortality Information System (Sistema de Informação Sobre Mortalidade - SIM), the Live Birth Information System (Sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos - SINASC) and the Support Room for Strategic Management (Sala de Apoio à Gestão Estratégica - SAGE), from 2005 to 2016. Trends were calculated using polynomial regression. The associated factors with infant mortality were maternal, perinatal and obstetric variables. The significance level adopted was 5%.
Results: Between 2005 and 2016, there were 115,796 births and 1,575 deaths of children under 1 year of age. Considering the municipalities together, the populational coverage by the Family Health Strategy went from 43.8% in 2005 to 66.4% in 2016 and the infant mortality from 17.1/1,000 live births in 2005 to 10.7/1,000 live births in 2016. The trend over time of populational coverage by the Family Health Strategy was crescent and of infant mortality was decrescent, for most municipalities. The factors associated with greater chances of death in children under 1 year of age were preterm gestational age (Odds Ratio - OR=15.05; 95% confidence interval - 95CI% 13.54-16.72), low birth weight (OR=15.14; 95%CI 13.61-16.84), multiple gestation (OR=4.51; 95%CI 3.74-5.45) and mother with up to 7 years of study (OR=1.93; 95%CI 1.74-2.14).
Conclusions: Crescent trend in coverage by the Family Health Strategy was accompanied by a decrescent trend in infant mortality. The results can be a source of information for the strengthening of mother-child health actions, considering local and regional specificities.
Keywords: Infant mortality; Family Health Strategy; Risk factors
INTRODUÇÃO
A mortalidade infantil é considerada uma grande preocupação em saúde pública no Brasil e envolve aspectos biológicos, sociais, culturais e falhas nos serviços de saúde.1 Esse indicador vem diminuindo no Brasil de forma progressiva ao longo dos anos,2 mas, apesar da redução, permanecem diferenças regionais em relação à mortalidade infantil.3,4,5
Assim, destaca-se a importância de reduzir as desigualdades nas taxas de mortalidade e alcançar melhores níveis de sobrevivência infantil, mediante a responsabilização e o compromisso dos serviços de saúde sobre a população de sua área de abrangência.1 Nesse contexto, foi criado o Programa Saúde da Família, em 1994, que gradualmente foi se tornando a principal estratégia de mudança no modelo da assistência, bem como na ampliação do acesso inicial aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).6 Posteriormente, passou a denominar-se de Estratégia Saúde da Família (ESF), por causa de sua capacidade de reorganizar o modelo assistencial do SUS, com base nos princípios da integralidade e participação da comunidade nos serviços de saúde, bem como de promover ações de proteção, promoção e recuperação da saúde.7
A ESF expandiu-se consideravelmente nos últimos 20 anos.6 Em 2001, havia apenas 5.421 equipes de Saúde da Família no Brasil, comparadas com 42.784 em 2019, sendo 2.277 delas no Paraná.8 Essa expansão resultou, entre outros fatores, em melhor acesso aos serviços de saúde e maior utilização deles, além de melhora em diversos indicadores, garantindo maior equidade e diminuindo as desigualdades em saúde.9
Ponderando que o aumento na cobertura pela ESF está possivelmente associado à redução da taxa de mortalidade infantil,3 a análise da mortalidade infantil e da ESF é essencial para melhor entender as condições de saúde das populações materna e infantil. Isso pode permitir a elaboração de ações prioritárias e o desenvolvimento de estratégias específicas para melhor organização da rede assistencial de saúde, com foco no fortalecimento da atenção primária em saúde.
Buscou-se neste estudo analisar a tendência temporal da mortalidade infantil e da cobertura populacional pela ESF e verificar os fatores associados à mortalidade infantil, nos municípios da 3ª Regional de Saúde do Paraná, de 2005 a 2016.
MÉTODO
Trata-se de um estudo ecológico, de série temporal e técnicas de análise espacial de área. O estado do Paraná é dividido em 22 Regionais de Saúde, distribuídas em quatro macrorregionais.10 A 3ª Regional de Saúde, situada na macrorregional leste, é composta de 12 municípios e abrange população estimada em 637.293 habitantes em 2019, correspondendo a 5,6% da população do estado. Ponta Grossa possui a maior população, com 351.736 habitantes, enquanto Porto Amazonas, a menor, com 4.848.11
No Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC)12 foram coletadas informações referentes aos óbitos de menores de 1 ano de idade e de nascidos vivos de mães residentes, respectivamente, nos municípios que compõem a 3ª Regional de Saúde do Paraná, de 2005 a 2016. Na Sala de Apoio à Gestão Estratégica (SAGE),8 buscaram-se dados sobre o número de equipes de Saúde da Família e o percentual da população coberta pela ESF, de 2005 a 2016. Para proceder às comparações, foram coletados dados de todo o estado do Paraná.
O cálculo do coeficiente de mortalidade infantil foi obtido pela divisão entre o número de óbitos de menores de 1 ano de idade e o número de nascidos vivos da mesma localidade e período, expresso por 1.000 nascidos vivos.
O cálculo da variação anual média da cobertura populacional pela ESF e da mortalidade infantil ao longo do período analisado deu-se pela diferença entre o valor do ano final (2016) e o do ano inicial (2005) dividida pelo número de anos pesquisados, 12 anos.3
A tendência da cobertura populacional pela ESF para os municípios, para a 3ª Regional de Saúde e para o Paraná, foi feita pelo modelo de regressão polinomial,13 considerando os percentuais da cobertura como a variável dependente e os anos pesquisados como a variável independente. Assim, foi testado o modelo de regressão linear simples de segundo e terceiro graus. O melhor modelo foi escolhido levando-se em conta a análise do diagrama de dispersão, o valor do coeficiente de determinação (R2) e a análise dos resíduos. As variações das séries foram suavizadas por meio de média móvel centrada em três médias sucessivas, exceto para o primeiro e o último ano (média móvel de dois anos). Realizaram-se os mesmos procedimentos para o cálculo da tendência da mortalidade infantil.
As unidades de análise espacial foram os municípios, considerando o primeiro e o último ano pesquisado, com os coeficientes de mortalidade infantil distribuídos em cinco grupos, graduados em escalas de cores. A distribuição espacial foi realizada por meio do programa de código aberto TAB para Windows TabWin, desenvolvido pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).
O número de óbitos infantis em menores de 1 ano foi comparado ao número de nascidos vivos em relação às variáveis maternas de idade (até 19 anos ou 20 anos ou mais) e escolaridade da mãe (até sete anos ou oito anos ou mais), obstétricas sobre o tipo de gestação (múltipla ou única) e tipo de parto (natural ou cesáreo) e perinatais referentes ao sexo (masculino ou feminino), idade gestacional 1 (pré-termo até 36 semanas e 6 dias de idade gestacional ou termo de 37 a 41 semanas e 6 dias), idade gestacional 2 (pós-termo de 42 semanas ou mais de idade gestacional ou termo), peso ao nascer 1 (baixo até 2499g ou normal de 2500 a 3999g) e peso ao nascer 2 (normal ou alto de 4000g ou mais). As informações ignoradas não foram consideradas. A associação entre as variáveis foi testada por meio do teste do qui-quadrado de Pearson, calculando-se Odds Ratio (OR) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%).
Os dados foram processados no programa Microsoft Office Excel® 2010 para Windows®, e para os cálculos se utilizou o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS Statistics), versão 15.0. O nível de significância adotado foi de 5%. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e aprovado, sob protocolo número 3.067.224 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) número 03805718.4.0000.0105.
RESULTADOS
Em 2005, seis dos 12 municípios analisados apresentaram percentual de cobertura populacional pela ESF acima de 50%, e em 2016 esse número subiu para nove municípios. Considerando os municípios em conjunto, a cobertura populacional pela ESF passou de 43,8% em 2005 para 66,4% em 2016 (Tabela 1).
Todos os coeficientes de mortalidade infantil foram maiores de 10 óbitos por 1.000 nascidos vivos (limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde) em 2005. Já em 2016, pôde-se observar redução dos coeficientes em dez municípios, sendo cinco deles com taxas menores de 10 óbitos por 1.000 nascidos vivos. Levando-se em conta todos os municípios em conjunto, a mortalidade infantil passou de 17,1/1.000 nascidos vivos em 2005 para 10,7/1.000 nascidos vivos em 2016 (Tabela 1).
Houve grande variação nos coeficientes de mortalidade infantil entre os municípios ao longo dos anos, sendo os maiores de 52,2 e 35,1 óbitos por 1.000 nascidos vivos até nenhum óbito para alguns municípios.
A maioria dos municípios, totalizando nove, apresentou tendência crescente da cobertura da ESF, bem como os municípios em conjunto (3a Regional de Saúde) e o Paraná. Apenas os municípios de Porto Amazonas, São João do Triunfo e Arapoti tiveram tendência decrescente da cobertura pela ESF (Tabela 2). Porto Amazonas exibiu alta cobertura populacional pela ESF (mais de 70% de cobertura em todos os anos pesquisados), bem como São João do Triunfo e Arapoti (mais de 70% de cobertura na maioria dos anos).
Para a mortalidade infantil, nove municípios demonstraram tendência decrescente, exceto Castro, Piraí do Sul e Arapoti, com tendência estável. Os municípios em conjunto (3a Regional de Saúde) e o estado do Paraná também apresentaram tendência decrescente (Tabela 2).
Houve tendência crescente da cobertura populacional pela ESF na 3a Regional de Saúde do Paraná, acompanhada de tendência decrescente da mortalidade infantil, e o mesmo aconteceu para o estado do Paraná. Apesar de a cobertura populacional da regional de saúde ter sido menor do que a do estado do Paraná e de os coeficientes de mortalidade infantil terem sido maiores para a regional de saúde em quase todos os anos estudados, os valores dessas variáveis ficaram bem próximos entre a regional de saúde e o Paraná, nos últimos anos analisados (Figura 1).
Curvas e respectivas linhas de tendência da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família (%) e coeficientes de mortalidade infantil, por 1.000 nascidos vivos, da 3a Regional de Saúde do Paraná e do Paraná, de 2005 a 2016.
Sobre a distribuição espacial dos coeficientes de mortalidade infantil, observa-se que, de modo geral, os coeficientes foram maiores no primeiro ano. No último ano houve melhora. Por exemplo, Carambeí, Jaguariaíva, Ipiranga, Palmeira e Porto Amazonas tiveram menos do que 10 óbitos para cada 1.000 nascidos vivos (Figura 2).
Coeficientes de mortalidade infantil, por 1.000 nascidos vivos, dos municípios da 3ª Regional de Saúde do Paraná, de 2005 a 2016.
As variáveis que apresentaram associação significante com os óbitos infantis foram: idade materna até 19 anos, escolaridade da mãe de até sete anos, gestação múltipla, recém-nato do sexo masculino, recém-nato pré-termo e pós-termo e baixo peso ao nascer. As variáveis que se mostraram, após ajuste, como fator de risco para os óbitos infantis foram: baixo peso ao nascer (OR=15,14), prematuridade (OR=15,05), gestação múltipla (OR=4,51) e mãe com até sete anos de estudo (OR=1,93) (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Considerando os municípios da 3a Regional de Saúde do Paraná em conjunto, assim como o estado do Paraná, houve tendência crescente da cobertura populacional pela ESF, que foi acompanhada de tendência decrescente da mortalidade infantil. Entre os municípios analisados, a maioria (sete deles) também apresentou tendência crescente da cobertura populacional pela ESF e decrescente da mortalidade infantil. Os outros dois municípios com tendência crescente da cobertura exibiram tendência estável da mortalidade infantil.
Estudos relataram aumento da cobertura da ESF ao longo dos anos.3,5,9 Municípios com alta cobertura pela ESF possuem maior utilização dos serviços de saúde primários, além de apresentarem melhoria mais acelerada em indicadores de saúde como mortalidade infantil e de crianças menores de 5 anos, redução das internações por causas evitáveis pela atenção primária e da mortalidade por causas cardiovasculares e cerebrovasculares.14
A literatura tem demonstrado tendência decrescente da mortalidade infantil em todas as macrorregionais do estado do Paraná entre 2000 e 20144 e no estado de São Paulo.15 Mundialmente, esse declínio também tem sido observado, no entanto ainda persistem muitas disparidades regionais.2 Alguns países desenvolvidos possuem índices de mortalidade infantil próximos a dois por 1.000 nascidos vivos, enquanto muitos países da África Subsaariana atingem valores superiores a 60 por 1.000 nascidos vivos,16 destacando as iniquidades em acesso à saúde ao redor do mundo, refletindo desigualdades sociais e econômicas.
A associação entre maior cobertura pela ESF e melhora em indicadores de saúde, incluindo a mortalidade infantil, tem sido descrita na literatura.3,5,14 No presente estudo, o aumento da cobertura pela ESF foi acompanhado da redução da mortalidade infantil para os municípios em conjunto e para a maioria dos municípios, exceto em dois, com mortalidade infantil estável. Três municípios apresentaram tendência decrescente da cobertura, sendo dois com tendência decrescente e um estável para mortalidade infantil. Importante ressaltar que esses três municípios mantiveram alta cobertura populacional pela ESF (maior de 70%) durante a maioria dos anos, o que pode justificar, em parte, o fato de a mortalidade infantil ter se mantido decrescente ou estável.
No semiárido brasileiro, o Programa Bolsa Família, aliado à ESF, diminuiu de forma significativa a mortalidade infantil e as taxas de fecundidade total.17 No estado de São Paulo entre 1998 e 2009, as coberturas pela ESF superiores a 50% mostraram efeito de proteção em relação à mortalidade pós-neonatal, e coberturas de até 50% ou superiores foram fatores de proteção para internações por pneumonia em menores de 1 ano. Os autores também concluíram que a efetividade da ESF sobre os desfechos ligados à saúde da criança pode variar, em razão de contextos locais e regionais.5
Em uma análise entre mortalidade infantil e cobertura populacional pela ESF nas unidades da Federação, de 1998 a 2008, observou-se que a expansão da cobertura pela ESF esteve associada à redução das taxas de mortalidade infantil em 73% dos estados brasileiros, com diferenças nas taxas entre os estados e regiões.3
Com base em um estudo longitudinal avaliando a relação entre médicos na atenção primária e mortalidade infantil no Brasil, entre 2005 e 2012, estimou-se que o aumento de um médico na atenção primária para uma população de 10 mil pessoas foi associado a menos 7,08 óbitos de menores de 1 ano para 10 mil nascidos vivos, mostrando a importância da atenção primária como um componente-chave para a criação de um sistema de saúde de qualidade e universal.18
De fato, a expansão e a adequação da ESF permitiram melhor acesso aos serviços de saúde e maior utilização deles, redução da mortalidade infantil e adulta e expansão do acesso a tratamentos, da infraestrutura e do conhecimento, além da diminuição das hospitalizações desnecessárias, garantindo maior equidade e reduzindo as desigualdades em saúde.9
Ao se caracterizar os óbitos de menores de 1 ano na 3ª Regional de Saúde do Paraná, identificaram-se as variáveis que se apresentaram com maiores chances para a ocorrência desses óbitos, que foram baixo peso ao nascer, recém-nascido pré-termo, gestação múltipla e escolaridade materna até sete anos.
Neste estudo, o baixo peso ao nascer e a prematuridade foram fatores fortemente associados à mortalidade infantil. Recém-natos com baixo peso ao nascer apresentaram 15,14 vezes mais chance de óbito com menos de um 1 de vida e os pré-termos 15,05 vezes mais chance. Em um estudo de caso controle sobre fatores de risco para a mortalidade infantil em cinco cidades brasileiras, o baixo peso ao nascer apresentou forte associação com os óbitos em menores de 1 ano em todas as análises realizadas, permanecendo no modelo final das cinco cidades.19
Considerando que a prematuridade é um importante fator para a mortalidade infantil, devem-se identificar as causas da ocorrência do parto prematuro, para poder evitá-las.20 Em Florianópolis, a chance de óbito neonatal foi 6,09 vezes maior em recém-nascidos prematuros e 9,46 vezes maior naqueles com baixo peso ao nascer.21 Outras pesquisas também relataram associação entre mortalidade infantil e prematuridade e baixo peso ao nascer,22,23 enfatizando a importância da atenção às gestantes de maior risco, buscando diminuir a incidência de ambos os fatores.
A ocorrência de gestação múltipla apresentou 4,51 vezes mais chance de óbito com menos de 1 ano de vida, nos municípios da 3ª Regional de Saúde do Paraná. Associação entre mortalidade infantil e gestação múltipla também foi demonstrada em outros estudos.22,24 Nos Estados Unidos, o risco de mortalidade aumentou de acordo com o número de fetos na gestação: a mortalidade infantil para gêmeos foi aproximadamente quatro vezes maior; para trigêmeos, 12 vezes; e para quadrigêmeos, 26 vezes comparado ao nascimento de uma única criança.25 Além disso, os nascidos vivos prematuros e de baixo peso ao nascer são mais frequentes em gestações múltiplas, reforçando a importância de atenção especial para esse perfil de paciente, que possui maior risco.22
A baixa escolaridade foi apontada como fator de risco para mortalidade infantil em estudo realizado na 9ª Regional de Saúde do Paraná, entre 1997 e 2008, e pode refletir o baixo padrão socioeconômico da mãe, o que acarreta maior risco materno e infantil, pois dificulta o acesso a informação e orientações, complicando o cuidado e a assistência.23 Na Região Sul, entre 2011 e 2012, filhos de mães com menos de oito anos de estudo tiveram chance 85% maior de óbito antes de completarem 1 ano de vida, comparados aos filhos de mães com mais de oito anos de estudo.26
O nascimento pós-termo também esteve mais frequentemente associado ao óbito infantil. Apesar de menos estudada, a gestação prolongada deve ser lembrada, pois é causa de óbito evitável, podendo ser reduzida com o cuidado adequado.1
A gestação na adolescência (até 19 anos de idade) apresentou associação com a mortalidade infantil, em estudo já citado23 e em avaliação da mortalidade infantil em Londrina, Paraná, em 2000/2001 e 2007/2008.24 A fertilidade entre adolescentes é influenciada por diversos fatores, como as maiores desigualdades de renda, entre outros.27 Importante ressaltar a necessidade de oferecer ações de prevenção em saúde para adolescentes, especialmente de planejamento familiar, para evitar gestação indesejada nessa faixa etária, bem como oferta de assistência adequada para as adolescentes grávidas.
Países em desenvolvimento e com grande desigualdade socioeconômica, como o Brasil, devem monitorar as tendências da mortalidade neonatal e abaixo de 5 anos e direcionar com precisão as políticas de saúde e intersetoriais, pois se sabe que os municípios pobres apresentam pior atenção em saúde do que os mais ricos.28 Nesse contexto, medidas têm sido implantadas para redução da mortalidade infantil, como o Programa Rede Mãe Paranaense, que desde 2012 propõe ações de promoção à saúde durante a gestação e o puerpério, com acompanhamento do desenvolvimento da criança, sobretudo no primeiro ano de vida.29 É necessário haver o reconhecimento de situações de risco, o cuidado apropriado e resolutivo à gestante no pré-natal e no parto e à criança, no nascimento, na vigilância, na promoção da saúde e assistência adequada. Essas são ações básicas com grande potencial para melhorar a sobrevida e qualidade de vida das crianças.1
Uma das limitações do presente estudo foi o fato de os dados sobre mortalidade infantil poderem ter sido influenciados por outros fatores ou programas não considerados. Além disso, como o estudo foi realizado em apenas uma regional de saúde, os resultados não podem ser generalizados para as demais regionais do Paraná, em função das especificidades de cada uma delas. Também, houve a utilização de dados secundários, com possibilidade de subnotificação de óbitos, contudo essa limitação pode ser amenizada considerando-se que os dados do SINASC apresentam elevada cobertura, completude e confiabilidade.30
Este estudo contribuiu para o melhor conhecimento sobre o perfil da mortalidade infantil, a cobertura populacional pela ESF e fatores associados nos municípios da 3ª Regional de Saúde do Paraná. Os resultados apresentados podem ser fonte de informações para o direcionamento de estratégias específicas voltadas ao fortalecimento das ações em saúde, em todos os níveis de atenção, especialmente na ESF, para melhoria dos indicadores da saúde materno-infantil, com um sistema de saúde mais acessível, com menores iniquidades e maior resolubilidade.
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Declaração
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8
O banco de dados que deu origem ao artigo está disponível com autor correspondente.
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ERRATA
10.1590/1984-0462/2022/40/2020122erratumNo artigo “Mortalidade Infantil e estratégia Saúde da Família na 3ª regional de saúde do Paraná, de 2005 a 2016”, DOI: 10.1590/1984-0462/2022/40/2020122, publicado na Rev Paul Pediatr. 2022;40:e2020122.Na página 4, segunda coluna, terceiro parágrafo:Onde se lê:As variáveis que se mostraram, após ajuste, como fator de risco para os óbitos infantis foram: baixo peso ao nascer (OR=15,14), prematuridade (OR=15,05), gestação múltipla (OR=4,51) e mãe com até sete anos de estudo (OR=1,93) (Tabela 3).Leia-se:As variáveis que mostraram maior associação com os óbitos infantis foram: baixo peso ao nascer (OR=15,14), prematuridade (OR=15,05), gestação múltipla (OR=4,51) e mãe com até sete anos de estudo (OR=1,93) (Tabela 3).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Maio 2021 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
01 Maio 2020 -
Aceito
06 Set 2020