Open-access Gestos e posturas: dançando com os espíritos1

Gestures and postures: dancing with the Spirits

Resumos

Resumo: O estudo realizado junto ao grupo Jongo de Pinheiral, na antiga Fazenda Pinheiros, no Vale do Paraíba (RJ), revelou que seus integrantes mantêm uma relação afetiva entre si e têm um histórico de lutas sociais marcado por gestualidades ligadas à dança. Com base nesses dados, apresento, neste artigo, uma análise do ritual praticado por jongueiros e umbandistas dedicado a “passagem para o outro plano” dos espíritos que habitam a fazenda. Para isso, mobilizo os estudos da antropóloga Marlene Cunha no campo dos gestos e postura no candomblé Angola. A análise permite a compreensão dos gestos preliminares, liminares e pós-liminares do ritual.

Palavras-chave: jongo; Marlene Cunha; espíritos; gestualidades


Abstract: The study carried out with the Jongo de Pinheiral group, at the former Fazenda Pinheiros, in Vale do Paraíba (RJ), revealed that its members maintain an affective relationship with each other and have a history of social struggles marked by gestures linked to dance. Based on these data, I present, in this article, an analysis of the ritual practiced by jongueiros and umbanda practitioners dedicated to the “passage to the other plane” of the spirits that inhabit the farm. For this, I mobilize the studies of anthropologist Marlene Cunha in the field of gestures and posture in candomblé Angola. The analysis allows the understanding of the ritual's preliminary, liminal and post-liminal gestures.

Keywords: jongo; Marlene Cunha; spirits, gestures


Abriu a primeira porta: introdução

Quis investigar o jongo Só pra ver o que o Jongo tinha Abriu a primeira porta, a escadaria subia Abriu a segunda porta, encontrou Tia Maria Junto à mala do Jongo pedia que não abria Abriu a terceira porta, era a porta da saída A porta fechou tão rápido e o Jongo Não perdeu sua magia.2

O ponto de jongo3 que abre esta seção pode nos levar para diferentes caminhos. Por eles abrimos portas, nos perdemos e abrimos outras. O jongo tem sua “magia”4 e apenas os jongueiros que a compartilham podem compreendê-lo profundamente. Em particular, no meu encontro com os jongueiros do Grupo Jongo de Pinheiral, as palavras da mestra5 Fatinha transformaram-se em um eterno aprendizado. Ela sempre repetia: “O jongo tem fundamento, tem mironga.”

Este estudo é um desdobramento da pesquisa realizada durante os anos de 2017 a 2018 com o grupo de Jongo da cidade de Pinheiral, localizada na região histórica do Vale do Paraíba, no estado do Rio de Janeiro. Ter convivido com os jongueiros ao longo daquele período foi fundamental para compreender que não se deve “investigar o jongo só pra ver o que o jongo tinha”, mas entender que ele “abre as portas”. Como o convite que recebi para o ritual na fazenda Pinheiros, onde o tambor do jongo “não perdeu sua magia”.

“As portas foram abertas” para que eu participasse da “passagem para outro plano” dos espíritos de negros escravizados que permaneciam sofrendo presos no antigo casarão. O fato de participar do ritual foi por muito tempo uma questão difícil de ser compreendida por mim. Aos poucos fui aprendendo que o que estava por vir era um “enredo”, termo tão utilizado nas manifestações afro-pindorâmicas pagãs politeístas6 também descrito por Clara Flaskman (2016:13) em sua pesquisa de campo no terreiro Ilê Iyá Omi Axé Iyamasé (mais conhecido como Gantois), em Salvador, Bahia, quando era sempre indagada sobre a sua presença no espaço religioso. Ela conta que respondia com sinceridade não saber e logo era contestada por seu interlocutor com a expressão “Mas eu sei”, e em seguida complementava com a frase: “Você tem enredo.” Ler seu trabalho me fez recordar do momento em que estive na Casa do Jongo e os jongueiros intensamente me disseram: “Você não escolhe o jongo. É ele que te escolhe.” Ter participado do ritual era como “ter enredo”, ou seja, existia “um motivo válido para estar ali, independentemente da minha vontade ou do simples acaso” (Flaskman 2016:13).

A análise desse rito de passagem, no entanto, só se tornou possível porque teve como base a produção acadêmica da intelectual negra Marlene Cunha. A antropóloga foi pioneira no enfrentamento ao racismo no período da ditadura militar e nos estudos antropológicos sobre gestualidade no candomblé Angola nos anos 1980 (Cunha 1986) (Cunha et al. 2020). Também foi Presidenta e fundadora, ao lado da historiadora Beatriz Nascimento e outros estudantes negros de graduação, do primeiro movimento negro universitário, o Grupo de Trabalho André Rebouças - GTAR, na Universidade Federal Fluminense - UFF. Suas articulações foram fundamentais para a elaboração naquela universidade das Semanas de Estudos sobre a contribuição do Negro na Formação Social Brasileira, que contaram com a participação de intelectuais negros e brancos, em especial Eduardo de Oliveira e Oliveira,7 Carlos Hasenbalg,8 Yvonne Maggie,9 Peter Fry, Juana Elbein, Mestre Didi, dentre outros (Cunha 2017), (Gomes et al 2017), (Ratts 2006; 2011).

Esses encontros apresentavam um forte cunho acadêmico e funcionavam como uma espécie de laboratório onde esses intelectuais testavam seus conceitos, métodos e pesquisas no campo das relações raciais. Naquela época, Marlene Cunha publicou o artigo “Em busca de um espaço”, na revista Estudos Afro-asiáticos, em parceria com os integrantes do GTAR. Realizou pesquisas com sua irmã e amiga Beatriz Nascimento sobre comunidades quilombolas no projeto Sistemas Sociais Alternativos, organizados por negros, dos quilombos ou favelas, na zona rural de Minas Gerais, em especial no quilombo Carmo da Mata, na Comarca do Rio das Mortes e Alagoas (Nascimento 2018: 253-263). Essa intensa relação de afeto entre Beatriz e Marlene é descrita em dois poemas: “Sonho” e “Mar”, anexados ao final deste texto. Após o período de militância acadêmica e produção científica na UFF, Marlene Cunha ingressou no curso de Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP) e iniciou suas pesquisas no campo da gestualidade no candomblé Angola. Tal período foi relembrado pela antropóloga Ilka Boaventura Leite (2019:25) em seu memorial de concurso para professora titular.

Segundo Rosamaria Barbara (2002), apesar de haver uma produção acadêmica sobre a importância do corpo e da dança nas religiões afro-pindorâmicas pagãs politeístas, ainda são poucos os estudos que se dedicaram a compreendê-la em profundidade como fez Marlene Cunha em seus trabalhos (1986; 2020). A intelectual tomou como ponto de partida as experiências pessoais e familiares, o ativismo negro acadêmico, suas pesquisas nos terreiros de candomblé Angola e teorias dos rituais e das técnicas corporais, em especial Van Gennep (2011), Victor Turner (1974) e Marcel Mauss (2003). Assim, conseguiu chegar ao elaborado acervo conceitual da gestualidade:

Ao longo desse curso, dos canais abertos pela discussão da linguagem como sistema simbólico e do valor polissêmico dos símbolos verbais e não-verbais, emergiu a questão do gesto enquanto linguagem corporal. Enquanto linguagem, o gesto é uma produção cultural padronizada e transmitida de geração a geração por aprendizagem informal. O curso, aliado à minha experiência de vida, mostrou-me que o código circulante e facilmente inteligível era muito utilizado enquanto gesto e linguagem corporal no meu cotidiano. Isto, de certo modo, interferia na minha vida acadêmica, no ato de verbalizar e de comunicar ideias. (Cunha 1986:13-14)

A produção acadêmica de Marlene Cunha sobre gestos conjuga sua experiência de vida à experiência acadêmica, mas também sua relação com os terreiros de candomblé Angola, cujos adeptos eram também familiares. Tudo isso contribuiu para a sua análise aprofundada da gestualidade. Esta, por sua vez, foi registrada em um primeiro momento através da máquina fotográfica e, depois, colocadas em sua tese por meio de desenhos que exploraram a variedade de movimentos dos orixás e suas danças (Cunha 1986); (Cunha 2017). Além disso, sua obra realiza uma análise aprofundada sobre a categoria “terra” nos terreiros de candomblé, compreendendo seus significados e sua relação com as gestualidades e as posturas dos orixás. Essa perspectiva chamou atenção do antropólogo James Wafer (1991:177-178):

(...) Marlene de Oliveira Cunha, em sua análise da “linguagem gestual” do candomblé, interpreta um certo número dos mais importantes gestos rituais como referidos à terra: bater a terra com os pés durante a dança; se movimentar com a cabeça curvada e o corpo levemente dobrado durante a roda, para se manter a terra em vista; tocar a terra, depois tocar a testa e atrás do pescoço, num gesto de agradecimento ao próprio espaço ritual e aos espíritos individuais. (1986:144. Tradução do autor)

Apesar de a vida de Marlene Cunha ter sido interrompida de maneira abrupta por negligências médicas, aos 38 anos - e dois dias depois do meu nascimento -, sua produção acadêmica se disseminou de forma frutífera. Desse modo, apresento suas contribuições no campo dos movimentos sociais e das religiões afro-brasileiras não somente para contribuir com a visibilidade da trajetória de mulheres negras brasileiras na Academia, mas também pensar a partir de epistemologias que contribuam de maneira original para outros estudos antropológicos, em especial no campo da raça e religião.

Um dos caminhos aqui propostos é compreender os ritos observados na estrutura organizacional criada por Cunha (1986) em sua etnografia dos gestos rituais no candomblé de Angola, classificando-os em: preliminares, liminares e pós-liminares. Segundo a antropóloga, esses gestos, se dividiam nos terreiros da seguinte forma: os preliminares seriam aqueles relacionados à preparação e ao início do ritual no espaço sagrado, normalmente feitos pela pessoa que exercia um cargo importante em determinado grupo. Na primeira parte deste artigo, apresento os gestos preliminares referentes à preparação do ritual na Casa do Jongo e na antiga fazenda Pinheiros como os gestos de “acolhimento, firmeza corporal”, além das orações e do ato de enxergar. Já os gestos liminares marcam o início do tempo ritual e são analisados quando acontece a “postura adobá”. Essa postura é realizada por todos os participantes e é obrigatória para os presentes na cerimônia religiosa, pois está associada à obrigação, ao respeito e à obediência. Assim, na segunda parte do trabalho analiso a categoria “entrar na roda” como um gesto liminar compreendido pelos jongueiros não somente como um momento de passagem, mas também de transformação corporal na roda de jongo. Por fim, os gestos pós-liminares que encerram o ritual e onde acontece o “rito de agregação” (Gennep 2011).

Abriu a segunda porta: gestos preliminares

“Olha eu vou dizer uma coisa para você, muita gente nossa morreu lá. Por isso é importante que o trabalho seja bem-feito. Pedimos para Deus tirar a dor do coração. Deus abençoa a gente e segue o caminho”, disse o jongueiro Belisário Augusto, o Cheiroso, enquanto nos preparávamos para ir ao encontro dos umbandistas da Casa Espírita Umbandista Caboclo Vira-Mundo de linha branca na fazenda São José do Pinheiro. Naquele dia, estávamos atendendo a um convite feito no dia anterior pelo sacerdote Sebastião Oliveira, o Tiãozinho, pelo médium Mário Celso dos Santos, conhecido como Celso, e pela médium e vidente Daniella Rangel, que recebera mensagens espirituais do Preto Velho Nego Tião. A entidade considerada “dono da terra” relatou a presença, na fazenda, de espíritos de negros escravizados que precisavam fazer a passagem para o outro plano. Para tal missão, ele orientou que a Umbanda e o Jongo deveriam caminhar juntos para a concretização do ritual.

A Fazenda Pinheiro, localizada no interior do estado do Rio de Janeiro, era a antiga sede das propriedades de José Joaquim de Souza Breves e deu nome à atual cidade de Pinheiral, fundada em 13 de junho de 1995. José Breves (1804-1889) foi um dos maiores fornecedores de mão de obra escravizada para o Vale do Paraíba e tinha ligações diretas com o tráfico ilegal de africanos escravizados. Ele usava o trabalho escravo em suas terras e foi um dos maiores produtores de café da região (Abreu et al. 2010). As fazendas eram consideradas, à época, um imenso empreendimento com infraestrutura moderna composta por nove propriedades localizadas nos atuais municípios de Barra Mansa, Angra dos Reis e Piraí, todas no estado do Rio de Janeiro (Campos 2015).

Com o fim da escravidão, a propriedade passou pela administração de diferentes instituições. Em 1890, por meio do Decreto nº 6.862, de 23 de agosto, as terras foram declaradas de utilidade pública e, no ano seguinte, foram adquiridas pelo Ministério da Fazenda. Em 1897, foram cedidas para o Ministério da Guerra, que criou ali um Hospital Militar. Após alguns anos, passou para o Ministério da Agricultura, que, em 1909, criou o Posto Zootécnico Federal de Pinheiro, que posteriormente tornou-se a escola média de Agricultura, Agronomia e Veterinária de Pinheiro. Em 1968 passou a ser subordinada à UFF, que tomou posse das terras por 20 anos (Abreu et al. 2010).

A intensa troca de gestão contribuiu substancialmente para o descaso e abandono da propriedade. Ela foi transferida para o grupo Jongo de Pinheiral somente em 7 de junho de 2016, por meio de um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre o Ministério Público Federal e a Prefeitura Municipal com o objetivo de efetivar a regularização fundiária. Atualmente, o espaço é um lugar com muitas árvores e pedras que lembram o passado e onde se encontra o antigo casarão em ruínas devido aos inúmeros incêndios e saques sofridos.

É importante destacar que os integrantes do Grupo Jongo de Pinheiral pertencem a famílias jongueiras descendentes de negros escravizados que trabalhavam na fazenda e se autodeclaram quilombolas: “Isso foi construído por pessoas que morreram e lutaram. Tem que ter respeito pelas pessoas que morreram e que foram escravizadas, que morreram em navio”, destacou Cheiroso, e continuou: “Temos que ter emoção e coragem para falar que iremos lutar por isso. O jongo é quilombola, porque foi feito por pessoas que morreram por isso aqui.”10

A casa do jongo

No dia do ritual, a mestra jongueira Fatinha mostrava-se a mais preocupada com o ritual: “Esse trabalho tem que ser feito com firmeza” - o que significava que manter o pensamento positivo para que tudo acontecesse da melhor forma. “Mas isso é segredo”, continuou, “não estou chamando todos os jongueiros. Precisamos ir com muita firmeza e fé para que tudo ocorra bem”.

A firmeza corporal é considerada pelos jongueiros um gesto importante de preparação para o ritual, pois é ele que define também na Umbanda a comunicação bem-sucedida com o sobrenatural e o domínio das forças extracotidianas, e consequentemente, o domínio da magia (Penteado Junior 2004). No ritual, a firmeza corporal foi comandada e exercida pelos jongueiros mais velhos de grande prestígio e respeito. Eles orientaram os mais novos sobre como se daria toda a organização e dinâmica da roda e sobre quais pontos seriam cantados.

Todo o preparativo do grupo para o ritual aconteceu na Casa do Jongo, sede do grupo que reúne cerca de oitenta jongueiros. O espaço é considerado um lugar de acolhimento: “É a casa da gente, casa nossa. Para mostrar que o jongo tem uma casa, tem um lugar que se chama a Casa do Jongo”, afirmou Cheiroso.

A Casa apresenta uma importância social imensa por resguardar os saberes e por realizar um cuidado com os jongueiros por meio de encontros, reuniões, espaços de sociabilidade, pela culinária e, por fim, pelo turismo comunitário estimulado pelas festas de Santa’ana e São Benedito. Como destacou Fatinha: “Vamos sair de férias amanhã e, após uma semana, começam: Que dia que a gente vai voltar? Eles sentem falta porque não têm aonde ir nem um convívio de grupo.” Assim, o acolhimento possibilita uma vida social aos integrantes do grupo, despertando um novo olhar sobre a salvaguarda do jongo e do jongueiro.

Fatinha é considerada pelos jongueiros a grande mentora do acolhimento. Certa vez, um importante mestre jongueiro e sacerdote do terreiro de candomblé Angola Unsaba Ionene da raiz Bate folha, que também fica em Pinheiral, conhecido como pai Pedro Paulo, me ensinou que esse ato de acolhimento da mestra jongueira se deve especialmente a seu antigo envolvimento como equede em seu terreiro. Para o sacerdote: “essa acolhida da equede é nada mais do que de uma mãe. Ela tem que saber se situar e se colocar que ela é uma mãe, embora não tenha gerado filho biológico, mas ela é uma mãe espiritual.”

O aprendizado no acolhimento como equede no terreiro foi fundamental para que ela se tornasse uma figura central na organização da casa. Por meio desses saberes, o acolhimento na casa do jongo é feito para o jongueiro e para as pessoas que a visitam: “Quem faz a cultura somos nós. Eu não ando admitindo mais esse povo ficar com essas conversas fiadas. Nós que fazemos a salvaguarda da cultura com toda dificuldade e simplicidade.”

Atualmente, a casa também funciona como um Centro de Referência Afro do Sul Fluminense e atende a cidade de Pinheiral e a região do Vale do Paraíba. A criação do Centro de Referência foi fundamental para a criação dos termos de ajustamentos de conduta,11 em parceria com o Ministério Público Federal, que permitiram a realização de feiras afro, e, em especial, a criação do Dia Municipal do Jongo, celebrado no dia 7 de abril e sancionado pelo Projeto de Lei de nº 708, que homenageia o Mestre Cabiúna. (Cunha 2019).

Pedia que não abria: contratempos

Foi na Casa do Jongo que iniciamos a primeira parte da preparação. Arrumamos os tambores e nos vestimos todos com roupas brancas. Esperamos a chegada de todos os jongueiros que participariam do ritual e, em seguida, o transporte que nos levaria para a fazenda Pinheiros, distante vinte minutos do lugar onde estávamos. Não demorou muito, e estávamos todos nervosos. No meio do caminho, tivemos um contratempo e esquecemos os tambores na casa, de modo que tivemos de retornar à sede. Nesse instante, o tempo começou a ficar nublado e a chuva caiu fortemente. As lideranças mais velhas nos incentivavam para que não perdêssemos a firmeza e continuássemos focados no ritual que estava para acontecer. Cheiroso, o mais emocionado, lembrava-se que seus descendentes estavam no Casarão e que era uma responsabilidade do jongo acolher os espíritos para que fizessem a caminhada.

Após alguns minutos, saímos da Casa do Jongo e chegamos, finalmente, na fazenda Pinheiros. Havia um total de dez jongueiros e encontramos os umbandistas, também vestidos de branco, já incorporados de pretos velhos e rezando ao redor das ruínas do antigo casarão, que a essa altura estava cercada de velas acesas.

Ao perceberem a nossa aproximação, um rapaz nos pediu para que esperássemos o término da “corrente espiritual” que estava sendo realizada para que os escravizados se preparassem para sair das ruínas do antigo casarão. A preparação dos umbandistas aconteceria já na fazenda. Ao mesmo tempo em que acontecia a corrente espiritual, Fatinha, concentrada, começou a procurar um lugar para a roda de Jongo e foi retirando vagarosamente as palhas no chão. Ela catava as folhas como se pedisse licença para os dono da terra para pisar. Estava frio e ventava bastante. O clima não era favorável e, durante horas, junto com os jongueiros, tentávamos aquecer o couro do tambor. A água da chuva nos lembrava lágrimas caindo na terra. Todos estavam muito preocupados com o tempo. Algo não permitia que Fatinha organizasse a roda: “Hoje o dia está bem difícil. Vocês saíram de casa e esqueceram de pegar as cadeiras. Saímos atrasados. Quase não chegamos para o ritual. E agora essa chuva! Ah, mas ela vai parar!”

A chuva insistia em cair: “O que a gente faz, agora?”, perguntei, rompendo o silêncio que se estabelecia entre os jongueiros. Fatinha respondeu, pensativa, que resolveria o problema naquele momento, pegou o galho de uma árvore e desenhou no chão duas imagens do sol. Depois, olhando para todos, disse: “Gente, eu vou cantar um ponto de jongo aqui e quero que vocês cantem com firmeza e peçam para parar com essa chuva.” Preocupados, em roda, com os pés descalços e em pé, batemos palmas e cantamos: “Quem falou que nós não vinha. Mas é ruim de nós não vir. Eu pedi pra São Benedito, ai meu Deus do céu. Para abrir os nossos caminhos. Vem falar com mamãe.”12

Fatinha cantou o ponto para abrir os caminhos e para que a roda de jongo pudesse acontecer. Em poucos minutos a chuva cessou. Em seguida, ela disse, olhando para mim: “Está vendo? É a força que o jongo tem.” Essa força, segundo os jongueiros, é uma experiência sagrada e espiritual vivida através do corpo. Por meio desse gesto, Fatinha me ensinava como o jongo está em interação com a natureza e os espíritos que habitavam o antigo casarão. Tratarei de forma mais detalhada a categoria “força” no decorrer do artigo. Por ora, prosseguirei com a descrição do ritual, trazendo mais elementos para sua melhor compreensão.

Enfim os umbandistas terminaram a corrente e vieram ao nosso encontro. Nenhum deles permanecia incorporado, o que durou apenas o tempo da reza. A médium e vidente Daniella foi a primeira a chegar e deu um longo abraço nos jongueiros. Fatinha aproveitou para perguntá-la sobre o motivo da chuva forte. Ela prontamente respondeu que a chuva era um sinal de que os espíritos estavam iniciando sua passagem para o outro plano. Os espíritos, segundo ela, estavam aprisionados dentro do casarão desde a época da escravidão e esse aprisionamento não foi apenas espacial, mas mental, porque o cativeiro tinha “dimensões psicológicas” que se aproximavam a “processos obsessivos”, fazendo com que eles estivessem presos ao lugar onde foram escravizados.

Daniella informou aos participantes do ritual que poderia enxergar os espíritos e que, “por mais que estivessem desencarnados e, alguns deles, bem elevados, eles tinham aquele comprometimento do senhorio muito forte. Então eles não conseguiram se desvincular do local, da região, do ambiente.” Em seguida completou: “uns porque estavam escravizados psicologicamente, outros porque a família não foi embora”.

A respeito da fala de Daniella, o sacerdote Tiãozinho acrescentou alguns detalhes do ritual. De acordo com ela, apenas os pretos velhos poderiam fazer as orações, que deveriam ser realizadas no chão de joelhos e com as mãos cruzadas, de modo a resgatar os espíritos que se encontravam nas ruínas: “Qualquer outro, principalmente, se for de cor branca, se chegar lá, vão se assustar e fugir. Os velhos viveram na época da escravidão, eles vão ter uma identificação. Será mais fácil para trabalhar e socorrê-los.”

Tiãozinho também me explicou que a presença de uma pessoa branca fazia com que os espíritos tivessem o gesto de se assustar e, consequentemente, a postura de fugir. Isso porque pessoas brancas seriam associadas à figura de um escravocrata, motivo pelo qual os espíritos não sairiam do lugar onde estavam presos psicologicamente. Em seguida, relatou: “Eu tenho um sobrinho branco, e ele não estava programado para ir, foi para levar alguns dos membros. Quando ele apareceu, alguns espíritos fugiram. Eles viram nele um fazendeiro dono de escravos.” Diante da postura de fuga dos escravizados nesse dia, os umbandistas tiveram de reorganizar os espíritos por meio dos gestos de firmeza que se deram de forma incorporada nos pretos velhos.

Os gestos preliminares foram identificados tanto na preparação do jongo quanto na da Umbanda, todos necessários para que o ritual de passagem para o outro plano acontecesse da melhor forma. Daniella, emocionada, explicou: “Eu entendi que tanto a roda de jongo como a intervenção dos pretos velhos eram importantes para permitir que os espíritos dos escravos se aproximassem.” Em seguida enfatizou: “É a Umbanda de um lado fazendo o trabalho de aproximação através dos pretos velhos, e, do outro lado, o jongo atraindo os espíritos através da batida do tambor.” Por fim, completou: “O preto velho vem para orientar os espíritos aprisionados no casarão, mas o poder de atração dos espíritos pelo tambor complementa essa orientação.”

De certo modo, os gestos que precedem o ritual podem ser compreendidos na perspectiva do que Ordep Serra (2001) descreveu como um “despacho de abertura”. Em sua etnografia sobre a umbanda candanga, o antropólogo descreve o despacho de abertura como um rito propiciatório a Exu, que pode se resumir a um gesto com qualquer tipo de oferenda, e com um sentido aversivo. Ele também pode envolver sacrifícios e cânticos especiais, em especial nas giras de Exu, com a intenção de abrir o terreiro e fechar a rua. O despacho de abertura feito pelos membros da umbanda no espaço do casarão foi explicado da seguinte forma pelo sacerdote Tiãozinho:

As velas nós acendemos no início quando chegamos porque nesse caminho tem uma porta do lado você chegando na ruína do lado esquerdo. À frente entrando no meio do mato tem uma porta que eles falaram que era a principal passagem. Fomos lá e acendemos as velas que tinham que ser acesas, na frente onde tem a escadinha, e atrás, onde era a cozinha, onde seria feito o trabalho. Então naquela hora que nós acendemos tínhamos feito oração pedindo para encaminhar para os espíritos serem ajudados. Fizemos oração sem e incorporado com as entidades. Se sentir a necessidade eles falam e pedem para encaminhar.

O despacho de abertura está relacionado a uma sequência de ritos preliminares e ao desenho ritual do espaço. É preciso enfatizar que as oferendas aos espíritos escravizados eram escolhidas de acordo com a orientação do Nego Tião, entidade que desempenhou um papel de liderança tanto dos espíritos como dos umbandistas: “Quem toma conta deles é o nego Tião, a menina que é vidente falou que ele é muito alto. O negão Tião disse que só vai embora depois de resgatar todos os negros que estão ali, ele é um líder, e as pessoas devem acatar o que ele disse.”

Após a realização dos gestos preliminares, estávamos quase prontos para participar do ritual de passagem para o outro plano dos espíritos das ruínas do casarão. Até esse momento, a chuva havia passado e estávamos praticamente secos, limpando o chão onde aconteceria a roda. Nesse ponto torna-se importante recordar brevemente o nosso percurso até o casarão.

O ritual de passagem

A preparação para o ritual se realizou através dos gestos de firmeza corporal e aconteceu na casa do jongo, que é conhecida como o lugar do acolhimento. O ato de acolher foi protagonizado por Fatinha por meio dos saberes que ela aprendeu no candomblé e que entende a casa do jongo como um espaço de manifestação cultural e de salvaguarda das pessoas. Ao chegarmos às antigas ruínas, os umbandistas estavam realizando um despacho de abertura acompanhados pelo preto velho Nego Tião, que é líder dos espíritos e descrito como o dono da terra. Esses movimentos foram fundamentais para a preparação do resgate espiritual dos espíritos e realização do ritual.

A preparação da passagem para o outro plano dos espíritos se mostrou um processo elaborado de confluências entre as manifestações afro-pindorâmicas. Por isso, farei uma pausa da descrição para trazer uma discussão sobre rituais, seguindo os autores como Antônio Bispo dos Santos (2015), Wilson Rogério Penteado Júnior (2004) e Maria da Consolação Lucinda (2016).

Os gestos preliminares de firmeza corporal, orações e o despacho de abertura dialogam com os movimentos de confluência presentes nas manifestações afro-pindorâmicas pagãs politeístas, como ensinado por Antônio Bispo dos Santos (2015). Os saberes orgânicos encontrados nessas manifestações são utilizados historicamente como resistência às práticas de colonização, o que o autor descreve como práticas de contracolonização, elaboradas e construídas coletivamente como forma de enfrentamento à cosmovisão monoteísta do colonizador.

De acordo com o autor, esse embate entre colonizadores e contracolonizadores acontece porque os modos de relação dos primeiros são baseados em saberes sintéticos, seguindo uma visão vertical e hierárquica do mundo, motivados a atacar outros modos e relações de vida diferente dos deles. Por outro lado, os contracolonizadores, constituídos pelos povos afrodescendentes e ameríndios, vivem na ressonância de seus modos de relação, como também na compreensão do mundo através da pluralidade e no respeito às diferenças com seus saberes orgânicos entrelaçados aos elementos da natureza, aos animais e às entidades. Segundo Bispo Santos (2015:39): “Por verem deusas e deuses através de elementos da natureza como, por exemplo, a àgua, a terra, o fogo outros elementos que formam o universo, apegam-se à plurismos subjetivos e concretos.”

Uma dessas formas de experimentações do pensamento afro-pindorâmico é a noção de confluência criada em oposição à de transfluência. Como ele nos ensina, a confluência é a “lei que rege a relação de convivência entre os elementos da natureza e nos ensina que nem tudo que se ajunta se mistura, ou seja, nada é igual”. Em outras palavras, confluência seria o motor de criação das movimentações do pensamento plurista politeísta dos povos, em que os encontros preservam suas singularidades e especificidades. Em oposição, ele elaborou o conceito de transfluência, “a lei que rege as relações de transformação dos elementos da natureza e nos ensina que nem tudo que se mistura se ajunta”, e que é parte dos processos de mobilização oriundos do pensamento monista do povo monoteísta (Bispo dos Santos 2015:89). Com base nesse movimento de recusa, os povos afro-pindorâmicos buscaram transfluir essas práticas colonizadoras para confluir em seus modos de existência, no sentido de transformá-las, usando-as em sua própria defesa, por meio de uma cosmovisão que se dá na interação com os animais, as plantas e os seres espirituais.

Com base nas ideias de Bispo dos Santos (2015), podemos pensar nesses gestos preliminares como formas de resistência frente a um processo contínuo de colonização, algo que se dá também no mundo dos espíritos. É por meio da confluência entre a umbanda e o jongo que a contracolonização acontece e nos evidencia uma forte interação entre os pretos velhos, os espíritos e a natureza. Como Daniella sinalizou anteriormente ao falar da luta para que os espíritos rompessem com a escravidão psicológica e caminhassem para fora das ruínas: “É a Umbanda de um lado fazendo o trabalho de aproximação através dos pretos velhos, e do outro lado, o jongo atraindo os espíritos através da batida do tambor.” Essas confluências possivelmente funcionaram como um choque anímico para o rompimento das relações de servidão nas quais estavam presos esses espíritos.

Ao continuarmos o percurso pelas confluências, é possível ver que o ajuntamento acontece também nos pontos cantados. Durante a pesquisa, observei que alguns pontos de umbanda cantados na roda de jongo cultuavam a existência e a manifestação das entidades espirituais. Minha observação se aproxima da descrição feita por Wilson Rogério Penteado Junior (2004) em sua etnografia sobre os jongueiros de Tamandaré, em São Paulo. Para o antropólogo, a roda de jongo é um espaço que possibilita a comunicação com as entidades da umbanda. No entanto, essa forma de incorporação na roda só foi revelada a mim por Fatinha quando conversamos sobre o falecido mestre Cabiúna. Ela afirmou que Seu Cabiúna estava dançando lindamente e, que quando ele parava de dançar e cantava o ponto de encerramento “Vou caminhando devagar”, o preto velho dele subia: “Estava na roda com a gente. A gente nem viu chegar.”

Essa comunicação do jongo com as entidades na Umbanda também se apresenta no primoroso trabalho de Maria da Consolação Lucinda (2016) sobre a manifestação religiosa na cidade de Valença, no interior do Rio de Janeiro. Sua etnografia compreende a Umbanda como um sistema religioso estruturalmente aberto, no qual podemos encontrar uma série de práticas heterodoxas que podem ser compreendidas através de influências e experiências, tais como os terreiros que cultuam caboclos, entidades africanas, santos do catolicismo popular e entidades ligadas ao espiritismo kardecista. Em sua pesquisa, ela encontrou uma interação ativa entre o jongo e a Tenda Espírita Pai Oxalá através do aspecto reverenciador dos pontos cantados que tinham uma relação direta com a linha das almas e por serem tocados também para os mortos, o que nos aponta para algumas semelhanças ao ritual descrito no artigo feito com a orientação do preto velho Nego Tião.

Abriu a terceira porta: gestos liminares

“A passagem só será feita com a roda de jongo”, disse o sacerdote Tiãozinho. Aproveitei, portanto, para aumentar a firmeza e pensar de forma positiva para que pudesse ajudar os espíritos que se encontravam aprisionados nas ruínas. Ao mesmo tempo, me questionava do porquê de estar nesse ritual com os jongueiros e os umbandistas. Em meio a essa mistura de pensamentos, fui até os jongueiros para iniciarmos a roda.

A organização da roda se deu da seguinte forma: de um lado ficaram os jongueiros de blusa e calça branca e do outro lado as jongueiras de blusa branca e saia de chita. Estávamos em círculo, e os tocadores dos dois tambores fechavam a roda. O tambor grande possuía um tamanho de 40x40 cm, e o candongueiro (tambor pequeno) de 30x30 cm. O tambor grande foi feito com uma barrica de vinho, e o menor com a madeira de embaúba trazida pelo mestre Cabiúna do mato. O couro era de boi e, segundo os jongueiros, desde a época da escravidão, antes de serem tocados, os tambores eram encorados para dar um som. Cheiroso era um dos responsáveis por encorar os tambores e explicou: “São as pessoas mais velhas que morreram que nos ajudam a encorar. Eles vêm com a bença deles para o tambor ficar firmado. Pensamos em firmeza com eles. Eles firmam e pronto. E a gente cora o tambor.”

No Jongo de Pinheiral, o ato de entrar na roda tem aspectos semelhantes à postura Adobá analisada por Marlene Cunha (1986:64). Essa postura está associada à obrigação, ao respeito e à obediência, marca o início do ritual no tempo e está ligada não somente à sua abertura propriamente dita, como também ao orixá Ogum, que o inicia. A Adobá mostra a existência de uma série de normas e valores que devem ser obrigatoriamente cumpridas e respeitadas por todos os participantes. Os primeiros a ingressarem no círculo são os mais velhos, que realizam gestos de ascendência e ancestralidade relacionados ao tempo de iniciação no grupo, em que a antiguidade é considerada um grande bem por todos. Os mais velhos trazem consigo as experiências acumuladas, o conhecimento e a sabedoria. Em seguida, é obrigatório que peçam licença13 para os tambores para assim ingressarem, como num gesto de reverência, respeito e submissão ao mais velho (Cunha:1986).

Por fim, a dança é sempre realizada por duplas de sexos opostos que se encontram no meio da roda sem se tocar, por uma postura descrita por eles, como a “umbigada”. Essa postura jongueira define o encontro entre os bailarinos no centro do círculo. A cada umbigada, o par se afasta para refazer o gesto e sempre em uma lógica circular. O tempo em que os jongueiros e jongueiras ficam dentro da roda, geralmente, é de dois minutos até serem retirados, mas eles só podem sair se outra pessoa ou outra dupla entrar.

Para retirar um jongueiro ou jongueira que está dançando, pede-se licença através de um gesto com as mãos abertas e, em seguida, passa-se a dançar com o par que permanece na roda. Normalmente, esse gesto de entrada e saída acontece entre o intervalo de um ponto para o outro, por meio da postura Machado, em que os pontos cantados são trocados. A postura machado acontece quando um jongueiro interrompe uma sequência de pontos cantados para iniciar a sua. Essa sequência pode ser negociada para que cada um cante a mesma quantidade de pontos ou pode acontecer de forma natural sem uma definição dos números de pontos que serão apresentados. Além disso, esses gestos e posturas são importantes técnicas corporais cuja transmissão se dá através do corpo e são percebidas como eficazes e de grande respeito no grupo (Cunha:1986).

É preciso destacar que o ato de entrar na roda é uma postura recordada como uma experiência profunda do indivíduo no espaço sagrado da roda, como destaca Cheiroso:

É, João, vou falar uma coisa para você: eu entrei no jongo porque eu ia na beirada dançar aonde batia tambor. Só que, naquela época, criança não entrava na roda. Eles não deixavam. Você ficava na beirada perto da fogueira porque tinha batata doce, milho, mandioca, aipim e um monte de coisa. Eu entrei no jongo com cinco anos de idade. Hoje não está vivo, o mestre Cabiúna. Ele falou para mim: “Menino você está doido para entrar numa roda de jongo. Mas, primeiro, você vai saravá o tambor. Depois você, entra na roda”. É o que falo hoje e há muito tempo para dançar jongo, você tem que estar com ele no sangue.

A partir da citação anterior, podemos compreender que existem inúmeros gestos, referentes a um conjunto de regras e normas que precisam ser cumpridas, que condicionam a entrada na roda. Também se trata de forma de ensinamento através do corpo. Tal concepção tem um funcionamento semelhante à postura Adobá, descrita por Cunha (1986:68):

A postura Adobá mostra a existência de uma série de normas e valores que devem ser obrigatoriamente cumpridos e respeitados por todos os participantes. Se existem regras, também existem punições para aqueles que não cumprem com as suas obrigações, ou seja, com as normas estabelecidas. O Adobá mostra também a importância que o grupo dá a ancestralidade e a sabedoria dos mais velhos. Nenhum participante mais novo é capaz de tomar alguma iniciativa sem antes consultar os mais velhos. No ritual, os gestos empregados são iniciados pelos mais antigos e seguidos pelos mais novos.

Além disso, a postura entrar na roda está em diálogo com o Adobá não apenas no que se refere às regras, normas e hierarquias, mas também em relação a um tempo de iniciação no grupo, que “marca e atualiza transformação ou a transmissão, ou seja, o início do ritual no tempo. A partir desse instante, todo o sistema religioso - a tradição, a mitologia, a transmissão da palavra dos ancestrais é revivido e realimentado” (Cunha 1986:69). Assim, participar do ritual era algo diferente de outras rodas e pensar em ingressar no círculo sagrado gerava em mim um sentimento de ansiedade pelo que poderia vir a acontecer.

Com os tambores aquecidos e a roda organizada, esperávamos ansiosamente a postura Ponto de abertura ser cantada pela Fatinha. Essa postura abre a roda de jongo, inicia o som dos tambores e é acompanhada com palmas pelos participantes. Em seguida, com potência, a mestra passa a mão no tambor pedindo licença aos mais velhos e canta emocionada: “Eu vim saravá terra que eu piso. Eu vim saravá terra que eu piso.”14

A postura realizada era uma forma de saravá15 todos os jongueiros vivos e mortos que estavam na terra da fazenda, especialmente, o dono da terra. Como destaca Cunha (1986:143), por meio da sequência gestual a terra pode ser entendida como o “lugar onde os ancestrais habitam”. Sua análise sobre a relação entre a gestualidade e a terra encontra-se em conexão com os estudos de Juana Elbein Santos (1976), que afirma que toda a ação ritual no terreiro está necessariamente ligada à terra. Para ela: “A terra simbolizando, o conjunto do Aiyé - o mundo - representa o aspecto concreto materializado do Orun, isto é o espaço sobrenatural. Assim, todos os ancestrais são chamados de habitantes da terra ou espíritos da terra.” Partindo desse princípio, Marlene Cunha (1986) entende que, se os ancestrais se encontram na terra, é possível pensar que todo o complexo gestual e de posturas têm como ponto de referência o solo: “Observamos o gesto de arrastar os pés e batê-los a cada um ou dois passos. Esse movimento corporal tem por objetivo invocar os ancestrais para que surjam da terra e se manifestam” (Cunha 1986:144).

Figura 1
O início da roda. Autor: João Alipio Cunha, 2017.

Cantamos o ponto por alguns minutos até que Fatinha gritou Machado - postura utilizada para interromper um ponto e iniciar outro, mas também usada quando outro jongueiro quer cantar um ponto. Ela olhou para todos e cantou para que outros jongueiros entrassem na roda. Animados e batendo palmas, entoaram: “Pai divino espírito santo, primeiro que sai na guia. Eu vim sarava terreiro, com Deus pai e virgem Maria.”16 Cantamos por alguns minutos. Até que, novamente, a mestra interrompeu com um novo Machado e cantou o ponto Mãe África:17 “Oh mãe África. Vem lembrar meu cativeiro. Olha só o meu tambu. Como chora meu candongueiro. Pois de tanto soluça, soluça. Vem banhar o meu terreiro.”

O ponto remetia à memória africana dos jongueiros de Pinheiral. Após todos os mais velhos já terem dançado, eu não parava de tremer e não sabia o que poderia acontecer ao entrar na roda naquela situação, diante de tudo o que estava acontecendo. Era possível, para mim, sentir os espíritos dos jongueiros que estavam na fazenda. Naquele momento, eu começava a aprender com os jongueiros na roda os saberes do Jongo através do corpo. Esse ensinamento se dava pelo conjunto de gestos que eles me ensinavam, como prestar homenagem ao tambor, a forma de cortejar a dama com quem dança, fazer o convite à pessoa que está assistindo ingressar na roda, a forma de cantar o ponto sempre acompanhada de palmas, entre outras coisas. Na roda, o corpo é “como um todo e deve ser ativado para aprender a se cuidar e a dar valor às experiências feitas no mundo, para aprender a ser-no-mundo agora” (Silveira 2008:109).

Já havia se passado algum tempo, e eu ainda não conseguia ingressar na roda. Cada vez mais não me sentia preparado para aquela roda. Cheiroso, animado, cantou um ponto: “O jongo bom é no Médio Paraíba, oh gente. Jongueiro corta cana, colhe café e lambica pinga. Jongo de Barra e Pinheiral. Tem Jongo em Valença, Vassouras e Arrozal.”18 Segundo os jongueiros, esse ponto descreve a história da presença jongueira nas cidades do vale do Paraíba: Barra do Piraí, Pinheiral, Valença, Vassouras, e por fim, Arrozal, por meio da produção de alimentos como café, cana e pinga que fazem parte da história dessa região desde o período da escravidão até os dias atuais. Cantamos o ponto algumas vezes e, em seguida, Fatinha exerceu a postura machado e cantou: “Bate tambor grande, repinica candongueiro. Vamos bater palma, vamos saravá jongueiro.”19 Cheiroso esperou alguns minutos e novamente falou Machado e muito feliz cantou:

Minha raiz é negra, veio de Angola distante, As margens do Paraíba, em Pinheiral, Meu Caxambu responde. Meu avô me ensinou a tocar tambu, Meu avô me ensinou a respeitar os Cumbas, Foi ele quem me disse pra não tomar banho de rio Que água do Rio tá afunda Meu avô me aconselhou A tomar banho na beiradinha, No Rio Paraíba Vai toma banho na beiradinha, toma banho na beiradinha, Vai toma banho na beiradinha, toma banho na beiradinha20

Por alguns minutos fiquei sem palavras observando os jongueiros dançarem na terra da fazenda que reunia tantas dores e histórias de sofrimentos. Na roda, era perceptível a emoção dos presentes que vivenciavam o ritual através da dança. Os umbandistas participavam também cantando e batendo palmas, felizes com o encontro. Daniella entrou na roda algumas vezes enquanto observava fixamente as ruínas do casarão. Após o final de um dos pontos, perguntei o que ela estava enxergando e, prontamente, ela me disse: “Gente, que engraçado, tem um homem em pé vendo a gente dançar jongo. Era ele que estava fazendo a intermediação, encabeçando todo o processo de desligamento aqui do nosso plano.”

Era a porta da saída

Mesmo com todos esses pontos cantados, eu não consegui entrar na roda. Por algum tempo fiquei pensativo tentando entender por que aquela ocasião se mostrava tão importante. Essa não havia sido minha primeira roda, mas já era tão inesquecível como aquelas das histórias que escutei dos jongueiros mais velhos, em especial do mestre e sacerdote pai Pedro Paulo:

No próprio jongo vivíamos na roda observando. A gente ia para roda porque eles [os mais velhos] iam e nós acompanhávamos. Com o passar dos tempos eu com 15 e 16 anos, mais ou menos. Estava tendo uma roda de jongo. e ele [mestre Cabiúna] disse assim: entra na roda quero ver o que você vai fazer, aí eu entrei na roda de jongo pela primeira vez. Sabia como proceder, aí fui entrei e quando eu saí tremia igual vara verde, tremia que parecia... Aí ele falou assim: “isso é para você sentir o que o jongo é. A força que o jongo tem”.

A força do jongo ali experimentada se aproxima do conceito de fuerza, descrito por Virna Plastino (2013) em seu estudo realizado com famílias afro-uruguaias que vivem em Montevideo. O território afro conhecido como Ansina ali localizado é um dos principais redutos do Candombe e considerada uma das principais manifestações culturais de matriz africana no país. A noção de fuerza está atrelada e é acionada nas experiências de tocar e de dançar, além de ser produzida por meio da escuta do chamado ancestral - no qual e estão presentes familiares mortos, negros escravizados e seus descendentes que viveram no bairro capaz de perpassar os corpos e impregnar espaços e objetos. Desse modo, a “fuerza” é relacional e articula diferentes elementos como a natureza, a cultura, as entidades humanas e não humanas. Ela apresenta um significado semelhante à categoria “axé”, ainda que não se refira a um sistema religioso tão elaborado que envolve distinções entre divindades ou orixás e espíritos dos mortos, e parece, sim, fluir de uma fonte comum de potência geral, ou melhor, dos ancestrais (Plastino 2020:283);

Entrar na roda possibilita o encontro com uma força oriunda de uma fonte comum de potência geral, que são os ancestrais aos quais os jongueiros se referem quando justificam o ritual. Nesse ponto, os atos de tocar e dançar podem ser entendidos como uma experiência sagrada e espiritual vivida através do corpo. A fuerza era o aspecto central nas relações entre o grupo, os tambores e a ancestralidade africana e, geralmente, o passado africano é acionado pela figura da “pessoa-tambor”.21 Há uma conexão, um “comunicar-se” com a espiritualidade pelo pessoa-tambor que envolve uma série de gestualidades, que não é somente a relação entre a pessoa que toca o tambor, mas todos aqueles que agem e interagem através da dança. Como destaca Fatinha, o tambor é o “elo de comunicação com o mágico e o misticismo” e é aquele que possibilita sentir através do corpo a força que o jongo tem.

A fim de compreender um pouco mais esse elo, entrei na roda de jongo. Dançar naquela roda me fez lembrar não somente dos espíritos que estavam ali conosco em busca de um caminho, como também de minha mãe, que em sua trajetória sempre esteve “em busca de um espaço”.22 Naquele momento, me dei conta de que estava participando de uma segunda passagem para o outro plano, tendo em vista que Marlene havia falecido na mesma data de meu nascimento. Mesmo depois que o tambor parou e Fatinha invocou a palavra Machado, eu ainda não conseguia parar de tremer. Ali compreendi que ao participar do ritual para os espíritos, estava também fazendo a minha passagem como integrante do grupo jongo de Pinheiral, do qual faço parte.

Por mais um tempo cantamos e dançamos outros pontos até que a roda pareceu se encaminhar para o final. Estávamos dançando há mais de uma hora, e Fatinha, ao lado dos tambores e observando as ruínas disse: Machado! Em seguida, falou:

Eu queria agradecer aqui ao Celso, o Tiãozinho e ao Centro Espírita. A gente vem fazendo esse trabalho com o jongo durante muitos anos. O jongo é nossa cultura, vem desde o tempo da escravidão. Muito do nosso povo morreu aqui nesse lugar e estamos atendendo esse pedido feito pelos espíritos.

Após a fala, a jongueira iniciou a postura “ponto de encerramento” para que encerrássemos a roda. Todos já estavam exaustos de tanto dançar e alguns pareciam curiosos para saber se o ritual havia dado certo. A liderança jongueira, enfim, cantou: “Oh, minha gente eu vou me embora. O que me dão para levar. Levo saudades sua. No caminho eu vou chorar.”

Após cantar três vezes com firmeza, ela completou com o ponto de jongo do Mestre Cabiúna em homenagem aos pretos velhos: “Vou caminhando devagar. Vou caminhando devagar.” Começamos a caminhar em círculo e nos despedimos dos tambores. Alguns dos jongueiros colocaram as mãos nos tambores e fizeram o sinal da cruz. Continuamos até que todos passassem pelo tambor. Finalmente, demos as mãos e gritamos forte: “Fica com Deus e a Nossa Senhora.”

A porta fechou tão rápido: gestos pós-liminares

Após terminarmos o ritual, os jongueiros perguntaram aos umbandistas se o trabalho havia sido efetivado. O umbandista Celso esperou por um tempo e, observando as ruínas do casarão, nos explicou que possivelmente o trabalho solicitado pelo dono da terra havia sido realizado. Estávamos todos muito cansados, pois a roda demandou muita energia para os jongueiros, que dançaram por horas. A convite da Fatinha retornamos para a Casa do jongo para desfrutar da “canjica salgada”, comida típica da região do vale do Paraíba e que havia sido preparada no dia anterior.

As atividades de comer, encontrar e viver na Casa de Jongo fazem parte do acolhimento, sendo fundamentais para a formação dos circuitos de reciprocidade (Rabelo 2014) que são presenciados no dia a dia, quando os jongueiros se ajudam como uma família e recebem os visitantes. Segundo Miriam Rabelo (2014:250), no terreiro de candomblé, o preparo, a oferta e distribuição da comida são dimensões centrais na vida de um terreiro, pois, com a circulação da comida, é possível garantir a transmissão do axé. Além do mais, o ato de comer é significativo para a dinâmica relacional no candomblé. A comida é um elemento importante para recompor as forças, como também manter a integração entre as pessoas, como descreve Marlene Cunha, que entende esses gestos pós-liminares como ritos de agregação, no sentido de reunir o elo que havia sido quebrado no grupo durante o ritual.

Mesmo conversando sobre diversos temas, os jongueiros estavam curiosos na confirmação sobre a eficácia do ritual que havia sido realizado. Fatinha, ainda preocupada, insistiu em perguntar a Celso se o trabalho tinha funcionado. Ele, ainda sem ter certeza, respondeu: “Olha, aqueles espíritos que estavam hoje fizeram a passagem, mas sempre há mais espíritos na fazenda. Alguns espíritos partiram, mas alguns ficaram e outros mais virão.” Parece que nem todos os espíritos que estavam no casarão conseguiram romper com os processos obsessivos. Para ela, esses processos se justificam pelo fato de os espíritos estarem presos ao lugar e não conseguirem se desligar do tempo da escravidão. Os umbandistas disseram também que ainda há muitos espíritos no lugar que demandarão rituais semelhantes. Desse modo, os jongueiros firmaram o compromisso de que, se fosse preciso novamente, estaríamos presentes novamente e assim nos despedimos.

O jongo não perdeu sua magia: considerações finais

Neste artigo me propus a abrir três portas. A primeira, ao conjugar as minhas pesquisas sobre os jongueiros de Pinheiral com a trajetória de vida e com a produção acadêmica da antropóloga negra Marlene Cunha. Desse modo, apontei inicialmente a contribuição da intelectual no campo da gestualidade do Candomblé Angola, por meio da noção de gesto e postura presente nas danças dos orixás, como também a proposta de pensar o artigo através dos gestos preliminares, liminares e pós-liminares.

A segunda porta do artigo foi aberta com os movimentos dos gestos preliminares, como firmeza corporal, que engloba o pensar positivo, mas também a experiência dos mais velhos, que comandam os pontos cantados e a roda. Tal firmeza corporal se iniciou na casa do jongo, considerado pelos jongueiros o lugar onde acontecem os gestos de acolhimento. Seguindo por esses saberes, tratei das confluências entres os gestos do jongo e a Umbanda na preparação do ritual. A colaboração entre ambas as manifestações afro-pindorâmicas foi fundamental para que se iniciasse a passagem para o outro plano que se daria, por um lado, nos despachos de abertura realizados pelos umbandistas e, de outro, no som dos tambores e na dança do jongo.

Chegando à terceira porta, realizei uma descrição aprofundada do ritual. Nessa parte foi descrita não apenas a roda de jongo, mas, principalmente, o significado existencial presente na postura entrar na roda. Trata-se de uma dinâmica semelhante ao que Marlene Cunha descreveu no terreiro de candomblé com a postura adobá, que envolve obrigação, respeito e obediência, como marca também o início do ritual no tempo. O ato de entrar na roda é uma profunda experiência no espaço sagrado da roda capaz de marcar e transformar a vida do jongueiro, pois é nele que corporalmente se aprende os saberes ensinados e transmitidos por gerações. Além disso, nessa experiência dentro da roda, o jongueiro passa a sentir a força que o jongo tem, uma força que analiso com base em Plastino (2013), que a entende no candombe uruguaio como relacional e capaz de articular diferentes elementos como a natureza, a cultura, as entidades humanas e não humanas, assim como ser um chamado ancestral. E, fechando a porta, encerro realizando uma análise sobre os gestos pós-liminares na Casa do jongo.

Anexos

O poema sonho Seu nome era dor. Seu sorriso dilaceração. Seus braços e pernas, asas. Seu sexo seu escudo. Sua mente libertação. Nada satisfaz seu impulso. De mergulhar em prazer. Contra todas as correntes. Em uma só correnteza. Quem faz rolar quem tu és? Mulher!... Solitária e sólida. Envolvente e desafiante. Quem te impede de gritar. Do fundo de sua garganta. Único brado que alcança. Que te delimita. Mulher! Marca de mito embotável. Mistério que a tudo anuncia. E que se expõe dia a dia. Quando deverias estar resguardada. Seu ritus de alegria. Seus véus entrecruzados de velharias. Da inóspita tradição irradias. Mulher! Há corte e cortes profundos. Em sua pele em seu pelo. Há sulcos em sua face. Que são caminhos do mundo. São mapas indecifráveis. Em cartografia antiga. Precisas de um pirata. De boa pirataria. Que te arranques da selvageria. E te coloque, mais uma vez, diante do mundo. Mulher. A todas as mulheres pretas espalhadas pelo mundo, a todas as demais mulheres e a Isabel Nascimento, Regina Timbó e Marlene Cunha/ 1989. Poema Mar Disseram que não. Que minha existência havia. Que em algum egun, tua matéria havia. Que ainda estavas em mim apaziguada como substância. Que me propuseste uma herança que não podia negar! Oh! Sister, cisne cinzento. Em que terrível advento nos vieram prostrar. Será que há aurora no caminho que seguirás? No axé que te incrustaste. Concha, perplexo Zimbo. Será que há uma senda pra minha herança deixar. Presente que a ti deixe como bastão devolvido à companheira de torneio em fraterna competição. Meu sonho de folha e papel, preceptora que André nos legou. Rebouças, nosso mentor. Encarnação de Tião. Irmãos, por favor. Irmãos! Éramos assim no princípio. Enquanto não havia risco em nossa congregação. Onde ela está. Digam-me com certeza. Em qual correnteza Oxum a ousou levar. Brota de nossa vitória. Mar-lene de mim. De vocês? Este poema foi escrito em folhas de uma agenda de agosto de 1988. Dedicado a Marlene Cunha de Oliveira, antropóloga, falecida após o parto de seu único filho.

Referências

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  • WAFER, James. (1991), The Taste of Blood. Spirit Possession in Brazilian Candomblé Philadelphia : University of Pennsylvania Press.
  • 1
    Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
  • 2
    Ponto de jongo criado pela liderança Toninho Canecão, do Quilombo de São José em Valença - RJ. Segundo os jongueiros, os pontos em sua maioria são trocas de mensagens codificadas que podem apresentar um duplo sentido.
  • 3
    O jongo é uma manifestação cultural registrada como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico - Iphan. Ver o inventário “Caxambu, jongo e tambor”. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/PatImDos_jongo_m.pdf.
  • 4
    Utilizarei em alguns momentos do texto a formatação itálica para enfatizar as categorias e expressões dos jongueiros.
  • 5
    As palavras mestra ou mestre são usadas pelas comunidades jongueiras para se referirem aos mais velhos que dominam os saberes do jongo expressos na dança e nos pontos, sua religiosidade e sua história.
  • 6
    O termo afro-pindorâmica é elaborado por Antônio Bispo dos Santos (2015:12) contra as denominações generalizadas colonizadoras, como índios e negros. Como destaca Bispo dos Santos, a palavra pindorama (terra de Palmares) é uma expressão tupi-guarani usada para designar todas as regiões e territórios atualmente conhecidos como América do Sul. O termo afro-pindorâmico tem como objetivo realizar um exercício de descolonização da linguagem e pensamento.
  • 7
    Ver o livro O elefante negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil (São Paulo, década de 1970) sobre o sociólogo Eduardo Oliveira e Oliveira escrita pelo historiador Rafael Trapp (2018).
  • 8
    Ver a dedicatória ao GTAR feita pelo autor no livro Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil.
  • 9
    Ver os agradecimentos e a introdução realizada pela autora no livro Medo do Feitiço: relações entre magia e poder no Brasil.
  • 10
    Os jongueiros de Pinheiral se autodeclararam quilombolas a partir da década de 1990. Atualmente, estão se organizando para solicitar o certificado de autodeclaração das comunidades remanescentes de Quilombo (CRQ) ao Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Palmares (DPA/FCP). A comunidade possui o Relatório Antropológico de Caracterização Histórica, Econômica e Sociocultural do Quilombo de Pinheiral feito para atender o Instituto de Colonização e Reforma Agrária - Incra.
  • 11
    O primeiro termo de Ajustamento de conduta criado foi relacionado à parte das terras da fazenda Pinheiros, que hoje se encontra sob posse do grupo. O segundo é referente ao processo a fazenda Santa Eufrásia, que fica em Vassouras, onde se realizava um turismo que teatralizava a escravidão e a colocava como cordial, obrigando os funcionários a se vestirem como negros escravizados. Toda a explicação referente aos termos está mais aprofundada em Cunha (2017).
  • 12
    Esse ponto é uma homenagem a São Benedito do jongueiro Laudeni de Souza, que faz parte do grupo de jongo Mistura da Raça de São José dos Campos.
  • 13
    O pedido de licença aos tambores é compreendido pelos jongueiros como um ato de respeito e permissão aos ancestrais para ingressarem na roda de jongo. Normalmente, ao ingressar na roda, os jongueiros passam a mão no corpo do tambor e alguns fazem o sinal da cruz.
  • 14
    Ponto de jongo criado pelo Mestre Cabiuna do grupo Jongo de Pinheiral.
  • 15
    Saravá é um gesto feito pelos jongueiros para homenagear seus ancestrais.
  • 16
    Idem.
  • 17
    Ponto criado pelo mestre Totonho da comunidade jongueira de Tamandaré, no estado de São Paulo.
  • 18
    Ponto criado pela liderança jongueira Cosme Aurélio Medeiros do Grupo de Jongo Sementes da África - Barra do Piraí-RJ.
  • 19
    O ponto de jongo “Bate tambor grande” é cantado pela comunidade jongueira Sementes da África - Barra do Piraí-RJ.
  • 20
    O ponto “Angola distante” foi criado por Alexandre Carvalho e Dendê Silva do Grupo jongo de Pinheiral.
  • 21
    Neste artigo não me aprofundarei na noção de pessoa articulada ao tambor desenvolvida por Plastino (2013), pois se pretende adentrar nos conceitos elaborados por Marlene Cunha.
  • 22
    “Em nome do espaço” é a expressão que inicia o título da dissertação de mestrado de Marlene Cunha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2021
  • Aceito
    15 Dez 2021
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