Open-access “Em defesa da vida humana”: Moralidades em disputa em duas audiências públicas no STF

“In defense of life”: moralities in dispute in two public hearings in Supreme Court

Resumo

Neste artigo analisamos as formas da presença de moralidades católicas em duas audiências públicas realizadas no Supremo Tribunal Federal. A primeira refere-se ao julgamento da ação sobre a permissão do uso de células tronco embrionárias em pesquisas científicas; e a segunda, ao julgamento da ação que possibilitou a interrupção da gestação de fetos anencéfalos. Nas duas ações agentes vinculados à CNBB participaram do processo. Observamos as estratégias e dispositivos acionados por esses agentes, vinculados ao chamado bloco “pró-vida”, na constituição de seu argumento geral “em defesa da vida” nas duas audiências. Para compreender a disputa pelo convencimento nessas arenas, observaremos a controvérsia mais ampla, identificando os repertórios de justificação produzidos pelos agentes e blocos favoráveis às ações, especialmente referentes à categoriavida.

Palavras-chave Igreja Católica; vida humana; moralidades; espaço público

Abstract

This article analyses the presence of Catholic morals in two public hearings in Brazil’s Supreme Court. The first one was the ADI 3510, which judged the liberation of the use of embryonic stem cells in research. The second action judged the liberation of interruption of pregnancy of anencephalic ferns. The presence of agents of the CNBB was observed in the two process, producing justifications to the “defense of life”, trying to give the human status to the embryo/fetus. To understand the controversy in these arenas, our analysis will also extend to the observation of the wider controversy, identifying the repertories of justification produced by two blocks (favourable and against) in the actions, especially regarding life category in these disputes.

Keywords Catholic Church; human life; moralities; public sphere

Este artigo analisa as formas da presença de moralidades católicas em duas audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para esclarecimento de ações impetradas junto a essa corte. A primeira delas diz respeito à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510, realizada pelo procurador-geral da República Cláudio Fonteles, reagindo contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permitia o uso de células-tronco embrionárias (CTE) em pesquisas científicas1. A ação foi a julgamento no Supremo Tribunal Federal em maio de 2008. Esta controvérsia e a constelação de argumentos que a constituiu foram também explicitadas na audiência pública convocada pelo STF em abril de 2007. A segunda audiência refere-se ao julgamento da ação que permitiu a interrupção da gestação em mulheres grávidas de fetos anencéfalos (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 54). O ministro Marco Aurélio Mello havia deferido em 2004 uma liminar que permitia a antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia2. Essa liminar foi revogada em menos de quatro meses, e o caso voltou a julgamento no ano de 2012, sendo antecedido de uma audiência pública, sobre a qual nos deteremos.

Ambos os julgamentos foram precedidos por intensos debates públicos, mobilizando agentes de diferentes áreas nos dois polos da discussão: favoráveis e contrários à liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias e/ou à antecipação do parto de anencéfalos. Os agentes contrários foram intitulados de agentes “pró-vida”, e os favoráveis chamados de “pró-escolha” (no caso da ADPF 54) ou “pró-pesquisa” (no caso da ADI 3510).

Por meio de agentes e instituições, especialmente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Igreja Católica fez-se presente nas duas ações, buscando interferir no resultado dos julgamentos. As ações tratavam de um tema bastante caro ao catolicismo: o início da vida humana. E foi em defesa desta questão moral central que seus agentes se levantaram com força argumentativa no debate público, inclusive jurídico e científico.

A CNBB não obteve o resultado esperado em ambas as ações, aprovadas pelo STF. No caso da ADI 3510, julgada em 2008, o resultado foi apertado: seis ministros pronunciaram-se permitindo a utilização das células embrionárias congeladas, procedentes da reprodução assistida, em pesquisa científica; e cinco ministros votaram contrariamente ao uso das células. Já no caso da permissão da antecipação do parto de fetos anencéfalos, julgada em 2012, oito dos onze ministros votaram favoravelmente à ação, ao passo que apenas dois apresentaram votos contrários.

Em oposição ao ocorrido na ADI 3510, a CNBB não foi aceita como amicus curiae3 no julgamento sobre a anencefalia (ADPF 54). A participação de agentes que a representavam ocorreu por outros meios que não a participação direta no julgamento. A manifestação de seus representantes no judiciário ficou limitada à audiência pública, de forma similar aos demais representantes de entidades da sociedade civil, com o mesmo tempo de exposição4. No tocante à ADI 3510, a CNBB designou um advogado, que se pronunciou em seu nome no julgamento da ação. Esta audiência sobre as células embrionárias foi dividida em dois blocos: um composto por cientistas favoráveis à liberação de pesquisas, e outro bloco contrário, com parte dos cientistas indicados pela CNBB.

Diferenças no formato das audiências públicas foram notadas. Naquela referente à ADI 3510, foram escalados 22 cientistas, onze representando posicionamentos “pró-pesquisa” e outros onze “pró-vida”. No caso da ADPF 54, não houve paridade entre os representantes pró e contra a ação. Foram ouvidos representantes de diversas entidades da sociedade civil, órgãos representativos de classe e instituições ligadas a denominações religiosas, havendo dezoito manifestações favoráveis à interrupção da gravidez em casos de anencefalia e onze contrárias.

Neste artigo inventariamos os argumentos construídos a favor e contra as ações em julgamento, analisando como são estruturados os discursos e por meio de quais mecanismos de expressão eles foram articulados. Buscamos compreender como os atores, nas narrativas produzidas ao longo das audiências públicas, organizaram um repertório plural de justificativas favoráveis e contrárias às liberações. Dessa maneira, apesar de nosso ponto de entrada nas controvérsias ter se dado a partir da CNBB, estendemos a análise para os repertórios de justificativas produzidos por outros atores envolvidos nessas disputas.

A pesquisa que deu origem a este artigo vem sendo desenvolvida desde 2011, quando acompanhamos a discussão sobre as células embrionárias na mídia, identificando atores e argumentos colocados em discussão na arena pública midiática. Com base nessa primeira parte da investigação, constatamos a importância do argumento “em defesa da vida humana”, bem como a centralidade de alguns atores nas controvérsias5. A identificação desses atores ocorreu sobretudo a partir do cruzamento de informações: pela sua presença recorrente na mídia, sua repetição nas audiências públicas e sua participação em eventos e instituições vinculados à Igreja Católica, como demonstraremos mais adiante.

Para a escrita deste artigo foram levadas em conta especificamente as exposições proferidas nas duas audiências públicas referentes a cada um dos julgamentos – assistimos pela TV Justiça na internet –, a partir das quais observamos a composição das justificativas enunciadas nessa arena específica e a sua articulação com argumentos e posições mais gerais nas controvérsias analisadas, especialmente por parte de agentes ligados ao bloco pró-vida. Parcela significativa do repertório de justificativas produzido pelos agentes ligados à CNBB está relacionada à “defesa da vida” e ao estatuto de pessoa humana atribuído ao embrião/feto. Aqui, nos focamos especialmente nesse tema, observando as estratégias e dispositivos acionados pelo bloco pró-vida na constituição de seu argumento geral “em defesa da vida” nas duas audiências públicas.

Destacamos que as justificativas buscam o convencimento na arena pública representada pelos julgamentos das duas ações. Para compreender esta disputa por convencimento, nossa análise dos repertórios de justificação privilegiará não apenas o que os agentes dizem, mas também as dinâmicas sociais e simbólicas que autorizam a atribuição de confiança aos repertórios, seus dispositivos e estratégias discursivas de persuasão.

Dessa maneira, consideramos que cada bloco se utilizaria de elementos da pauta de possibilidades morais e éticas presentes na sociedade brasileira contemporânea. Estamos levando em conta a hipótese levantada por Luiz Fernando Dias Duarte (2013), segundo a qual essa pauta se viria complexificando no Brasil, formando um “mercado moral”. De acordo com o tema pautado na arena pública, esse mercado moral poderia se apresentar de maneira polarizada, ou mesmo fundamentalista, como no que se refere às chamadas “grandes questões morais controversas” – aborto, contracepção, reprodução artificial, homossexualidade e eutanásia. Essas questões teriam uma importante dimensão pública, sendo públicas por excelência, às quais estariam associadas posições polares e muitas vezes contrastivas. Além disso, a dimensão pública dessas questões projetaria uma dimensão política cada vez mais crucial sobre elas e os ideólogos de cada uma dessas posições.

Assim, a análise das audiências públicas, embora se refira a um recorte empírico circunscrito, é capaz de capturar um fenômeno mais amplo que os círculos restritos da vida religiosa e/ou do debate jurídico, uma vez que estas formas de confronto público produzem formulações que vão sendo progressivamente capturadas por agentes políticos, religiosos, acadêmicos, juristas e mediáticos.

Por esse motivo, a observação da controvérsia mais ampla também compõe parte importante deste artigo, identificando os repertórios de justificativas produzidos pelos agentes e blocos favoráveis às ações, especialmente referentes à categoria vida, e a circulação do argumento “em defesa da vida”. Este aparece como central e agregador na defesa de posicionamentos contrários às ações nas duas audiências públicas, não estando, porém, restrito a elas. Demonstraremos que esse argumento tem capilaridade na instituição católica, circulando em todos os seus níveis e graus hierárquicos.

Controvérsias e repertórios de justificativas

As controvérsias aqui abordadas mobilizaram agentes, discursos e categorias do universo das religiões, da ciência e dos direitos. Para analisá-las, utilizamos a formulação proposta por Tommaso Venturini(2009), reportando-se a Latour (2007), segundo a qual controvérsias são situações em que ainda não há um compromisso ou consenso para a vida conjunta. Elas são momentos em que vários atores, representando e defendendo diferentes posições, entram em cena na esfera pública, produzindo argumentos e colocando categorias em circulação. Segundo Venturini (2009), importa compreender como o fenômeno é construído. Não é suficiente observar os atores separados ou as conexões entre eles já estabilizadas. As configurações mais interessantes são aquelas em que os atores estão renegociando as ligações das antigas conexões.

Dessa maneira, os enunciados proferidos nas audiências públicas e o modo como as categorias são agenciadas nos discursos e exposições são centrais neste artigo. Observaremos como as disputas e agenciamentos estão presentes modelando a esfera pública representada pelas duas audiências em questão. Os casos analisados tratam de disputas em torno da justiça e do bem comum e, por este motivo, o instrumental teórico e analítico fornecido por Boltanski e Thévenot (2006) nos foi bastante útil. Verificamos nas audiências como estas qualificações do bem comum e da justiça vão sendo modeladas pelos grupos favoráveis e contrários às ações em torno da “vida humana”.

Assim, a investigação e a compreensão dos repertórios de justificativas são fundamentais. A partir da teoria de Boltanskie Thévenot (2006), consideramos que, nas controvérsias, os agentes constroem repertórios de justificativas acionando diversas gramáticas e moralidades. Segundo a teoria da justificação produzida por esses autores, nas situações de disputa os indivíduos são levados a legitimar suas ações utilizando-se de modos de justificação ou de crítica na defesa de seus posicionamentos. Para eles, é preciso compreender os regimes de crítica e justificação compostos em cada caso, sendo necessário analisar como as pessoas argumentam para defender ou criticar um posicionamento específico, como aqueles envolvidos na cena das audiências públicas. De acordo com esse aporte teórico, os atores sociais usam suas capacidades argumentativas na defesa de seus posicionamentos, tentando conferir legitimidade a eles (argumentos e posicionamentos). Nesse processo, a presença de um ou mais princípios gerais na composição das justificativas de suas ações contribui para a sua legitimação.

Levamos em conta não apenas o conteúdo dos argumentos, mas os fundamentos de confiabilidade (princípios gerais) capazes de promover adesão a eles. Em outros termos, é preciso observar os códigos de valores nos quais as justificativas estão ancoradas a fim de ganhar generalidade e confiabilidade. No caso das audiências públicas, os códigos de valores relacionados à ciência e aos direitos ganham centralidade na disputa. Defensores e opositores das ações utilizam-se de dispositivos relacionados a esses universos como aporte de legitimidade a suas posições.

É interessante pensar no uso desse aporte teórico para os estudos de religião no contexto brasileiro contemporâneo, especialmente em situações que envolvem embates entre atores de diferentes origens na cena pública nacional, como em processos de tomada de decisão, a exemplo dos julgamentos de ações no STF. Em relação aos dois julgamentos, os atores e grupos vinculados à Igreja Católica, especialmente a CNBB, organizam-se em torno do argumento “em defesa da vida humana”, produzindo justificativas em seu favor na cena pública.

Esta dinâmica da produção de justificativas por parte da instituição católica sobre temas em debate na cena pública nacional é característica do contexto atual. A Igreja Católica, no último século, vinha adotando uma postura de orientação da ação dos indivíduos, sempre tendo por base os valores do catolicismo, que se colocavam como hegemônicos na sociedade brasileira. Entretanto, mais recentemente, a hipótese de necessidade de justificação dos valores católicos na arena pública nacional vem sendo aventada (Montero 2013). Segundo PaulaMontero (2013), até pouco tempo atrás, os valores presentes na arena pública brasileira eram coadunantes com os valores do catolicismo. A necessidade de justificação dos posicionamentos católicos aconteceria no momento em que o “consenso” católico passa a ser questionado, como mostra uma série de ações levadas aos tribunais recentemente6. As duas controvérsias aqui analisadas exemplificam essa necessidade de justificação do discurso proferido por agentes ligados ao catolicismo. Em todos os meios, esses agentes buscavam justificar seus argumentos: na mídia e também nas audiências públicas. A mudança na forma de inserção da instituição católica na arena pública nacional foi observada, inclusive, nas alterações no modo de participação da CNBB nos dois julgamentos, conforme indicado anteriormente.

Entretanto, apesar dessa novidade a respeito da necessidade de justificar seus posicionamentos em arenas públicas nacionais, a Igreja Católica permanece como importante produtora e disseminadora de ideias e posturas referentes a temas colocados em pauta no espaço público nacional, especialmente entre os seus seguidores, como será desenvolvido mais adiante. Nesse aspecto, outra novidade seria o uso de um modus operandi das ciências e do direito na produção de suas justificativas e na defesa de suas posições.

As audiências públicas

No dia 20 de abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal realizou a primeira audiência pública de sua história, no intuito de reunir informações para julgar o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, proposta pela Procuradoria-Geral da República contra dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/05). A ADI contestava especificamente o artigo 5º dessa lei, referente à utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias.

Essa primeira audiência pública foi tratada pelos ministros como de caráter exclusivamente “científico”. Estavam presentes e foram ouvidos dois blocos de cientistas, um formado por expositores favoráveis à liberação das pesquisas com células embrionárias (bloco pró-pesquisa) e outro contrário (bloco pró-vida). Este último foi indicado pelo procurador-geral da República e pela CNBB, e o primeiro bloco pelos requeridos na ADI (Congresso Nacional e presidente da República). Os escalados eram cientistas da área de medicina, biomedicina e biologia, além de uma antropóloga especialista em bioética. Os dois grupos agiram de fato como um bloco, ou seja, cada apresentador complementava ou desenvolvia um tema apenas apontado pelos cientistas anteriores, de acordo com suas especialidades de pesquisa e experiências de trabalho.

A defesa da dimensão científica da audiência pelo ministro relator do processo ficou clara em vários momentos, como no tratamento dado por ele aos expositores enquanto “autoridades científicas”, ou ainda nas intervenções realizadas quando algum dos expositores expressava valores morais ou termos jurídicos. Veremos mais adiante que essas dimensões aparecem profundamente imbricadas nas controvérsias; porém, na concepção do ministro, a defesa de dados e elementos exclusivamente científicos, sem a interferência de elementos de outras áreas, estava presente. Nessa concepção, a ciência (ou os cientistas, no caso) surge como capaz de determinar o fato “científico” de quando a vida humana se inicia. A valorização dessa dimensão torna-se evidente já no momento da convocação da audiência pública. Os agentes considerados legítimos para se pronunciar sobre o tema eram todos cientistas7. Além disso, todas as apresentações foram repletas de dados, citações e resultados de pesquisas científicas. Havia todo um arsenal simbólico, e o modus operandi do universo acadêmico-científico permeou essa controvérsia desde seu início, tornando-se ainda mais notório durante a audiência.

Já a ADPF 54 foi proposta em 2004, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), e pleiteava a interpretação conforme a Constituição para os artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, declarando inconstitucional a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da “antecipação terapêutica do parto” em caso de gravidez de feto anencefálico8. Para esclarecer o tema, também foi convocada uma audiência pública, a terceira no âmbito do STF, realizada em agosto e setembro de 2008. O formato desta, porém, foi diferente do estabelecido para a primeira. Enquanto que para a audiência pública sobre as células embrionárias apenas cientistas e pesquisadores da área foram escalados para expor suas posições, a audiência sobre a anencefalia foi aberta para a sociedade civil, tendo sido dividida em três “grupos” de expositores: representantes de entidades da sociedade civil, cientistas e representantes de instituições religiosas. Como mencionado, o número de pronunciamentos favoráveis à interrupção da gravidez foi maior, não havendo paridade entre as posições e, sobretudo, não se tratando de uma audiência pública de cunho exclusivamente científico.

Apesar disso, a ciência surgiu como forte elemento legitimador dos argumentos e posições de ambos os blocos, pró-vida e pró-escolha, e não apenas na fala dos expositores do “bloco de cientistas”. As justificativas produzidas pelos profissionais da saúde, assim como pelos demais agentes pró-escolha, eram compostas por elementos e categorias da medicina, que buscavam demonstrar esse ato como uma “terapia”, um tratamento de saúde para as mulheres grávidas de anencéfalos. Por outro lado, os agentes do bloco pró-vida usavam dados e elementos científicos para comprovar a presença de “vida” nos fetos com anencefalia, classificando o procedimento em questão como aborto.

Assim, o alto valor dado à ciência esteve presente nas duas audiências públicas. As apresentações traziam resultados de pesquisas e referências de autores ou de revistas de grande prestígio no universo acadêmico. Dados e formatos acadêmicos caracterizaram as apresentações, sendo por meio deles que os autores questionavam e buscavam invalidar os argumentos de seus interlocutores. A justificativa e a crítica eram elaboradas a partir do uso rigoroso do saber-fazer acadêmico e científico.

O feto: ser ou não ser? A defesa da “vida humana”

A fala do ministro relator da ADPF 54 sintetiza a questão fundamental da audiência pública sobre a anencefalia: seria o feto anencefálico um ser? Ou, em outros termos, o feto com anencefalia seria um ser vivo? A questão em disputa nessa audiência, assim como na controvérsia sobre as células embrionárias, gira em torno da presença de vida humana nos fetos/embriões. A caracterização da humanidade destes seria o elemento necessário para a garantia de seus direitos, em especial o “direito à vida”, dispositivo central do argumento do bloco pró-vida em ambas as audiências públicas. A defesa da vida foi o argumento agregador em torno do qual se organizaram os grupos contrários à liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias e à antecipação do parto de anencéfalos. O debate sobre a vida, seu início especificamente, foi a questão ordenadora das duas controvérsias, estando a categoria em disputa e exaustivamente presente e repetida nas audiências.

Na controvérsia em torno do julgamento da ADI 3510, a importância da categoriavida é evidente desde a convocação da audiência pública realizada pelo ministro relator do processo, Carlos Ayres de Britto, cujo tema seria “O início da vida”. Também no julgamento da ADPF 54 o debate sobre a presença ou não de “vida” no feto anencefálico é central. Para o bloco contrário à ação, a antecipação do parto de anencéfalos é classificada como “aborto” e representaria a sentença de morte desses fetos.

A “defesa da vida” é o argumento que tem força nas duas controvérsias, adquirindo ampla penetração e divulgação9. Para a Igreja Católica, ator central nesses debates, há vida desde o momento da fecundação; por isso, todas as práticas mencionadas são condenadas. Essa posição está presente em diversos níveis da instituição católica10, tendo sido também constatada em artigos e notícias publicados em diferentes mídias no período em que essas controvérsias estiveram ativas11. Neles, a “defesa da vida, desde seu princípio até seu fim natural” está presente12.

Nessa concepção, a vida é compreendida como vida humana. Trata-se da defesa da vida de pessoas humanas; desde a fecundação considera-se a existência de uma pessoa humana. Segundo Ranquetat (2011), este entendimento está calcado na doutrina católica, que afirma o início da vida na fecundação por ser esse o momento em que a alma é incorporada ao ser. Desde então o embrião, o feto, ou simplesmente a célula fecundada, são considerados comopessoa humana. Entretanto, o mesmo autor também destaca que a atribuição da condição de pessoa ao embrião humano acontece a partir de critérios biológicos/naturais (Ranquetat 2011). Assim, essa concepção, apesar de teológica, é igualmente apoiada em elementos da biologia. Podemos ainda acrescentar que ela é defendida com base em dados e argumentos científicos ao longo da audiência pública sobre as células embrionárias, conforme mencionado no item anterior, constituindo-se em um exemplo de como formulações teológicas e dados científicos se imiscuem nas controvérsias analisadas. Nesse caso, a ciência serve como fonte de legitimação para uma concepção teológica.

Além disso, o argumento “em defesa da vida”, adotado e reproduzido à exaustão pelos agentes ligados à CNBB13, também estava presente entre agentes do poder judiciário e representantes da sociedade civil, tendo sido amplamente defendido por entidades não agrupadas como “religiosas” na audiência pública sobre a anencefalia. O próprio texto da ADI 3510 é exemplo disso. Elaborado pelo procurador-geral da República, agente do poder judiciário, o texto está embasado na “defesa da vida” – no caso, na defesa da vida e da dignidade humana dos embriões. Assim, a demonstração científica da “vida” dos embriões foi marcante na audiência pública sobre as células embrionárias. Elementos científicos compuseram as estratégias utilizadas para comprovar a unicidade de cada embrião, o seu genoma único e irrepetível. Imagens mostravam cada etapa do desenvolvimento, desde a fecundação até o nascimento, enfatizando que aquele bebê recém-nascido (com a imagem do bebê) seria a continuidade de um processo iniciado na fertilização, processo este demonstrado por imagens, e por meio do qual o embrião, o feto e o bebê surgem como um continuum de desenvolvimento originado naquela primeira célula fecundada.

Esse argumento também foi muito recorrente durante a audiência pública sobre a anencefalia, em que o bloco pró-vida buscava insistentemente demonstrar a presença de “vida” nos fetos anencefálicos, utilizando uma série de dados clínicos e científicos, bem como de exemplos de fetos que sobreviveram por algum tempo após o parto, para comprovar que o feto estaria vivo. O uso de dados de cunho científico nessa audiência foi também observado por Naara Luna (2013). A autora, ao resumir a exposição dos agentes pró-vida, demonstra a presença de argumentos científicos em suas falas, existindo uma descrição técnico-científica acurada sobre a presença de vida nos fetos com anencefalia.

Além dessas referências científicas, as exposições, especialmente na audiência pública sobre a anencefalia, ao insistirem na presença de vida no feto anencefálico, aproximavam a antecipação do parto ao assassinato. Esse termo, embora não explicitamente presente, era parte importante da disputa moral em jogo nesse julgamento, que colocava em questão o valor da vida. A própria classificação deste bloco como “pró-vida” é significativa, pois traz em si a concepção de que o grupo antagônico seria favorável à morte.

O uso recorrente da categoria aborto contribuía para essa associação. Vários relatos ao longo da audiência pública se demoravam em afirmar que o ato em julgamento se tratava de “aborto”. Alguns, inclusive, afirmavam se tratar de um caso de aborto eugênico, concebendo a anencefalia como um tipo de deficiência e a extirpação do feto com esta anomalia como eugenia. Ao não se permitir que o feto com anencefalia nascesse, estaria se escolhendo apenas aqueles fetos “perfeitos”, sem anomalias, para nascer. Várias falas presentes na audiência são ilustrativas dessa concepção, como a exposição do Padre Antônio Bento, representante da CNBB:

Se a vida não é respeitada em seu início também não será respeitada em suas outras etapas. Todos os outros direitos da pessoa humana serão desprezados. Uma sociedade não pode se desenvolver às custas do sangue de pessoas inocentes. [...] Procura-se eliminar o feto com anencefalia porque ele não corresponde aos padrões de nossa sociedade, padrões arbitrários que exigiriam a perfeição da pessoa14.

O feto é concebido como pessoa humana e, mais que isso, pessoa humana inocente, umacriança, valores que intensificam ainda mais o “crime” de quem comete o aborto, mesmo nos casos de anencefalia, sendo esse ato percebido como o mais grave tipo de assassinato, aquele cometido contra crianças inocentes. Todo o vocabulário acionado pelo padre se reporta ao fato de o feto com anencefalia possuir vida humana, sendo, portanto, um ser humano, uma “criança” sentenciada à “morte”.

Esta é uma das apresentações em que as três relações estão presentes: aborto, assassinato, eugenia. A exposição está embasada na linguagem dos direitos, do direito humano fundamental, do direito à vida, mas também na concepção do direito à diferença, que permeia parcela importante das exposições contrárias à interrupção da gravidez em caso de anencefalia15, como a seguinte:

O único jeito de um médico saber a data da morte é se ele marcar a data e a hora para matá-lo. [...] E não tem dúvida de que o aborto de um anencéfalo porque ele não tem expectativa de vida caracteriza-se sim como um aborto eugênico. [...] Toda mulher quer ter um filho perfeito, sadio, mas se ele não for perfeito, sadio, então eu vou matar? É aborto mesmo, vamos parar de usar eufemismos. [...] O anencéfalo é um deficiente, ele não é um morto-vivo. [...] Então o anencéfalo está vivo até que ele morre. O anencéfalo morre. E ele só morre porque ele está vivo, se ele não estivesse vivo não poderia morrer16.

A expositora é enfática ao colocar a sentença de morte atribuída ao feto “deficiente”. Insiste na ideia da condenação de morte a um ser humano “não sadio”. Novamente três elementos ficam explícitos: aborto, assassinato, eugenia.

Os dispositivos utilizados na composição das justificativas do bloco pró-vida remetem-se a duas gramáticas dos direitos: a gramática dos direitos humanos, presente na defesa do direito à vida do feto, e a gramática do direito à diferença. O feto com anencefalia é concebido como ser humano, e a interrupção da sua gestação é colocada como aborto/assassinato. Neste aspecto, os dispositivos e categorias acionados são provenientes do repertório dos direitos humanos. Por outro lado, a gramática do direito à diferença é acionada a partir da classificação da anencefalia como uma deficiência e da antecipação do parto como eugenia. A anencefalia é classificada como uma diferença que não estaria sendo respeitada; pelo contrário, essa diferença seria exterminada por meio da interrupção da gestação.

Dessa maneira, o repertório de justificativas formulado pelo bloco pró-vida é composto por dispositivos pertencentes a diferentes gramáticas, como das ciências, buscando comprovar cientificamente a presença de vida em fetos anencefálicos e embriões, e dos direitos, como o direito à vida, à dignidade humana e à diferença atribuídos a esses seres.

Aborto e moral católica: a circulação do argumento

A defesa do ato em julgamento como aborto possui um forte impacto jurídico, uma vez que o aborto é considerado crime no Brasil. Porém, esta estratégia possui também um impacto moral na sociedade brasileira. Mais do que uma disputa jurídica, trata-se de uma disputa em torno de valores morais que envolvem a vida humana. Dessa maneira, a discussão traz em seu bojo uma questão moral importante, referente a vidas defendidas e em disputa por meio de dispositivos médico-científicos e jurídicos nas duas audiências públicas.

Os temas abordados nos dois julgamentos entrariam no rol das “grandes questões morais controversas” apontadas por Duarte (2013), conforme mencionado. Para o autor, pesam sobre essas questões propriedades de identificação contrastivas e polarizadas, como observamos nos discursos durante as audiências públicas. Além disso, elas colocam em disputa a moralidade em um grupo ou sociedade. O aborto, inclusive de anencéfalos, pode ser incluído entre essas questões, sendo um ato que possui forte conotação moral negativa na sociedade brasileira.

Os temas das audiências públicas – a antecipação do parto de anencéfalos e o uso de células embrionárias em pesquisa – remetem-se a esta questão moral mais ampla e contundente no Brasil, a da descriminalização e/ou legalização do aborto, que perpassa as duas controvérsias, existindo uma ligação entre os temas: legalização do aborto, aborto de anencéfalos, uso de células embrionárias em pesquisa. Todos se reportam ao tema da vida, mais especificamente ao controverso momento de seu início. Essa referência é acionada por agentes do bloco pró-vida não só na audiência pública, mas também em outras arenas que constituem essas controvérsias, como, por exemplo, na mídia. Alguns pronunciamentos deixam explícita a aproximação entre a liberação das pesquisas com células embrionárias e/ou a interrupção da gestação de fetos anencéfalos e a descriminalização do aborto no Brasil, como determinados artigos produzidos por bispos no site da CNBB17. Estes contribuem para a disseminação e a popularização dessas concepções entre um público mais amplo, que acessa as mídias católicas. A relação entre os agentes que se pronunciam nas audiências públicas e a CNBB foi demonstrada por Sales (2015). Isso nos permitiu aferir que a estratégia de aproximar o uso de células embrionárias em pesquisa e a antecipação do parto de anencéfalos ao aborto fazia parte da estratégia mais ampla do bloco pró-vida.

Um exemplo disso foi observado na controvérsia sobre as células embrionárias. A relação entre a liberação do uso de CTE em pesquisas e o aborto não estava presente na audiência pública da ADI 3510. Entretanto, em alguns artigos essa relação é clara, como na seguinte passagem: “[...] da morte do ser humano eliminado no uso de células tronco embrionárias, que na prática, leva à justificação do aborto. Não só se pratica o mal, mas tenta-se justificá-lo e transformá-lo em bem e em expressão de progresso” (Dom Orlando Brandes, CNBB, 12/01/2009). Assim, a liberação das pesquisas seria o caminho para a descriminalização do aborto. Esse foi um dos artigos em que a relação aparece de forma mais explícita. Trata-se, nessa concepção, da perda do valor da vida. Os argumentos que defendem o uso de células-tronco embrionárias também podem servir para defender o aborto, pois em ambos os casos há a visão de que os embriões ainda não são vida.

Essa ideia está igualmente presente na Campanha da Fraternidade (CF) de 2008. No ano do julgamento da ADI 3510, a campanha lançada pela CNBB tinha como tema “Fraternidade e Defesa da Vida”18, voltando-se para temas sobre o início e o fim da vida, como aborto e eutanásia, englobando discussões sobre o estatuto do embrião. No texto-base da campanha19, o uso de células embrionárias em pesquisa e o aborto são dois itens de um mesmo capítulo denominado “A vida não nascida”. Ambos os temas são parte de uma mesma discussão, remetendo-se aos chamados “crimes contra a vida humana”,no caso, a vida dos embriões e fetos.

As ideias presentes no texto-base da CF possuem ampla circulação entre o público católico.O texto-base lança as concepções centrais a serem trabalhadas, que são colocadas em uma linguagem menos cientificista, de forma a se tornar acessíveis a um grupo maior: primeiro, para os sacerdotes, padres e bispos responsáveis pela condução da campanha em suas paróquias; em seguida, para os católicos em geral, frequentadores de missas, novenas, entre outros rituais. Nesta segunda etapa, imagens, como cartazes e vídeos, e hinos são produzidos com base nessas concepções, possuindo uma circulação e penetração bem maior que o texto-base. Assim, a proximidade temática aponta a circulação destas concepções em todos os níveis da instituição católica e a sua ampla disseminação, uma vez que a CF possui grande penetração por meio de sua reprodução constante em todas as paróquias brasileiras.

A larga circulação da aproximação entre aborto/antecipação do parto de anencéfalos/ uso de células embrionárias é um importante dispositivo utilizado pelos agentes pró-vida, dos quais a CNBB faz parte, reiterando a carga moral negativa que o aborto possui na sociedade brasileira.

Embora não diretamente relacionado aos dois julgamentos analisados, outro exemplo é válido para apontarmos a dimensão negativa do aborto no Brasil. Luis Felipe Miguel (2012), em artigo sobre os projetos para descriminalização do aborto, aponta que a Frente Parlamentar em Defesa da Vida20 age de forma a constranger os deputados favoráveis à ampliação do aborto legal, ameaçando divulgar seus nomes em listas. O autor cita a emblemática fala do deputado Salvador Zimbaldi, na qual o parlamentar coloca que, se um deputado não votar contra o aborto por convicção, então que vote por medo (de ter seu nome divulgado nas listas). Este dado demonstra o aspecto negativo de se posicionar de forma favorável ao aborto no Brasil. Mais que um crime, o aborto é uma transgressão moral fortemente repudiada. A sua defesa pode, inclusive, comprometer o desempenho eleitoral de candidatos. A CNBB e o bloco pró-vida usam estratégias que lembram e reforçam essa característica negativa nas duas controvérsias em questão21.

Vidas em disputa: a vida não nascida x a vida já nascida

A disputa em torno da “vida”, em relação a qual “vida” deveria ser priorizada, estava presente nas duas audiências públicas: a vida dos pacientes possivelmente beneficiados com as pesquisas e a vida das mulheres grávidas ou a vida dos embriões/fetos anencefálicos.

A audiência pública da ADI 3510 teve como tema “o início da vida”, mas os expositores do grupo pró-pesquisa em nenhum momento se referiram a ele. A estratégia desse bloco foi demonstrar as melhorias na “vida” dos pacientes beneficiados pelas pesquisas com células-tronco (adultas, no caso). Utilizavam-se de imagens que demonstravam o ganho de “vida” dos pacientes submetidos a tratamentos com células-tronco. Dessa forma, os cientistas pró-pesquisa estabeleceram o debate a partir de outros termos, não realizando a definição científica de quando a vida se inicia, tema norteador da audiência pública22.

É interessante observar que, embora o debate sobre as células embrionárias seja mundial, o modo como ele se desenvolveu no Brasil foi bastante particular. No caso da Inglaterra, analisado por Letícia Cesarino(2007) e Liliana Acero (2010) por exemplo, os cientistas, ao longo dos debates que precederam a aprovação da legislação, mudaram a imagem do embrião, criando uma nova categoria, o pré-embrião, que ganhou força após a publicação na revista Nature de um artigo no qual essa classificação (o pré-embrião) foi apresentada como uma massa de células gerada pelo ovo fertilizado. Nesse debate, a despersonalização da figura do embrião foi fundamental para que a legislação fosse aprovada.

No Brasil, os cientistas não centraram o debate no estatuto do embrião, certamente para evitar uma disputa, pouco produtiva em termos de dados científicos e com resultados incertos, que desembocasse em uma decisão legal sobre o momento do início da vida humana. Preferiram tomar um caminho mais consensual no que se refere à sociedade brasileira, que foi o de oferecer uma resposta ao sofrimento humano pelo caminho da pesquisa e de seus resultados terapêuticos23.

Essa estratégia do bloco pró-pesquisa começa a se desenhar no debate estabelecido no poder legislativo para a votação da Lei de Bioética, na qual houve a aprovação do uso de CTE em pesquisas científicas. Segundo Liliana Acero (2010), ocorreu a formação de um lobby pró-pesquisa na Câmara dos Deputados, que tentou recrutar grupos de potenciais usuários das terapias com células-tronco. Para isso, foi utilizado o que a autora chama de “narrativas de esperança e medo”, nas quais a liberação das pesquisas aparece como a única saída para esses grupos.

No caso da audiência pública sobre a anencefalia, as justificativas produzidas pelo bloco pró-escolha também reiteravam a interrupção da gravidez como um procedimento terapêutico, uma opção de tratamento médico a ser escolhida pelas mulheres. Nessa controvérsia, a vida a ser valorizada era a dessas mulheres, sendo a antecipação do parto entendida como um procedimento médico para as mulheres “doentes”, e não um “aborto”. A não utilização deste termo, além de evitar sua grande carga moral na sociedade brasileira, também se constitui como estratégia do bloco pró-escolha para demonstrar a ausência de vida humana no feto com anencefalia. Para os defensores da ação, o procedimento não se tratava de aborto, pois estava se interrompendo uma gestação para a qual não haveria potencialidade de vida.

Na controvérsia sobre a anencefalia, o debate de fundo, que norteia toda a ação, é se o feto anencéfalo seria um ser humano. Por esse motivo, a discussão empreendida em torno de sua “vida”, para o bloco pró-vida, ou de sua “morte”, para o bloco pró-escolha, é central nas justificativas compostas por cada bloco. No repertório de justificativas dos pró-escolha não há vida no caso da anencefalia, não se tratando, pois, de aborto, mas sim de uma antecipação terapêutica do parto, de um procedimento médico/terapêutico. Essa argumentação é desenvolvida com base em longas exposições científicas, com detalhes técnicos sobre as características da anencefalia, o momento de seu diagnóstico e o fatal prognóstico de morte do feto.

Dois pontos estavam entrelaçados nas exposições desse bloco: a inevitável morte do feto acometido de anencefalia e o risco para a saúde (vida) das mulheres grávidas, tanto a saúde física quanto a mental. A exposição seguinte afirma ser a anencefalia incompatível com a vida: “Reconhecemos que o feto está morto, e permanecer num luto durante seis meses seria uma tortura psicológica que não podemos aceitar frente à tecnologia que possuímos na atualidade”24. Segue mais uma exposição nesse sentido:

Havendo um diagnóstico de certeza de anencefalia não há nenhuma presunção de vida deste feto. [...] A mulher pobre grávida de anencéfalo vive um dilema, carregar esta gravidez até o final e preparar o enterro ao invés de preparar o berço, ou se submeter a um aborto ilegal, colocando em risco sua vida e sua saúde. [...] Não é aborto. Aborto é interrupção de uma potencialidade de vida. Um feto anencéfalo não tem potencialidade de vida. É a interrupção de uma gestação. Da gestação de um feto que não tem potencialidade de vida25.

Diagnóstico de certeza de morte do feto com anencefalia e tortura psicológica imposta às gestantes. Eis os dois elementos que se destacam nas falas dos expositores. Além disso, a gestação de anencéfalo constitui risco para a gestante, pois, segundo o primeiro expositor, apenas 2,8% das mulheres não apresentaram nenhuma intercorrência durante a gestação. Dados numéricos e percentuais completam a exposição.

Novamente fica claro que a discussão se dá em torno da ““vida” – da vida do feto e da possibilidade de impactos sobre a vida das gestantes. Para o bloco pró-escolha, há um consenso na definição de morte: se o feto não tem cérebro, ele não tem vida. Por outro lado, se o feto está morto, não possuindo vida, a gestante está viva e em situação de risco e sofrimento. A manutenção da gestação de um feto morto geraria impactos sobre a vida das mulheres, desde sofrimento psíquico intenso até riscos de morte. A antecipação do parto seria uma forma de minorar o sofrimento dessas mulheres.

Vários elementos que enfatizavam o sofrimento atroz vivenciado pelas gestantes foram utilizados ao longo da ação. A grande metáfora da dor vivenciada era a da substituição da preparação do berço pela preparação do caixão, da preparação do enxoval pela preparação do funeral. Uma carta dirigida ao ministro Luiz Fux26, escrita por um homem cuja esposa levou a cabo a gestação de um anencéfalo, é emblemática. Segundo o homem, sua esposa havia sido obrigada a assistir durante nove meses o funeral de seu filho anencéfalo. A demonstração do sofrimento e da dor causados pelaobrigatoriedade de se conviver com um feto morto ao longo de toda a gestação foi marcante nessa controvérsia, sendo explicitada durante a audiência pública. Dois elementos destacam-se nessa carta: a dor vivenciada e a obrigação imposta às mulheres de manter a gestação até o nascimento do feto.

O relato de dor das mulheres tornou-se público em diferentes momentos da ação, e não apenas durante a audiência pública, intensificando-se com a proximidade desta e do julgamento. Exemplo disso foi a produção de documentários sobre o tema, como o que relata a história de Severina27, demonstrando a crueldade de um longo percurso em busca da autorização judicial para a interrupção da gestação. A experiência vivenciada por Severina é denominada por uma das expositoras como “experiência da tortura”:

O filho de Severina nasceu morto, como acontece em mais de metade dos casos de anencefalia. [...] Inicia-se uma corrida contra o tempo dos tribunais e da natureza, para que o feto não atinja 500 gramas ou vinte semanas, necessitando nestes casos ser enterrado. Esta é uma das experiências mais dilacerantes para as mulheres. Elas estarão internadas em maternidades com outras mulheres que acabaram de dar à luz a seus filhos vivos. [...] Algumas ficaram sem dormir, outras sem comer para que o feto não crescesse, à espera da liminar28.

Esta é a chamada experiência da tortura. Não bastasse saber que seus fetos não sobreviverão, ainda era preciso lidar com todos os trâmites judiciais para tentar exercer o direito de escolha. O sofrimento da experiência vivida e do demorado percurso judicial é relatado e exposto durante a audiência pública de diversas maneiras: pela leitura de trechos de cartas de mulheres que passaram por essa experiência, pela exibição de trechos de documentários e pela presença dessas mulheres na audiência.

Os dispositivos acionados para o convencimento em ambas as audiências públicas apoiam-se em elementos e termos que expõem o sofrimento humano: exposição do sofrimento de pacientes com doenças possivelmente tratáveis pelo resultado das pesquisas com células-tronco embrionárias e exposição do sofrimento das mulheres grávidas de fetos anencéfalos. Nos dois casos, o julgamento favorável às ações permitiria a diminuição do sofrimento humano, possibilitando o tratamento das doenças, no caso da permissão do uso de células embrionárias em pesquisa, e a antecipação do parto, em se tratando da gestação de anencéfalos. O sofrimento é exposto a fim de extirpá-lo, ou, ao menos, mitigá-lo.

Neste aspecto, define-se uma sensibilidade de interesse coletivo, na qual a minoração do sofrimento das pessoas aparece como central. Cria-se uma hierarquia de vidas, em que a vida de pessoas já nascidas (e em estado de sofrimento) ganha centralidade em relação à “vida” dos embriões e fetos (elemento fundamental do argumento do bloco pró-vida). Dessa maneira, o debate é deslocado para a vida dos possíveis beneficiários dos resultados das pesquisas com as células embrionárias ou para a vida das gestantes de fetos anencefálicos, tendo em vista a diminuição de seu risco e sofrimento. Os dispositivos acionados não evocam a vida do embrião ou do feto, mas sim a vida de pessoas que passam por essas experiências, expostas por meio de relatos, cartas, slides, documentários, entre outras estratégias capazes de atribuir concretude a essas pessoas e a seus sofrimentos29.

Além disso, na controvérsia sobre a anencefalia, o sofrimento humano das gestantes é também associado ao desrespeito ao direito de escolha da mulher, à sua liberdade de consciência e dignidade humana. Assim, os direitos desrespeitados, para o bloco defensor da ação, seriam os direitos das gestantes de anencéfalos, representados pela imposição de se manter a gestação de um feto morto.

Essa “obrigatoriedade” fica clara na carta ao ministro Luiz Fux, mencionada anteriormente, em que o autor afirma que sua mulher foi obrigada a permanecer grávida e assistir durante nove meses o funeral de seu filho. Outra carta30, lida durante a audiência pública, utiliza o mesmo termo. A autora da carta afirma que foiobrigada a manter a sua gestação e teve de enterrar sua filha. Além de indicar o desrespeito à sua liberdade de escolha, a carta é um relato do sofrimento vivenciado por essa mulher, repleto de elementos que retratam a sua dor, o caixão da filha, o feto que não teria chance de sobrevida se mexendo em seu útero, entre outros elementos que reiteram a dolorosa experiência vivenciada por ela à revelia de sua decisão de antecipar o parto. A decisão dessas mulheres não estaria sendo levada em conta, como observado na seguinte exposição: “Muitas mulheres grávidas de anencéfalos têm ferida a sua dignidade. Aquelas que decidem manter a gestação apesar de saberem gestar um anencéfalo que tenham a sua decisão respeitada, mas aquelas que não desejam manter esta gestação têm o seu direito negado [...]”31. Novamente, o termo obrigar está presente, em paralelo à concepção de desrespeito à dignidade das mulheres. As cartas e exposições ao longo da audiência pública são exemplos de como os vários dispositivos estão conectados em um mesmo discurso: o atentado à dignidade humana e à liberdade de escolha das mulheres, por um lado, e o sofrimento atroz pelo qual passaram, com o detalhamento dessas dores, por outro.

Os relatos demonstram a presença de elementos de variadas origens em um mesmo discurso, articulando dispositivos e estratégias com potencial de convencimento no mundo contemporâneo durante as exposições, como no caso da exibição do sofrimento humano associado à questão dos direitos. Ilustram, pois, a maneira como são compostas as justificativas na arena pública representada pelas duas audiências aqui analisadas32.

Considerações finais

Ciência, religião e direito imbricam-se na defesa dos posicionamentos nas audiências públicas. Se os ministros do STF buscam distinguir os atores, dividindo-os em três blocos – religiosos, cientistas e sociedade civil (como o ocorrido na audiência sobre a anencefalia) –, a fala destes atores não possui a mesma característica distintiva. Ao contrário, a fonte de legitimação dos discursos dos expositores dos três blocos possui mais elementos de proximidade do que distinções, remetendo-se a dados científicos e à gramática dos direitos para ancorar legitimidade a suas posições.

Neste aspecto, mesmo as certezas religiosas ganham objetividade e entram em negociação com diferentes pontos de vista, utilizando-se de elementos de diferentes áreas na composição de suas justificativas. A busca pela legitimação das posições teológicas é marcada pela utilização de dispositivos de diversificadas áreas na formulação das justificativas. Nesta disputa, a construção de repertórios com o uso de dispositivos que acionem gramáticas com grande potencial de convencimento é fundamental.

Segundo Boltanski e Thévenot (2006), a legitimidade de argumentos e posicionamentos seria conquistada por meio de seu potencial de generalidade. Apenas aqueles capazes de se tornar genéricos podem se fazer convincentes. Nesse processo, os argumentos e justificações devem estabelecer alguma relação com princípios gerais para que sejam capazes de produzir verossimilhança. A possibilidade de generalização dos discursos está relacionada à sua capacidade de mobilizar a força coletiva, por isso é preciso que ele perca seu caráter singular.

Assim, nas controvérsias analisadas, a ciência e os direitos são gramáticas que, por seu potencial de generalidade e reconhecimento, aparecem como capazes de aportar legitimidade às justificativas, tendo sido constantemente utilizadas nos argumentos dos blocos antagônicos nas duas audiências públicas. Nestas, a justificação de tipo científico e a linguagem dos direitos, especialmente dos direitos humanos, ganham centralidade nos repertórios de justificações de blocos contrários e favoráveis às ações. Concepções teológicas, razões científicas e o vocabulário dos direitos imiscuem-se, indicando profundo imbricamento entre termos, argumentos e categorias de diversas áreas e origens.

Por fim, os agentes utilizam-se de estratégias para dar visibilidade e generalidade a seus discursos, pois a penetração e a circulação dos argumentos também contribui para a sua potencialidade. Isso foi notado na forma como a CNBB, importante ator do bloco pró-vida, se lançou na disseminação de seus argumentos “em defesa da vida” com a proximidade dos julgamentos. Associar as ações em julgamento ao aborto e disseminar amplamente essa associação foram parte importante da estratégia utilizada pelos agentes desse bloco.

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YOUTUBE. “Audiência Pública Anencéfalos”. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.

_____________. “Uma História Severina”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=65Ab38kWFhE. Acesso em: 18/01/2013.

Notas

  • 1
    A ação julgava o uso de células de embriões in vitro, produzidos pela reprodução assistida, em pesquisas científicas. Apenas os embriões congelados há mais de dois anos, procedentes da fertilização in vitro e considerados inviáveis para a implantação no útero materno, poderiam ser utilizados para pesquisas científicas.
  • 2
    O diagnóstico de anencefalia do feto é obtido a partir de exames de imagem (ultrassonografias), quando, ainda no início da gestação (a partir da 13ª semana), se observa a ausência total ou quase total do cérebro. Os fetos assim diagnosticados não têm chance de sobreviver fora do útero materno por mais do que algumas horas, sendo que a grande maioria morre ainda durante a gestação ou alguns minutos após o parto.
  • 3
    Os Amigos da Corte (ou amicus curiae) são instituições ou agentes autorizados a realizar intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade, podendo se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são parte dos processos, atuando apenas como interessados na causa.
  • 4
    Todos os expositores, representando as diversas instituições, tiveram direito a 15 minutos para expor seus argumentos e posições. Com a CNBB não foi diferente: dois representantes dividiram os 15 minutos de exposição durante a audiência pública.
  • 5
    Para a análise dos documentos foi utilizado o software de análise de discurso Atlas TI. Com a ajuda dessa ferramenta, notamos que o código “defesa da vida do início ao fim” foi o que mais se repetiu nos documentos, estando presente ao menos uma vez em cada uma das notícias ou artigos de bispos.
  • 6
    Essa necessidade de justificação pode ser devida, em parte, à expansão das religiões pentecostais e neopentecostais no país, acompanhada de uma mudança na sensibilidade e na percepção daquilo que seria de interesse coletivo.
  • 7
    Esta igualdade é estabelecida pelo STF e pelos agentes envolvidos na indicação dos expositores, mas Naara Luna (2010), ao analisar essa audiência pública, demonstra que os cientistas do bloco pró-pesquisa possuíam maior capital simbólico no campo acadêmico-científico: eram pesquisadores específicos na área, estavam à frente dos principais laboratórios sobre o tema e possuíam postos de maior status junto às universidades mais prestigiosas do país.
  • 8
    Com esta ação, a CNTS buscava possibilitar que a gestante, em casos de anencefalia do feto, interrompesse a gravidez sem a necessidade de autorização judicial ou permissão do Estado. Isso representaria uma garantia para a integridade dos profissionais envolvidos na execução de tais procedimentos.
  • 9
    A “defesa da vida” é repetida de diversas maneiras nos locais onde essa controvérsia se desenvolveu, sendo o argumento em torno do qual se agregam as posturas da Igreja contra o aborto, a eutanásia, a fertilização in vitro, além do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas.
  • 10
    Esta posição está presente na Instrução Dignitas Personae, do Vaticano, e em textos da Comissão de Bioética, tendo sido tema da campanha da fraternidade de 2008.
  • 11
    Na primeira etapa desta pesquisa nos detivemos na análise de artigos e notícias publicados nas mídias laicas e católicas sobre o julgamento da ADI 3510. Naquele momento, percebemos a organização dos agentes posicionados contrariamente às pesquisas em torno do argumento “em defesa da vida”.
  • 12
    Cf. nota 5.
  • 13
    Em artigo anterior (Sales 2014) demonstramos a presença do argumento em “defesa da vida” em todos os níveis hierárquicos e instâncias do catolicismo. Esse argumento repetia-se a partir de diferentes estratégias nas várias instâncias analisadas.
  • 14
    Transcrição da exposição do padre, com base no vídeo da audiência pública disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 15
    Concepções teológicas também são percebidas na fala do padre Antônio Bento, como a ideia do sacrifício e do sangue de crianças inocentes, metáfora bastante cara ao catolicismo. Entretanto, não são elas que dão o tom da apresentação.
  • 16
    Exposição de Lenise Aparecida Martins Garcia, em 28 de agosto de 2008. Ver parte 4: https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 17
    Estes artigos representam a opinião de bispos sobre diversos assuntos e passam pelo aval da CNBB antes de serem publicados. O tema da bioética foi bastante recorrente no site com a proximidade da audiência pública e do julgamento da ADI 3510. Ver: http://cnbb.org.br/.
  • 18
    As Campanhas da Fraternidade são anualmente lançadas pela CNBB, abordando um tema específico a cada ano, que é recolocado em todo ritual celebrado durante o ano litúrgico. As CF possuem um texto de referência, chamado de texto-base, escrito por especialistas na área a ser abordada ao longo da campanha. A partir dele, são elaboradas pregações, cânticos, e passagens bíblicas são repetidas durante os rituais católicos em todas as paróquias brasileiras, especialmente nas missas. Dessa maneira, os católicos que eventual ou constantemente participem desses rituais entram em contato, em diferentes medidas, com as ideias postuladas pelas campanhas.
  • 19
    O texto-base da Campanha da Fraternidade de 2008 pode ser consultado aqui:http://www.cnbb.org.br/site/publicacoes/documentos-para-downloads/cat_view/241-cf-campanha-da-fraternidade/263-cf-2008. Acesso em: 15/01/2013.
  • 20
    Em 2012, essa frente parlamentar congregava mais de duzentos parlamentares, cerca de um terço da Câmara dos Deputados.
  • 21
    O debate em torno desta questão nos remete à classificação de “pânico moral” apontada por Irène Théry (2010). Segundo a autora, questões relacionadas à bioética, como a reprodução assistida, ou o caso estudado por ela, sobre a reprodução assistida com doador anônimo, gerariam um pânico moral na sociedade, quando “um episódio, uma pessoa ou um grupo começam a ser definidos como uma ameaça para os valores sociais” (Théry 2010:81-82). Trata-se de um sentimento intenso exprimido sobre questões que, em determinado contexto, parecem ameaçar a ordem social. A interrupção da gravidez de fetos anencéfalos e a pesquisa com células embrionárias aproximam-se dessa classificação, remetendo-se à possibilidade da descriminalização do aborto no Brasil. Uma parcela dos agentes contrários às ações refere-se a essa associação, geradora do sentimento de pânico mencionado.
  • 22
    Letícia Cesarino (2007) observou estratégia semelhante em relação ao debate sobre a Lei de Biossegurança ocorrido poder legislativo. No cenário dessa discussão, a estratégia argumentativa do lobby pró-pesquisa desenrolou-se no terreno da argumentação pragmática, na qual duas possibilidades se apresentavam: lixo ou pesquisa. Segundo o grupo pró-pesquisa, a inevitabilidade do descarte dos embriões excedentes estava presente. Dessa forma, os agentes fugiram do debate sobre o início da vida, detendo-se em uma questão pontual sobre o que fazer com os embriões excedentes produzidos pela fertilização in vitro.
  • 23
    Na audiência pública ocorrida no STF, as imagens da vida dos pacientes são o elemento marcante, e os resultados clínicos das pesquisas e seu impacto na vida dos atendidos são acionados para legitimar o uso das células embrionárias.
  • 24
    Exposição de Everton Médice Petersen, em 28 de agosto de 2008. Ver parte 2:https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 25
    Exposição de José Aristodemo Pinotti, em 28 de agosto de 2008. Ver parte 4:https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 26
    Audiência pública sobre anencefalia. Ver parte 4: https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 27
    Documentário Uma História Severina: https://www.youtube.com/watch?v=65Ab38kWFhE. Acesso em: 18/01/2013.
  • 28
    Exposição de Débora Diniz, em 28 de agosto de 2008. Ver parte 5: https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014
  • 29
    A produção de sentimentos à distância é um fenômeno cada vez mais observado nos séculos XX e XXI, responsável por uma transformação na questão humanitária. Discursos e ações institucionais são produzidos a partir da difusão do sofrimento coletivo. Casos individuais também podem contribuir para isso, pela exposição pública de imagens de pessoas em sofrimento (Boltanski 1993). Sofrimentos atrozes são largamente expostos em ambas as audiências públicas. Esta não seria uma vida digna de ser vivida. Em suas justificativas, a gramática contemporânea na qual o sofrimento é considerado sem sentido é acionada pelos agentes. E este valor é extremamente sensibilizador no mundo contemporâneo.
  • 30
    Audiência pública sobre anencefalia. Ver parte 3: https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 31
    Exposição de Maria José Rosado Nunes, em 26 de agosto de 2008. Ver parte 3:https://www.youtube.com/playlist?list=PLippyY19Z47vGsw8_FF1gBWqzkSv7njE2. Acesso em: 16/09/2014.
  • 32
    Valores do indivíduo moderno perpassam toda a audiência pública, estando presente em ambos os blocos. A discussão em torno da consciência, que caracterizaria a humanidade e a dignidade de mulheres e de fetos, é exemplo disso. Infelizmente, não cabe aos limites deste artigo explorar essa questão mais a fundo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Dez 2014
  • Aceito
    Abr 2015
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