Resumos
OBJETIVO: Avaliar o impacto da implantação do Programa de Saúde da Família sobre o controle da hipertensão arterial, em uma Unidade Básica de Saúde. MÉTODOS: Foram selecionados 135 pacientes com o diagnóstico confirmado de hipertensão, 45 de cada equipe da Unidade Básica de Saúde, que iniciaram o tratamento entre dezembro de 2003 e dezembro de 2004, com seguimento até julho de 2005, em Salvador, Bahia. Comparou-se a pressão arterial no início e no fim do período de observação e sua associação com fatores de risco cardiovascular, e com as variáveis gênero, idade, índice de massa corporal, número de consultas, quantidade de medicamentos anti-hipertensivos usados por paciente, escolaridade e renda familiar. Os dados foram expressos em valores absolutos, percentagem, média e desvio-padrão e foram realizados os testes de Wilcoxon, Kruskal-Wallis e qui-quadrado. RESULTADOS: As médias da pressão arterial inicial e final foram 155,9±24,1/95,3±13,9 mmHg e 137,2±16,1/85,7±8,7 mmHg (p<0,01), respectivamente. No início do tratamento, 28,9% dos hipertensos tinham níveis pressóricos controlados (<140/90 mmHg) contra 57% no final do período observacional (p<0,01). A média de consultas nesse período foi de 10,1±3,9, com 91,8% de adesão. Identificou-se uso de dois anti-hipertensivos por 50,4% e uso de um medicamento por 35,6% dos pacientes. As prevalências dos demais fatores de risco avaliados quando da admissão no programa foram sobrepeso/obesidade (71,9%), dislipidemia (58,5%) e diabetes/intolerância a glicose (43,7%). Os resultados por equipe foram comparáveis. CONCLUSÕES: O impacto da implantação do Programa de Saúde da Família trouxe melhoria do controle da hipertensão arterial, mas os fatores de risco associados permaneceram acima dos níveis atualmente recomendados, necessitando controle adequado.
Hipertensão; Hipertensão; Fatores de risco; Programa Saúde da Família
OBJECTIVE: To assess the impact of the implementation of the Family Health Care Program for arterial hypertension management in a primary care unit. METHODS: There were studied 135 patients with confirmed diagnosis of arterial hypertension (45 patients from each primary care team) who received treatment between December 2003 and December 2004 and were followed up until July 2005 in the city Salvador, Northeastern Brazil. Blood pressure measures were compared at baseline and at the end of the follow-up period, and their association with cardiovascular risk factors and variables such as gender, age, body mass index, number of medical visits, number of antihypertensive drugs taken by patients, education level and family income were evaluated. Data were described as means and standard deviations, absolute and percentual values and the Wilcoxon, Kruskal-Walis and Chi-square tests were performed. RESULTS: Mean blood pressures at baseline and at the end of the follow-up were 155.9±24.1/95.3±13.9 mmHg and 137.2±16.1/86.7±8.7 mmHg (p<0.01), respectively. At starting treatment, 28.9% hypertense patients had well-controlled blood pressure levels (<140/90 mmHg) compared to 57% at the end of the follow-up period (p<0.01). The mean number of medical visits was 10.1 ± 3.9, with 91.8% compliance. Two antihypertensive drugs were used by 50.4% and one drug by 35.6% of the patients. The prevalences of associated risk factors assessed at entering the program were overweight/obesity (71.9%), dyslipidemia (58.5%) and diabetes/impaired fasting glucose (43.7%). The results of the different care teams were comparable. CONCLUSIONS: The implementation of the Family Health Care Program has provided a better management of arterial hypertension but the associated risk factors have remained at higher levels than those recommended and thus needing better management.
Hypertension; Hypertension; Risk factors; Family Health Program
ARTIGO ORIGINAL
Controle da hipertensão arterial em uma unidade de saúde da família
Control of arterial hypertension in a family care unit
Jairo Carneiro de Araujo; Armênio Costa Guimarães
Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Salvador, BA, Brasil
Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Jairo Carneiro de Araujo R. Sacramento, 50, São Caetano 40387-050 Salvador, BA, Brasil E-mail: araujojcarneiro@ig.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar o impacto da implantação do Programa de Saúde da Família sobre o controle da hipertensão arterial, em uma Unidade Básica de Saúde.
MÉTODOS: Foram selecionados 135 pacientes com o diagnóstico confirmado de hipertensão, 45 de cada equipe da Unidade Básica de Saúde, que iniciaram o tratamento entre dezembro de 2003 e dezembro de 2004, com seguimento até julho de 2005, em Salvador, Bahia. Comparou-se a pressão arterial no início e no fim do período de observação e sua associação com fatores de risco cardiovascular, e com as variáveis gênero, idade, índice de massa corporal, número de consultas, quantidade de medicamentos anti-hipertensivos usados por paciente, escolaridade e renda familiar. Os dados foram expressos em valores absolutos, percentagem, média e desvio-padrão e foram realizados os testes de Wilcoxon, Kruskal-Wallis e qui-quadrado.
RESULTADOS: As médias da pressão arterial inicial e final foram 155,9±24,1/95,3±13,9 mmHg e 137,2±16,1/85,7±8,7 mmHg (p<0,01), respectivamente. No início do tratamento, 28,9% dos hipertensos tinham níveis pressóricos controlados (<140/90 mmHg) contra 57% no final do período observacional (p<0,01). A média de consultas nesse período foi de 10,1±3,9, com 91,8% de adesão. Identificou-se uso de dois anti-hipertensivos por 50,4% e uso de um medicamento por 35,6% dos pacientes. As prevalências dos demais fatores de risco avaliados quando da admissão no programa foram sobrepeso/obesidade (71,9%), dislipidemia (58,5%) e diabetes/intolerância a glicose (43,7%). Os resultados por equipe foram comparáveis.
CONCLUSÕES: O impacto da implantação do Programa de Saúde da Família trouxe melhoria do controle da hipertensão arterial, mas os fatores de risco associados permaneceram acima dos níveis atualmente recomendados, necessitando controle adequado.
Descritores: Hipertensão, prevenção e controle. Hipertensão, enfermagem. Fatores de risco. Programa Saúde da Família.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To assess the impact of the implementation of the Family Health Care Program for arterial hypertension management in a primary care unit.
METHODS: There were studied 135 patients with confirmed diagnosis of arterial hypertension (45 patients from each primary care team) who received treatment between December 2003 and December 2004 and were followed up until July 2005 in the city Salvador, Northeastern Brazil. Blood pressure measures were compared at baseline and at the end of the follow-up period, and their association with cardiovascular risk factors and variables such as gender, age, body mass index, number of medical visits, number of antihypertensive drugs taken by patients, education level and family income were evaluated. Data were described as means and standard deviations, absolute and percentual values and the Wilcoxon, Kruskal-Walis and Chi-square tests were performed.
RESULTS: Mean blood pressures at baseline and at the end of the follow-up were 155.9±24.1/95.3±13.9 mmHg and 137.2±16.1/86.7±8.7 mmHg (p<0.01), respectively. At starting treatment, 28.9% hypertense patients had well-controlled blood pressure levels (<140/90 mmHg) compared to 57% at the end of the follow-up period (p<0.01). The mean number of medical visits was 10.1 ± 3.9, with 91.8% compliance. Two antihypertensive drugs were used by 50.4% and one drug by 35.6% of the patients. The prevalences of associated risk factors assessed at entering the program were overweight/obesity (71.9%), dyslipidemia (58.5%) and diabetes/impaired fasting glucose (43.7%). The results of the different care teams were comparable.
CONCLUSIONS: The implementation of the Family Health Care Program has provided a better management of arterial hypertension but the associated risk factors have remained at higher levels than those recommended and thus needing better management.
Keywords: Hypertension, prevention & control. Hypertension, nursing. Risk factors. Family Health Program.
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial é fator de risco para doença coronariana, doença cerebrovascular, doença vascular periférica, insuficiência cardíaca e doença renal terminal. Esses agravos são importantes causas de morbidade e mortalidade, com elevado custo social.4,16
O Ministério da Saúde, em consonância com as atuais políticas de promoção e proteção à saúde, tem recomendado e promovido ações multiprofissionais na atenção primária à saúde, como o combate à hipertensão arterial. Nesse contexto, insere-se o Programa de Saúde da Família (PSF), onde a atenção é centrada na família e estruturado em uma unidade de saúde, e a população adscrita está sob a responsabilidade de equipe multiprofissional.2 A organização da assistência, com competências bem definidas e integradas entre os membros da equipe multiprofissional, é centralizada no binômio médicoenfermeiro e se estende até o agente comunitário de saúde. O agente é o elo fundamental entre o domicílio e a Unidade de Saúde e representa a principal diferença entre a atuação desse programa e a atividade usual da Unidade Básica de Saúde (UBS), nos seus moldes de atuação tradicional.2
Países têm adotado com sucesso esse modelo, como Cuba, enquanto outros como Holanda, Portugal, Canadá e Inglaterra adotam modelo semelhante, mas à base do médico de família, porém com igual sucesso.2 Esses modelos assistenciais sugerem que, além da organização da atuação integrada da equipe multiprofissional, a eleição da família como núcleo de assistência e a sua ligação direta com a unidade assistencial contam para a melhoria dos resultados. O médico da família representa 55% dos médicos no Canadá, aproximadamente 65% em Cuba e 33% na Holanda.2
Ainda são escassos os estudos sobre o impacto da implantação do PSF no Brasil, e inexistentes em Salvador, Bahia. Em Recife, Pernambuco, por exemplo, um estudo sobre o perfil demográfico e epidemiológico dos pacientes atendidos em serviço de emergência hospitalar mostrou que a municipalização dos serviços de saúde e a implantação do PSF não provocaram alterações significativas na demanda aos serviços daquele hospital.9
Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto da implantação do PSF numa UBS sobre o controle da hipertensão arterial, e analisar o perfil de risco cardiovascular e socioeconômico desses pacientes.
MÉTODOS
Estudo observacional, prospectivo, com controles históricos. Os pacientes pertenciam à população adscrita à Unidade de Saúde da Família (USF) de uma localidade do Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Os participantes do programa de controle de hipertensão arterial foram selecionados de dezembro de 2003 a dezembro de 2004, quando admitidos no PSF, com seguimento ambulatorial até julho de 2005. Na área de abrangência dessa USF existem 3.120 famílias cadastradas, sendo 5.570 pessoas com idade igual ou superior a 20 anos. Dessas, 740 referiram o diagnóstico de hipertensão arterial para fins de cadastramento, com média de 247 pacientes por equipe em atuação na USF. A amostra final, por equipe, foi selecionada a partir dos pacientes que satisfizeram os critérios de inclusão.
Os critérios de inclusão foram: pacientes que apresentaram níveis pressóricos iguais ou maiores que 140/90 mmHg, normalizados pelo uso de anti-hipertensivos, em duas ocasiões antes de iniciar o tratamento na USF, todos com registro das variáveis de interesse para o estudo.
Os critérios de exclusão foram: pacientes acompanhados, concomitantemente, em outros centros de saúde para tratamento de hipertensão arterial e aqueles que apresentavam co-morbidades que damandavam atenção domiciliar, tais como pacientes com seqüela de acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca congestiva classes III a IV da classificação na New York Heart Association, dificuldade de locomoção por patologia reumática ou ortopédica.
Para efeito de avaliação do controle da hipertensão arterial, o cálculo amostral foi de 45 pacientes para cada uma das três equipes da USF (identificadas como 1, 2 e 3), totalizando 135 pacientes. Realizou-se um estudo piloto com 48 pacientes hipertensos (escolhidos aleatoriamente, 16 por equipe) iniciantes do tratamento na USF, encontrando-se PAS média de 161,0±26,5 mmHg. Considerou-se, então, como meta de controle, uma queda na PAS, após tratamento, de 22 mmHg, com significância estatística de 5% e poder de força do teste de 90%, obtendo-se um número amostral de 45 pacientes por equipe, totalizando 135 pacientes. A fórmula utilizada para o dimensionamento da amostra foi a seguinte: 3[ Za+Zb)(DP)/(dif)]², onde:
3 número de equipes;
Za valor correspondente de ALFA
Zb valor correspondente a 1-BETA
DP desvio-padrão (obtido no estudo piloto)
Dif diferença entre as médias (obtida no estudo piloto e a média-alvo no estudo)
Para efeito da comparabilidade dos resultados por equipe, tomou-se como padrão a equipe 2, coordenada por um dos autores. Assim, em primeiro lugar, foram escolhidos os 45 pacientes da equipe 2, seqüencialmente, pelos prontuários de número par. Quanto aos pacientes das equipes 1 e 3, foram escolhidos por prontuários, também de número par, mas com gênero igual e idade semelhante (até mais ou menos um ano de diferença) aos pacientes da equipe 2, para compor os grupos de comparação.
As variáveis de interesse foram coletadas dos prontuários de cada paciente por um dos autores: gênero, idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), valores da pressão arterial sistólica (PAS) e da pressão arterial diastólica (PAD) no início e final do período observacional, quantidade de consultas, tipo e quantidade de medicação anti-hipertensiva em uso, adesão ao tratamento anti-hipertensivo, valores de colesterol total, HDL-Colesterol (HDL-C), LDL-Colesterol (LDL-C), triglicérides, glicemia e creatinina. Foram coletadas também informações sobre escolaridade, renda familiar, tipo de moradia, sistema de esgotamento sanitário, tratamento de água no domicílio e existência domiciliar de energia elétrica.
Os dados clínicos e laboratoriais foram extraídos do prontuário, cuja ficha clínica era preenhida pelo médico enquanto os dados relativos a gênero, idade, condições socioeconômicas foram coletados pelos agentes comunitários de saúde, quando do cadastramento das famílias. Para a aferição da pressão arterial (PA) foram usados esfigmomanômetros do tipo aneróide, marca Missouri, semestralmente calibrados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). A rotina de medida da pressão arterial na USF obedeceu às normas de aferição: após cinco min de repouso, sentado, com o membro superior direito apoiado à altura do coração; a PAS era indicada pelo primeiro som de Korotkof e a PAD pelo desaparecimento ou pelo abafamento, quando a mudança da intensidade era nítida. O valor da pressão registrado representou a média aritmética de duas medições consecutivas, com intervalo de um minuto.16 O peso e a altura foram medidos por balança Welmy, graduada em quilogramas e gramas, com estadiômetro, mensurados pelo médico na primeira consulta e pelo enfermeiro em consultas subseqüentes de pacientes com PA controlada. O IMC foi calculado pelos médicos de acordo com equação de Ketelet (IMC=kg/m2).
A adesão ao tratamento da hipertensão arterial foi avaliada pela consulta médica, categorizando os pacientes de acordo com os seguintes critérios: a) abandono definitivo (falta a 100% das consultas); b) abandono temporário (falta a 50% das consultas consecutivamente); c) tratamento irregular (falta à consulta de modo eventual); d) tratamento regular (comparecimento a 100% das consultas).
O desfecho primário considerado foi a normalização da pressão arterial pós-tratamento, como variável contínua. O desfecho secundário foi a normalização da pressão arterial, como variável categorizada em valores menores que 140/90 mmHg.
Os valores da PAS e PAD iniciais, como variáveis contínuas, foram apresentados como média e desvio-padrão e depois testados quanto à normalidade e heterogeneidade pelos métodos de Shapiro-Wilk e estatística F, respectivamente. De acordo com os resultados encontrados, optou-se pela utilização do teste de Wilcoxon para comparação entre duas variáveis contínuas quantitativas, medidas em escala contínua ou ordinal, e o de Kruskal-Wallis para o caso de mais de duas amostras de variáveis quantitativas independentes. As variáveis categóricas ou categorizadas foram apresentadas em valores absolutos e em percentual e comparadas pelo teste do qui-quadrado para proporções e aderência, quando apropriado.
O estudo foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Salvador, Bahia, tendo protocolo de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências.
RESULTADOS
As principais características da amostra total e por equipe estão apresentadas nas Tabelas 1 e 2, respectivamente. No total, foram 21 (15,6%) homens e 114 (84,4%) mulheres, média de idade de 54,9±9,7 anos, IMC revelando acentuado sobrepeso nos homens (média de 28±4,9 kg/m2) e obesidade nas mulheres (média de 30,1±6,0 kg/m2) e a PA moderadamente elevada nos homens (média de 167,6±30,2/98,1±16,6 mmHg) e levemente elevada nas mulheres (média de 153,8±22,4/94,8±13,3 mmHg). Os dados laboratoriais mostraram valores do colesterol total e LDL-C levemente elevados, principalmente nas mulheres (214±48,6 e 136,9±43,5 mg/dL, respectivamente); triglicérides com leve aumento apenas nos homens (média de 155,1±94,2 mg/dL); e glicemia de jejum elevada, com os homens apresentando a maior média (110,9±54,5 mg/dL).
As principais características socioeconômicas da amostra foram as seguintes: 94,2% tinham no máximo, o primeiro grau completo (20,7%), o primeiro grau incompleto (50,5%) e eram analfabetos (23,0%); renda familiar declarada (à época da inclusão no estudo) menor ou igual a um salário mínimo (35,6%), entre dois e três salários mínimos (51,8%) e superior a três salários mínimos (12,6%); 95,6% dos pacientes tinham habitação de tijolo e todos os domicílios tinham energia elétrica; o lixo era coletado em 80% das residências; descartados a céu aberto (19,3%) e enterrado/queimado (0,7%); a rede geral de esgotamento sanitário era utilizada por 56,3%; domicílios com fossa séptica (37,8%) e céu aberto (5,9%); 82,2% consumiam água filtrada e 16,3% sem qualquer tratamento. De modo geral, as três equipes não diferiram quanto a essas características.
Na Tabela 3 estão os dados da pressão arterial inicial e final dos pacientes das três equipes, observando-se redução significativa nas médias finais (p<0,01), similar entre as equipes.
Em relação ao controle da hipertensão (Tabela 4), observou-se que, no início do tratamento, 39 (28,9%) pacientes apresentavam PA<140/90 mmHg, contrastando com 77 (57,0%) (p<0,01) no final do estudo, significando aumento de 97,2% no percentual de normalização da PA. Por equipes, o aumento percentual no controle da hipertensão variou de 69,2% na equipe 3, para 93,5% na 1 e para 133,0% na 2. Apenas na equipe 3 o aumento percentual de controle da hipertensão não alcançou significância estatística.
A quantidade média de consultas (Tabela 5) foi 10,1±3,9 para a amostra total, variando de 9,2±4,0 na equipe 3 para 10,5±3,1 na equipe 1. Quanto à adesão, 124 (91,8%) pacientes apresentaram tratamento regular, com resultados semelhantes entre as equipes, variando entre 86,7% na equipe 2, 91,1% na 3 e 97,8% na 1. Observou-se uso de um (35,6%) a dois (50,4%) anti-hipertensivos em 116 (86%) dos casos (p< 0,01). Somente 16 (11,8%) pacientes usaram três (9,6%) ou mais de três (2,2%) anti-hipertensivos.
DISCUSSÃO
Tomando-se a amostra padrão de 45 pacientes por equipe (equipe 2), obtida de modo randômico, observou-se que 84,4% dos pacientes eram mulheres, conferindo desproporção com os homens na utilização dos serviços de saúde disponíveis. Essa predominância feminina tem sido também observada em estudos de prevalência de hipertensão arterial15 e de adesão ao tratamento. Assim, Alfonso et al,1 também notaram esta mesma diferença entre gêneros em estudo sobre aderência de hipertensos ao tratamento médico, desenvolvido em três ambulatórios da Cidade de Havana (Cuba), sugerindo que a atividade laborativa extra-domiciliar, predominantemente nos homens, pode ter influenciado esses achados. Contudo, esses argumentos não estão consistentemente estabelecidos na literatura devido à dificuldade de delineamento de grandes estudos, sobretudo devido aos potenciais viéses que podem apresentar.8 No presente estudo, a metodologia não permite concluir por possíveis causas dessa vantagem, como, por exemplo, a falta de atividades laborais extra-domiciliares por parte das mulheres, permitindo maior freqüência ao ambulatório circunvizinho. Porém, embora represente uma limitação no que concerne à representatividade de ambos os gêneros na amostra do estudo, não invalida o objetivo primário impacto causado pela assunção do PSF no tratamento da hipertensão nessa UFS pois os pacientes são os seus próprios controles.
A eficácia da atuação do PSF, atestada pela redução estatisticamente significante na pressão arterial (Tabela 3) e o aumento de 97,2% na normalização da pressão arterial de 28,9% para 57,0% (Tabela 4), mostram o quanto esse programa pode ser eficiente. Para isso, é fundamental a reorganização do cuidado primário fundamentada na integração de uma equipe multiprofissional, com competências definidas e centradas no binômio médicoenfermeiro, como é o caso do PSF. Embora os resultados não representem o ideal, pois 43,0% dos pacientes não lograram normalizar a pressão arterial, o percentual obtido se situa dentre os melhores da literatura e certamente contribui sobremaneira para a redução global do risco cardiovascular, mormente de AVC.4 Independentemente da comparabilidade da metodologia dos estudos, nos Estados Unidos apenas 27 a 31% dos pacientes hipertensos sob tratamento têm a sua pressão arterial controlada;12,13,18 na Nova Escócia e Canadá, um inquérito recente14 aponta percentual de 37%; no Brasil, entre pacientes assíduos de uma unidade clínica de hipertensão, vinculada a um hospital universitário de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, o controle da hipertensão arterial atinge 30%5 e no Estado do Rio Grande do Sul, em recente ensaio, contatou-se que apenas 10,4% dos indivíduos submetidos ao tratamento anti-hipertensivo, encontravam-se com níveis pressóricos adequadamente controlados.11
Em relação ao modo positivo de atuação do PSF, houve similaridade dos resultados pelas três equipes em atuação na Unidade, que, embora coordenadas por diferentes profissionais de saúde, trabalham em equipe, dentro do princípio básico do programa de integração profissional a todos os níveis de habilidades e competências. Um indicador disso é o número de consultas ao médico (10,1±3,9), chegando à média de 0,9 consultas/mês, com alto índice de adesão (91,8%). O resultado desta adesão à consulta médica foi tomada como referencial de eficiência assistencial por representar o trabalho complementar de toda a equipe em relação à equipe da USF e ao paciente. O sucesso da adesão implica em maior regularidade no tratamento e maiores oportunidades de ajuste da dose dos antihipertensivos e supervisão do tratamento não farmacológico. Porém, resta indagar sobre a continuidade desses índices, pois conforme literatura, a adesão varia na razão inversa do tempo de tratamento da hipertensão.3,6 Desse modo, é importante repetir o estudo dentro de dois a três anos e comparar os resultados.
Embora a associação entre tratamento inadequado da hipertensão e agrupamentos sociais menos favorecidos encontre-se bem estabelecida na literatura, as condições socioeconômicas relativas à baixa escolaridade e baixa renda da amostra não impediram o êxito do Programa.
Ao lado da hipertensão, o perfil clínico dos pacientes mostrou média de IMC compatível com acentuado sobrepeso, no caso dos homens, e com obesidade, no caso das muilheres, valores médios levemente elevados de colesterol total e LDL-C e média de glicemia de jejum elevada compatíveis com a presença de resistência à insulina.4,7,10,17 Além disso, esse perfil clínico se associa a alto risco de doença coronariana, demandando intervenção adicional ao controle da pressão arterial. O controle desses fatores de risco metabólico diminui o risco global de doença coronariana, além de contribuir para melhor controle da pressão arterial. Os achados demandam ampliação da equipe multiprofissional básica do PSF, com a inserção de nutricionista. Esse profissional organizaria e implementaria um programa de mudanças de hábitos alimentares, com o objetivo de orientar a aquisição, preparo e consumo dos alimentos. Em paralelo, um fisioterapeuta orientaria na execução de atividades físicas regulares, condição também importante para o controle da hipertensão e da síndrome metabólica.
A presente pesquisa, embora sinalize a importância do PSF no controle da hipertensão arterial, apresenta como principal limitação a não representatividade da população de hipertensos de Salvador, pricipalmente em relação ao gênero, com grande maioria feminina, como já discutido. Entretanto, pôde ser constatada a potencial influência que as equipes do PSF, instaladas em diferentes localidades do Brasil, independetemente das influências que certas características demográficas possam exercer sobre o controle da hipertensão arterial, com significativo impacto para a saúde pública. É necessário que estudos semelhantes sejam conduzidos em outras unidades do PSF, nas capitais e no interior, a fim de confirmar a importância da estratégia dessa estrutura assistencial, assim como retroalimentar o sistema com informações necessárias ao seu aperfeiçoamento e continuidade dos seus serviços.
Recebido: 31/3/2006
Revisado: 2/10/2006
Aprovado: 27/11/2006
Artigo baseado na dissertação de mestrado de JC Araujo, apresentado à Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, em 2006. Trabalho realizado na Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Salvador, BA Distrito Sanitário do Subúrbio Ferroviário Unidade de Saúde da Família de Ilha Amarela.
- 1. Alfonso LM, Agramonte MS, Vea HDB. Frecuencia de cumplimiento del tratamiento en pacientes hipertensos. Rev Cubana Med Gen Integr. 2003;19(2). Disponível em http://bvs.sld.cu/revistas/mgi/vol19_2_03/mgi09203.htm [Acesso em 17 maio 2005]
- 2. Anderson MP, Gusso G, Castro Filho ED. Medicina de Família e comunidade: especialista em integralidade. Rev APS. 2005; 8(1):49-60.
- 3. Caro JJ, Salas M, Speckman JL, Raggio G, Jackson JD. Persistence with treatment for hypertension in actual practice. CMAJ 1999;160(1):31-7.
- 4. Chobanian AV, Bakris GL, Black HR, Cushman WC, Green LA, Izzo JL Jr, et al. Seventh report of the Joint national committee on prevention, detection, evaluation, and treatment of high blood pressure. Hypertension 2003;42(6):1206-52.
- 5. Coelho EB, Moysés Neto M, Palhares R, Cardoso MCM, Geleilete TJM, Nobre FN. Relação entre a assiduidade às consultas ambulatoriais e o controle da pressão arterial em pacientes hipertensos. Arq Bras Cardiol. 2005;85(3):15761.
- 6. Degli Esposti E, Sturani A, Di Martino M, Falasca P, Novi MV, Baio G, et al. Long-term persistence with antihypentensive drugs in new patients. J Hum Hypertens. 2002;16(6):439-44.
- 7. Expert panel on detection, evaluation, and treatment of high blood cholesterol in adults. Executive Summary of The Third Report of The National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, And Treatment of High Blood Cholesterol In Adults (Adult Treatment Panel III). JAMA 2001;285(19):2486-97.
- 8. Fuchs SC, Castro MS, Fuchs FC. Adesão ao tratamento anti-hipertensivo. Hipertensão 2004;7(3):90-3.
- 9. Furtado BMAS, Araujo Júnior JLC, Cavalcanti P. O perfil da emergência do Hospital da Restauração: uma análise dos possíveis impactos após a municipalização dos serviços de saúde. Rev Bras Epidemiol. 2004;7(3):279-89.
- 10. Grundy SM, Cleeman JI, Daniels SR, Donato KA, Eckel RH, Franklin BA, et al. Diagnosis and management of the metabolic syndrome: an American Heart Association/National Heart, Lung, and Blood Institute Scientific Statement. Circulation 2005;112(17):273552.
- 11. Gus I, Harzheim E, Zalavsky C, Medina C, Gus M. Prevalência, reconhecimento e controle da hipertensão arterial sistêmica no estado do Rio Grande do Sul. Arq Bras Cardiol 2004;83(5):424-8.
- 12. Hajjar I, Kotchen TA. Trends in prevalence, awareness, treatment, and control of hypertension in the United States, 1988-2000. JAMA 2003;290(2):199-206.
- 13. Hymar DJ, Pavlik VN. Characteristics of patients with uncontrolled hypertension in the United States. N Engl J Med. 2001;345(7):47986.
- 14. Russel C, Dunbar P, Salisbury S, Sketris J, Kephart G. Hypertension control: results from the Diabetes Care Program of Nova Scotia registry and impact of changING clinical practice guidelines. Cardiovasc Diabetol. 2005;4(11). Disponível em http://www.cardiab.com/contents/4/1/11 [Acesso em 15 ago 2005]
- 15. Sala A, Nemes FilhoA, Eluf Neto J. Avaliação da efetividade do controle da hipertensão arterial em unidade básica de saúde. Rev Saude Publica. 1996:30(2):161-7.
- 16. Gomes MAM, Nobre F, Amodeo C, Kohlmann Jr O, Praxedes JN, Machado CA, et al. IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2004;82(Supl IV):7-14.
- 17. Sociedade Brasileira de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Sociedade Brasileira de Diabetes, Associação Brasileira para Estudos da Obesidade. I Diretriz brasileira de diagnóstico e tratamento da síndrome metabólica. Arq Bras Cardiol. 2004;84(Supl I):3-28.
- 18. Wang TJ, Vasan RS. Epidemiology of uncontrolled hypertension in the United States. Circulation 2005;112(11):1651-62.
Correspondência | Correspondence:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Maio 2007 -
Data do Fascículo
Jun 2007
Histórico
-
Aceito
27 Nov 2006 -
Revisado
02 Out 2006 -
Recebido
31 Mar 2006